TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL N° 0601822-64.2022.6.12.0000 – CAMPO GRANDE – MATO GROSSO DO SUL

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Camila Monteiro Brandão
Advogados: Marcelo Bonotto Demirdjian 
OAB: 20134/MS e outros

Recorrente: Sumaira Pereira Alves Abrahão
Advogado: Lucas Matto Grosso Pereira Ramalho
OAB: 27544/MS

Recorrente: Rafael Brandão Scaquetti Tavares
Advogados: Israel Nonato da Silva Junior 
OAB: 16771/DF e outra

Recorrente: Iara Diniz Contar

Advogados: Pedro de Castilho Garcia  OAB: 20236/MS e outros

Recorrido: União Brasil (UNIÃO)  Estadual
Advogados: André Luiz Gomes Antonio 
OAB: 16346/MS e outro 

Recorrido: Rhiad Abdulahad
Advogados: Danny Fabrício Cabral Gomes 
OAB: 6337/MS e outros 

Recorrido: Paulo Roberto Duarte
Advogados: Leonardo Saad Costa 
OAB: 9717/MS e outros

 

ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSOS ORDINÁRIOS. AIJE JULGADA PROCEDENTE EM PARTE. PRÁTICA DE ABUSO DE PODER E FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. NULIDADE DOS VOTOS DADOS AO PARTIDO PARA O RESPECTIVO CARGO. RECONTAGEM DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. RETOTALIZAÇÃO DAS RESPECTIVAS VAGAS. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELO PARTIDO POLÍTICO. NEGATIVA DE PROVIMENTO DOS DEMAIS RECURSOS ORDINÁRIOS E PERDA DE OBJETO DO AGRAVO INTERNO.

Síntese

O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, por unanimidade, rejeitou as preliminares aventadas – de inépcia da petição inicial, falta de interesse de agir e necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário com os demais candidatos a deputado estadual do partido réu – e, quanto ao mérito, julgou parcialmente procedentes os pedidos da petição inicial, para reconhecer o abuso de poder e a fraude na cota de gênero na eleição de 2022 para o cargo de deputado estadual, porquanto o partido réu indicou 2 candidaturas femininas fictícias e fraudulentas. Assentou que a agremiação apresentou seu DRAP contendo 25 candidatos a deputado estadual, sendo 17 homens e 8 mulheres. No entanto, foi constatado que a legenda participou das eleições com 16 candidaturas masculinas, tendo em vista que 1 candidato do sexo masculino também teve seu registro indeferido, e apenas 6 candidaturas femininas, descumprindo o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Da análise das alegações de nulidades processuais objeto dos recursos ordinários

1. A petição inicial não é inepta quando as hipóteses descritas no art. 330, § 1º, do CPC não ficaram evidenciadas, mormente porque traz a causa de pedir próxima (fundamento jurídico) e remota (fatos), contendo pedido certo e determinado.

2. É inviável o conhecimento da alegação de nulidade do julgamento – ao argumento de ser nulo o voto proferido por juiz do TRE, da classe dos advogados, que exerceria função incompatível com o exercício da magistratura eleitoral – tendo em conta que a matéria não foi suscitada no momento oportuno, isto é, quando opostos os embargos de declaração na Corte regional, tratando-se de inovação de tese recursal, sobre a qual não se instauraram o contraditório e a ampla defesa.

2.1. O TSE já assentou que, “se não debatida a tese na instância de origem, reconhecê-la, mesmo em recurso ordinário, implicaria supressão de instância” (AgR-RO nº 5203-10/PB, rel. Min. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17.3.2015, DJe de 27.3.2015). O TSE já decidiu que, “na linha do art. 278 do CPC/2015, ‘a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão’, ao passo que ‘não se admite transpor instâncias [...] para somente então arguir a nulidade, em verdadeiro armazenamento tático’ [...]” (RO-El nº 0600440-52/PB, rel. Min. Benedito Gonçalves, PSESS de 17.12.2022).

3. A inexistência de citação do presidente do partido na qualidade de litisconsorte passivo necessário não foi suscitada no momento oportuno, tratando-se de inovação de tese recursal.

3.1. Ainda assim, este Tribunal Superior rejeitou, por maioria, a fixação de tese no sentido da obrigatoriedade de inclusão dos dirigentes partidários, como litisconsortes passivos necessários, nas ações de investigação judicial eleitoral fundadas em fraude na cota de gênero. Os dirigentes partidários, quando muito, podem figurar na relação jurídica, mas como litisconsortes facultativos. Precedentes.

3.2. Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, é inexigível a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, sendo obrigatória apenas entre os eleitos, os quais sofrem, diretamente, a cassação de seus diplomas ou mandatos. Os suplentes são litisconsortes meramente facultativos. Precedente.

4. O julgamento antecipado da lide pressupõe a existência de questão de mérito exclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, a desnecessidade da produção de outras provas.

4.1. A jurisprudência pátria é no sentido de que “[...] não é nula a sentença proferida em julgamento antecipado, sem prolação de despacho saneador, desde que estejam presentes nos autos elementos necessários e suficientes à solução da lide” (STJ: AgInt no REsp nº 1.681.460/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3.12.2018, DJe de 6.12.2018), como se deu no caso.

4.2. Este Tribunal Superior tem a compreensão de que, inexistindo necessidade de dilação probatória, é possível o julgamento antecipado. Na espécie, trata-se de fatos provados documentalmente, prescindindo-se da dilação probatória, de modo que o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I, do CPC não configura ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, mormente porque não ficou comprovado prejuízo real e efetivo para as partes.

5. É pacífico o entendimento desta Corte pela impossibilidade de pessoas jurídicas figurarem no polo passivo da AIJE, tendo em vista que não podem suportar as sanções impostas pela LC nº 64/1990, quais sejam, cassação de mandato e inelegibilidade. Precedentes.

5.1. De ofício, deve ser reconhecida a ilegitimidade do partido para figurar no polo passivo da AIJE, devendo ser excluído da lide.

6. Sob pena de indevida supressão de instância, é inviável o conhecimento da alegação de nulidade do acórdão por impossibilidade de o advogado constituído realizar sustentação oral, haja vista não ter sido esse tema objeto de embargos de declaração, inexistindo deliberação sobre a matéria.

7. Inexiste nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, haja vista que, nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, “o julgado apenas se apresenta omisso quando, sem analisar as questões colocadas sob apreciação judicial ou mesmo promovendo o necessário debate, deixa, num caso ou no outro, de ministrar a solução reclamada” (EDclAgRgREspe nº 28.453/RN, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgados em 26.11.2009, DJe de 10.3.2010), o que não ocorre na presente hipótese.

7.1. As matérias apontadas pela parte recorrente como não apreciadas no acórdão regional – a saber, de que a substituição de candidaturas é uma faculdade e não uma obrigação do partido; de impossibilidade de substituição de candidatos com registros deferidos; de ausência de intimação do partido para substituir as candidatas que tiveram seu registro indeferido; e da jurisprudência do TSE no sentido de que o bem jurídico do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 é atingido com a escolha e o pedido de registro dos candidatos – apenas foram alegadas em âmbito de embargos de declaração, configurando inovação recursal.

7.2. Não ocorre também omissão porquanto, na jurisprudência pátria, “[...] é vedada a inovação recursal em sede de embargos de declaração, ainda que sobre matéria considerada de ordem pública, haja vista o cabimento restrito dessa espécie recursal às hipóteses em que existente vício no julgado” (STJ: EDcl no REsp nº 1.776.418/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgados em 9.2.2021, DJe de 11.2.2021), de modo que não há falar em nulidade do acórdão recorrido.

8. Esta Corte firmou a compreensão de ser possível a apuração de fraude em AIJE, por constituir tipo de abuso de poder, estabelecendo-se que as consequências são a cassação do mandato dos eleitos e do diploma dos suplentes e a declaração de inelegibilidade dos diretamente envolvidos na fraude. Precedentes.

9. Não merece prosperar a alegação da parte recorrente de ausência de intimação para exercer o direito ao contraditório quanto a documentos juntados extemporaneamente relativos às candidaturas fraudulentas – quais sejam, print derivado do sítio eletrônico DivulgaCand, no qual consta a contratação de cabo eleitoral, e formulário com pedido de desincompatibilização de cargo público –, haja vista a existência de anterior manifestação sobre o documento relativo à sua contratação.

9.1. Não se reconhece nulidade sem a demonstração de efetivo prejuízo dela decorrente.

Da análise do mérito

10. A soma dos elementos fixados no acórdão recorrido e constantes dos autos do processo permite concluir que as duas candidaturas femininas registradas pela grei tiveram como fim burlar a regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, a saber: (a) uma candidatura não preenchia todas as condições de elegibilidade – ausente a quitação eleitoral por não prestação de contas da campanha relativa às eleições de 2020; (b) a outra candidatura não comprovou a desincompatibilização tempestiva do cargo que ocupava na Administração Pública; (c) não ocorreram atos de preparação de campanha com relação a nenhuma das candidatas, não havendo informações sobre comitê, contratação de cabo eleitoral, santinhos ou outro material de campanha; (d) duas postagens em rede social datadas de 6 e 18.8.2022, em que se divulgava uma “candidatura” ao cargo de deputado estadual, sem comprovação de atos concretos de campanha; (e) o partido tinha ciência da inexistência de quitação eleitoral, considerada a informação constante entre os documentos apresentados para o registro de candidatura; (f) para embasar o entendimento de que a legenda tinha ciência da inviabilidade da candidatura, verifica-se que a contestação à impugnação ao pedido de registro de candidatura foi feita pela grei e pela candidata, conforme documento de id. 159032932, fl. 27; (g) o partido também tinha conhecimento da não comprovação do afastamento do cargo público municipal por uma das candidaturas apresentada; (h) a agremiação, nos autos do processo de registro de candidatura, em atendimento à intimação, juntou documento nominado “‘termo de comunicação de afastamento para campanha eleitoral, datado de 18.08.2022 e assinado apenas pela candidata requerente’”, sem protocolo do órgão ao qual estava vinculada; (i) os acórdãos de indeferimento das candidaturas foram publicados nas sessões de 1º.9.2022 e 29.8.2022, com trânsito em julgado, respectivamente, em 4.9.2022 e em 1º.9.2022; (j) não foram interpostos recursos dos acórdãos regionais em que se indeferiram os registros de candidaturas; (k) embora não tenha ocorrido intimação para substituição das candidaturas, o partido – ciente da inviabilidade delas, conforme mencionado alhures – não substituiu as candidaturas femininas indeferidas, ainda que existente tempo hábil para tanto; (l) houve contratação de uma das candidatas femininas como cabo eleitoral do candidato ao Governo do Estado pelo partido ao qual era filiada, em momento anterior ao trânsito em julgado do acórdão de indeferimento do seu registro de candidatura; (m) existência de prestação de contas zerada.

10.1. Consoante já decidiu este Tribunal Superior, “[...] ao se julgar o DRAP, não se analisa o mérito de cada um dos registros (para aferir as condições de elegibilidade e a falta de inelegibilidades), mas apenas se verifica a regularidade dos documentos do próprio partido” (AgR-REspe nº 685-65/MT, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 28.5.2020, DJe de  31.8.2020), o que afasta a alegação recursal de que o processamento do DRAP é o momento para a análise do cumprimento da cota de gênero.

10.2. O TSE assentou que “a interpretação dos dispositivos atinentes à promoção da igualdade de gênero deve ser feita de modo a conferir máxima efetividade ao princípio da igualdade, o que, na espécie, consiste em levar em conta o número de candidaturas efetivamente requeridas, sem decotar, desse total, a candidatura fictícia” (AREspE nº 0600877-41/ES, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 6.11.2023, DJe de 28.11.2023).

10.3. O entendimento desta Corte Superior de que “as agremiações partidárias, como pessoas jurídicas essenciais à realização dos valores democráticos, devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais – são dotados de eficácia transversal – mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa”. Nessa linha, salientou, ainda, que, caso venha a ser questionada a candidatura, “[...] o partido deve, se ainda viável a substituição nos autos do DRAP, fazer as adequações necessárias à proporção mínima de candidaturas masculinas e femininas. Não o fazendo a tempo e modo, as candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou com razoável dúvida sobre a sua viabilidade, podem ser consideradas fictas para fins de apuração de alegada fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97” (REspEl nº 0600965-83/MA, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 29.8.2023, DJe de 15.9.2023).

10.4. A partir desses parâmetros hermenêuticos, também no presente caso, permite-se concluir que o registro das candidaturas se deu tão somente para fraudar o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, considerando a insistência do partido em manter as candidaturas inviáveis como integrantes de sua cota mínima sem proceder às substituições nos autos do DRAP, embora existente tempo hábil para tanto, visto que os registros foram indeferidos, respectivamente, em 1º e 4.9.2022, e as candidaturas poderiam ser substituídas até 12.9.2022 (20 dias antes do pleito), associada à inação das candidatas em nem sequer recorrer das decisões de indeferimento de seus registros.

10.5. Consoante tem reconhecido esta Corte, “admite-se, portanto, que a má-fé na formação da chapa proporcional seja revelada com base em comportamentos posteriores, do partido e das candidatas, que tomados em conjunto evidenciem nunca ter havido interesse real na viabilidade das candidaturas femininas” (RO-El nº 0601884-67/RO, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22.9.2022, DJe de 30.9.2022).

