TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

CONSULTA ELEITORAL Nº 0600167-56.2023.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
 

Relator: Ministro Nunes Marques

Consulente: Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Nacional

Advogados: Walber de Moura Agra – OAB: 757-B/PE e outro

 

CONSULTA. PARTIDO POLÍTICO. PRESSUPOSTOS FORMAIS. ATENDIMENTO. MÉRITO. CELEBRAÇÃO DE FEDERAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DE JUSTA CAUSA AUTOMÁTICA. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO DEVER DE FIDELIDADE. ART. 11-A, §§ 1° E 9°, DA LEI N. 9.504/1997. FUSÃO, INCORPORAÇÃO E FEDERAÇÃO. DISTINÇÃO. PRIMEIRO QUESTIONAMENTO RESPONDIDO NEGATIVAMENTE. SEGUNDO QUESTIONAMENTO PREJUDICADO. 

1. A consulta formulada atende os três requisitos para seu conhecimento, a saber: (i) legitimidade do consulente – órgão nacional de partido político; (ii) pertinência temática – veiculação de matéria eleitoral em sentido estrito; e (iii) completa desvinculação de casos concretos – inequívoca abstração.

2. Os §§ 1° e 9° do art. 11-A da Lei n° 9.504/1997 expressamente preveem que o instituto da fidelidade partidária não resta comprometido pela celebração de Federação.

3. Nos termos do art. 22-A, da Lei n. 9.096/1997, somente podem ser consideradas justa causa para a desfiliação de detentor de mandato eletivo: (i) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (ii) grave discriminação política pessoal; e (iii) a mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.  

4. A celebração de federação não implica, por si só, justa causa prevista no art. 22-A da Lei n. 9.096/1997. Portanto, não é apta a autorizar a migração, sem perda de mandato, dos parlamentares eleitos em razão de sua efetivação.

5. A formação de federação não possui os mesmos caracteres da fusão e da incorporação e, via de consequência, não há como se aplicar por analogia os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que consideram ambas as figuras como geradoras de justa causa.

6. Consulta conhecida e respondida negativamente quanto ao primeiro questionamento. Prejudicada, quanto à segunda indagação.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em conhecer da Consulta para responder ao primeiro questionamento no sentido de que ''a celebração de federação não implica, por si só, em mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, por conseguinte, não é apta a caracterizar justa causa para desfiliação'', e julgar prejudicada a segunda indagação, nos termos do voto do relator, vencida quanto ao conhecimento, a Ministra Isabel Gallotti, e, no mérito, os Ministros Raul Araújo e Dias Toffoli. 

 

Brasília, 4 de junho de 2024.

 

MINISTRO NUNES MARQUES – RELATOR

 

 

RELATÓRIO

 

 

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Senhor Presidente, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Nacional, formulou consulta nos seguintes termos:

a) A reunião de partido político em federação partidária pode incidir na hipótese de justa causa para desfiliação sem a perda de mandato, diante da mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (art. 22-A, inciso I, da LPP)?
b) Em caso positivo, qual seria o marco inicial para que parlamentar possa dar início ao processo de desfiliação ou ingressar com ação declaratória de justa causa para desfiliação sem a perda do mandato eletivo (Resolução TSE nº 22.610/2007)? Seria a data de constituição da federação, sob a forma de associação perante o cartório competente de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sua sede; a data do pedido de registro; ou a data de deferimento do registro da federação pelo TSE?

(ID 158808835, fl.4)

A Assessoria Consultiva (ASSEC) deste Tribunal Superior manifestou-se, quanto ao primeiro questionamento, no sentido de respondê-lo afirmativamente, “ressalvando-se que, para configuração da hipótese de justa causa prevista no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei nº 9.096/1995, a migração deverá ocorrer para partido não integrante da federação partidária de que faça parte a agremiação do(a) trânsfuga”. (ID 158877559)

Com relação à segunda pergunta, a respeito do marco inicial para que o parlamentar possa se desfiliar ou propor uma ação declaratória de justa causa para se desligar do partido, opinou no sentido de que a data para tanto seria a partir do “deferimento do registro da federação pelo TSE”.

Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral Eleitoral emitiu parecer em sentido idêntico ao apresentado pela ASSEC na citada informação.

É o relatório.

