TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0600840-72.2020.6.26.0245 – ANALÂNDIA – SÃO PAULO
 

Relator: Ministro Floriano de Azevedo Marques

Recorrentes: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – Municipal e outra

Advogados: Victor Roncatto Piovezan – OAB: 242595/SP e outro

Recorridos: Paulo Henrique Franceschini e outro

Advogados: Luís Fernando Pestana – OAB: 208792/SP e outros

Recorrido: Jairo Aparecido Mascia

Advogados: Fábio Henrique Carvalho Oliva – OAB: 141358/MG e outros

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. ABUSO DO PODER POLÍTICO. BARREIRAS FÍSICAS E SANITÁRIAS. ENTRADAS SECUNDÁRIAS. ABSTENÇÃO. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE VOTO. SEGURANÇA DO PROCESSO ELEITORAL. COMPROMETIMENTO. PROVAS SUFICIENTES. GRAVIDADE. QUANTITATIVA E QUALITATIVA. CASSAÇÃO DOS MANDATOS. INELEGIBILIDADE. PROVIMENTO.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata-se de recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que, por unanimidade, negou provimento a recurso eleitoral e manteve sentença de improcedência do pedido inicial formulado em ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada pelos ora recorrentes em face dos recorridos, Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme, candidatos eleitos ao pleito majoritário do Município de Analândia/SP, e de Jairo Aparecido Mascia, prefeito da localidade à época dos fatos.

2. Na origem, a ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada pelos Diretório Municipal do PSDB e por Silvana Márcia Perin Campbell Penna, candidata ao cargo de prefeito no mesmo pleito, foi destinada a apurar a prática de abuso do poder político pelos recorridos, em decorrência de instalação, no dia do pleito, de barreiras físicas e sanitárias nas entradas do município, dificultando o exercício do direito de voto dos eleitores.

3. No apelo especial, os recorrentes postulam a reforma do aresto regional, com a condenação de todos os recorridos às sanções de inelegibilidade, e a cassação dos mandatos eletivos de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Analândia/SP.

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL

ENTENDIMENTO DA CORTE REGIONAL

4. No caso, o TRE/SP considerou a existência de provas suficientes quanto ao excesso na conduta dos recorridos, ao instalar barreiras físicas e sanitárias nas entradas do Município de Analândia no dia do pleito e ao impedir o exercício do direito de sufrágio por alguns eleitores, contudo, considerou que a conduta não foi revestida de gravidade suficiente a justificar as sanções previstas na LC 64/90.

REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS

FUNDAMENTO LEGAL E JURISPRUDENCIAL

5. O art. 22 da LC 64/90 determina que, provocada, a Justiça Eleitoral tem o poder-dever de investigar condutas que caracterizem desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social.

6. De acordo com o inciso XIV do mesmo dispositivo legal, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

7.  Consoante jurisprudência deste Tribunal, o abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas (AIJE 0600814-85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023).

8. No mesmo precedente, esta Corte reafirmou entendimento de que a gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito), destacando, ainda, que seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa.

EXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS DA PRÁTICA DE ABUSO DO PODER POLÍTICO

9. No caso, considerando que o próprio Tribunal de origem concluiu pela existência de provas suficientes quanto à materialidade do abuso das condutas praticadas pelo prefeito do Município de Analândia/SP à época dos fatos, em benefício e com a anuência dos demais recorridos, eleitos aos cargos majoritários, e diante da exaustividade de fundamentos apresentados pela Corte de origem, considero despiciendo adentrar a análise da comprovação da abusividade das condutas, não havendo nenhuma dúvida quanto ao ponto.

GRAVIDADE DA CONDUTA

10. Observo que o TRE/SP levou em consideração apenas a potencialidade de o fato alterar o resultado do pleito, e não a gravidade das circunstâncias do ato abusivo em si, porquanto concluiu que: i) se tratou de excessos limitados às primeiras horas do dia da eleição e apenas na entrada principal da cidade; ii) não teria provas de que tenham ocorrido abusos nas demais entradas da cidade que não foram fechadas; e iii) seria praticamente impossível que, caso não ocorressem tais fatos, fosse alterado o resultado obtido. 

11. A mera instalação das barreiras físicas e sanitárias no dia das eleições, determinada por decreto municipal expedido pelo prefeito à época dos fatos, já caracteriza fator suficiente para demonstração da gravidade exigida para configuração do ato abusivo, pois a conduta do primeiro recorrido transbordou o uso das prerrogativas do seu cargo público, com desvio de finalidade em favor dos demais recorridos (eleitos aos cargos majoritários do município), violando, além dos direitos fundamentais do indivíduo de ir e vir e da liberdade ao voto, a segurança do processo eleitoral.

12. Este Tribunal, no julgamento da AIJE 0600814-85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023, assentou que a tríade para a apuração do abuso (conduta, reprovabilidade e repercussão) se aperfeiçoa diante de: i) prova de condutas que constituem o núcleo da causa de pedir; ii) elementos objetivos que autorizem estabelecer juízo de valor negativo a seu respeito, de modo a afirmar que as condutas são dotadas de alta reprovabilidade (gravidade qualitativa); iii) elementos objetivos que autorizem inferir com necessária segurança que essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral (gravidade quantitativa).

ASPECTOS QUALITATIVOS. REPROVABILIDADE.

13. Considerando que a reprovabilidade diz respeito a quanto as condutas foram capazes de influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos, cito as seguintes circunstâncias aptas a demonstrar a gravidade qualitativa:

a) uso da máquina pública pelo recorrido Jairo Mascia, prefeito à época, com expedição do Decreto Municipal 2306, em 12 de novembro de 2020, para implantação de barreiras físicas e sanitárias no dia das Eleições, com suposto intuito de impedir a transmissão de Covid-19;

b) utilização de bens e recursos públicos, para contratação de empresa de segurança privada e fechamento das entradas secundárias do município, parando apenas veículos que lhes interessassem e dificultando a entrada de alguns eleitores da área rural aos seus locais de votação;

c) participação dos recorridos de grupo de Whatsapp, denominado “Somos 10” com conversas registradas em ata notarial, onde constaram mensagens e áudios revelando a real intenção do fechamento das entradas da cidade;

d) descumprimento do protocolo sanitário expedido pelo Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições de 2020, que orientava a não medição de temperatura no dia do pleito para não dificultar o direito do eleitor ao voto;

e) desrespeito à ordem judicial de retirada das barreiras físicas, comprovada por áudios enviados por apoiadores e parentes dos recorridos no grupo de Whatsapp do qual eles participavam, que demonstraram o intuito claro de retardar o cumprimento da liminar;

f) constrangimento de eleitores a não entrarem na cidade, com divulgação de informações falsas de que veículos e pessoas estavam sendo presas, o que foi demonstrado nos áudios do grupo de Whatsapp e em dez declarações juntadas aos autos, por eleitores que não teriam conseguido chegar ao local de votação;

g) ação dos seguranças privados que, de posse de relatório dos eleitores, impediam o acesso de alguns, a depender da informação que prestavam, o que foi comprovado por depoimentos de duas testemunhas, que convergem com as declarações apresentadas nos autos, no sentido de que alguns eleitores deixaram de votar.

ASPECTOS QUANTITATIVOS. REPERCUSSÃO.