11. Com a apreciação dos recursos, fica prejudicado o agravo interno objetivando a reforma da decisão que indeferiu o pedido de efeito suspensivo.

12. Não se conhece do recurso quanto ao PRTB, por força de sua ilegitimidade, e nega-se provimento aos recursos ordinários interpostos pelos demais recorrentes, julgando-se prejudicado, por conseguinte, o agravo interno.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, preliminarmente, por unanimidade, em indeferir os pedidos de retirada do processo da pauta de julgamento, e, no mérito, também por unanimidade, em não conhecer do recurso do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) – Estadual e negar provimento aos demais recursos ordinários, julgando prejudicado, por conseguinte, o agravo interno, nos termos do voto do relator. 

 

Brasília, 6 de fevereiro de 2024.

 

MINISTRO RAUL ARAÚJO –  RELATOR

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhor Presidente, União Brasil (UNIÃO) – Estadual e Rhiad Abdulahad, candidato a deputado estadual, ajuizaram Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por abuso de poder e fraude na cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997) em desfavor do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) – Estadual, das candidatas não eleitas e do candidato eleito ao cargo de deputado estadual nas eleições de 2022 no Estado de Mato Grosso do Sul, quais sejam: Camila Monteiro Brandão, Sumaira Pereira Alves Abrahão e Rafael Brandão Scaquetti Tavares.

Na petição inicial, os autores alegaram que o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) – Estadual lançou as candidaturas de Sumaira Pereira Alves Abrahão e Camila Monteiro Brandão na sua Declaração de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) apenas para cumprir o percentual de gênero da lei. Afirmaram que os seus registros não poderiam ser deferidos, respectivamente, por ausência de condição de elegibilidade — ausência de quitação eleitoral por não prestação de contas da campanha eleitoral relativa às eleições de 2020 — e falta de desincompatibilização tempestiva do cargo público que ocupava. Ao final, requereram: (a) a anulação dos votos do PRTB para o cargo de deputado estadual, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário; (b) a condenação dos requeridos ao pagamento de multa; e (c) a declaração da inelegibilidade das candidatas e do candidato investigados.

Os representados apresentaram defesas.

Na sequência, foram apresentadas alegações finais pelas partes, vindo aos autos manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral.

Rodrigo de Souza Lins e Iara Diniz Contar (ids. 159033127 e 159033135), requereram sua admissão no feito, alegando sua condição de suplente do cargo de deputado estadual, tendo sido admitidos como assistentes simples dos ora recorrentes (id. 159033139).

Por ocasião do julgamento da referida ação eleitoral, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, por unanimidade, rejeitou as preliminares aventadas — de inépcia da petição inicial, falta de interesse de agir e de necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário com os demais candidatos a deputado estadual do PRTB — e, quanto ao mérito, julgou parcialmente procedentes os pedidos da petição inicial, para reconhecer o abuso de poder e a fraude na cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997) na eleição para o cargo de deputado estadual de 2022, por parte dos requeridos PRTB/MS, Sumaira Pereira Alves Abrahão e Camila Monteiro Brandão, e, por consequência, declarou a inelegibilidade, por 8 anos, das mencionadas candidatas com fundamento no art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/1990 e, ainda, anulou os votos do PRTB/MS dados a todos os candidatos ao respectivo cargo, determinando a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), com a retotalização das respectivas vagas (id. 159033148). O acórdão recorrido ficou assim ementado (id. 159033151):

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À COTA DE GÊNERO PREVISTA NO ART. 10, § 3.º, DA LEI N.º 9.504/97. PRELIMINARES – INÉPCIA DA INICIAL – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DE TODOS OS CANDIDATOS – REJEITADAS – MÉRITO – PARTIDO QUE APRESENTA CANDIDATURAS COM VISÍVEIS IMPEDIMENTOS PARA O REGISTRO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ATOS DE CAMPANHA – ABUSO DO PODER E FRAUDE COMPROVADAS – INELEGIBILIDADE DAQUELES QUE EFETIVAMENTE PARTICIPARAM DA FRAUDE – NULIDADES DOS VOTOS DO PARTIDO PARA O RESPECTIVO CARGO – RETOTALIZAÇÃO DOS QUOEFICIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO – REDISTRIBUIÇÃO DAS VAGAS – PROCEDÊNCIA.

Afasta-se a preliminar de inépcia da inicial quando a mesma traz, de forma clara e objetiva, a causa de pedir (remota e próxima) e o pedido inicial, havendo nítida conexão lógica entre a pretensão deduzida e os fatos e fundamentos jurídicos expostos.

A AIJE – Ação de Investigação Judicial Eleitoral é instrumento processual adequado para apurar suposta fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97, estando presente o interesse processual quando evidenciado o binômio necessidade – adequação.

Candidatos suplentes e aqueles não eleitos não formam litisconsórcio passivo necessário, mas apenas facultativo, pois não são atingidos, diretamente, pelos efeitos da decisão que eventualmente acolher o pedido de anulação dos votos do partido.

A interpretação que a Justiça Eleitoral deve conferir ao art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97 é aquela que permita a norma produzir o seu máximo de eficácia, como forma de garantir, materialmente, durante toda a campanha, o mínimo de participação de cada gênero no processo eleitoral brasileiro.

Configura evidente fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3.º, da Lei .º 9.504/97, quando a documentação apresentada nos autos, além de não demonstrar nenhum ato concreto de campanha das candidatas impugnadas, também comprova que o Partido (PRTB/MS) apresentou em seu DRAP – Declaração de Regularidade de Atos Partidários – duas candidaturas que não tinham, desde o início e com sua ciência, qualquer condição de terem seus registros deferidos, porque esbarravam em inelegibilidade por ausência de prestação de contas em campanha anterior e falta de desincompatibilização tempestiva do cargo público que ocupava, fazendo com que o Partido, mesmo intimado das decisões, deixasse de substitui-las ou de reduzir o número de candidatos homens e, com isso, concorresse ao cargo de Deputado Estadual com número de candidatas mulheres inferior ao exigido pela Lei.

Configurada a fraude à cota de gênero, em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, impõe-se a declaração de inelegibilidade de todos aqueles que, comprovadamente, participaram da fraude, e a anulação de todos os votos dados ao Partido para o respectivo cargo, com a recontagem dos quoeficientes eleitoral e partidário e a retotalização das vagas.

Ao referido acórdão foram opostos três embargos de declaração: o primeiro por Sumaira Pereira Alves Abrahão (id. 159033156), o segundo por Rafael Brandão Scaquetti Tavares (id. 159033159) e o terceiro por Camila Monteiro Brandão (id. 159033172). Antes do julgamento dos embargos de declaração, Sumaira Pereira Alves Abrahão e Camila Monteiro Brandão (id. 159033175) e PRTB – Estadual e Iara Diniz Contar (id. 159033178) interpuseram recursos ordinários.

Na ocasião, Paulo Roberto Duarte, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual pelo Partido Social Brasileiro (PSB), pugnou pela sua admissão no feito, tendo sido admitido na condição de assistente simples na decisão de id. 159033214.

Os embargos de declaração foram rejeitados pela Corte regional, à míngua dos vícios alegados (id. 159033222). Contra o acórdão e seu integrativo foi interposto também recurso ordinário por Rafael Brandão Scaquetti Tavares (id. 159033226).

Nas razões do recurso ordinário (id. 159033175), com pedido de efeito suspensivo, Sumaira Pereira Alves Abrahão e Camila Monteiro Brandão alegaram, de início, nulidades do processo: (a) nulidade do voto proferido pelo Juiz do TRE/MS, Dr. José Eduardo Chemin Cury, tendo em vista que seu nome consta em processos como administrador judicial, função que seria demissível ad nutum e incompatível com o exercício da magistratura eleitoral; (b) inépcia da petição inicial — por falta de causa de pedir, tendo em vista que, na petição inicial, não há menção à conduta fraudulenta praticada pelas ora recorrentes e da narração dos fatos não decorre a conclusão pretendida, isto é, aplicação da sanção de inelegibilidade —; (c ) ocorrência da decadência, haja vista a ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com o presidente do partido — responsável pelas supostas irregularidades do DRAP ou pela ausência de substituição das candidatas — e demais suplentes, candidatos a deputado estadual do PRTB.

Alegam, ainda, ter ocorrido afronta ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa e à boa-fé, na medida em que apenas na ocasião do julgamento da AIJE pela Corte regional foram analisados os pedidos de produção de provas pelas partes — oitiva das ora recorrentes formulado pela parte autora, e oitiva de testemunhas, pela parte ré. Defendem, assim, que não houve a devida instrução processual, tendo sido julgado antecipadamente o pedido da AIJE.

Acrescentaram que, quanto ao motivo do indeferimento do registro de candidatura da primeira recorrente, Sumaira Pereira Alves Abrahão, as contas da campanha eleitoral de 2020 não foram prestadas porque os documentos relativos àquele pleito foram subtraídos, encontrando-se o fato em apuração pela Polícia Civil do Estado de Mato Grosso. Por sua vez, quanto ao indeferimento da candidatura da segunda recorrente, Camila Monteiro Brandão, este se deu por inexperiência e ausência de verba pública e privada para contratar assessoria adequada para orientação da campanha.

Defendem, ademais, que não ficou demonstrada a fraude na cota de gênero, porquanto o indeferimento das suas candidaturas, por si só, não a caracteriza.

No ponto, argumentam que, para a solução do caso concreto, devem ser considerados os seguintes aspectos:

a) a ausência de votação se deu porque suas candidaturas foram indeferidas;

b) o partido não lhes disponibilizou dinheiro público, sendo irrisório o gasto na campanha entre aqueles candidatos que tiveram alguma movimentação financeira; c) não possuem grau de parentesco algum com os dirigentes do partido ou com qualquer outra filiado do PRTB – Estadual;

d) o lançamento das suas candidaturas não se deu de forma tardia;

e) há provas nos autos de que as recorrentes tinham intenção de concorrer, pois realizaram atos efetivos de campanha com pedido de voto, mediante postagens em redes sociais, participação em podcast, adesivo e santinho, provas desconsideradas pela Corte regional;

f) houve indeferimento também de candidatura masculina;

g) o momento para análise do cumprimento da cota de gênero é o do processamento do DRAP, o qual teve sua regularidade reconhecida por esta Justiça especializada com decisão que transitou em julgado;

h) “A responsabilidade do partido em relação às cotas femininas só poderia ressurgir neste estágio caso fosse constatada qualquer irregularidade e, se fosse o caso, o partido haveria de ser intimado para sanar qualquer falha ou omissão ou substituir as candidatas, o que também nunca ocorreu” (id. 159033175, fl. 65);

i) a não intimação do partido gera a presunção de boa-fé em relação à regularidade do DRAP, o que obsta a aplicação de sanção ao partido e às candidatas; e

j) o julgamento de procedência requer a presença de provas robustas, que não ocorreram no caso.

Afirmam que a manutenção do julgado não traria para a ação afirmativa nenhum efeito prático, uma vez que não tem nenhuma aptidão para fomentar candidaturas femininas, mormente se considerado o fato de que o autor da AIJE é do sexo masculino.

Ao final, as recorrentes requerem seja provido o recurso, reconhecendo a nulidade do acórdão recorrido, ou, subsidiariamente, a reforma do aresto recorrido, a fim de se concluir pela improcedência dos pedidos formulados na AIJE por ausência de provas robustas, ou, se outro for o entendimento, a exclusão da sanção de inelegibilidade por 8 anos que lhes foi imposta e da sanção de perda de mandato imposta a Rafael Tavares.

Nas razões de recurso ordinário (id. 159033178), com pedido de efeito suspensivo, o PRTB – Estadual e Iara Diniz Contar alegaram, de início, nulidades do acórdão por violação ao contraditório e ampla defesa, pois, embora tenha manifestado tempestivamente interesse, não foi possibilitado ao advogado dos recorrentes a realização de sustentação oral por videoconferência, consoante previsto art. 7º, X, do Estatuto da Advocacia. Sustentam, assim, que houve violação da prerrogativa do advogado de sustentar oralmente durante a sessão, fator que enseja em grave prejuízo (id. 159033178, fl. 37).

Alegam que a Corte regional, no acórdão recorrido, ao julgar antecipadamente o feito, teria cerceado o seu direito de defesa, visto que impediu a devida instrução processual. No ponto, ponderam que, para a demonstração da fraude na cota de gênero, é necessária a presença de provas robustas, o que não se verifica, na espécie, porquanto os recorridos não apresentaram indícios mínimos de que teria havido má-fé do partido ora recorrente.

Invocando o princípio da eventualidade, defendem que “[...] as situações que atingiram as candidaturas indeferidas, de duas mulheres e um homem, fugiram completamente da possibilidade do prévio conhecimento do partido, que não poderia sequer prever a existências de elementos aptos a causarem a impugnação das candidaturas” (id. 159033178). Nesse sentido, esclarecem que os candidatos e candidatas foram escolhidos em convenção partidária, exigindo-se, para tanto, que fossem apresentadas ao menos as certidões exigidas pela Justiça Eleitoral.

Afirmam, assim, que o Tribunal a quo desconsiderou a necessidade de demonstração do dolo para a caracterização da fraude por meio de acervo probatório robusto. Nesse sentido, indica os seguintes acórdãos desta Corte: REspEl nº 0600565-15/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques e RO nº 0600086-33/TO, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 29.5.2018.