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES (relator): Senhor Presidente, como se sabe, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral há muito estabeleceu que a formulação de consulta válida pressupõe o cumprimento de três requisitos cumulativos, a saber: i) a legitimidade do consulente; ii) a pertinência temática (veiculação de matéria eleitoral em sentido estrito); e iii) a completa desvinculação de casos concretos (inequívoca abstração). Por todos, cito: CtaEl n. 0600415-90/DF, Relator o ministro Mauro Campbell Marques, Dje de 3 de maio de 2022.

Todos esses requisitos estão presentes no caso, justificando-se a resposta de mérito aos questionamentos deduzidos.

Adicionalmente, cumpre reconhecer que a federação partidária deve ganhar ainda mais relevo nos próximos anos, considerando ser provável que cada vez mais agremiações adiram a essa solução que concilia, a um só tempo, a preservação dos caracteres partidários originários com o ganho de força advindo da formação de um bloco político-eleitoral. 
                  Os contornos do instituto seguem em discussão no parlamento e nesta Justiça especializada, de forma que a consulta posta em debate permite que fixemos importante baliza atinente à segurança jurídica. 
              Todos esses elementos tornam imperioso que este Tribunal Superior avance no mérito do que questionado, como tem feito mesmo em consultas que, a par de não preencherem todos os requisitos para seu conhecimento, são respondidas em razão de sua relevância. Por todos, cito: CTA n. 0600483-06.2022.6.00.0000, Relator o ministro Benedito Gonçalves, DJe de 28 de setembro de 2022.

A controvérsia central posta a exame pelo Tribunal Superior Eleitoral consiste em determinar se a realização de federação partidária, instituto jurídico novo, cuja regulamentação foi adicionada tanto no estatuto dos partidos políticos (Lei n. 9.096/19951) como na Lei das Eleições (Lei n. 9.504/19972) pela Lei n. 14.208/2021, constitui justa causa para desfiliação de parlamentar que pertença a qualquer das agremiações envolvidas na Federação.

Caso o TSE defina ser o citado instituto apto a caracterizar justa causa, o consulente indaga em que momento esse direito pode vir a ser exercido.

A doutrina aponta que as federações partidárias são mais um passo adotado pelo legislador para superar o quadro de fragmentação partidária existente no Brasil.

A celebração de federação, a par de não suprimir os caracteres dos partidos que a integram, tem por objetivo precípuo coordenar a atuação das agremiações de forma a conferir-lhes maior densidade política e institucional do que jamais teriam se permanecessem isoladas.

Antes de discutir os aspectos centrais da legislação a respeito das federações, cumpre ressaltar que a Lei n. 14.208/2021 teve a constitucionalidade de todos os seus dispositivos questionada perante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI n. 7.021, Relator o ministro Luís Roberto Barroso.

Transcrevo, no que é essencial, trecho da ementa formulada por ocasião do referendo da medida acauteladora na ADI n. 7.021:

II. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
[...]
5. Já a federação partidária, embora assegure a identidade e a autonomia dos partidos que a integram (art. 11-A, § 2º), promove entre eles: (i) uma união estável, ainda que transitória, com durabilidade de no mínimo 4 (quatro) anos (art. 11-A, § 3º, II); (ii) requer afinidade programática, que permita a formulação de estatuto e de um programa comuns à federação (art. 11-A, § 6º, II), e (iii) vincula o funcionamento parlamentar posterior às eleições (art. 11-A, § 1º). Em tais condições, as federações não implicam transferência ilegítima de voto entre partidos com visões ideológicas diversas e, portanto, não geram os impactos negativos sobre o sistema representativo que resultavam das antigas coligações proporcionais.
6. É possível questionar a conveniência e oportunidade da inovação, que pode retardar a necessária redução do número de partidos políticos no país. Mas essa avaliação, de natureza política, não cabe ao Poder Judiciário. Em juízo cautelar e em exame abstrato da matéria, não se vislumbra inconstitucionalidade. Naturalmente, se no mundo real se detectarem distorções violadoras da Constituição, tal avaliação preliminar poderá ser revisitada. Para isso, no entanto, é imperativo aguardar o processo eleitoral e seus desdobramentos. Por ora, portanto, não é o caso de impedir a experimentação da fórmula deliberada pelo Congresso Nacional.
III. QUEBRA DA ISONOMIA ENTRE A FEDERAÇÃO E OS DEMAIS PARTIDOS
7. Existe, porém, um problema de quebra de isonomia no tratamento diferenciado dado à federação partidária, no que diz respeito ao seu registro perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Partidos políticos têm de fazê-lo até 6 (seis) meses antes das eleições (Lei nº 9.504/1997, art. 4º), sendo que, em relação à federação, a lei ora impugnada estende esse prazo até a data final do período de realização das convenções partidárias. Trata-se de uma desequiparação que não se justifica e que pode dar à federação indevida vantagem competitiva.
IV. DISPOSITIVO
8. Voto pelo referendo da cautelar, parcialmente deferida, apenas quanto ao prazo para constituição e registro da federação partidária perante o TSE, tendo como consequência: (i) suspender o inciso III do § 3º do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995 e o parágrafo único do art. 6º-A da Lei nº 9.504/1997, com a redação dada pela Lei nº 14.208/2021; (ii) conferir interpretação conforme à Constituição ao caput do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995, de modo a exigir que, para participar das eleições, as federações estejam constituídas como pessoa jurídica e obtenham o registro de seu estatuto perante o Tribunal Superior Eleitoral no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos.
9. Tese: “É constitucional a Lei nº 14.208/2021, que institui as federações partidárias, salvo quanto ao prazo para seu registro, que deverá ser o mesmo aplicável aos partidos políticos. Excepcionalmente, nas eleições de 2022, o prazo para constituição de federações partidárias fica estendido até 31 de maio do mesmo ano” (grifos nossos).

Em síntese, a corrente majoritária formada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no juízo próprio do exame cautelar e em exame abstrato da matéria, assentou a constitucionalidade da quase[3] totalidade dos artigos adicionados pela citada lei, limitando-se a reconhecer a inconstitucionalidade apenas dos dispositivos que permitiam que as federações fossem celebradas na constância do “período eleitoral”.

É possível afirmar que os dispositivos introduzidos pela Lei n. 14.208/2021 carregam presunção de constitucionalidade em grau mais elevado que as demais disposições legais ordinariamente promulgadas, porque submetidos, ainda que sob cognição não exauriente, do Supremo Tribunal Federal. 

Esse o quadro, tenho que o TSE tem elementos suficientes para formular resposta segura aos questionamentos formulados.

Adianto que o entendimento que tenho difere dos externados pela ASSEC e pela PGE.

Rememoro que ambas as manifestações consideraram que a celebração de federação, por si só, autoriza a migração dos parlamentares filiados aos partidos federados.

O primeiro óbice concreto que se opõe a esse entendimento é a própria redação do § 1° do art. 11-A da Lei n° 9.096/1995 que dispõe, expressamente, que “Aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária”.

Destaque-se, ainda, o § 9° do mesmo dispositivo que, de maneira redundante, estabelece que: “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação”.

Como se sabe, a fidelidade partidária é oponível a todos os detentores de mandato eletivo.

A partir do histórico julgamento da CTA n. 1.398/DF, Relator o ministro Cesar Asfor Rocha, por este Tribunal Superior e, após os julgamentos dos mandados de segurança n. 26603, 266044 e 266025, pelo Supremo Tribunal Federal, reconheceu-se que a fidelidade partidária constitui um dos princípios estruturantes da nossa representação política.

Logo, a migração partidária dos detentores de cargos eletivos é medida excepcional.

Conforme transcrito, a redação do § 1° expressamente institui o dever de fidelidade partidária àqueles que pertençam aos partidos que decidiram por celebrar federação.

O § 9°, por seu turno, estabelece que a desfiliação somente pode ocorrer se presente “justa causa”.

Como é de conhecimento comum, a própria Lei n. 9.096/1995, em seu art. 22-A (introduzido pela Lei n. 13.165/2013), positivou as situações capazes de justificar a manutenção do mandato em caso de desfiliação. Pela relevância, transcrevo:

Art. 22-A.  Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. 
Parágrafo único.  Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:  
I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
II - grave discriminação política pessoal; e
III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. 

O consulente busca saber se a celebração de federação poderia ser enquadrada na modalidade prevista no supracitado inciso I.