14. A jurisprudência fixou entendimento de que, para fins de constatação do grau de gravidade dos fatos, além dos critérios qualitativos, que correspondem ao grau de reprovação da conduta praticada, devem ser apurados elementos quantitativos que podem ser mensurados sob um viés mais criterioso, que envolve cada situação concreta, de modo a averiguar se houve mácula à legitimidade e à normalidade das Eleições.

15. Em julgado desta Corte, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, ficou assentado que “o critério quantitativo se orienta pela repercussão do ilícito diante da dimensão numérica do colégio eleitoral, circunstância a ser observada a partir de elementos como reiteração da conduta, sua proximidade com o pleito e meios em que propagada” (AgR-REspe 151-35, DJE de 29.8.2016).

16. Não se desconhece a jurisprudência firmada no sentido de que o número de votos entre o primeiro e o segundo colocado não deve ser considerado fator essencial para configuração do abuso, contudo, no presente caso, os referidos dados numéricos (pequena diferença de votos entre os candidatos e o alto percentual de abstenção) foram capazes de demonstrar a gravidade das condutas sob o viés quantitativo, pois repercutiram na normalidade do pleito.

17. Considerando as informações colhidas do portal de dados aberto deste Tribunal relativas ao pleito de 2020 no Município de Analândia e as premissas constantes do aresto regional, destaco os seguintes elementos objetivos e quantitativos que demonstram a gravidade das circunstâncias, por ferir a legitimidade do pleito e a igualdade entre os candidatos:

a) aproximadamente 20% da população do município residia em área rural, e, conforme demonstrado, foi este o eleitorado prejudicado no direito de voto;

b) nas Eleições de 2020, ocorreu maior abstenção (23,84%), comparando-se com os pleitos de 2016 e 2012, que foi, respectivamente, de 13,24% e 14,17%;

c) a candidata recorrente teve seu registro de candidatura indeferido, com declaração de nulidade técnica de seus votos, mas, pelo fato de seu nome ter constado nas urnas, observou-se a diferença de apenas 101 votos com relação aos recorridos, o que demonstra que a concorrência foi acirrada no município.

CONCLUSÃO

Recurso especial eleitoral a que se dá provimento, para julgar procedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), determinando:

i) a declaração de inelegibilidade de todos os recorridos;

ii) a cassação do mandato de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Analândia/SP nas Eleições de 2020;

iii) realização de novas eleições, de acordo com o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral;

iv) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em dar provimento ao recurso especial para reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos da ação de investigação judicial eleitoral, determinando: i) a declaração de inelegibilidade de todos os recorridos; ii) a cassação do mandato de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Analândia/SP nas Eleições de 2020; iii) a realização de novas Eleições no município; e determinar, ainda, a imediata execução ao julgado, a fim de que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo adote as providências necessárias à realização de novas Eleições no Município de Analândia/SP, com as imediatas comunicações à Corte de origem e ao respectivo Juízo Eleitoral sobre o teor da decisão, nos termos do voto do relator.

 

Brasília, 14 de dezembro de 2023.

 

MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES  –  RELATOR

 

 RELATÓRIO

 

 O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES: Senhor Presidente, o Diretório Municipal do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Silvana Márcia Perin Campbell Penna, candidata com registro indeferido ao cargo de prefeito do Município de Analândia/SP no pleito de 2020, interpuseram recurso especial eleitoral (ID 157433028) em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (ID 157433020) que, por unanimidade, negou provimento a recurso eleitoral e manteve sentença de improcedência do pedido inicial formulado em ação de investigação judicial eleitoral, fundada em abuso do poder político, ajuizada em face dos recorridos Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito do mesmo município nas Eleições de 2020, e de Jairo Aparecido Mascia, prefeito da localidade à época dos fatos.

Na origem, a ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada pelos ora recorrentes, foi destinada a apurar a prática de abuso do poder político pelos recorridos, em decorrência de instalação, no dia do pleito, de barreiras físicas nas entradas do município, dificultando o exercício do direito de voto de alguns eleitores.

No apelo especial, os recorrentes postulam a reforma do aresto regional, com a condenação de todos os recorridos às sanções de inelegibilidade, e a cassação dos mandatos eletivos de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Analândia/SP.

Eis a ementa do acórdão recorrido (ID 157433022):

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CANDIDATOS AO CARGO DE PREFEITO E DE VICE-PREFEITO. ELEITOS. EX-PREFEITO DE ANALÂNDIA. ALEGAÇÕES: EX-PREFEITO QUE TERIA FAVORECIDO CANDIDATOS ALIADOS. ABUSO DE PODER POLÍTICO POR MEIO DA INSTALAÇÃO DE BARREIRAS DE TERRA E DE BARREIRAS SANITÁRIAS NA ENTRADA PRINCIPAL E NAS ENTRADAS SECUNDÁRIAS DA CIDADE. ELEITORES QUE TERIAM SIDO COAGIDOS A NÃO VOTAR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO. MÉRITO. PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL QUE INDICAM EXCESSOS DECORRENTES DE INJUSTIFICADAS COLOCAÇÕES DE BARREIRAS NA ENTRADA PRINCIPAL DA CIDADE (JUSTIFICADAS PELOS GESTORES COMO FORMA DE CONTENÇÃO DA PANDEMIA DECORRENTE DA COVID-19), MAS LIMITADOS EM DURAÇÃO E ALCANCE. IMPOSSIBILIDADE DE QUE TENHAM INFLUENCIADO OU ALTERADO O RESULTADO DO PLEITO, DADA A DIFERENÇA DE VOTOS ATRIBUÍDOS A CADA UMA DAS CHAPAS AO CARGO MAJORITÁRIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO E INDEFERIDO O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DOS RECORRENTES COMO LITIGANTES DE MÁ-FÉ. COM DETERMINAÇÃO.

Por pertinente, reproduzo o teor do voto condutor na Corte Regional Eleitoral (ID 157433020):

Consta da inicial que o Município de Analândia, segundo o Censo de 2010, teria uma população estimada em 5.056 (cinco mil e cinquenta e seis) habitantes, dos quais cerca de 1.061 (mil e sessenta e um) residiriam na zona rural, afastados do centro urbano.

Consta, ademais, que, aproveitando-se daquele fato, o recorrido JAIRO MASCIA, à época no cargo de Prefeito, teria determinado, às vésperas do pleito de 2020, o fechamento das entradas secundárias do Município de Analândia (no corpo da exordial constam imagens do fechamento) como forma de dificultar que eleitores da área rural pudessem acessar os locais de votação na zona urbana, ainda que tenha utilizado como justificativa a pandemia do COVID-19.

Consta, ainda, que as barreiras sanitárias foram implantadas com base no Decreto Municipal n° 2.306, de 12 de novembro de 2020, e fiscalizadas por seguranças privados, muitos sem a utilização de máscaras de proteção facial. Acrescenta que tais funcionários portavam relatórios de eleitores, parando os veículos que lhes interessavam para impedir o acesso à cidade, sob o pretexto de medir a temperatura, sendo que tal medida não deveria ter sido utilizada, conforme o protocolo sanitário elaborado pelo E. Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 2020.