Sustentam que não estão presentes os parâmetros fixados por esta Corte para o reconhecimento da fraude na cota de gênero, sendo as alegações dos ora recorridos mera ilações baseadas em presunção.

Esclarecem que não houve repasse de verba pública para a campanha eleitoral dos candidatos e candidatas, porquanto a agremiação ora recorrente não recebeu verba do Fundo Eleitoral, de modo que cada candidato e candidata concorreram às suas expensas.

Ao final, requerem o provimento do recurso, reconhecendo a nulidade do acórdão recorrido, ou, se outro for o entendimento, a reforma do acórdão recorrido, tendo em vista que “[...] não restou comprovado pelos Recorridos a ocorrência de fraude, e que sem a robusta demonstração de dolo não há que se falar em cassação da chapa de deputados do Recorrente” (id. 159033178).

Por sua vez, nas razões de recurso ordinário (id. 159033226), com pedido de efeito suspensivo, Rafael Brandão Scaquetti Tavares alega nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, considerando que, mesmo com a oposição de embargos de declaração, a Corte regional não se manifestou a respeito das seguintes matérias:

a) inadequação da AIJE para apurar fraude na cota de gênero;

b) ausência de citação dos dirigentes partidários e dos candidatos com registros deferidos;

c) ausência de intimação do recorrente para contraditar documentos juntados extemporaneamente;

d) o fato de a substituição de candidaturas ser uma faculdade, não uma obrigação do partido;

e) impossibilidade de substituição de candidatos com registros deferidos;

f) ausência de intimação do partido para substituir as candidatas que tiveram seu registro indeferido;

g) jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o bem jurídico do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 é atingido com a escolha e o pedido de registro dos candidatos (id. 159033226).

Alega, ainda, as seguintes nulidades do feito:

a) inadequação da AIJE para apurar a fraude na cota de gênero, porquanto a ação adequada é a AIME, de modo que houve ofensa ao art. 22, caput, da LC nº 64/1990;

b) ausência de citação dos dirigentes partidários para integrar o polo passivo da ação. Desse modo, aduz que se operou a decadência, pois a AIJE deve ser proposta até a data da diplomação, de forma que fica inviabilizada a emenda à petição inicial para incluir no polo passivo os dirigentes partidários, a fim de apurar sua responsabilidade tanto na escolha quanto a não promoção da substituição das candidatas;

c) ausência de citação dos candidatos com registros deferidos, “[...] imprescindível para apurar as razões por que tais candidatos não renunciaram às suas candidaturas e, se por ato ou omissão, participaram ou anuíram com a fraude alegada na petição inicial” (id. 159033226);

d) ausência de intimação do ora recorrente para exercer o direito ao contraditório quanto a documentos e fundamentos inéditos, nos termos dos arts. 10 e 437 do Código de Processo Civil.

Sustenta que a conclusão da Corte regional não deve subsistir, pelos seguintes fundamentos:

a) a substituição é uma faculdade do partido;

b) o partido não foi intimado para substituir as candidatas cujos registros foram indeferidos;

c) o bem jurídico tutelado pelo art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 é atingido com a escolha e o pedido de registro dos candidatos;

d) o cálculo dos percentuais de candidatos para cada gênero terá como base o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político, e não as deferidas;

e) não pode o partido substituir candidatos com registros deferidos, a não ser que estes renunciassem às suas candidaturas.

Ao final, requer seja provido o recurso, reconhecendo a nulidade do acórdão recorrido, ou, se outro for o entendimento, a reforma do acórdão recorrido (id. 159033226).

União Brasil – Estadual e Rhiad Abdulahad, respectivamente, apresentaram contrarrazões (ids. 159033184 e 159033192), nas quais pugnam, de início, pelo não conhecimento dos recursos ordinários interpostos pelo PRTB – estadual e Iara Diniz Contar e por Camila Monteiro Brandão e Sumaira Pereira Alves Abrahão, por inobservância ao princípio da dialeticidade recursal, e, caso superado esse entendimento, pela negativa de provimento, porque ficou configurada a fraude na cota de gênero.

Paulo Roberto Duarte apresentou contrarrazões (id. 159033230), nas quais pugna pela negativa de provimento do recurso interposto por Rafael Brandão Scaquetti Tavares.

Rhiad Abdulahad e União Brasil – Estadual, respectivamente, apresentaram contrarrazões (ids. 159033232 e 159033234),  nas quais pugnam, de início, pelo não conhecimento do recurso ordinário interposto por Rafael Brandão Scaquetti Tavares, por inobservância ao princípio da dialeticidade recursal, inovação recursal da tese de ausência de citação dos dirigentes partidários, e, caso superado esse entendimento, pela negativa de provimento, porque ficou configurada a fraude na cota de gênero.

Por decisão de id. 159051827, o pedido de efeito suspensivo pleiteado pelos recorrentes foi indeferido em decisão com a seguinte ementa:

Eleições 2022. Deputado estadual. Recursos ordinários. AIJE julgada procedente em parte. Prática de abuso de poder e fraude na cota de gênero. Nulidade de todos os votos dados ao partido para o respectivo cargo. Recontagem dos quocientes eleitoral e partidário. Retotalização das respectivas vagas. Pedido de efeito suspensivo aos recursos ordinários. Inexistência de determinação de imediata execução do acórdão recorrido. Efeito suspensivo ope legis. Art. 257, § 2º, do CE. Nada a prover. Declaração de inelegibilidade das candidatas investigadas. Pedido de efeito suspensivo. Ausência de demonstração cumulativa dos requisitos autorizadores da medida.  Indeferimento. Remessa dos autos à PGE para a emissão de parecer. 

Sobreveio a interposição de agravo interno de id. 159076709, pelo qual Camila Monteiro Brandão requer, de início, a suspensão do feito, tendo em vista a irregularidade da representação processual de Sumaira Pereira Brandão. No ponto, esclarece que

[...] Sumaira Pereira Alves Brandão apresentou aos 18 de maio de 2023, documento de revogação de mandato datado de 03 de abril de 2023 (anexo).

Art. 111. A parte que revogar o mandato outorgado a seu advogado constituirá, no mesmo ato, outro que assuma o patrocínio da causa.

Parágrafo único. Não sendo constituído novo procurador no prazo de 15 (quinze) dias, observar-se-á o disposto no art. 76.

Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.

Neste sentido, requer que seja suspenso o processo, até regularização do feito.

No mais, defende o desacerto da decisão agravada, ao argumento de que não é suficiente para o indeferimento do pedido de efeito suspensivo a menção de que não está presente o perigo da demora, na medida em que possui interesse em concorrer nas próximas eleições.

Conclui, desse modo, pela suspensão do processo até que Sumaira Pereira Alves Brandão constitua novo procurador, devendo ser intimada pessoalmente para tal, nos termos do art. 111 e 76 do CPC. No entanto, caso outro seja o entendimento, pleiteia o provimento do agravo interno para que seja emprestado efeito suspensivo ao recurso ordinário. Requer: (a) a intimação da agravada para responder no prazo legal; e (b) seja assegurado aos advogados subscritores o direito à sustentação oral, quando do julgamento, na forma do art. 937, § 3º, do CPC e da Lei nº 14.365/2022.

A Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pela negativa de provimento aos recursos ordinários, em parecer assim ementado (id. 159508139):

Eleições 2022. Deputado Estadual. Recurso ordinário. Ação de investigação judicial eleitoral (AIJE). Fraude à cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97).

Fatos e fundamentos concatenados, acompanhados de prova documental. O litisconsórcio passivo, em ações que apuram fraude à cota de gênero, somente é necessário entre os candidatos eleitos. O julgamento antecipado da lide, quando fundado na suficiência das provas apresentadas, não ofende os princípios do contraditório e ampla defesa. A fraude à cota de gênero pode ser apurada por ação de investigação judicial. Jurisprudência. O órgão julgador não está obrigado a enfrentar todos os argumentos das partes, mas apenas aqueles capazes de, em tese, infirmar a conclusão da decisão.

Standard probatório fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral para a caracterização da fraude. Registro de candidaturas inviáveis. Inércia perante indeferimento dos registros. Ausência de substituição. Conjunto de evidências apto para a comprovação da candidatura fictícia. Parecer pelo desprovimento dos recursos ordinários.

Em petição de id. 159583203, Rafael Brandão Scaquetti Tavares, em síntese, reitera as razões do recurso ordinário, contestando os termos do parecer de  id. 159508139. Afirma que a PGE não se manifestou em relação a todos os argumentos deduzidos nas razões recursais. Pugna, ao final, pela remessa dos autos para nova manifestação.

Na sequência, Camila Monteiro Brandão, junta petição de id. 159592550, na qual requer, de início, a suspensão do processo para que a recorrente Sumaira Pereira Alves Brandão regularize sua representação processual, na medida em que o Dr. Bruno Marques Maia, a Dra. Mayara Hortência Cardoso Gonçalves e o Dr. Marcelo Demirdjian, não mais a representam, conforme documento juntado aos autos; nova vista dos autos à PGE para que se manifeste sobre o vício de jurisdição e os demais argumentos e provas não sopesados no parecer de id. 159508139. No mais, reitera as alegações do recurso ordinário, pugnando pela nulidade do processo ou, se outro for o entendimento, pela extinção do feito por não ter ocorrido fraude na cota de gênero.

Em 4.2.2024, Camila Monteiro Brandão peticiona requerendo a suspensão do feito sob o argumento de que Sumaira Pereira Alves Abrahão e o PRTB estariam sem representação processual (id. 160050403).

Em 6.2.2024, Rafael Brandão Scaquetti Tavares peticiona solicitando a retirada do feito da pauta de julgamento, sob o argumento de necessidade de formação de litisconsórcio necessário (id. 160057467).

É o relatório.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (relator): Senhor Presidente, de início, registra-se que foram apresentadas petições incidentais (ids. 160050403 e 160057467) requerendo a suspensão do feito e retirada do processo da pauta de julgamento. No entanto, indefere-se os pedidos, tendo em vista que as matérias nelas deduzidas serão apreciadas no voto. Prossegue-se com a análise dos recursos.

Os três recursos ordinários são tempestivos, tendo sido interpostos por advogados devidamente constituídos nos autos.

A recorrente Camila Monteiro Brandão juntou aos autos procuração de id. 159033092, outorgando poderes ao subscritor do recurso, Dr. Marcelo Bonotto Demirdjian e ao Dr. Bruno Marques Maia e Dra. Mayara Hortência Cardoso Gonçalves.

A recorrente Sumaira Pereira Alves Brandão juntou procuração de id. 159033079, outorgando poderes ao Dr. Pedro de Castilho Garcia e aos Drs. Ramatis Aguni Magalhães, João Urbano Dominoni Neto e Lucas Matto Grosso Pereira Ramalho e, posteriormente, substabelecimento de id. 159033157, no qual apenas os três primeiros advogados substabeleceram, sem reservas, ao Dr. Marcelo Bonotto Demirdjian, subscritor do recurso ordinário, e ao Dr. Bruno Marques Maia e à Dra. Mayara Hortência Cardoso Gonçalves.

Posteriormente, a recorrente juntou aos autos documento de id. 159076712, revogando, após a interposição do recurso ordinário, os poderes outorgados aos Drs. Marcelo Bonotto Demirdjian e Bruno Marques Maia e à Dra. Mayara Hortência Cardoso Gonçalves. Desse modo, persiste a regularidade da representação processual em relação ao Dr. Lucas Matto Grosso Pereira Ramalho, de modo que é desnecessária a intimação da recorrente Sumaira Pereira Alves Brandão para regularizá-la.

O PRTB – Estadual e Iara Diniz Contar juntaram procurações de ids. 159033075 e 159033136, em ambas outorgando poderes ao subscritor do recurso, Dr. João Urbano Dominoni Neto e aos Drs. Pedro de Castilho Garcia e Ramatis Aguni Magalhães.

Por sua vez, o recorrente Rafael Brandão Scaquetti Tavares juntou procuração de id. 159032951, outorgando poderes aos Drs. Marcelo Bonotto Demirdjian e Bruno Marques Maia e à Dra. Mayara Hortência Cardoso Gonçalves; substabelecimento de ids. 159033123, com reserva de poderes, ao Dr. Alexandre Barros Padilhas e, posteriormente, substabelecimento de id. 159033160, no qual os quatro advogados mencionados substabeleceram, sem reserva de poderes, ao Dr. Israel Nonato da Silva Júnior, subscritor do recurso ordinário, e à Dra. Christiane Araújo de Oliveira.

Assim, consoante afirmado alhures, verifica-se a regularidade da representação processual dos recorrentes.

I - Pedido de retorno dos autos do processo para nova manifestação da PGE

Indefere-se o pedido formulado por Rafael Brandão Scaquetti Tavares (id. 159583203) e Camila Monteiro Brandão (id. 159592550) de retorno dos autos para nova manifestação da PGE, porquanto, consoante cediço, o parecer emitido pelo PGE não vincula o julgador, razão por que não há sentido na devolução dos autos do processo para nova manifestação.

II - Da alegada inviabilidade de conhecimento dos recursos ordinários por inobservância do princípio da dialeticidade

Afasta-se a alegação dos recorridos, arguida em contrarrazões aos recursos ordinários, de inobservância do princípio da dialeticidade, porquanto as razões recursais combatem os fundamentos do acórdão recorrido, de modo que não há óbice ao conhecimento das irresignações.