Rememoro que para a ASSEC e para a PGE ter-se-ia com a federação, per se, a mudança substancial ou desvio reiterado do estatuto prevista em lei como justa causa. O fundamento central apresentado para defender essa tese é a alegada semelhança com os casos de fusão e incorporação que, a partir de construção jurisprudencial feita por este Tribunal, também passaram a ser consideradas hipóteses de justa causa. Precedentes: AgR-PetCiv n. 0600027-90, ministro Alexandre de Moraes, Dje de 17 de fevereiro de 2022 (incorporação); REspEl n. 060013078/RS, Relator o ministro Sérgio Banhos, Dje de 11 de maio de 2023 (fusão).

Tenho, entretanto, que a formação de federação não possui os mesmos caracteres da fusão e da incorporação e, via de consequência, considero imprópria a analogia defendida nas citadas manifestações.

Destaco que a Lei n. 9.096/1995 estabelece em seu art. 27 que os partidos que venham a “se incorporar” ou “se fundir” tenham seu registro “junto ao Ofício Civil e ao Tribunal Superior Eleitoral” cancelado.

Nada mais justo, considerando que em ambos os casos a agremiação deixa de existir, seja porque deu lugar a uma nova fusão, seja em razão de ter sido absorvida por outra incorporação.

Por outro lado, no caso, o art. 11, § 2°, da mesma lei, em sentido diametralmente oposto, assegura “[...] a preservação da identidade e da autonomia dos partidos integrantes de federação”.

Essa disposição tem diversas implicações, entre as quais ganha relevo o fato de que: i) os partidos seguem existindo individualmente; ii) os estatutos e o ideário permanecem inalterados; iii) as direções partidárias se mantém; e iv) não há alteração do Fundo Partidário e Eleitoral.

Dessa forma, a meu sentir, não parece viável que se aplique o entendimento formulado nesta Corte com relação à fusão e à incorporação aos casos em que houver a formação de federação partidária. 

Isso não significa dizer que, em nenhuma hipótese, fatos derivados da formação da federação possam revelar, no caso concreto, alguma das hipóteses de justa causa prevista em lei.

Acredito ser essencial, nesta consulta, o TSE definir que a celebração de federação difere às inteiras dos institutos da fusão e da incorporação, de modo que, segundo compreendo, não justifica, por si só, a desfiliação de detentor de mandato eletivo.

Esse entendimento é reforçado, conforme afirmei, na premissa de que a relação que deve existir entre detentor de cargo eletivo e partido político tem por corolário a fidelidade partidária que, em última análise, também protege o voto do eleitor.

Finalmente, penso que se autorizássemos a migração sempre que celebrada uma federação estaríamos, de maneira indireta mas efetiva, frustrando a tentativa de diminuição da citada fragmentação partidária.    

Ante o exposto, formulo da seguinte forma a resposta ao primeiro questionamento6: a celebração de federação não implica, por si só, em mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, via de consequência, não é apta a caracterizar justa causa para desfiliação.

Prejudicada a segunda indagação7.

É como voto.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Agradeço ao Ministro Kassio Nunes Marques, que conheceu da consulta, respondeu ao primeiro questionamento, no sentido de que a celebração de federação não implica, por si só, ou será automaticamente mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, consequentemente, não é apto a caracterizar justa causa para desfiliação, julgando prejudicada a segunda indagação.

Ministro Raul Araújo.


1 Na Lei 9.096/1995:

Art. 11-A. Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária. 

§ 1º Aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária.     

§ 2º Assegura-se a preservação da identidade e da autonomia dos partidos integrantes de federação. 

§ 3º A criação de federação obedecerá às seguintes regras:  

I – a federação somente poderá ser integrada por partidos com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral;  

II – os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados por, no mínimo, 4 (quatro) anos;  

III – a federação poderá ser constituída até a data final do período de realização das convenções partidárias; 

IV – a federação terá abrangência nacional e seu registro será encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral.

§ 4º O descumprimento do disposto no inciso II do § 3º deste artigo acarretará ao partido vedação de ingressar em federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário.  

§ 5º Na hipótese de desligamento de 1 (um) ou mais partidos, a federação continuará em funcionamento, até a eleição seguinte, desde que nela permaneçam 2 (dois) ou mais partidos. 