Consta, também, que os recorridos teriam participado de grupo de Whatsapp denominado “Somos 10”, onde ocorreram conversas que revelariam abusos ao longo das eleições, registradas em ata notarial (ID n° 63063601). A exordial destaca algumas das mensagens que constam da ata. Transcreve-se:

Outro trecho a conversa revela a real intenção do fechamento das entradas da cidade:

[10:04, 15/11/2020] +55 19 99868-2291: Então tem que mandar esses carros embora[10:04, 15/11/2020] +55 19 99868-2291: Se deixar passar vão votar[10:06, 15/11/2020] +55 16 99640-1219: Outra coisa fechamos as entradas só que tem um probleminha[10:11, 15/11/2020] +55 16 99640-1219: Da entrada acima da crs até aqui em baixo o eleitor pode ser dispensados ali pula a barreira[10:14, 15/11/2020] +55 16 99640-1219: Cuidado com o loteamento Morada do Sol naquela mata[10:22, 15/11/2020] +55 19 99615-0973: Temos que fazer circular que vários carros foram presos e assim acua os demais[10:23, 15/11/2020] +55 19 99615-0973: E que pessoas foram presas tb

Ciente do controle de acesso da cidade uma das integrantes do grupo revela que uma pessoa residente em outra cidade, ligada ao grupo dos representados estava chegando na cidade para votar. Alertam que ela não deveria ser barrada, já que o voto era em favor dos representados, vejamos:

[11:55, 15/11/2020] +55 19 99766-0886: A ex namorada do Zé Ângelo está vindo votar agora a tarde. Falei pra entrar pela estação. Não foram fechar lá né?[11:56, 15/11/2020] +55 19 99766-0886: É voto pra nós.[12:54, 15/11/2020] +55 19 99954-7729: Vamos continuar a pressão até o final

Prosseguindo, a peça inaugural traz gravações em áudio que revelam conversas entre os membros do grupo – alguns deles parentes dos candidatos eleitos ou apoiadores da campanha – no intuito de retardar o cumprimento da liminar que determinava a liberação das entradas da cidade, bem como constranger eleitores a retornarem (IDs 63063701, 63063751, 63063801, 63063851, 63063901, 63063951, 63064001, 63064051, 63064101, 63064201, 63064251, 63064301, 63064351, 63064401, 63064451, 63064501, 63064551, 63064601, 63064651, 63064701, 63064751, 63064801, 63064851, 63064901, 63064951, 63065001, 63065051, 63065101, 63065151, 63065201, 63065251, 63065301, 63065351 e 63065401). Foram também juntadas declarações de eleitores que alegam terem sido impedidos de ingressar na cidade no dia do pleito (IDs 63066351, 63066401, 63066451, 63066501, 63066551, 63066601, 63066651, 63066701, 63066751 e 63066801).

A certidão do ID nº 63069701 confirma que dos 10 (dez) eleitores cuja declaração fora juntada a estes autos, 08 (oito) realmente não compareceram às urnas.

Diante desses fatos, os recorrentes pleitearam a decretação da inelegibilidade dos recorridos, bem como a cassação dos diplomas dos que foram eleitos.

Durante a instrução, foram colhidas as oitivas de 09 (nove) testemunhas, bem como tomado o depoimento dos representantes NELSON DE BRITO (IDs 63073451 a 63073601) e SILVANA MARCIA PERIN (IDs 63073601 a 63073801), além do depoimento do recorrido JAIRO APARECIDO MASCIA (IDs 63073801 a 63074151).

NELSON DE BRITO afirmou que viu barreiras às margens da rodovia, mas não soube de ninguém que tenha sido impedido de ingressar na cidade.

SILVANA MARCIA PERIN diz ter visto uma caminhonete a cerrar uma das entradas da cidade, mas também apenas soubera por relatos de pessoas que teriam sido impedidas de votar.

JAIRO APARECIDO MASCIA, ex-prefeito de Analândia, relata que o Município, por meio de empresa terceirizada, instalou as barreiras sanitárias com a intenção de evitar a disseminação da pandemia.

A testemunha Pedro Cardoso Rafael, arrolada pelos representantes, narrou que, por volta das 7h30 (sete horas e trinta minutos), passou pela barreira sanitária instalada na entrada principal da cidade, mesmo se recusando a ter sua temperatura medida. Pedro Cardoso Rafael ainda negou que tenha presenciado qualquer pessoa sendo barrada (IDs 63074151 a 63074351).

Osvaldo Martins Filho, testemunha arrolada pelos representantes, afirma que, ao dirigir-se ao seu local de votação, parou no posto de gasolina perto da barreira na entrada da cidade e avistou uma multidão. Interessou-se por uma pessoa filmando com o celular e que afirmava ter visto pessoas sendo barradas. Posteriormente, Osvaldo relata ter presenciado apenas um carro retornando diante da barreira, mas não soubera o motivo para tal conduta (IDs 63074351 a 63074901).

As testemunhas Fernando Castilho (IDs 63075751 a 63075851), Julia Rafaela dos Santos Barros (IDs 63076301 a 63076401), Jorge Luiz Braz (IDs 63075901 a 63076201), Sebastião Garcia (IDs 63076451 a 63076601), André Fernando Pulcini (IDs 63076601 a 63076801) e José Pereira de Lima (IDs 63076851 a 63077001), todas arroladas pelos requeridos e residentes na zona rural de Analândia, narraram ter passado por barreiras sanitárias no dia da eleição, não necessariamente na entrada principal da cidade, tendo sido submetidas apenas a medição de temperatura, sem que tenham passado por qualquer constrangimento.

Por outro lado, Alekson Luiz de Oliveira, testemunha arrolada pelos representantes (IDs 63074951 a 63075601), afirma que trabalhava como frentista no dia da eleição, tendo iniciado seu expediente por volta das 6h (seis horas). Relata que presenciara diversos seguranças e uma mulher descendo de uma van para montar a barreira na entrada da cidade, mas que no início da manhã não mediam a temperatura das pessoas, apenas anotavam seus nomes em uma prancheta, determinando o retorno de diversas pessoas a depender das informações que prestavam. Nesse cenário, afirma que umas “dez, quinze, vinte ou talvez até mais de trinta pessoas tiveram que retornar”. Isso, segundo narra, teria durado até umas 10 (dez) horas, quando a polícia forçara o fim da barreira.

Durante a oitiva de Alekson Luiz de Oliveira, registrada na gravação em vídeo do ID nº 63075351, houve discussão entre os presentes na audiência e a referida testemunha acerca da localização da barreira e da distância dela para o posto, especialmente sobre se seria possível ou não ouvir o que era falado pelos seguranças a partir do posto de gasolina.

O MM. Juízo de origem, ao sentenciar, consignou que Alekson Luiz de Oliveira teria mentido em seu depoimento, pois “basta a análise superficial das fotos já mencionadas (refere-se aos IDs 63073001 e 63072951), para se constatar que seria impossível a ele, dada a distância do posto de combustíveis até o local da barreira, escutar de forma nítida o que era conversado naquele local entre os fiscais e os [que] pretendiam entrar na cidade”.

As imagens referidas pela r. sentença são as seguintes:

[...]

Pelas imagens, entendo não ser possível afirmar, com grau de certeza, que a testemunha Alekson Luiz de Oliveira tenha faltado com a verdade durante a oitiva. Explico.

Como afirmou a testemunha Osvaldo Martins Filho, no local havia uma multidão e a barreira não era uma simples parada diante da entrada da cidade. Assim, não é inverossímil, dada a distância do posto ao portal, que Alekson Luiz de Oliveira tenha visto e ouvido o que afirmou em seu depoimento.

E os testemunhos de Osvaldo Martins Filho e Alekson Luiz de Oliveira convergem com as declarações de eleitores, prestadas por escrito, de que teriam desistido de votar devido à barreira na entrada de Analândia, bem como com as mensagens e áudios de whatsapp, que claramente revelam o intento ilícito de correligionários próximos dos candidatos eleitos – muitos com grau de parentesco com os recorridos –, e com conhecimento destes.