Dito isso, passa-se à análise das razões recursais, de forma a permitir melhor compreensão da controvérsia.

III - Da análise das alegações de nulidades processuais arguidas nos três recursos ordinários

1. Nulidades processuais arguidas por Sumaira Pereira Alves Abrahão e Camila Monteiro Brandão

1.1. Inépcia da petição inicial por falta de causa de pedir e por não decorrer da narração dos fatos uma conclusão lógica

Nas razões recursais, alega-se a inépcia da petição inicial.

No entanto, sem razão às recorrentes, dado que não é inepta a petição inicial quando as hipóteses descritas no art. 330, § 1º, do CPC não ficaram evidenciadas. Consoante bem assinalado pela Corte regional, a petição inicial “traz sua causa de pedir próxima (fundamento jurídico) e remota (fatos), manifestando, ainda, pedido certo e determinado” (id. 159033148).

Nesse sentido, extraem-se da petição inicial os seguintes trechos (id. 159032924, fls. 6-15):

11. Ocorre que, mesmo tendo as REQUERIDAS CAMILA e SUMAIRA seus registros de candidatura indeferidos pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, o PRTB, em flagrante má-fé, registrou o DRAP para deputados estaduais com 22 candidatos, sendo 16 homens e 8 mulheres, entretanto, duas dessas candidatas foram as Requeridas, que tiveram suas candidaturas indeferidas, assim, os RÉUS fraudaram o pleito eleitoral, uma vez que a chapa do PRTB não alcançou o percentual de composição feminina exigido em lei para o certame, tendo apresentado o índice de 6 mulheres para 16 homens, totalizando 22 candidatos e menos que o necessário, sendo necessário o índice de 7 mulheres para cumprimento da legislação.

12. Percebe-se, que os REQUERIDOS efetuaram abuso de poder político para perpetrar fraude eleitoral ao não fazer os necessários ajustes do DRAP, substituindo as candidatas cuja registro foi indeferido, ou diminuir o número de candidatos homens ao cargo de Deputado Estadual.

[...]

13. Analisando-se os dados da apuração, verifica-se que as REQUERIDAS CAMILA e SUMAIRA não obtiveram votos no escrutínio, pela óbvia razão de não terem suas candidaturas deferidas, entretanto, não foram oportunamente substituídas no DRAP do PRTB.

[...]

17. A vergonhosa e ilegal conduta dos RÉUS configura fraude à cota de gênero de candidaturas femininas e representa afronta aos princípios da igualdade, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político, na medida em que a ratio do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/199710 é ampliar a participação das mulheres no processo políticoeleitoral.1

[...]

32. É claramente o caso dos autos, onde CAMILA e SUMAIRA foram voluntariamente usadas pelo PRTB no DRAP, não fizeram campanha para si, não tiveram votos, mas serviram como instrumento para validar o DRAP no quesito de cotas e eleger o RÉU RAFAEL TAVARES, devendo todos ser punidos rigorosamente pela legislação eleitoral, devendo os votos recebidos pela legenda serem cassados, bem como decretada a inelegibilidade dos RÉUS, pois com verificação da fraude à quota de gênero é possível a cassação de toda a chapa, uma vez que, verificada a fraude, nem sequer o DRAP seria deferido porque a observância da cota de gênero é condição para a participação da coligação na disputa eleitoral.

Nesse contexto, não merece reparos o acórdão recorrido.

1.2. Da nulidade do julgamento – nulidade do voto proferido por juiz do TRE, da classe dos advogados, que exerce função incompatível com o exercício da magistratura eleitoral

As recorrentes alegam nulidade do processo, visto que o voto proferido pelo Juiz do TRE, Dr. José Eduardo Chemin Cury, seria nulo, pois seu nome consta em processos como administrador judicial, função que seria demissível ad nutum e incompatível com o exercício da magistratura eleitoral, nos termos do art. 2º, § 4º, do regimento interno do TRE/MS. No ponto, alega impedido do magistrado para figurar na composição da turma julgadora (id. 159033175, fl. 32).

No entanto, a matéria não foi suscitada pelas recorrentes no momento oportuno, isto é, quando opostos os embargos de declaração perante a Corte regional, tratando-se de inovação de tese recursal, sobre a qual não se instaurou o contraditório e a ampla defesa. Nesse contexto, “se não debatida a tese na instância de origem, reconhecê-la, mesmo em recurso ordinário, implicaria supressão de instância” (AgR-RO nº 5203-10/-PB, rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17.3.2015, DJe de 27.3.2015).

Nessa linha de entendimento, vale lembrar que esta Corte Superior já decidiu que, “na linha do art. 278 do CPC/2015, ‘a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão’, ao passo que ‘não se admite transpor instâncias [...] para somente então arguir a nulidade, em verdadeiro armazenamento tático’” (RO-El nº 0600440-52/PB, rel. Min. Benedito Gonçalves, PSESS de 17.12.2022).

Desse modo, é inviável o conhecimento dessa alegação.

1.3. Da alegada nulidade do processo por decadência da ação, decorrente da ausência de citação do presidente do partido e dos suplentes na qualidade de litisconsortes passivos necessários

No ponto, a Corte regional decidiu que “[...] os candidatos suplentes e aqueles não eleitos não formam litisconsórcio passivo necessário, mas apenas facultativo, pois não são atingidos, diretamente, pelos efeitos da decisão que eventualmente acolher o pedido de anulação dos votos do partido” (id. 159033151).

Conforme relatado, defende-se a extinção do feito por decadência da ação, haja vista a ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário no momento oportuno com o presidente do partido e os suplentes.

Quanto à alegada ausência de citação do presidente do partido na condição de litisconsorte passivo necessário, a matéria não foi suscitada pelas recorrentes no momento oportuno, tratando-se de inovação de tese recursal.

Frise-se, ainda assim, que o Tribunal Superior Eleitoral, na sessão de 13.6.2023, ao julgar os AREspEs nºs 0601556-31 e 0601558-98/SP, rejeitou, por maioria, a fixação de tese no sentido da obrigatoriedade de inclusão dos dirigentes partidários, como litisconsortes passivos necessários, nas ações de investigações judiciais eleitorais fundadas em fraude na cota de gênero. Firmou-se que “os dirigentes partidários, quando muito, podem figurar na relação jurídica, mas como litisconsortes facultativos”. Confira-se:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. COMPROVAÇÃO. INELEGIBILIDADE. CANDIDATAS. PRECLUSÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. TESE AFASTADA. PROVIMENTO.

1. A fraude à cota de gênero de candidaturas femininas representa afronta aos princípios da igualdade, da cidadania e do pluralismo político, na medida em que a ratio do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 é ampliar a participação das mulheres no processo político–eleitoral.

2. Pela moldura fática contida no Acórdão Regional, delineada a partir de conteúdo probatório contundente, é incontroverso: i) a obtenção de votação zerada pelas candidatas; ii) a inexistência de gastos financeiros; e iii) a ausência de atos efetivos de campanha.

3. Caracterizada a fraude, e, por conseguinte, comprometida a disputa, a consequência jurídica é: (i) a cassação dos candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap), independentemente de prova da participação, ciência ou anuência deles; (ii) a inelegibilidade daqueles que efetivamente praticaram ou anuíram com a conduta; (iii) a nulidade dos votos obtidos pela Coligação, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidários, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral. Cumprimento imediato, independente de publicação.

4. Sanção de inelegibilidade das candidatas estabilizada pela preclusão, uma vez constatado que, em nenhum momento processual, elas foram condenadas à pena personalíssima. Ausência de recurso eleitoral por parte dos autores (Ministério Público ou o Partido).

5. A exigência de litisconsórcio passivo necessário somente se faz indispensável quando presentes as partes integrantes da relação jurídica de direito material. Não é o caso dos autos, em que os dirigentes partidários, quando muito, podem figurar na relação jurídica, mas como litisconsortes facultativos.

 6. Agravos e Recurso Especiais providos.

(AREspE nº 0601558-98/SP, julgado em 13.6.2023, rel. designado Min. Alexandre de Moraes, DJe 24.8.2023 – grifos acrescidos)

Quanto à necessidade de inclusão no polo passivo dos suplentes, o TSE já decidiu ser inexigível a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, obrigatório apenas entre os eleitos, os quais sofrem, diretamente, a cassação de seus diplomas ou mandatos.

Assentou, assim, que “os suplentes não suportam efeito idêntico ao dos eleitos em decorrência da invalidação do DRAP, uma vez que são detentores de mera expectativa de direito, e não titulares de cargos eletivos. Enquanto os eleitos sofrem, diretamente, a cassação de seus diplomas ou mandatos, os não eleitos são apenas indiretamente atingidos, perdendo a posição de suplência. Não há obrigatoriedade de que pessoas apenas reflexamente atingidas pela decisão integrem o feito. Os suplentes são, portanto, litisconsortes meramente facultativos. Embora possam participar do processo, sua inclusão no polo passivo não é pressuposto necessário para a viabilidade da ação” (AgR-REspE nº 685-65/MT, rel. designado, Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 28.5.2020, DJe de 31.8.2020).

Desse modo, no ponto, não merece prosperar a irresignação.

1.4. Da ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, devido à ausência de instrução processual e ao julgamento antecipado da lide

Frise-se que o julgamento antecipado da lide pressupõe a existência de questão de mérito exclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, a desnecessidade da produção de outras provas. 

Adverte-se, ainda, que “não é nula a sentença proferida em julgamento antecipado, sem prolação de despacho saneador, desde que estejam presentes nos autos elementos necessários e suficientes à solução da lide” (STJ: AgInt no REsp nº 1.681.460/PR, rel. o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3.12.2018, DJe de 6.12.2018), como se deu no caso.

A Corte regional, examinando as circunstâncias da causa, concluiu inexistir necessidade de instrução processual, declarando a prescindibilidade da oitiva de testemunhas, considerando que a matéria é de direito e os fatos foram comprovados documentalmente pelas partes. Assinalou que a vexata quaestio a ser analisada é saber se houve fraude na cota de gênero, qual o momento de se aferir o percentual fixado em lei e, se houve fraude, qual a consequência jurídica do ilícito. Confiram-se excertos do acórdão recorrido:

Do julgamento antecipado da lide.

Pela análise da causa de pedir descrita na inicial e das contestações apresentadas, nota-se, claramente, que a matéria controvertida é exclusivamente de direito e, quanto aos fatos, vêm comprovados pela farta documentação trazida por todas as partes do processo. Não há, ao meu sentir, necessidade de instrução processual, com oitiva de testemunhas, porquanto a vexata quaestio a ser analisada é saber se houve fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3.º da Lei das Eleições, qual o momento de se aferir esse percentual e, se houve fraude, qual a consequência jurídica desse abuso.

Como bem ponderou o representante do Ministério Público Eleitoral, “Por outro lado, em relação à oitiva das testemunhas indicadas pela parte ré em sede de Defesa (ID 12234360) e ratificada na Manifestação ID 12311300, entende esta Procuradoria pela sua  desnecessidade, seja porque não foram expostos quais os fatos a serem provados a partir dos depoimentos requeridos, seja porque os elementos constantes dos autos são suficientes à elucidação dos fatos submetidos à apreciação - revelando, assim, hipótese de incidência do Código de Processo Civil, art. 370, § único, o qual dispõe que "O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias". No mesmo sentido, revela-se irrelevante o pedido formulado pela parte Investigada de intimação dos autores para exibição de documento que "[...] comprova as alegações apresentadas quanto à Candidata Sumaira haver disputado as Eleições de 2020 pelo PRTB" (ID 12311300). Isso porque, a (in)veracidade da referida alegação já se encontra demonstrada nos autos, a partir dos documentos constantes da Defesa ID 12245495”.

Por fim, é importante mencionar, também, que o representado RAFAEL BRANDÃO SCAQUETTI TAVARES requereu, ainda, na petição de id 12311300, “que os Novos Documentos apresentados nas Impugnações de IDs 12309022, 12309024, 12309025, e 12309028 referente à Enfermeira Sumaira sejam impugnados, desentranhando-os dos Autos, uma vez que não foram juntados em momento oportuno”, pedindo a “abertura de prazo para a correta análise do documento apresentado”, caso não seja acolhida a impugnação.

No tocante a esta última alegação, estou certo que o representado teve o devido momento para a impugnação dos documentos juntados durante a instrução do feito, e, nesta oportunidade, não merece guarida o pedido de desentranhamento, sendo certo que os fatos e todos os documentos juntados serão apreciados, pormenorizadamente, pelo Órgão Colegiado, inclusive como forma de dar aplicabilidade ao dever de fundamentação das decisões judiciais.

Este Tribunal Superior tem orientação no sentido de que, inexistindo necessidade de dilação probatória, afigura-se ser possível o julgamento antecipado. Nesse sentido, confira-se:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. DOCUMENTO NOVO. PRECLUSÃO. DESENTRANHAMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. NÃO SUBSTITUIÇÃO DAS CANDIDATAS. ÓBICES À ELEGIBILIDADE FLAGRANTES OU PRESUMÍVEIS. CANDIDATURAS FICTAS. PROVIMENTO PARCIAL

[...]