§ 6º O pedido de registro de federação de partidos encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral será acompanhado dos seguintes documentos:  

I – cópia da resolução tomada pela maioria absoluta dos votos dos órgãos de deliberação nacional de cada um dos partidos integrantes da federação; 

II – cópia do programa e do estatuto comuns da federação constituída;

III – ata de eleição do órgão de direção nacional da federação.

§ 7º O estatuto de que trata o inciso II do § 6º deste artigo definirá as regras para a composição da lista da federação para as eleições proporcionais.

§ 8º Aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes.

§ 9º Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação. 

2 Na Lei 9.504/1997:

Art. 6º-A Aplicam-se à federação de partidos de que trata o art. 11-A da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes.

Parágrafo único. É vedada a formação de federação de partidos após o prazo de realização das convenções partidárias.”

3 Os dispositivos sobre os quais se lançou a pecha de inconstitucional versavam sobre o momento de constituição das federações, dentro do processo eleitoral, para que elas fossem consideradas válidas. 

4 Ambos da relatoria do ministro Celso de Mello.

5 Relatora a ministra Cármen Lúcia.

6 a) A reunião de partido político em federação partidária pode incidir na hipótese de justa causa para desfiliação sem a perda de mandato, diante da mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (art. 22-A, inciso I, da LPP)?

[7]b) Em caso positivo, qual seria o marco inicial para que parlamentar possa dar início ao processo de desfiliação ou ingressar com ação declaratória de justa causa para desfiliação sem a perda do mandato eletivo (Resolução TSE nº 22.610/2007)? Seria a data de constituição da federação, sob a forma de associação perante o cartório competente de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sua sede; a data do pedido de registro; ou a data de deferimento do registro da federação pelo TSE?

 

DECLARAÇÃO DE VOTO (divergente)

 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhor Presidente, consoante sintetizou o nobre relator, trata-se de consulta formulada pelo Partido Democrático Trabalhista na qual se questiona se: (a) “[a] reunião de partido político em federação partidária pode incidir na hipótese de justa causa para desfiliação sem a perda de mandato, diante da mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (art. 22-A, inciso I, da LPP)?”; e (b) [e]m caso positivo, qual seria o marco inicial para que parlamentar possa dar início ao processo de desfiliação ou ingressar com ação declaratória de justa causa para desfiliação sem a perda do mandato eletivo (Resolução TSE nº 22.610/2007)? Seria a data de constituição da federação, sob a forma de associação perante o cartório competente de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sua sede; a data do pedido de registro; ou a data de deferimento do registro da federação pelo TSE?” (id. 158808835)

A Assessoria Consultiva do TSE (ASSEC) sugeriu (a) resposta afirmativa ao primeiro questionamento, “desde que a migração se dê para partido não integrante da federação partidária de que faça parte a agremiação do(a) trânsfuga; e (b) entendeu razoável que o marco inicial para a propositura de Ação de Justificação de Desfiliação Partidária  seja a “data de deferimento do registro da federação pelo TSE (id. 158877559).   

A Procuradoria-Geral Eleitoral exarou parecer no mesmo sentido da manifestação da ASSEC.

O ilustre Ministro NUNES MARQUES, que sucedeu a relatoria do feito, conhece da consulta e conclui, em suma, que a constituição da federação, por si só, não configura hipótese de justa causa para a desfiliação partidária, nos termos da elucidativa ementa:

CONSULTA. PARTIDO POLÍTICO. PRESSUPOSTOS FORMAIS. ATENDIMENTO. MÉRITO. CELEBRAÇÃO DE FEDERAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DE JUSTA CAUSA AUTOMÁTICA. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO DEVER DE FIDELIDADE. ART. 11-A, §§ 1° E 9°, DA LEI N. 9.504/1997. FUSÃO, INCORPORAÇÃO E FEDERAÇÃO. DISTINÇÃO. PRIMEIRO QUESTIONAMENTO RESPONDIDO NEGATIVAMENTE. SEGUNDO QUESTIONAMENTO PREJUDICADO.

1. A consulta formulada atende os três requisitos para seu conhecimento, a saber: (i) legitimidade do consulente – órgão nacional de partido político; (ii) pertinência temática – veiculação de matéria eleitoral em sentido estrito; e (iii) completa desvinculação de casos concretos - inequívoca abstração.