O fato de algumas pessoas, testemunhas trazidas ao processo, terem conseguido votar sem problemas não afasta o fato de que, muito possivelmente, durante um determinado período do dia da eleição, houve constrangimentos aos eleitores que pretendiam comparecer aos locais de votação.

Não obstante o extenso arcabouço probatório no sentido de que ocorreram excessos no dia do pleito no Município de Analândia, a improcedência deve ser mantida, pois as condutas tiveram efeitos limitados, sem relevante gravidade para influenciar ou desequilibrar o pleito.

[...]

No caso dos autos, os recorrentes afirmam que a diferença de votos entre a chapa vencedora e a segunda colocada fora de apenas 101 (cento e um) votos. No entanto, essa afirmação não condiz com a realidade, já que a candidatura encabeçada por SILVANA MÁRCIA PERIN CAMPBELL PENNA foi indeferida pela Justiça Eleitoral (Registro de Candidatura nº 0600120-08.2020.6.26.0245, com trânsito em julgado na data de 27/11/2020).

Logo, os 1.299 (mil duzentos e noventa e nove) votos que sua chapa recebera foram considerados tecnicamente nulos, sendo que a chapa que permaneceu em segundo lugar obteve 829 (oitocentos e vinte e nove) votos a menos que a chapa vencedora, conforme constam dos dados divulgados pelo E. Tribunal Superior Eleitoral.

Como as eleições no Município de Analândia tiveram 1.099 (mil e noventa e nove) abstenções, hipoteticamente mais de 75% (setenta e cinco por cento) dessas abstenções teriam que se converter em votos para a chapa que terminou em segundo colocado para que fosse alterado o resultado do pleito.

Conforme bem fundamentado pelo MM. Juízo de origem: “É certo que tais barreiras sanitárias poderiam ter sido instaladas com o propósito ilícito de vedar e dificultar o acesso de eleitores a seus locais de votação. Contudo, repita-se, se ocorreu algum tipo de questionamento indevido, ou se alguns eleitores sentiram-se constrangidos em passar pelas barreiras sanitárias, foram fatos totalmente isolados diante do contexto das eleições, e não tiveram o efeito de influenciar de maneira decisiva o resultado final”.

Em meu sentir, entendo que o lastro probatório trazido aos autos comprova que ocorreram excessos por parte de apoiadores de PAULO HENRIQUE FRANCESCHINI e CLODOALDO GUILHERME, com conhecimento destes, mas se trata de excessos limitados às primeiras horas do dia da eleição e apenas na entrada principal da cidade. Não há prova de que tenham ocorrido abusos nas demais entradas da cidade que não foram fechadas nem em horário após a vinda da polícia.

Ademais, praticamente impossível que, caso não ocorressem tais fatos, fosse alterado o resultado obtido, pelo qual sagraram-se eleitos PAULO HENRIQUE FRANCESCHINI e CLODOALDO GUILHERME.

Como conclusão, é, portanto, de rigor, a mantença da r. sentença de improcedência.

Quanto ao pedido, formulado em contrarrazões, de condenação dos recorrentes por litigância de má-fé, diante do que aqui fora exposto a respeito da solidez das provas produzidas pelos recorrentes, ainda que mantida a improcedência da representação, não cabe impor a reprimenda pleiteada nas contrarrazões.

Por derradeiro, não obstante os fatos narrados não tenham a gravidade suficiente e necessária para justificar a procedência de uma ação de investigação judicial eleitoral, é certo que a instalação das barreiras ocorreu e que determinados eleitores podem ter sido impedidos, injustificadamente, de exercer o direito de sufrágio no dia do pleito, o que pode, em tese, configurar o delito tipificado no art. 297, do Código Eleitoral, devendo ser dada ciência desta decisão colegiada à d. Procuradoria Regional Eleitoral para as providências cabíveis.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso eleitoral e indefiro o pedido de condenação dos recorrentes como litigantes de má-fé.

Com a publicação, determino seja dada ciência da decisão colegiada à d. Procuradoria Regional Eleitoral para as providências cabíveis, nos termos dos fundamentos supra. (Grifo nosso).

Os recorrentes alegam, em suma, que:

a) houve violação aos arts. 234 e 297 do Código Eleitoral, tendo em vista que o Tribunal de origem reconheceu a existência de provas de embaraço dos eleitores do Município de Analândia/SP na votação ao pleito municipal de 2020, mas afastou as sanções aos recorridos, determinando apenas a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral;

b) as condutas praticadas pelos recorridos e confirmadas pelo aresto regional, consistentes na instalação de barreiras físicas em entradas secundárias do município com direcionamento de todas as pessoas às entradas principais onde estavam as barreiras sanitárias, configurou grave afronta ao direito do sufrágio universal, previsto no art. 14 da Constituição Federal;

c) os seguranças privados, contratados para ficarem nas barreiras físicas, foram autorizados por decreto municipal a reter administrativamente o eleitor que descumprisse suas ordens, o que demonstrou grave ofensa ao art. 263 do Código Eleitoral, que prevê as hipóteses de prisão ou detenção de eleitor nos 5 dias anteriores e nas 48 horas após encerramento das Eleições;

d) o Decreto Municipal 2.306/2020, que determinou o fechamento das entradas da cidade e a adoção de barreiras sanitárias, não foi sequer publicado ou disponibilizado no site da prefeitura, justamente com o intuito de impedir eventual ajuizamento de ações judiciais contra referida medida, que ultrapassou os limites da liberdade ao voto;

e) o próprio recorrido Jairo confessou que as barreiras sanitárias foram operadas por empresa de segurança privada, contratada com recursos públicos do município, sem participação da secretaria de saúde local ou estadual, e que teria tomado tal decisão na condição de prefeito municipal à época, o que demonstra que foi uma escolha eminentemente política;

f) consta do próprio aresto recorrido que o Município de Analândia/SP estava na “fase verde”, com relação ao conjunto de regras adotadas pelo Governo do Estado de São Paulo no combate à pandemia da Covid-19, de modo que o controle era menos restritivo à época do pleito, sem nenhuma recomendação dos órgãos de saúde para fechamento das entradas da cidade ou para instalação de barreiras sanitárias;

g) ficou demonstrado que as barreiras não tiveram intuito de enfrentamento da pandemia da Covid-19, tendo os próprios recorridos alegado que as barreiras foram feitas apenas para impedir a entrada de eleitores por meio de transporte ilegal, todavia, essa atividade é de competência exclusiva da Justiça Eleitoral;

h) além da desobediência ao protocolo sanitário expedido pelo Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições de 2020, o qual não previa a adoção de barreiras sanitárias e que deixava ao eleitor o direito de escolher o exercício do voto, os recorridos descumpriram a determinação judicial de retirada de tais barreiras, proferida nos autos da Representação 0600839-87.2020.6.26.0245, o que foi confirmado pelas próprias testemunhas de defesa;

i) consta dos autos certidão confirmando que os eleitores tiveram dificuldade de exercer seu direito ao voto com a instalação das barreiras;

j) a Corte de origem reconheceu a existência de mensagens escritas e áudios encaminhados em grupo de Whatsapp, cujo teor não foi impugnado na defesa dos recorridos, e que revelam o intuito dos correligionários dos candidatos recorridos de coagir os eleitores com a utilização das barreiras sanitárias;

k) os atos cometidos pelo gestor público também transgrediram o princípio da moralidade, que, na forma do art. 37 da Constituição Federal, constitui pressuposto de validade de todo ato administrativo;

l) houve afronta ao art. 22 da Lei Complementar 64/90, pois o TRE/SP, ao mesmo tempo em que reconheceu a existência de extenso arcabouço probatório da ilegalidade das condutas realizadas pelos recorridos, concluiu que os fatos não teriam gravidade suficiente para atrair a sanção de cassação e inelegibilidade, o que representa sério risco ao regime democrático, por se tratar, no caso, de embaraço ao direito universal ao voto;

m) ao contrário do que foi decidido pela Corte Regional, o inciso XVI do art. 22 da LC 64/90 não exige demonstração de potencialidade de alteração no resultado do pleito para que se configure a conduta abusiva, de modo que, tendo o próprio Tribunal reconhecido a gravidade dos fatos, não lhe caberia realizar a dosimetria da pena, como ocorreu no aresto regional.