4. Conforme orientação deste Tribunal Superior, "o indeferimento da produção de provas consideradas inúteis ou meramente protelatórias pelo magistrado não caracteriza cerceamento do direito de defesa, nem violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório" (AgR–REspe 59–46, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 8.8.2017), de maneira que, "inexistindo necessidade de dilação probatória na espécie, afigura–se possível o julgamento antecipado do mérito da demanda, nos termos dos arts. 6º e 12 da Res.–TSE nº 22.610/2007 e do art. 355, I, do CPC" (AJDesCargEle 0600340–51, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7.3.2022).

[...]

(REspEl nº 0600965-83/MA, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 29.8.2023, DJe de 15.9.2023)

Como se viu dos excertos do acórdão recorrido, trata-se de fatos provados documentalmente, prescindindo-se da dilação probatória, de modo que o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I, do CPC não configura ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, mormente porque não ficou comprovado prejuízo real e efetivo para as partes.

Desse modo, não merece prosperar a irresignação.

2. Nulidades processuais arguidas pelo PRTB – Estadual e por Iara Diniz Contar

2.1. Da possibilidade de ser declarada, de ofício, pelo julgador a ilegitimidade do partido para figurar no polo passivo da AIJE

De início, destaca-se que é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido da impossibilidade de pessoas jurídicas figurarem no polo passivo da AIJE, tendo em vista que não podem suportar as sanções impostas pela LC nº 64/1990, quais sejam, cassação de mandato e inelegibilidade. (AgR-AREspE nº 0600738-37/BA, rel. Min. Raul Araújo Filho, julgado em 9.2.2023, DJe de 3.3.2023 e Rp nº 1.033/DF, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgada em 7.11.2006, DJ de 13.12.2006).

Como cediço, a legitimidade da parte é uma das condições da ação, podendo ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição ou declarada de ofício pelo julgador, não se sujeitando à preclusão (efeito recursal translativo). Nesse sentido: STJ, AREsp nº 2.461.784/MA, rel. Min. Sérgio Kukina, decisão monocrática, DJe de 30.10.2023.

Por bem resumir o ponto ora debatido, confira-se precedente do Tribunal da Cidadania:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRARIEDADE AO ART. 1.022 DO CPC/2015. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N; 284/STF. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECONHECIMENTO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE. EXTINÇÃO DO FEITO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA COLETIVA. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL. LEGITIMIDADE ATIVA. DISCUSSÃO. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA. PRESSUPOSTOS. INVESTIGAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ.

[...]

3. Este Tribunal entende, desde os idos do CPC/1973, que, em respeito ao efeito translativo e ao princípio da economia processual, a constatação da existência de vício insanável relativo à falta de condição indispensável ao regular prosseguimento da ação é matéria que pode e deve ser conhecida de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição (art. 485, IV e § 3º, do CPC 2015). Não há qualquer óbice, assim, a que o Tribunal, ao julgar agravo de instrumento, determine a extinção da ação original, reconhecendo a ilegitimidade da parte. Incidência sobre o ponto do óbice da Súmula n. 83/STJ.

[...]

Agravo interno improvido.

(STJ: AgInt no Resp nº 2.000.423/MA, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 24.4.2023, DJe de 27.4.2023 – grifos acrescidos)

Conforme o entendimento do STJ, “[...] a legitimidade das partes, por constituir uma das condições da ação, perfaz questão de ordem pública e pode ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição ou mesmo declarado de ofício, sem que se tenha configurada a reformatio in pejus” (STJ: AgInt no REsp nº 1.493.974/PE, rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 19.11.2019, DJe de 22.11.2019).

Desse modo, de ofício, deve ser reconhecida a ilegitimidade do PRTB – Estadual para figurar no polo passivo da AIJE, o qual deverá ser excluído da lide. Analisa-se, assim, o recurso, considerada a sua interposição por Iara Diniz Contar.

2.2. Da nulidade do acórdão por ofensa ao contraditório e à ampla defesa, haja vista a impossibilidade de o advogado constituído realizar sustentação oral

Nas razões recursais, Iara Diniz Contar alega nulidade do acórdão, em decorrência de violação ao contraditório e ampla defesa, pois não foi possibilitado ao advogado da recorrente realizar sustentação oral por videoconferência, consoante previsto art. 7º, X, do Estatuto da Advocacia, embora tenha manifestado tempestivamente o interesse em realizá-la. No ponto, defende que houve violação da prerrogativa do advogado de sustentar oralmente durante a sessão, fator que enseja grave prejuízo.

No entanto, a suposta ocorrência do vício e o efetivo prejuízo não foram arguidos perante a Corte regional em embargos de declaração, de modo que a ausência de deliberação sobre a matéria torna inviável o seu conhecimento, sob pena de indevida supressão de instância.

Frise-se que, mesmo que superado esse óbice, não se reconhece nulidade sem a demonstração do real e efetivo prejuízo dela decorrente. Confira-se:

5. Vigora nos feitos eleitorais o princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual o reconhecimento de eventual nulidade de ato processual é condicionado à demonstração de real e efetivo prejuízo [...].

[...]

(ED-AgR-REspEl nº 0600057-30/SC, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgados em 15.10.2020, DJe de 3.11.2020)

No tema, vale rememorar ainda que “a ausência de oportunidade de sustentação oral não traz danos presumidos à parte, porquanto este Tribunal Superior firmou jurisprudência no sentido de que a sustentação não é ato essencial à defesa, mas mera faculdade conferida às partes” (ED-ED-AgR-REspEl nº 2303-85/SE, rel. Min. Carlos Horbach, julgados em 1º.12.2022, DJe de 19.12.2022).

Desse modo, não merece prosperar a alegação de nulidade.

2.3. Da nulidade do acórdão, por ausência de instrução processual e  julgamento antecipado da lide

Alega-se, ainda, que o acórdão recorrido teria cerceado o seu direito de defesa, haja vista que impediu a devida instrução processual, julgando antecipadamente a lide.

A questão trazida à discussão já foi enfrentada quando da análise do recurso ordinário das primeiras recorrentes, de modo que pelos mesmos fundamentos não merece prosperar a irresignação.

3. Nulidades processuais arguidas por Rafael Brandão Scaquetti Tavares

3.1. Nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional

O recorrente alega, de início, nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista que, mesmo com a oposição de embargos de declaração, a Corte regional deixou de se manifestar a respeito das matérias alegadas.

Na linha da jurisprudência do TSE, assinala-se que o julgado apenas: “[...] se apresenta como omisso quando, sem analisar as questões colocadas sob apreciação judicial, ou mesmo promovendo o necessário debate, deixa, entretanto, num caso ou no outro, de ministrar a solução reclamada” (EDclAgRgREspe nº 28.453/RN, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgados em 26.11.2009, DJe de 10.3.2010)

Malgrado a matéria tenha sido alegada apenas nos embargos de declaração, esta Corte já decidiu que é inexigível a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, obrigatório apenas entre os eleitos, os quais sofrem, diretamente, a cassação de seu diploma ou mandato. Além disso, consignou-se quanto aos dirigentes partidários, que, quando muito, podem eles figurar na relação jurídica, mas como litisconsortes facultativos.

No que se refere à alegação de inadequação da AIJE para apurar a prática de fraude na cota de gênero e de ausência de intimação do recorrente para contraditar documentos juntados extemporaneamente pelos autores da AIJE, as matérias foram apreciadas no julgamento da AIJE, conforme se observa dos seguintes excertos do acórdão regional (id. 159033148):

II – Falta de interesse de agir:

Segundo os requeridos Rafael e Camila, na inicial há a falta de indicação da fraude e, portanto, ausente o requisito que compõe o núcleo central da ação de investigação judicial eleitoral, posto que “não há de se falar em prosseguimento processual quando não é trazido aos autos qualquer indício de que houve fraude”.

Ocorre, todavia, que o objeto da ação cinge-se na apuração do suposto abuso de poder compreendido pela alegada fraude à cota de gênero e as consequências desse ilícito. A questão de saber se houve, ou não, fraude à lei é, portanto, matéria de mérito, não se confundindo com a condição da ação denominada de interesse processual.

Numa análise abstrata da demanda, há a necessidade da tutela jurisdicional, porquanto a providência pleiteada (anulação de todos os votos do PRTB para Deputado Estadual, recontagem do coeficiente eleitoral e redistribuição das vagas) somente pode ser alcançada com a intervenção do Poder Judiciário Eleitoral. O requisito adequação também está absolutamente preenchido, na medida em que o meio processual utilizado (AIJE) é adequado para a obtenção do direito perseguido.

Desta forma, é evidente a presença do interesse processual e, na verdade, a questão preliminar arguida confunde-se com o mérito, já que a análise sobre a existência de fraude à cota de gênero e suas consequências é exatamente a quaestio da demanda.

Do exposto, rejeito a preliminar.

[...]

IV – Mérito

Do julgamento antecipado da lide.

Pela análise da causa de pedir descrita na inicial e das contestações apresentadas, nota-se, claramente, que a matéria controvertida é exclusivamente de direito e, quanto aos fatos, vêm comprovados pela farta documentação trazida por todas as partes do processo. Não há, ao meu sentir, necessidade de instrução processual, com oitiva de testemunhas, porquanto a vexata quaestio a ser analisada é saber se houve fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3.º da Lei das Eleições, qual o momento de se aferir esse percentual e, se houve fraude, qual a consequência jurídica desse abuso.

Como bem ponderou o representante do Ministério Público Eleitoral, “Por outro lado, em relação à oitiva das testemunhas indicadas pela parte ré em sede de Defesa (ID 12234360) e ratificada na Manifestação ID 12311300, entende esta Procuradoria pela sua  desnecessidade, seja porque não foram expostos quais os fatos a serem provados a partir dos depoimentos requeridos, seja porque os elementos constantes dos autos são suficientes à elucidação dos fatos submetidos à apreciação - revelando, assim, hipótese de incidência do Código de Processo Civil, art. 370, § único, o qual dispõe que "O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias". No mesmo sentido, revela-se irrelevante o pedido formulado pela parte Investigada de intimação dos autores para exibição de documento que "[...] comprova as alegações apresentadas quanto à Candidata Sumaira haver disputado as Eleições de 2020 pelo PRTB" (ID 12311300). Isso porque, a (in)veracidade da referida alegação já se encontra demonstrada nos autos, a partir dos documentos constantes da Defesa ID 12245495”.

Por fim, é importante mencionar, também, que o representado RAFAEL BRANDÃO SCAQUETTI TAVARES requereu, ainda, na petição de id 12311300, “que os Novos Documentos apresentados nas Impugnações de IDs 12309022, 12309024, 12309025, e 12309028 referente à Enfermeira Sumaira sejam impugnados, desentranhando-os dos Autos, uma vez que não foram juntados em momento oportuno”, pedindo a “abertura de prazo para a correta análise do documento apresentado”, caso não seja acolhida a impugnação.

No tocante a esta última alegação, estou certo que o representado teve o devido momento para a impugnação dos documentos juntados durante a instrução do feito, e, nesta oportunidade, não merece guarida o pedido de desentranhamento, sendo certo que os fatos e todos os documentos juntados serão apreciados, pormenorizadamente, pelo Órgão Colegiado, inclusive como forma de dar aplicabilidade ao dever de fundamentação das decisões judiciais. (Grifos acrescidos)

Quanto às demais matérias apontadas pelo recorrente como não apreciadas no acórdão regional — a saber: de que a substituição de candidaturas é uma faculdade, não uma obrigação do partido; de impossibilidade de substituição de candidatos com registros deferidos; de ausência de intimação do partido para substituir as candidatas que tiveram seu registro indeferido e da jurisprudência do TSE no sentido de que o bem jurídico do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 é atingido com a escolha e o pedido de registro dos candidatos —, apenas foram alegadas em âmbito de embargos de declaração.

Desse modo, não há falar em vício algum consistente em omissão, porquanto na jurisprudência pátria “[...] é vedada a inovação recursal em sede de embargos de declaração, ainda que sobre matéria considerada de ordem pública, haja vista o cabimento restrito dessa espécie recursal às hipóteses em que existente vício no julgado” (STJ: EDcl no REsp nº 1.776.418/SP, rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9.2.2021, DJe de 11.2.2021), de modo que não há falar em nulidade do acórdão recorrido.

3.2. Da nulidade do processo por inadequação da AIJE para apurar a fraude na cota de gênero

Nas razões de recurso, o recorrente devolve a esta Corte a alegação de nulidade por inadequação da AIJE para apurar a fraude na cota de gênero.

No entanto, sem razão o recorrente.

Esta Corte firmou a compreensão de que é possível a apuração de fraude em AIJE, por constituir tipo de abuso de poder, estabelecendo-se que as consequências são a cassação do mandato dos eleitos e do diploma dos suplentes e não eleitos e a declaração de inelegibilidade dos diretamente envolvidos na fraude. Confira-se:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. CANDIDATA QUE DESISTE DA CANDIDATURA DURANTE A CAMPANHA. CADERNO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA CONCLUIR PELO ILÍCITO. FRAUDE NÃO COMPROVADA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. SÚMULA Nº 28 DO TSE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

1. O Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento, em recente julgado, de que é possível a apuração de fraude em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), por constituir tipo de abuso de poder, cujas consequências são a cassação dos mandatos dos eleitos e dos diplomas dos suplentes e não eleitos e a declaração de inelegibilidade dos diretamente envolvidos na fraude (REspe nº 193-92/PI, Rel. Min. Jorge Mussi, julgamento encerrado em 17.9.2019).