2. Os §§ 1° e 9° do art. 11-A da Lei n° 9.096/1995 expressamente preveem que o instituto da fidelidade partidária não resta comprometido pela celebração de Federação.

3. Nos termos do art. 22-A, da Lei n. 9.096/1997, somente podem ser consideradas justa causa para a desfiliação de detentor de mandato eletivo: (i) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (ii) grave discriminação política pessoal; e (iii) a mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

4. A celebração de federação não implica, por si só, justa causa prevista no art. 22-A da Lei n. 9.096/1997. Portanto, não é apta a autorizar a migração, sem perda de mandato, dos parlamentares eleitos em razão de sua efetivação.

5. A formação de federação não possui os mesmos caracteres da fusão e da incorporação e, via de consequência, não há como se aplicar por analogia os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que consideram ambas as figuras como geradoras de justa causa.

6. Consulta conhecida e respondida negativamente quanto ao primeiro questionamento. Prejudicada, quanto à segunda indagação.

De início, acompanho o e. Ministro relator quanto ao conhecimento da consulta.

No mérito, peço vênias ao e. Ministro NUNES MARQUES e aos que entendem de igual forma, pois compreendo em sentido semelhante ao externado pelo Ministro BENEDITO GONÇALVES nos autos do AREspE nº 0600234-11/PR.

O TSE já reconheceu haver mudança substancial do programa partidário nos casos de fusão e de incorporação de partidos.

Entendo que as razões de decidir dos julgados que reconheceram a justa causa nos casos de fusão e de incorporação de partidos se aplicam à hipótese em que o partido pelo qual o parlamentar foi eleito passa a integrar federação.

Conforme consignou o ilustre Ministro BENEDITO GONÇALVES no aludido REspE nº 0600234-11/PR,

[...] os partidos passarão a atuar como se fossem um só (art. 11-A, caput, da Lei 9.9096/95), bem como a expectativa de perenidade da nova agremiação que decorre do dever estabelecido no inciso II do § 3º do art. 11-A da Lei 9.096/95 de que “os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados por, no mínimo, 4 (quatro) anos.

De fato, esses fundamentos encontram amparo em julgados desta Corte Superior acerca da temática. Cita-se o REspEl nº 0600117-79, rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe de 28.4.2023, cujas razões de decidir – embora se refiram à hipótese de fusão – se aplicam igualmente ao presente caso:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR ELEITO. JUSTA CAUSA. FUSÃO DE PARTIDOS. CRIAÇÃO DE UM NOVO PARTIDO. DESTITUIÇÃO DO ESTATUTO DA LEGENDA PELA QUAL FOI ELEITO O TRÂNSFUGA. QUEBRA DO VÍNCULO PARTIDÁRIO. CONFIGURAÇÃO DE MUDANÇA SUBSTANCIAL. ART. 22–A, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DA LEI Nº 9.096/1995. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

1. Nos termos do art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei nº 9.096/1995, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário configura justa causa apta a autorizar a desfiliação partidária sem a perda do mandato eletivo.

[...]

3. Com o surgimento de uma nova agremiação, fruto de fusão, observa-se a existência de novos valores, objetivos e princípios políticos, formando-se um novo estatuto à luz do que deliberado pelos partidos que resolveram se unir. Surgem, consectariamente, novos projetos e uma agenda política distinta, que afetam diretamente as posições ideológicas defendidas anteriormente.

4. Nesse contexto, com a fusão partidária, os filiados são submetidos a uma mudança substancial de programa partidário, visto que o programa e o estatuto da legenda pela qual se elegeram já não mais existem, encontrando-se subordinados às regras e à agenda política da nova agremiação.

5. O Tribunal Superior Eleitoral, ao examinar o AgR–PetCiv nº 0600027–90/RJ, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, reconheceu a justa causa para desfiliação quando se tratava de incorporação entre partidos, assentando que "[...] a incorporação de um partido em outro fulmina toda ou, quando menos, substancialmente, a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, deixa de existir".

6. Não se ignora que o caso adrede referido analisava a justa causa em razão de incorporação dos partidos. Todavia, consoante os fundamentos dos votos proferidos, idêntica razão de decidir aplica-se aos casos de fusão, que guarda similaridade jurídica com a incorporação, distinguindo-se quanto ao resultado.