Jairo Aparecido Mascia, bem como Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme apresentaram contrarrazões ao recurso especial (IDs 158894495 e 158904071, respectivamente).

Os recorrentes, em petição de ID 158904038, apresentaram cópia de acórdão proferido por este Tribunal no Recurso Especial Eleitoral 0600840-72, no sentido de deferimento do pedido de registro do DRAP do DEM para o pleito proporcional do Município de Analândia/SP, por considerar válida a convenção partidária presidida por pessoa com direitos políticos suspensos, alegando que esse entendimento se estende ao processo de registro de candidatura da recorrente.

A douta Procuradoria-Geral Eleitoral, no parecer apresentado nos autos (ID 158346302), manifestou-se pelo não provimento do recurso especial.

É o relatório.

 

 VOTO

 

1. Tempestividade do apelo e regularidade da representação processual.

 

O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES (relator): Senhor Presidente, o recurso especial é tempestivo. O acórdão regional foi publicado no DJE de 17.2.2022 (ID 157433026), e o apelo foi interposto em 18.2.2022 (ID 157433028) em petição subscrita por advogado habilitado (IDs 157432670 e 157432671).

 

2. Resultado das Eleições de 2020 no Município de Analândia/SP e os votos obtidos pelos candidatos recorridos e recorrente.

 

De início, anoto que os candidatos recorridos Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme foram eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Analândia/SP com 1.400 votos nominais (71,03% dos votos válidos ou 39,88% do total de votos apurados), conforme informações extraídas do Sistema de Divulgação dos Resultados das Eleições e Estatísticas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao/home).

Observo, ainda, que a recorrente, Silvana Márcia Perin Campbell Penna, adversária política dos recorridos, recebeu nas urnas o total de 1.299 votos (38% do total de votos apurados), os quais foram considerados tecnicamente nulos em vista do indeferimento do seu pedido de registro de candidatura, nos autos da RRC 0600120-08, com trânsito em julgado em 27.11.2020.

 

3. Entendimento adotado pelo Tribunal de origem.

 

Observa-se que o TRE/SP considerou a existência de provas suficientes quanto ao excesso na conduta dos recorridos, ao instalar barreiras físicas nas entradas do Município de Analândia no dia do pleito e eventualmente impedir o exercício do direito de sufrágio por alguns eleitores, contudo, considerou que a conduta abusiva não foi revestida de gravidade suficiente a justificar as duras penas previstas na LC 64/90.

 

4. Reenquadramento jurídico dos fatos.

 

4.1. Fundamento legal.

 

O reenquadramento jurídico das condutas descritas no aresto regional deve ser buscado especificamente no art. 22 da LC 64/90, sem prejuízo de outras normas da legislação eleitoral que possam ser úteis para o desfecho da controvérsia.

O art. 22 da LC 64/90 determina que, provocada, a Justiça Eleitoral tem o poder-dever de investigar condutas que caracterizem “desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”. Apurada essa conduta, a Justiça Eleitoral aplicará sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 anos subsequentes ao pleito em que se verificou a prática ilegal, além da cassação do registro ou do diploma do candidato diretamente beneficiado.

De acordo com o inciso XIV do mesmo dispositivo legal, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Com efeito, cumpre analisar as premissas constantes do aresto regional, com vistas a verificar se os fatos ali descritos e apreciados pela Corte de origem configuram ou não abuso do poder político, além de sopesar a gravidade das circunstâncias.

4.2. Figura jurídica do abuso de poder.

A figura jurídica do abuso de poder é antiga conhecida dos administrativistas, acostumados a lidar com a contenção da autoridade e com a extravagância no exercício das competências públicas. Tão relevante é a repressão dessa patologia que justificou a formatação normativa de um remédio para coibi-la – o mandado de segurança –, elevado à condição de remédio constitucional (CF, art. 5º, LXIX). Não é, pois, especialmente difícil identificar o abuso.

O Mestre Marçal Justen Filho1 é preciso:

Dá-se o abuso de poder quando um sujeito se vale da competência de que é titular para além dos limites necessários, atuando de modo a lesar interesses alheios sem que tal corresponda a algum benefício para as necessidades coletivas.

Outro autor clássico do Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles2, na última edição de sua obra maior antes de falecer, refletindo sua própria opinião, ensinava sobre o tema que sempre lhe foi claro:

O abuso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites das suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.

O abuso de poder, como todo ilícito, reveste as formas mais diversas. Ora se apresenta ostensivo como a truculência, às vezes dissimulado como estelionato, e não raro encoberto na aparência ilusória dos atos legais. Em qualquer destes aspectos – flagrante ou disfarçado – o abuso de poder é sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que a contém. (Grifo nosso).

4.3. Abuso do poder político.

 

Diante de tais considerações, observo que, para estar presente o abuso de poder, a autoridade: i) exerce competência que originalmente lhe era correspondente; ii) ultrapassa ou desvia a finalidade ensejadora dessa competência; iii) ao fazê-lo, lesa interesses alheios (públicos ou privados) sem nenhum efetivo benefício à coletividade; e iv) pode fazê-lo procurando travesti-lo de um ato regular, dissimulando seus reais objetivos. A dissimulação, antes de afastar o abuso, acentua sua gravidade consoante a lição dos mestres.

A Jurisprudência dessa Corte já de há muito tem assentada compreensão consentânea do que caracteriza o abuso do poder político. Em julgado paradigmático, ficou decidido:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ORDINÁRIO. AIJE. ABUSO DE PODER. CONFIGURAÇÃO. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. AÇÃO CAUTELAR. PREJUÍZO. LIMINAR. ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL.AUSÊNCIA. INTERESSE JURÍDICO.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, compete à Justiça Eleitoral verificar, baseada em provas robustas admitidas em direito, a ocorrência de abuso de poder, suficiente para ensejar asseveras sanções previstas na LC n° 64/1990. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC n° 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito poderá afastar o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 10, inciso 1, alíneas d, h e j, da LCn°64/1990).

2. Segundo a jurisprudência do TSE, "o abuso do poder político ocorre quando agentes públicos se valem da condição funcional para beneficiar candidaturas (desvio de finalidade), violando a normalidade e a legitimidade das eleições" (AgR-REspe n° 36.357/PA, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27.4.2010).

3. Abuso de poder político. Configura grave abuso de poder político a realização de comício eleitoral por candidato ao qual grande número de estudantes compareceu, durante o horário letivo, em razão de terem sido informados de que, no evento, seriam tratados temas de interesse da classe estudantil, além de terem sido submetidos a constrangimentos e humilhações, ferindo-lhes a dignidade.