2. [...].

5. Recurso especial a que se nega provimento.

(REspEl nº 747-89/PI, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 4.2.2020, DJe de 13.8.2020)

No mesmo sentido, REspe nº 243-42/PI, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 16.8.2016, DJe de 11.10.2016; REspe nº 193-92/PI, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17.9.2019, DJe de 4.10.2019.

Desse modo, não merece prosperar a alegação.

3.3. Da nulidade do processo por ausência de citação do dirigente partidário e dos demais candidatos com registros deferidos para integrar o polo passivo da AIJE

O recorrente alegou, ainda, a existência de nulidade no acórdão por ter se operado a decadência, na medida em que não foi citado o dirigente partidário.

No ponto, adota-se como razão de decidir os fundamentos pelos quais foi rejeitada essa mesma alegação deduzida pelas recorrentes Sumaira Pereira Alves Abrahão e Camila Monteiro Brandão.

Igualmente não merece prosperar a alegação de nulidade por ausência de citação dos candidatos com registros deferidos. O TSE no julgamento do AgR-REspe nº 685-65/MT, rel. desig. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 28.5.2020, DJe de 31.8.2020, consignou que é "inexigível, para as ações relativas ao pleito de 2016 e 2018, a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, sendo ele obrigatório apenas entre os eleitos" (REspe 2-32/MT, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11.2.2021, DJe de 8.3.2021)

Desse modo, não merece prosperar a alegação de nulidade do acórdão regional.

3.4. Da nulidade do feito, por ausência de intimação quanto a documentos e fundamentos inéditos

Alega o recorrente que não foi intimado para exercer o direito ao contraditório quanto aos documentos juntados extemporaneamente, nos termos dos arts. 10 e 437 do CPC.

No caso, o recorrente refere-se à juntada de print derivado do sítio eletrônico divulgacand, no qual consta a contratação de Sumaira Pereira Alves Abrahão como cabo eleitoral, e de formulário com pedido de desincompatibilização relativo à Camila Monteiro Brandão.

No entanto, a irresignação não merece prosperar.

Verifica-se dos autos (id. 159033107) que o recorrente se manifestou a respeito do documento juntado pelos autores da AIJE no que tange à contratação de Sumaira Pereira Alves Abrahão como cabo eleitoral. Em sua manifestação, afirmou ser extemporânea a juntada do documento e, quanto a seu conteúdo, argumentou que a contratação teria se dado após a publicação do acórdão que indeferiu a candidatura, argumentando, assim, que tal fato não constitui prova de que a mesma não tinha intenção de concorrer ao pleito quando do registro do DRAP.

Além disso, consoante bem destacado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, no parecer de id. 159508139, “[...] observa-se que o mero print derivado do sítio eletrônico divulgacand, onde é revelado que a candidata Sumaira Pereira Alves Abrahão fora contratada como cabo eleitoral do candidato ao Governo pelo PRTB, expõe tão-somente informação pública, acessível a qualquer pessoa em qualquer momento. O outro documento expressa pedido de desincompatibilização apresentado por Camila Monteiro Brandão e já constava dos autos, no Id. 159032930” (fl. 13).

Não fosse isso, consoante sabido, não se reconhece nulidade sem a demonstração de efetivo prejuízo dela decorrente. Confira-se:

5. Vigora nos feitos eleitorais o princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual o reconhecimento de eventual nulidade de ato processual é condicionado à demonstração de real e efetivo prejuízo [...].

[...]

(ED-AgR-REspEl nº 0600057-30/SC, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho, julgados em 15.10.2020, DJe de 3.11.2020)

Desse modo, não há falar em nulidade.

IV -  Da alegada ausência de fraude à cota de gênero, deduzida nos recursos ordinários

Cinge-se a controvérsia a saber se ficou configurada fraude na cota de gênero devido ao emprego das supostas candidaturas fictícias de Camila Monteiro Brandão e Sumaira Pereira Alves Abrahao para atender à lista de candidatos ao cargo de deputado estadual pelo PRTB – Estadual no pleito de 2022, conforme preconiza o art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Nas razões de recursos ordinários, em síntese, defende-se (a) a não configuração de fraude na cota de gênero, (b) a ausência de intimação do partido para regularizar o DRAP e substituir as candidaturas indeferidas, (c) o processamento do DRAP como o momento para a análise do cumprimento da cota de gênero, (d) como base para o cálculo dos percentuais de candidatos para cada gênero deve ser considerado o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político, e não as deferidas; (e) a necessidade de se demonstrar o dolo para a caracterização da fraude; (f) a ausência de apresentação de indícios mínimos de que teria havido má-fé do partido.

No entanto, sem razão os recorrentes.

A Corte regional concluiu que ficou configurada a fraude na cota de gênero, consignando a existência de elementos suficientes para reconhecer o caráter fictício das candidaturas que fundamentou a propositura da AIJE, sendo crível assentar que as candidatas somente foram registradas para cumprir formalmente a cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997. Para conferir, transcrevem-se os seguintes excertos do voto condutor do acórdão recorrido, da lavra do Dr. Juiz Paschoal Carmello Leandro:

Nesse contexto, a vexata quaestio a ser analisada nessa Ação de Investigação Judicial Eleitoral é saber se o PRTB-MS – PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO cumpriu o percentual mínimo exigido de participação feminina entre os seus candidatos a Deputado Estadual e, se não cumpriu, quais as circunstâncias desse descumprimento e as suas respectivas consequências.

Extrai-se dos autos que o mencionado Partido apresentou seu DRAP – Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários – contendo 25 candidatos a Deputado Estadual, sendo 17 homens e 08 mulheres, o que, a princípio, obedece ao comando legal do art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97.

Ocorre que, de acordo com a documentação trazida com a inicial, percebe-se que duas candidatas constantes da relação apresentada pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro em seu DRAP tiveram o registro de candidatura indeferido, à unanimidade, por esse Tribunal Regional Eleitoral.

A então candidata Camila Monteiro Brandão teve seu registro de candidatura indeferido porque não comprovou, tempestivamente, o seu pedido de desincompatibilização ou afastamento de seu cargo público, cuja decisão transitou em julgado no dia 01/09/2022 [...].

Já a terceira requerida, a então candidata Sumaira Pereira Alves Abrahao, teve seu registro de candidatura indeferido por esse Regional, sob o fundamento de não possuir todas as condições de elegibilidade, já que havia sido candidata nas eleições anteriores e suas contas foram julgadas não prestadas. O acórdão, transitado em julgado em 05/09/2022 [...].

Verifica-se dos autos, a partir daí, que é incontroverso que o PRTB/MS, após a análise dos registros de candidaturas de seus candidatos a Deputado Estadual, acabou por participar das eleições com 22 candidatos, sendo 16 homens (72,7%) (o candidato Professor Cecílio também teve seu registro indeferido) e apenas 06 mulheres (27,3%). Com isso, inegavelmente, acabou por descumprir a regra do art. 10, § 3.º, da Lei das Eleições, que EXIGE um percentual mínimo de 30% para cada sexo.

A partir daí, é preciso analisar em que contexto ocorreu esse descumprimento e se os elementos dos autos podem levar à conclusão de que essa burla decorreu de fraude e ato consciente do respectivo Partido.

[...] não pairam dúvidas que o direito a uma mínima participação feminina no processo eleitoral deve ser observado durante toda a sua duração, exceto em casos onde a substituição se mostra vedada ou impossibilitada, o que não é, definitivamente, a hipótese dos autos, onde as duas candidatas do PRTB/MS ao cargo de Deputado Estadual tiveram seus registros indeferidos logo no início da campanha, com total ciência do Partido, ocasião em que deveria ter feito as necessárias substituições ou a redução das candidaturas masculinas.

Aliás, é importante observar que a questão da ciência do partido quanto ao indeferimento das candidaturas, ao meu sentir, é inconteste.

Nota-se que uma das candidatas (Sumaira) que teve seu registro de candidatura indeferido, já havia concorrido pelo partido PSB nas eleições municipais de 2020, sendo incontroverso que, naquela ocasião, teve suas contas declaradas como não prestadas por decisão transitada em julgado, de modo que é absolutamente certo afirmar que o PRTB/MS, quando a lançou no DRAP para as eleições de 2022, tinha plena consciência de sua inelegibilidade. É o que se vê do Processo de Prestação de Contas n.º 0601320-61.2020.6.12.0044.

Nem se argumente que se tratava de outro partido quando das eleições municipais de 2020, porquanto a documentação que acompanhou o pedido de registro de candidatura de Sumaira para as eleições 2022, deixa claro que ela não tinha a comprovação da QUITAÇÃO ELEITORAL, tanto é que a certidão emitida pelo corpo técnico desse Tribunal Regional Eleitoral atestou essa irregularidade ab initio, fazendo assim constar:

QUITAÇÃO ELEITORAL. IRREGULARIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

Cod.: ASE230

Motivo: 1

Data: 15/11/2020

Cod.: ASE230

Motivo: 5

Data: 15/11/2020

Informações obtidas da base de dados do Cadastro Eleitoral em: 12/08/2022

13:29:05

Também no sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral a certidão de quitação eleitoral da candidata Sumaira, ao tempo do registro de sua candidatura (16/08/2022), estava assim transcrita:

"de acordo com os assentamentos do Cadastro Eleitoral e com o que dispõe a Res. TSE nº 21.823/2004, o(a) eleitor(a) abaixo qualificado(a) não está quite com a Justiça Eleitoral na presente data, em razão de IRREGULARIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS".

Portanto, fica claro que o PRTB, desde o início, sabia da condição de inelegibilidade da candidata Sumaira Pereira Alves Abrahao e, mesmo assim, ao meu sentir - com a única finalidade de buscar preencher, formalmente, a cota mínima de candidatura feminina –, apresentou seu nome como candidata a Deputada Estadual no respectivo DRAP – Declaração de Regularidade Partidária, configurando evidente burla à regra legal do art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97.

No que se refere à candidata Camila, a certidão trazida aos autos demonstra que, com ciência do Partido, seu pedido de registro de candidatura foi feito sem a comprovação de desincompatibilização do cargo público que ocupava. Eis a certidão:

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO(DE) MATO GROSSO DO SUL

Processo nº: 0600748-72.2022.6.12.0000 - REGISTRO DE CANDIDATURA

Nome: CAMILA MONTEIRO BRANDÃO

Partido/Federação/Coligação: Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (28 - PRTB)

I N F O R M A Ç Ã O

Senhor(a) Juiz(Juíza) Relator(a), INFORMO, nos termos do art. 35, II, da Resolução TSE nº 23.609/2019, que o(a)

Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (28 - PRTB) peticionou, sob o nº 0600748-72.2022.6.12.0000, o Requerimento de Registro de Candidatura - RRC do(a) candidato(a) acima indicado(a), estando os autos instruídos conforme os seguintes dados:

Nome: CAMILA MONTEIRO BRANDÃO

Eleição mais recente que concorreu: Informou que não concorreu em eleições anteriores.

Opção de nome: CAMILA MONTEIRO

Concorreu anteriormente com esta opção? Não

Coincidências na opção de nome: Não há coincidência de opção de nome.

Número: 28008

Concorreu anteriormente com o mesmo número? Não

Coincidências na opção de número: Não há

Ocupação: Advogado

Complemento: Funcionário público civil municipal

Ocupou cargo na administração pública nos últimos 6 meses? Sim

Requisitos de Elegibilidade:

REQUISITOS COMPROVAÇÃO OBSERVAÇÃO

Escolha em convenção, conforme ata do partido.

Sim

Autorização da candidata ou do candidato ao partido, à federação ou à coligação para concorrer

Sim

Inexistência de Inelegibilidade constante do cadastro eleitoral – ASE 540

Sim

Candidato sem existência de inelegibilidade. Informações obtidas da base de dados do Cadastro Eleitoral em: 12/08/2022 13:29:03

Relação atual de bens preenchida no CANDEX ou declaração de que não possui bens

Sim

Verificação e validação do nome, número, cargo, partido, gênero e qualidade técnica da fotografia (VVFOTO)

Sim

Fotografia recente do candidato ou da candidata, inclusive vice e suplentes,

conforme disposto no art. 27 II, da Resolução TSE nº 23.609/2019

Sim

Prova de alfabetização Sim

Desincompatibilização em caso de. Não. Documento não apresentado. CANDIDATA

Em razão disso, houve intimação para apresentar documento que demonstrasse sua desincompatibilização com o cargo público municipal que ocupava, ocasião em que o PRTB/MS apresentou um requerimento subscrito pela candidata Camila, datado de 18 de agosto de 2022, no qual pleiteava o seu afastamento do cargo na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, todavia, como se vê do mencionado documento, além de ter sido feito intempestivamente, pois não observou o prazo de 03 meses de antecedência exigido pela lei (art. 1º, inciso II, alínea l c.c inciso VI, da Lei Complementar nº 64/1990), não há prova do protocolo do mesmo junto à Prefeitura Municipal, inexiste qualquer recebimento por parte de algum funcionário público e, o que é pior, verifica-se que na parte destinada ao protocolo do documento, há uma frase elaborada da seguinte forma: “A Secretaria Municipal de Administração, visando a emissão do ato de afastamento do servidor, acima qualificado, para promover campanha eleitoral, nos termos da legislação vigente”, Em ______ julho de 2022”.