7. Nessa ordem de ideias, a destituição do estatuto da legenda se assemelha a mudança substancial do programa partidário, o que é suficiente para configurar a justa causa.

8. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido veiculado na ação de justificação de desfiliação partidária, ante a caracterização da hipótese descrita no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei nº 9.096/1995.

No mais, a legislação aplicável estabelece que “[a]plicam-se à federação de partidos todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária”, bem como exige que o pedido de registro da federação contenha “cópia do programa e do estatuto comuns da federação constituída” e “ata de eleição do órgão de direção nacional da federaçãoart. 11-A, §§ 1º e 6º, II e III, da Lei 9.096/1995.

Tais providências evidenciam a submissão dos integrantes a novas regras, objetivos e princípios políticos à luz do que deliberado pelos partidos que resolveram se unir em federação, o que, por conseguinte, faz surgir novos projetos e uma agenda política distinta, que afeta diretamente as posições político-partidárias anteriores.

Portanto, compreendo haver similaridade  jurídica com as hipóteses de fusão e incorporação.

Ante o exposto, com as devidas vênias, divirjo do e. Ministro relator para que seja dada resposta afirmativa ao primeiro questionamento, desde que a migração se dê para partido não integrante da federação partidária de que faça parte a agremiação do parlamentar, assentando ser a data de deferimento do registro da federação pelo TSE o marco inicial para a propositura de Ação de Justificação de Desfiliação Partidária.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Agradeço ao eminente Ministro Raul Araújo, que apresentou divergência em relação ao Ministro Relator.

Como vota a Ministra Isabel Gallotti?

 

 

VOTO

 

A SENHORA MINISTRA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente,cumprimento a todos os presentes: a iniciar por Vossa Excelência, pela Ministra Cármen Lúcia e pelo Ministro Nunes Marques, que participam pela internet; ao Ministro Raul Araújo, Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral; ao Ministro Floriano Marques, que também participa por vídeo; ao Ministro André Ramos Tavares; Vice-Procurador-Geral da República, Doutor Alexandre Espinosa; o Diretor-Geral do TSE, Doutor Rogério Galloro; Secretário João Paulo Oliveira Barros; também as Ministras substitutas, presentes no Plenário, Ministra Edilene Lôbo e Ministra Vera Lúcia de Araújo; e aos alunos do Curso Lidera+ Formação Pública para Mulheres da Fundação 1º de Maio, de São Paulo.

Peço a máxima vênia ao eminente relator apenas para, em caráter inicial, na fase de conhecimento do recurso, divergir porque entendo que não seja o caso de se conhecer da presente consulta.

Em primeiro lugar, porque, na linha da jurisprudência dessa Corte, não cabe ao Poder Judiciário, no exercício da função consultiva, manifestar-se sobre o cerne de demandas particularizáveis e que já se encontram em estado de gestação. Trata-se de precedente do Ministro Edson Fachin e também há precedente da Ministra Luciana Lóssio nesse sentido.

No caso, verifico que idêntica matéria – existência ou não de justa causa para desfiliação partidária quando dois partidos políticos se reúnem em federação – está submetida a caso concreto em apreciação pelo TSE, o que é exatamente o caso que foi lembrado no voto divergente do Ministro Raul Araújo no Agravo em Recurso Especial 0600234-11. Este processo está pautado para sessão jurisdicional, na data de hoje, versando sobre o referendo de tutela de urgência concedida pelo Ministro Benedito Gonçalves, então Relator.

E, em segundo lugar, porque entendo que não se deve conhecer de consulta cujo exame depende da análise de circunstâncias várias que levem o órgão julgador a proferir múltiplas respostas ou a estabelecer ressalvas.

Nesse caso, é plausível que a existência ou não de justa causa somente possa ser verificada caso a caso de acordo com suas nuances, como, por exemplo, na hipótese em que legendas federadas eventualmente possuem ideologias antagônicas ou diferenças relevantes em pontos específicos de seu programa.

Julgo que, sobretudo, em um caso em que está com julgamento pautado para a data de hoje, é melhor que o Tribunal se debruce sobre o caso concreto.

Então, em preliminar, eu não conheço da consulta.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Não conhece da consulta a Ministra Isabel Gallotti.