4. A normalidade e a legitimidade do pleito, previstas no art. 14, § 90, da Constituição Federal, decorrem da ideia de igualdade de chances entre os competidores, entendida como a necessária concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, sem a qual se compromete a própria essência do processo democrático.

(AgR-RO 2887-87, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 13.2.2017.)

Quanto ao ponto, cabe adicionar a definição de abuso do poder político, ratificada por este Tribunal no julgamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral 0600814-85, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, publicado no DJE de 2.8.2023:

O abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas. (Grifo nosso).

4.4. Gravidade da conduta.

No mesmo precedente (AIJE 0600814-85, rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023), este Tribunal reafirmou o entendimento de que a gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito)” destacando, ainda, que seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa(grifo nosso).

Desse modo, cabe a apreciação de todas as circunstâncias do caso concreto de acordo com a moldura fática descrita no aresto regional, sem que se configure o indevido reexame de fatos e provas, vedado nesta instância especial, a teor da Súmula 24 do TSE, mas, sim, o devido reenquadramento jurídico dos fatos ali descritos, consoante autoriza a jurisprudência pacífica desta Corte.

 

4.5. As premissas do aresto regional.

 

Neste contexto, extraio do aresto regional as premissas relevantes para o reenquadramento jurídico dos fatos e das provas e para a devida solução da demanda apresentada a esta Corte:

a) “o Município de Analândia, segundo o Censo de 2010, teria uma população estimada em 5.056 (cinco mil e cinquenta e seis) habitantes, dos quais cerca de 1.061 (mil e sessenta e um) residiriam na zona rural, afastados do centro urbano” (ID 157433020);

b) “o recorrido JAIRO MASCIA, à época no cargo de Prefeito, teria determinado, às vésperas do pleito de 2020, o fechamento das entradas secundárias do Município de Analândia (no corpo da exordial constam imagens do fechamento) como forma de dificultar que eleitores da área rural pudessem acessar os locais de votação na zona urbana, ainda que tenha utilizado como justificativa a pandemia do COVID-19” (ID 157433020, grifo nosso);

c) “as barreiras sanitárias foram implantadas com base no Decreto Municipal n° 2.306, de 12 de novembro de 2020, e fiscalizadas por seguranças privados, muitos sem a utilização de máscaras de proteção facial” (ID 157433020, grifo nosso);

d) “tais funcionários portavam relatórios de eleitores, parando os veículos que lhes interessavam para impedir o acesso à cidade, sob o pretexto de medir a temperatura, sendo que tal medida não deveria ter sido utilizada, conforme o protocolo sanitário elaborado pelo E. Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 2020 (ID 157433020, grifo nosso);

e) “os recorridos teriam participado de grupo de Whatsapp denominado “Somos 10”, onde ocorreram conversas que revelariam abusos ao longo das eleições, registradas em ata notarial (ID 157433020, grifo nosso);

f) “a peça inaugural traz gravações em áudio que revelam conversas entre os membros do grupo – alguns deles parentes dos candidatos eleitos ou apoiadores da campanha – no intuito de retardar o cumprimento da liminar que determinava a liberação das entradas da cidade, bem como constranger eleitores a retornarem (ID 157433020, grifo nosso);

g) “juntadas declarações de eleitores que alegam terem sido impedidos de ingressar na cidade no dia do pleito;

h) “a certidão do ID nº 63069701 confirma que dos 10 (dez) eleitores cuja declaração fora juntada a estes autos, 08 (oito) realmente não compareceram às urnas (ID 157433020, grifo nosso);

i) “os testemunhos de Osvaldo Martins Filho e Alekson Luiz de Oliveira convergem com as declarações de eleitores, prestadas por escrito, de que teriam desistido de votar devido à barreira na entrada de Analândia, bem como com as mensagens e áudios de whatsapp, que claramente revelam o intento ilícito de correligionários próximos dos candidatos eleitos – muitos com grau de parentesco com os recorridos –, e com conhecimento destes” (ID 157433020, grifo nosso);

j) “o fato de algumas pessoas, testemunhas trazidas ao processo, terem conseguido votar sem problemas não afasta o fato de que, muito possivelmente, durante um determinado período do dia da eleição, houve constrangimentos aos eleitores que pretendiam comparecer aos locais de votação (ID 157433020, grifo nosso);

k) “os recorrentes afirmam que a diferença de votos entre a chapa vencedora e a segunda colocada fora de apenas 101 (cento e um) votos. No entanto, essa afirmação não condiz com a realidade, já que a candidatura encabeçada por SILVANA MÁRCIA PERIN CAMPBELL PENNA foi indeferida pela Justiça Eleitoral” (ID 157433020, grifo nosso);

l) “entendo que o lastro probatório trazido aos autos comprova que ocorreram excessos por parte de apoiadores de PAULO HENRIQUE FRANCESCHINI e CLODOALDO GUILHERME, com conhecimento destes, mas se trata de excessos limitados às primeiras horas do dia da eleição e apenas na entrada principal da cidade. Não há prova de que tenham ocorrido abusos nas demais entradas da cidade que não foram fechadas nem em horário após a vinda da polícia” (ID 157433020, grifo nosso);

m) é certo que a instalação das barreiras ocorreu e que determinados eleitores podem ter sido impedidos, injustificadamente, de exercer o direito de sufrágio no dia do pleito, o que pode, em tese, configurar o delito tipificado no art. 297, do Código Eleitoral” (ID 157433020, grifo nosso).

4.6. Análise das condutas.

 

4.6.1. Existência de provas robustas.

 

De início, reitero que o próprio Tribunal de origem concluiu pela existência de provas suficientes quanto à materialidade do abuso das condutas praticadas pelo recorrido Jairo Aparecido Mascia, prefeito do Município de Analândia/SP à época dos fatos, em benefício e com a anuência dos demais recorridos, Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito do mesmo município, afastando apenas a gravidade da conduta, para fins de aplicação das sanções de cassação dos mandatos e inelegibilidade.

Reafirmo, diante do extenso arcabouço probatório” (ID 157433021, grifo nosso), que o TRE/SP determinou a remessa de cópia dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral, pois considerou que a instalação das barreiras impediu alguns eleitores, injustificadamente, de exercer o voto, o que poderia configurar o crime do art. 297 do Código Eleitoral.

Desse modo, considero despiciendo adentrar a análise da abusividade das condutas perpetradas pelos recorridos, diante da exaustividade de fundamentos apresentados pela Corte de origem, não havendo, portanto, nenhuma dúvida quanto ao ponto.

Assim, passo ao exame dos demais requisitos para a configuração do ilícito previsto no art. 22 da LC 64/90.

 

4.6.2. Sobre a gravidade da conduta.

 

Aqui reside a divergência para com o enquadramento jurídico dos fatos pelo TRE/SP. Tenho dificuldade de imaginar gravidade maior de abuso de poder político. Não só pelo fato em si de instalar barreiras sanitárias em claro desvio de finalidade. Mas pela evidência relatada pelas provas do deliberado intuito de influenciar o pleito e tolher o direito de voto do cidadão.

No caso, observo que o TRE/SP levou em consideração a potencialidade de o fato alterar o resultado do pleito, e não a gravidade das circunstâncias do ato abusivo em si, porquanto concluiu que se tratou “de excessos limitados às primeiras horas do dia da eleição e apenas na entrada principal da cidade”, de que não teria provas “de que tenham ocorrido abusos nas demais entradas da cidade que não foram fechadas” e de que seriapraticamente impossível que, caso não ocorressem tais fatos, fosse alterado o resultado obtido, pelo qual sagraram-se eleitos PAULO HENRIQUE FRANCESCHINI e CLODOALDO GUILHERME (ID 157433021, grifo nosso).