Ora, daí se percebe a nítida intenção de montar um requerimento que, a bem da verdade, nunca foi apresentado pela candidata ou pelo Partido junto à Prefeitura Municipal para o seu afastamento. O seu requerimento é lançado com data de 18/08/2022 e o suposto protocolo, sem nenhuma assinatura ou carimbo de servidor, é datado de julho de 2022, circunstância que evidencia que tanto a candidata – que é advogada – como seu partido PRTB, sempre souberam da total inviabilidade de sua candidatura, que veio a ser indeferida, por unanimidade, pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul.

E nesse sentido, é importante deixar consignado que todas as decisões tomadas pela Corte quanto às eleições são publicadas ao final da sessão de julgamento, nos termos do art. 61, § 2º, da Resolução TSE nº 23.609/2019, com redação dada pela Resolução TSE nº 23.675/2021, sendo que a resenha de julgamento foi preenchida com os nomes das candidatas cujos registros de candidaturas foram indeferidos, com o nome do PRTB/MS – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro e dos respectivos advogados, conforme se vê das certidões que acompanham a inicial, assim transcritas:

REGISTRO DE CANDIDATURA nº 0600748-72.2022.6.12.0000 PROCEDÊNCIA: Campo Grande - MATO GROSSO DO SUL REQUERENTE: CAMILA MONTEIRO BRANDAO REQUERENTE: ÓRGÃO DE DIREÇÃO ESTADUAL DO PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB/MS ADVOGADO: RAMATIS AGUNI MAGALHAES - OAB/MS19905-A ADVOGADO: JOAO URBANO DOMINONI NETO - OAB/MS22703-A ADVOGADO: PEDRO DE CASTILHO GARCIA - OAB/MS20236-A FISCAL DA LEI: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DO MATO GROSSO DO SUL RELATOR: JUIZ ALEXANDRE BRANCO PUCCI

CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO CERTIFICO que as partes dos presentes autos e a Procuradoria Regional Eleitoral foram intimadas do Acórdão de ID 12194347 publicado em Sessão em 29/08/2022, tendo o referido transitado em julgado no dia 01/09/2022. Campo Grande/MS, 13 de setembro de 2022. NOELI MENEZES NOGUEIRA Secretaria Judiciária TRE/MS.

REGISTRO DE CANDIDATURA nº 0600772-03.2022.6.12.0000 PROCEDÊNCIA: Campo Grande - MATO GROSSO DO SUL REQUERENTE: SUMAIRA PEREIRA ALVES ABRAHAO REQUERENTE: ÓRGÃO DE DIREÇÃO ESTADUAL DO PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB/MS ADVOGADO: RAMATIS AGUNI MAGALHAES - OAB/MS19905-A ADVOGADO: JOAO URBANO DOMINONI NETO - OAB/MS22703-A ADVOGADO: PEDRO DE CASTILHO GARCIA - OAB/MS20236-A IMPUGNANTE: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL MS IMPUGNADO: SUMAIRA PEREIRA ALVES ABRAHAO ADVOGADO: RAMATIS AGUNI MAGALHAES - OAB/MS19905-A ADVOGADO: JOAO URBANO DOMINONI NETO - OAB/MS22703-A ADVOGADO: PEDRO DE CASTILHO GARCIA - OAB/MS20236-A RELATOR: JUIZ ALEXANDRE BRANCO PUCCI

CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO CERTIFICO que as partes dos presentes autos e a Procuradoria Regional Eleitoral foram intimadas do Acórdão de ID 12196769 publicado em Sessão em 01/09/2022, tendo o referido transitado em julgado no dia 04/09/2022. Campo Grande/MS, 5 de setembro de 2022. NOELI MENEZES NOGUEIRA Secretaria Judiciária TRE/MS     

Portanto, está cabalmente demonstrado nos autos, pelos documentos que o instruem, que o PRTB/MS, desde o início, tinha plena ciência, não só do indeferimento dos pedidos de registro das candidatas Camila Monteiro Brandão e Sumaira Pereira Alves Abrahao ao cargo de Deputado Estadual, como também da completa inviabilidade, ab initio, de suas candidaturas (inelegibilidade quanto à Sumaira e ausência de desincompatibilização quanto à Camila),de modo que lhe caberia, como forma de cumprir o art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97, substituir as mencionadas candidaturas ou reduzir o número de candidatos homens, o que não fez em momento algum do pleito, fazendo com que participasse do processo eleitoral com 16 candidatos do sexo masculino (72,7%) (O registro de candidatura do candidato Professor Cecilio também foi indeferido) e apenas 06 do sexo feminino (27,3%).   

Outro ponto importante que reforça, ao meu ver, a clara intenção do PRTB/MS de burlar a regra do art. 10, § 3.º, da Lei das Eleições, é o fato de que não houve nenhuma insurgência contra as decisões que rejeitaram os pedidos de registro de candidatura, adotando o Partido e as candidatas um comportamento minimamente estranho, numa passividade incomum, num silêncio eloquente próprio de quem não tinha, desde o início, qualquer interesse nas mencionadas candidaturas, servindo elas apenas e tão somente para preencher, exclusivamente no aspecto formal, o requisito de candidatura feminina no momento da apresentação do DRAP.

E nota-se que as duas candidatas não comprovaram nenhum ato concreto de campanha. Não há nos autos informações sobre comitê, contratação de cabo eleitoral, santinhos ou outro material de campanha. Os únicos documentos trazidos pela Defesa se resumem a duas postagens em rede social datadas de 06 e 18 de agosto de 2022, onde apenas se divulgava uma “candidatura” ao cargo de Deputado Estadual, sem nenhuma comprovação de atos concretos de campanha. Não há uma única fotografia das reuniões que a candidata Sumaira divulgou que realizaria em seu perfil das redes sociais e, quanto a Camila, há apenas uma foto de sua participação em um podcast no dia 12 de agosto, quando sequer havia iniciado o período de campanha eleitoral.

Também vem ratificar essa conclusão a circunstância de que a candidata Sumaira, desde 04/09/2022 – portanto, antes mesmo de transitar em julgado o acórdão que indeferiu o seu registro –, foi contratada como cabo eleitoral pelo então candidato a Governador Capitão Contar, reforçando que seu nome apresentado no DRAP do PRTB, jamais, teve a real intenção de representar uma candidatura feminina ao cargo de Deputado Estadual, mas apenas serviu para que o mencionado partido pudesse, apenas formalmente, cumprir o número mínimo de candidatura feminina naquele instante.

No mais, por parte do assistente simples Rodrigo de Souza Lins, foi trazido o print de um adesivo e um santinho da candidata Sumaira, documentos esses que, sozinhos, não servem para demonstrar uma real candidatura, até porque trazidos, estranhamente, de forma bastante intempestiva (depois de publicada a pauta de julgamento), sem nenhuma comprovação através de nota fiscal de gráfica, número de tiragem, etc. Além disso, é no mínimo questionável a veracidade, já que se realmente tivessem havido atos concretos de campanha, sem nenhuma dúvida a própria candidata traria a documentação comprobatória, o que não fez.

Por outro lado, também não convence o argumento dos requeridos de que o caso em análise se assemelharia à hipótese de haver desistência de candidatura durante o pleito eleitoral.

Nos casos em que um determinado candidato ou candidata, no curso da campanha, apresenta pedido de desistência de sua candidatura, fica claro que a expressão de vontade é manifestada, exclusivamente, por aquele que concorre, não podendo o Partido ser responsabilizado por sua conduta. Além disso, nessas hipóteses, há uma candidatura real, com todas as condições de elegibilidade já aferidas pela Justiça Eleitoral e que, por circunstâncias alheias ao Partido, houve a opção por sua desistência.

A hipótese analisada é absolutamente distinta, na medida em que ficou comprovado que as duas candidatas apresentadas pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro/MS, desde o início e com a sua ciência, não tinham nenhuma condição de ter seus registros autorizados pela Justiça Eleitoral, porquanto eram hipóteses notórias e prévias de inelegibilidade e ausência de desincompatibilização.

Do mesmo modo, não vislumbro nenhuma obrigação da Justiça Eleitoral de intimar o Partido para fazer as respectivas substituições ou a redução dos candidatos homens.

Primeiro, porque não há essa exigência legal. O que há, na verdade, é uma regra impositiva de que os Partidos garantam, durante todo o processo eleitoral, um mínimo de participação de cada gênero, conforme dicção do art. 10, § 3.º, da Lei das Eleições.

Segundo, porque ficou demasiadamente demonstrado que o Partido tinha total consciência da completa inviabilidade das duas candidaturas apresentadas e foi intimado de todas as decisões proferidas nas ações que analisaram os seus registros, inclusive quanto ao indeferimento de ambos e ao trânsito em julgado dos acórdãos.

Terceiro, porque há uma nítida corresponsabilidade entre candidatos e partidos no processo eleitoral brasileiro. Cabe a cada um fiscalizar o cumprimento das regras durante todo o processo. Ao Partido recai a obrigação de conferir se os candidatos que apresenta possuem as condições constitucionais e legais para a candidatura, sendo também responsabilizado no caso de descumprimento. E uma vez verificada a inviabilidade de alguma candidatura, compete a ele providenciar as alterações necessárias ao cumprimento das regras impostas pela lei, como é o caso daquela que exige um mínimo de participação de cada gênero na campanha eleitoral.

De tudo o que aqui foi exposto, chega-se à conclusão inarredável que as candidaturas de SUMAIRA PEREIRA ALVES ABRAHAO e CAMILA MONTEIRO BRANDAO sempre foram “natimortas”, pois, com plena ciência do PRTB/MS, não tinham nenhuma possibilidade de serem autorizadas pela Justiça Eleitoral. Assim, resta evidente a fraude perpetrada pelo Partido, porquanto as incluiu no seu respectivo DRAP com a única finalidade de burlar a ação afirmativa trazida pelo art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97, que busca garantir um mínimo de participação feminina no processo eleitoral brasileiro.

A dizer de outro modo, agiu o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro com evidente abuso de poder ao registrar duas candidatas que, desde o início, não tinham condição de elegibilidade para concorrerem ao cargo de Deputado Estadual nas eleições de 2022 e, mesmo sabedor dessa condição e intimado das decisões que indeferiram os registros das candidaturas, deixou de fazer a necessária substituição por outras candidatas ou de reduzir o número de candidatos homens.

Sobre a questão relacionada à cota de gênero nas campanhas eleitorais, nos ensina José Jairo Gomes:

[...]

No caso em tela, como já amplamente demonstrado, é irrefutável a plena ciência do PRTB quanto à total inviabilidade, desde o início, das candidaturas de SUMAIRA PEREIRA ALVES ABRAHAO e CAMILA MONTEIRO BRANDAO. Mesmo sabedor da inelegibilidade da primeira e da ausência de desincompatibilização da segunda, ainda assim as apresentou como candidatas ao cargo de Deputado Estadual, com a explícita finalidade de cumprir – apenas formalmente – a cota de gênero prevista no art. 10, § 3.º da Lei n.º 9.504/97. E mais: devidamente intimado das decisões desse Regional que indeferiram o registro das respectivas candidatas, deixou de substitui-las ou de reduzir o número de candidatos homens, fazendo com que participasse das eleições estaduais de 2022 com 16 homens e 06 mulheres, ou seja, infringindo a regra que busca, após um longo período de luta pela igualdade de gênero na política, garantir um mínimo de participação efetiva de mulheres no processo eleitoral brasileiro.

[...]

No caso aqui analisado, como já densamente fundamentado, está comprovado nos autos que o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro apresentou em seu DRAP, com plena ciência, duas candidaturas femininas que tinham, desde o início, total impossibilidade de serem deferidas, porquanto a de Sumaira Abrahao esbarrava na sua falta de quitação eleitoral por não ter prestado contas em campanha anterior (inelegibilidade), e a de Camila Monteiro Brandão por não ter cumprido a desincompatibilização tempestiva exigida por lei – tudo com plena ciência do Partido. Mesmo ciente dos indeferimentos das candidaturas, deixou o PRTB/MS de substituir as candidatas ou reduzir o número de candidatos homens, fazendo com que descumprisse – ao meu sentir propositadamente – a regra prevista no art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97, já que participou da campanha para o cargo de Deputado Estadual com 22 candidatos, sendo 16 homens (72,7%) e 06 mulheres (27,3%), em notória burla à cota de gênero que busca garantir um mínimo de participação feminina no processo político-eleitoral brasileiro.

Também não convence o argumento de que o candidato RAFAEL BRANDÃO SCAQUETTI TAVARES agiu de boa-fé e não pode ser alcançado pelos atos do Partido.

Como se sabe, no Direito Eleitoral Brasileiro não existe candidatura própria. Não há possibilidade de qualquer cidadão ser candidato sem estar filiado a algum partido político. Daí advém a conclusão clara que há uma corresponsabilidade dos candidatos quanto aos atos praticados pelo seu Partido.

Aliás, na grande maioria das vezes, como ocorreu com o requerido Rafael Tavares, o candidato é beneficiado com os votos do Partido, tanto é que, apesar de ter obtido pouco mais de 18 mil votos (18.224) e não ter alcançado o coeficiente eleitoral para o cargo de Deputado Estadual (que foi acima de 50 mil votos), acabou sendo eleito para uma das cadeiras da Assembleia Legislativa.