Este Tribunal, no julgamento da AIJE 0600814-85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023, assentou que a tríade para a apuração do abuso (conduta, reprovabilidade e repercussão) se aperfeiçoa diante de:

a) “prova de condutas que constituem o núcleo da causa de pedir”;

b) elementos objetivos que autorizem estabelecer “um juízo de valor negativo a seu respeito, de modo a afirmar que são dotadas de alta reprovabilidade (gravidade qualitativa)(grifo nosso);

c) elementos objetivos que autorizem “inferir com necessária segurança que essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral (gravidade quantitativa)” (grifo nosso).

Desse modo, passo à apreciação dos aspectos qualitativos e quantitativos que demonstram o requisito da gravidade das condutas praticadas pelos recorridos.

 

4.6.2.1. Aspectos qualitativos. Reprovabilidade.

 

Em relação à análise da gravidade das condutas, considero que a mera instalação das barreiras físicas e sanitárias no dia das eleições, determinada por decreto municipal expedido pelo prefeito à época dos fatos, já seria fator suficiente para demonstração da gravidade exigida para configuração do ato abusivo, pois, no caso, a conduta do primeiro recorrido transbordou o uso das prerrogativas do seu cargo público, com desvio de finalidade em favor dos demais recorridos (eleitos aos cargos majoritários do município), violando, além dos direitos fundamentais do indivíduo de ir e vir e da liberdade ao voto, a segurança do processo eleitoral.

De todo modo, considerando que a reprovabilidade diz respeito a quanto as condutas foram capazes de influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos, cito as seguintes circunstâncias aptas a demonstrar a gravidade qualitativa:

a) uso da máquina pública pelo recorrido Jairo Mascia, prefeito à época, com expedição de Decreto Municipal 2.306, em 12 de novembro de 2020, para implantação de supostas barreiras sanitárias no dia das eleições, com suposto intuito de impedir a transmissão de Covid-19;

b) utilização de bens e de recursos públicos, para contratação de empresa de segurança privada e fechamento das entradas secundárias do município, parando apenas veículos que lhes interessassem, sob o pretexto de medir temperatura das pessoas, e dificultando a entrada de alguns eleitores da área rural aos seus locais de votação;

c) participação dos recorridos de grupo de Whatsapp, denominado “Somos 10” com conversas registradas em ata notarial, onde constaram mensagens e áudios revelando “a real intenção do fechamento das entradas da cidade” (ID 157433021, p. 1);

d) descumprimento do protocolo sanitário expedido pelo Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições 2020, que orientava a não medição de temperatura no dia do pleito para não dificultar o direito do eleitor ao voto, “uma vez que a medida causaria provável aumento das filas e maior risco de aglomerações” (extraído do Plano de Segurança Sanitária das Eleições Municipais de 2020, p. 12);

e) desrespeito à ordem judicial de retirada das barreiras físicas, comprovada por áudios enviados por apoiadores e parentes dos recorridos no grupo de Whatsapp do qual eles participavam, que demonstraram o intuito claro de retardar o cumprimento da liminar;

f) constrangimento de eleitores a não entrarem na cidade, com divulgação de informações falsas de que veículos e pessoas estavam sendo presos, o que foi demonstrado nos áudios do grupo de Whatsapp e em dez declarações juntadas aos autos, por eleitores que não teriam conseguido chegar ao local de votação;

g) ação dos seguranças privados, que, de posse de relatório dos eleitores, impediam o acesso de alguns destes, a depender da informação que prestavam, o que foi comprovado por depoimentos de duas testemunhas, que convergem com as declarações apresentadas aos autos, no sentido de que alguns eleitores deixaram de votar.

Com efeito, considerando a extensão de aspectos qualitativos aptos da demonstrar a gravidade das condutas, cabe apresentar os aspectos quantitativos, ou seja, os elementos objetivos que possam demonstrar o quanto essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral.

 

4.6.2.2. Aspectos quantitativos. Repercussão.

 

Ainda que a Lei Complementar 135/2010 tenha alterado a redação do art. 22, para incluir o inciso XVI, em que ficou estabelecido que “não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”, a jurisprudência fixou o entendimento de que, para fins de constatação do grau de gravidade dos fatos, além dos critérios qualitativos, que correspondem ao grau de reprovação da conduta praticada, devem ser apurados elementos quantitativos, ou seja, elementos que podem ser mensurados para sob um viés mais criterioso, que envolve cada situação concreta, de modo a averiguar se houve mácula à legitimidade e à normalidade das eleições.

No julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 11-70/RJ, DJE de 13.2.2017, de relatoria do Ministro Luiz Fux, este Tribunal assentou que “o critério quantitativo (i.e., potencialidade para influenciar diretamente no resultado das urnas), conquanto possa ser condição suficiente, não se perfaz condição necessária para a caracterização do abuso de poder econômico” e acrescentou que “o fato de as condutas supostamente abusivas ostentarem potencial para influir no resultado do pleito é relevante, mas não essencial”.

Ou seja, mesmo que seja relevante o fato de as condutas praticadas revelarem a capacidade de influir no resultado, este não é o fator essencial para aplicar a sanção de cassação e/ou inelegibilidade do candidato.

Cabe, ainda, destacar outro julgado desta Corte, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, no qual ficou assentado que: “O critério quantitativo orienta-se pela repercussão do ilícito diante da dimensão numérica do colégio eleitoral, circunstância a ser observada a partir de elementos” (AgR-REspe 151-35, DJE de 29.8.2016).

Neste contexto, ainda que fosse desnecessária a demonstração da potencialidade para influir no resultado do pleito, no caso concreto, entendo que tal requisito pode ser apreciado para fins de caracterização do aspecto quantitativo da gravidade da conduta, uma vez que esse critério qualitativo se evidencia pelas circunstâncias que aviltaram a vontade livre do eleitor de escolher os seus representantes.

De início, não se desconhece a jurisprudência desta Corte no sentido de que o número de votos entre o primeiro e o segundo colocado não deve ser considerado fator essencial, contudo, reafirmo que os dados numéricos aqui descritos, ainda que envolvam aspectos qualitativos, relativo a números, devem ser analisados por uma vertente quantitativa, para averiguar se eles representaram mácula à legitimidade e à normalidade das eleições.

Quanto ao ponto, destaco outro aresto deste Tribunal, proferido no julgamento do Recurso Especial Eleitoral 23.896, de relatoria do Ministro Arnaldo Versiani, DJE de 26.2.2008, no qual ficou decidido que “o requisito da potencialidade deve ser apreciado em função da seriedade e da gravidade da conduta imputada”.

No mesmo sentido, no Recurso Especial 0600818-68, julgado em 21.9.2021, de relatoria do Ministro Sérgio Banhos, a Corte destacou que “não se deve mensurar de forma quantitativa o resultado da prática ilícita, ou seja, aferir a quantidade dos votos efetivamente captados pela conduta, mas pela sua vertente qualitativa, com base na gravidade que acarrete influência na vontade livre do eleitor, desequilibrando a disputa para os demais candidatos que não puderam se utilizar das mesmas práticas”.