Se assim o é, ou seja, se os votos conferidos ao Partido também beneficiam os seus candidatos, eventuais fraudes cometidas por aquele, invariavelmente, também atingem estes, havendo uma clara corresponsabilidade e coparticipação entre candidatos e Partidos no processo eleitoral brasileiro.

A dizer de outro modo, ainda que se admita que o requerido Rafael Tavares não participou, diretamente, da fraude, é inegável que ele se beneficiou dos votos dados ao seu partido PRTB-MS, pois, se fossemos apenas computar os votos que ele recebeu, não teria sido eleito, porquanto ficou muito longe de alcançar o quoeficiente eleitoral para o cargo de Deputado Estadual, que foi acima de cinquenta mil votos.

Portanto, ainda que ele possa ser considerado de boa-fé, sem dúvida nenhuma se beneficiou dos votos dados ao seu partido que, como já demonstrado, fraudou o DRAP para “cumprir”, apenas formalmente, a cota de gênero exigida pela legislação, de modo que a consequência natural é anulação dos votos dados a todos os candidatos que concorreram ao respectivo cargo pelo PRTB, porquanto o partido laborou com fraude, beneficiando-se inclusive em relação a outros partidos que cumpriram, fielmente, a cota de gênero prevista no § 3.º do art. 10 da Lei n.º 9.504/97.

Por fim, importante mencionar que a consequência legal do acolhimento do pedido formulado em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral é a declaração de inelegibilidade daqueles que eventualmente praticaram o abuso de poder, por força do art. 22, XIV, da Lei Complementar n.º 64/90[...].

Especificamente nos casos envolvendo abuso de poder em razão de fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97, já decidiu o TSE que essa sanção deve ser aplicada tão somente àqueles que, comprovadamente, participaram da fraude.

No caso em análise, por todo o conjunto probatório analisado e pela extensa fundamentação aqui já declinada, está cabalmente demonstrado que as candidatas SUMAIRA PEREIRA ALVES ABRAHAO e CAMILA MONTEIRO BRANDAO efetivamente participaram da fraude, na medida em que sabiam, desde o início, da total inviabilidade de suas candidaturas e, mesmo assim, concordaram que seus nomes fossem lançado no DRAP do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro que, em última análise, tinha o único propósito de burlar, com isso, a regra prevista no art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97, razão pela qual devem ser declaradas inelegíveis.

E nota-se que esse comportamento das requeridas reveste-se de especial gravidade, na medida em que não só acarreta burla à cota de gênero, mas acaba por jogar fora toda luta das mulheres por mais representatividade e melhores condições de disputa no processo político-eleitoral.

Nesse norte, como se sabe, o Poder Público tem buscado alternativas e medidas para ampliar a participação feminina nos diversos setores da Administração, incentivando-as a participarem de processos que visem à ocupação em cargos de direção e outros. No âmbito do Poder Judiciário, podemos citar a Resolução/CNJ n.º 255/2018, que “Institui a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário”, prevendo que “Todos os ramos e unidades do Poder Judiciário deverão adotar medidas tendentes a assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional, propondo diretrizes e mecanismos que orientem os órgãos judiciais a atuar para incentivar a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais”.

[...]

As mulheres, por serem as mais interessadas na eficácia dessas ações, também devem ser as principais responsáveis por fiscalizar e exigir o efetivo cumprimento dessas políticas de incentivo. É por isso que, ao meu sentir, a conduta das requeridas de permitirem que seus nomes fossem usados para o Partido PRTB/MS preencher, apenas formalmente, o percentual mínimo de candidatura feminina ao cargo de Deputado Estadual nas eleições de 2022, quando sabiam, desde o início, da total inviabilidade de suas candidaturas, revela-se de especial gravidade, porquanto atinge também todas as mulheres que, de alguma forma, lutam por condições mais igualitárias de participação na política brasileira, merecendo, por parte do Poder Judiciário Eleitoral, a aplicação rigorosa da lei.  

[...].

É como voto.

No caso, a soma dos elementos fixados no acórdão recorrido e constantes dos autos do processo permite concluir que as duas candidaturas femininas registradas pelo PRTB teve como fim burlar a regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, a saber:

a) a então candidata Sumaira Pereira Alves Abrahão não preenchia todas as condições de elegibilidade — ausente a quitação eleitoral por não prestação de contas da campanha eleitoral relativa às eleições de 2020, restrição que, acrescente-se, persiste, nos termos do Enunciado nº 42 do TSE, durante todo o curso do mandato;

b) a então candidata Camila Monteiro Brandão não comprovou seu afastamento tempestivamente do cargo público que ocupava na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur), em Campo Grande/MS;

c) não houve atos de preparação de campanha com relação a nenhuma das candidatas, não há informações sobre comitê, contratação de cabo eleitoral, santinhos ou outro material de campanha;

d) as duas postagens em rede social datadas de 6 e 18.8.2022, em que se divulgava uma “candidatura” ao cargo de deputado estadual, sem comprovação de atos concretos de campanha;

e) o PRTB tinha ciência da ausência de quitação eleitoral de Sumaira Pereira Alves Abrahão, dada a existência de informação constante entre os documentos apresentados para o registro de candidatura, conforme documento id. 159032932, fl. 21;

f) a embasar o entendimento de que o Partido tinha ciência da inviabilidade da candidatura, verifica-se que a contestação à impugnação ao pedido de registro de candidatura foi feita pela grei e pela candidata, conforme documento de id. 159032932, fl. 27;

g) o PRTB também tinha ciência de que Camila Monteiro Brandão não comprovou o afastamento do cargo público municipal, porquanto, consoante informação de id. 159032930, fls. 24 e 25, com ciência do Partido, seu pedido de registro de candidatura foi feito sem a comprovação de desincompatibilização do cargo público que ocupava;

h) o Partido, nos autos do processo de registro de candidatura, em atendimento a intimação juntou documento nominado “‘termo de comunicação de afastamento para campanha eleitoral, datado de 18.08.2022 e assinado apenas pela candidata requerente’”, sem protocolo do órgão ao qual estava vinculada;

i) o acórdão de indeferimento da candidatura de Sumaira Pereira Alves Abrahão foi publicado na sessão de 1º.9.2022, tendo transitado em julgado no dia 4.9.2022;

j) o acórdão de indeferimento da candidatura de Camila Monteiro Brandão foi publicado na sessão de 29.8.2022, tendo transitado em julgado no dia 1º.9.2022;

l) não foram interpostos recursos contra os acórdãos regionais em que se indeferiu os registros de candidaturas;

m) embora não tenha ocorrido intimação para substituição das candidaturas, o PRTB  ciente da inviabilidade das candidaturas, conforme mencionado alhures - não substituiu as  candidaturas femininas indeferidas, ainda que existente tempo hábil para tanto;

n) Sumaira Pereira Alves Abrahão foi contratada como cabo eleitoral do candidato ao Governo do Estado pelo PRTB em momento anterior ao trânsito em julgado do acórdão de indeferimento do seu registro de candidatura.

Além disso, com base no art. 23 da Lei de Inelegibilidade — que permite ao Tribunal formar sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios —, em consulta ao sistema divulgacandcontas, verificou-se a existência de prestação de contas zeradas.

De acordo com a jurisprudência desta Corte, na apuração da fraude, não se exige comprovação cabal da intenção de fraudar, demandando apenas, para caracterizá-la, a presença de circunstâncias fáticas, aferíveis caso a caso, notadamente a ausência de votação ou votação ínfima, a inexistência de atos efetivos de campanha eleitoral, a prestação de contas zeradas ou padronizadas entre as candidatas, entre outras.

Consoante já decidiu este Tribunal Superior  “[...] ao se julgar o DRAP, não se analisa o mérito de cada um dos registros (para aferir as condições de elegibilidade e a falta de inelegibilidades), mas apenas se verifica a regularidade dos documentos do próprio partido” (AgR-REspe nº 685-65/MT, redator para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 28.5.2020, DJe de  31.8.2020), o que afasta a alegação de recurso de que o processamento do DRAP é o momento para a análise do cumprimento da cota de gênero. 

Nas razões recursais, alega-se que, como base para o cálculo dos percentuais de candidatos para cada gênero, deve ser considerado o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político, e não as deferidas.

A esse respeito, o Tribunal Superior assentou que “[...] A interpretação dos dispositivos atinentes à promoção da igualdade de gênero deve ser feita de modo a conferir máxima efetividade ao princípio da igualdade, o que, na espécie, consiste em levar em conta o número de candidaturas efetivamente requeridas, sem decotar, desse total, a candidatura fictícia” (AREspE nº 0600877-41/ES, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 6.11.2023, DJe de 28.11.2023).

No tema, importa destacar o entendimento deste Tribunal Superior de que “as agremiações partidárias, como pessoas jurídicas essenciais à realização dos valores democráticos, devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais – são dotados de eficácia transversal – mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa”. Nessa linha, salientou, ainda, que, caso venha a ser questionada a candidatura, “[...] o partido deve, se ainda viável a substituição nos autos do DRAP, fazer as adequações necessárias à proporção mínima de candidaturas masculinas e femininas. Não o fazendo a tempo e modo, as candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou com razoável dúvida sobre a sua viabilidade, podem ser consideradas fictas para fins de apuração de alegada fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97” (REspEl nº 0600965-83/MA, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 29.8.2023, DJe de 15.9.2023).

A partir desses parâmetros hermenêuticos, também no presente caso, permite-se concluir que o registro das candidaturas se deram tão somente para fraudar o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, considerando a insistência do partido em manter as candidaturas inviáveis como integrantes de sua cota mínima sem proceder às substituições nos autos do DRAP, embora existente tempo hábil para tanto, visto que os registros foram indeferidos, respectivamente, em 1º e 4.9.2022, e poderiam ser substituídas até 12.9.2022 (20 dias antes do pleito), associada à inação das candidatas em nem sequer recorrer das decisões de indeferimento de seus registros de candidaturas.

Diante desse quadro, consoante tem reconhecido esta Corte:

[...] Admite-se, portanto, que a má-fé na formação da chapa proporcional seja revelada com base em comportamentos posteriores, do partido e das candidatas, que tomados em conjunto evidenciem nunca ter havido interesse real na viabilidade das candidaturas femininas.

(RO-El nº 0601884-67/RO, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22.9.,2022, DJe de 30.9.2022)

Portanto, ao revés do que afirmam os recorrentes, as circunstâncias reconhecidas no acórdão recorrido, consoante sinalizado por este Tribunal Superior, são suficientes para demonstrar que houve fraude na cota de gênero, de modo que os recursos ordinários devem ser desprovidos.

Frise-se que não altera essa conclusão o fato de uma candidatura masculina ter sido indeferida.

O Partido apresentou seu DRAP contendo 25 candidatos a Deputado Estadual, sendo 17 homens e 8 mulheres. No entanto, constatou-se que, de fato, participou das eleições com 16 homens, tendo em vista que 1 candidato do sexo masculino também teve seu registro indeferido, e apenas 6 mulheres, descumprindo o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Por fim, com o julgamento dos recursos, fica prejudicado o agravo interno de id. 159076709 interposto por Camila Monteiro Brandão para que fosse emprestado efeito suspensivo ao recurso.

Ante o exposto, não se conhece do recurso na parte tencionada pelo PRTB, por força de sua ilegitimidade, e nega-se provimento aos recursos ordinários interpostos por Sumaira Pereira Alves Abrahão, Camila Monteiro Brandão, Rafael Brandão Scaquetti Tavares e Iara Diniz Contar, julgando prejudicado, por conseguinte, o agravo interno.

Corrija-se a autuação, a fim de que a grei seja excluída.

É o voto.

 

EXTRATO DA ATA 

 

RO-El n° 0601822-64.2022.6.12.0000/MS. Relator: Ministro Raul Araújo. Recorrente: Camila Monteiro Brandão (Advogados: Marcelo Bonotto Demirdjian  OAB: 20134/MS e outros). Recorrente: Sumaira Pereira Alves Abrahão (Advogado: Lucas Matto Grosso Pereira Ramalho OAB: 27544/MS). Recorrente: Rafael Brandão Scaquetti Tavares (Advogados: Israel Nonato da Silva Junior  OAB: 16771/DF e outra). Recorrente: Iara Diniz Contar (Advogados: Pedro de Castilho Garcia  OAB: 20236/MS e outros). Recorrido: União Brasil (UNIÃO)  Estadual (Advogados: André Luiz Gomes Antonio  OAB: 16346/MS e outro). Recorrido: Rhiad Abdulahad (Advogados: Danny Fabrício Cabral Gomes  OAB: 6337/MS e outros). Recorrido: Paulo Roberto Duarte (Advogados: Leonardo Saad Costa  OAB: 9717/MS e outros).

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, indeferiu os pedidos de retirada do processo da pauta de julgamento, e, no mérito, também por unanimidade, não conheceu do recurso do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB)  Estadual e negou provimento aos demais recursos ordinários, julgando prejudicado, por conseguinte, o agravo interno, nos termos do voto do relator.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Alexandre Espinosa Bravo Barbosa.

SESSÃO DE 6.2.2024.