Sobre o tema, Anna Paula Oliveira Mendes, em sua obra O Abuso do Poder no Direito Eleitoral3, destacou que “a análise aritmética não deve ser abandonada, mas sim deve ser revalorada”, e que, por tal razão, “devem, sim, ser sopesados: i) o número de cidadãos, ao menos em tese, atingidos pela prática, em comparação com o contigente de eleitores aptos a votar; ii) o quociente eleitoral exigido para a eleição ou a diferença de votos entre os colocados no pleito majoritário”.

Conforme destacado na mesma obra, “a justiça eleitoral e a legislação acertaram ao não mais buscar, dentro do conceito de potencialidade, a comprovação do nexo causal entre a conduta e o resultado do pleito, o que se entendia que impunha ao autor das ações o ônus de uma prova diabólica”, “no entanto, deve ser feito um exercício argumentativo por meio do qual se possa concluir que, ao menos em tese, o ato considerado abusivo feriu a legitimidade do pleito”.

Desse modo, considerando tais premissas, passo a citar os dados numéricos relativos às Eleições de 2022 no Município de Analândia/SP, relevantes para demonstrar a gravidade para fins de configuração do ilícito do art. 22 da LC 64/90, com a aplicação das sanções de inelegibilidade e cassação dos mandatos.

Consta do aresto recorrido que, de acordo com Censo de 2010, a população estimada do Município de Analândia/SP era de 5.056 habitantes, dos quais 1.061 residiam na zona rural, ou seja, aproximadamente 20% da população.

Ficou consignado, ainda, que a diferença de votos entre a chapa vencedora e a segunda colocada fora de apenas 101 (cento e um) votos”, contudo, a “candidatura encabeçada por SILVANA MÁRCIA PERIN CAMPBELL PENNA foi indeferida pela Justiça Eleitoral (Registro de Candidatura nº 0600120-08.2020.6.26.0245, com trânsito em julgado na data de 27/11/2020)” (ID 157433021, grifo nosso).

Quanto ao ponto, cabe esclarecer que, ainda que o pedido de registro de candidatura da recorrente tenha sido indeferido, o nome da candidata Silvana Márcia Perin Campbell e o de seu companheiro de chapa majoritária constaram na urna, tendo o total de 1.299 votos, os quais foram considerados como “votos nulos técnicos”, enquanto os candidatos recorridos tiveram o total de 1.400 votos.

Para melhor análise, colho do Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao/home) as seguintes informações quanto às Eleições de 2020 no Município de Analândia/SP:

 

Eleitorado Apto - 4.609 (100%)

Comparecimento - 3.510 (76,16%)

Abstenção - 1.099 (23,84%)

Votos válidos - 1.971 (56,15%)

Nulo técnico - 1.299 (37,01%)

Votos em branco - 81 (2,31%)

Votos nulos - 159 (4,53%)

Candidatos eleitos, ora recorridos - 1.400 votos (39,88% do total de votos ou 71,03% dos votos válidos)

Candidata recorrente (com RRC indeferido) - 1.299 votos (37% do total de votos, os quais foram considerados votos nulos técnicos)

Candidato que ficou em segundo lugar (após a totalização dos votos e exclusão dos votos nulos da recorrente) - 571 votos (16,26% do total de votos ou 28,97% dos votos válidos)

 

Cabe, ainda, destacar que, de acordo com o Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao/home), nas Eleições de 2020, do total de 4.069 eleitores aptos, houve abstenção de 1.099 eleitores, o que correspondeu a 23,84% do eleitorado, enquanto, nas eleições anteriores, de 2016 e 2012, a abstenção foi, respectivamente, de 13,29% e 14,17%, conforme se verifica do quadro abaixo:

 

Ano eleitoral

Comparecimento

% comparecimento

Abstenção

% abstenção

Eleitorado apto

2020

3.510

76,16 %

1.099

23,84 %

4.609

2016

3.862

86,71 %

592

13,29 %

4.454

2012

4.646

85,83 %

767

14,17 %

5.413

 

Considerando todas as informações colhidas do portal de dados aberto deste Tribunal e as premissas constantes do aresto regional, destaco os seguintes elementos objetivos e quantitativos que, a meu ver, demonstram a gravidade das circunstâncias, por ferir a legitimidade do pleito e a igualdade entre os candidatos:

a) aproximadamente 20% da população do município residia em área rural, e, conforme demonstrado nos autos e descrito no aresto regional, foi este o eleitorado prejudicado no direito de voto;

b) nas Eleições de 2020, houve um percentual bem maior de abstenção (23,84%), comparando-se com os pleitos de 2016 e 2012, em que a abstenção foi, respectivamente, de 13,24% e 14,17%;

c) a candidata recorrente que teve seu registro de candidatura indeferido, mesmo com a nulidade técnica de seus votos após as eleições, obteve diferença muito pequena de votos com relação aos recorridos (101 votos), o que demonstra que a concorrência foi acirrada naquele município.

Desse modo, considerando as diversas circunstâncias acima elencadas e a forma como repercutiram no resultado do pleito, não há como afastar a gravidade quantitativa das condutas, para fins de configuração do abuso do poder político.

O excesso das condutas dos recorridos, conforme se verifica, vilipendiou a normalidade, a legitimidade e a lisura do pleito, adulterando o processo eleitoral.

5. Conclusão.

Pelo exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial eleitoral interposto pelo Diretório Municipal do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e por Silvana Márcia Perin Campbell Penna, para reformar o aresto regional e julgar procedentes os pedidos iniciais da ação de investigação judicial eleitoral, determinando:

i) a declaração de inelegibilidade de todos os recorridos;

ii) a cassação do mandato de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Analândia/SP nas Eleições de 2020;

iii) a realização de novas Eleições no município.

Ademais, voto no sentido de dar imediata execução ao julgado, determinando, assim, que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo adote as providências necessárias à realização de novas Eleições no Município de Analândia/SP, nos termos do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, devendo ser realizadas as imediatas comunicações à Corte de origem e ao respectivo Juízo Eleitoral acerca do inteiro teor da presente decisão.

 


1. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 13ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Thomson Reuters Brasil - Revista dos Tribunais, 2018, p. 365.

2. LOPES MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro, 1990, p. 90.

3, MENDES, Anna Paula Oliveira. O abuso do poder no direito eleitoral. Belo Horizonte, Editora Fórum, 1º ed, 2022.

 

 

EXTRATO DA ATA

 

REspEl nº 0600840-72.2020.6.26.0245/SP. Relator: Ministro Floriano de Azevedo Marques.  Recorrentes: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – Municipal e outra (Advogados: Victor Roncatto Piovezan – OAB: 242595/SP e outro). Recorridos: Paulo Henrique Franceschini e outro (Advogados: Luís Fernando Pestana – OAB: 208792/SP e outros). Recorrido: Jairo Aparecido Mascia (Advogados: Fábio Henrique Carvalho Oliva – OAB: 141358/MG e outros).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial para reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos da ação de investigação judicial eleitoral, determinando: i) a declaração de inelegibilidade de todos os recorridos; ii) a cassação do mandato de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Analândia/SP nas Eleições de 2020; iii) a realização de novas Eleições no município; e determinou, ainda, a imediata execução ao julgado, a fim de que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo adote as providências necessárias à realização de novas Eleições no Município de Analândia/SP, com as imediatas comunicações à Corte de origem e ao respectivo Juízo Eleitoral sobre o teor da decisão, nos termos do voto do relator.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.

 

SESSÃO ORDINÁRIA REALIZADA EM REGIME HÍBRIDO EM 14.12.2023.