A SENHORA MINISTRA ISABEL GALLOTTI: Sim.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Ministra, eu vou votar o conhecimento, então, para que, caso seja conhecida, Vossa Excelência já vote no mérito, eventualmente, porque já temos o voto, pelo conhecimento, do Ministro Relator, Ministro Kassio, e do Ministro Raul.

A SENHORA MINISTRA ISABEL GALLOTTI: Certo.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Em relação somente ao conhecimento, Ministro Floriano, como vota Vossa Excelência?

 

VOTO (preliminar)

 

 

O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES: Senhor Presidente; Ministra Cármen Lúcia, Vice-Presidente; Ministro Corregedor, Raul Araújo; Ministra Isabel Gallotti; Ministro Kassio Nunes; Ministro André Ramos; Vice-Procurador-Geral Eleitoral, Doutor Alexandre Espinosa; Senhor Secretário-Geral; Ministras substitutas, Edilene Lôbo e Vera Lúcia; os alunos da Escola de Formação para Mulheres; senhoras e senhores.

Senhor Presidente, em relação ao conhecimento, eu voto pelo conhecimento, por entender que, malgrado haja eventualmente casos que se enquadrem na situação posta pela consulta, a consulta, em si, reúne os pressupostos de generalidade, abstração e toca uma questão que merece um posicionamento.

Portanto, voto pelo conhecimento.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Agradeço ao Ministro Floriano.

Ministro André.

 

 

VOTO (preliminar)

 

 

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ RAMOS TAVARES: Senhor Presidente, Ministro Alexandre de Moraes; Senhora Vice-Presidente, Ministra Cármen Lúcia; Ministro Nunes Marques, Relator deste caso; Ministro Raul Araújo, Corregedor-Geral Eleitoral; Ministra Isabel Gallotti; Ministro Floriano de Azevedo Marques; Doutor Rogério Galloro, Diretor-Geral do TSE; Ministras substitutas, aqui presentes, Ministras Edilene Lôbo, Vera Lúcia; senhoras e senhores advogados, advogadas.

Senhor Presidente, eu, neste caso, quanto à admissibilidade, estou acompanhando o voto do Ministro Kassio Nunes...

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Conhece, então.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ RAMOS TAVARES: ... conhecendo da consulta.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Pelo conhecimento.

Agradeço ao Ministro André.

Ministra Cármen Lúcia.

 

 

VOTO (preliminar)

 

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Presidente, os três primeiros votos foram três posições; fiquei com receio de a gente chegar a sete votos com sete posições, porque, realmente, nos três primeiros havia cada um com uma posição. Mas eu, quanto ao conhecimento, Presidente, também, com as vênias da Ministra Isabel Gallotti, estou conhecendo.

Há generalidade, cumpridos os requisitos, e é importante que, em termos de federação, que é um tema novo, que é algo que se impõe com uma série de questionamentos, que isto se vá construindo exatamente a partir, talvez, das consultas, para que, quando se chegar aos casos concretos, já tenha, pelo menos, uma reflexão e uma resposta que represente uma orientação, ainda que não prevaleça, em caso concreto, diante das peculiaridades que apresentam em cada situação, em cada cenário.

Porém, a consulta, no meu entendimento, cumpre, sim, as exigências legais, para que a gente possa dela conhecer e a ela responder, de alguma forma facilitando, portanto, o tratamento dos casos concretos.

Com as vênias, portanto, da eminente Ministra Isabel Gallotti, voto no sentido também de conhecer, acompanhando o Ministro Relator, Presidente.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Agradeço à Ministra Cármen.

 

 

VOTO (preliminar)

 

 

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Senhores Ministros, eu também peço todas as vênias à Ministra Isabel Gallotti, acompanho o relator, no sentido do conhecimento da consulta.

 

 

PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO (parcial)

 

 

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Então, o Tribunal, por maioria, vencida a Ministra Isabel Gallotti, conheceu da consulta, nos termos do voto do relator.

Devolvo a palavra à Ministra Isabel Gallotti, para análise do mérito.

 

 

PEDIDO DE VISTA

 

 

A SENHORA MINISTRA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente, diante de votos tão bem elaborados, como o do relator e o do Ministro Raul Araújo, eu peço licença aos colegas, para pedir vista.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Os demais aguardam?

 

 

PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO (provisório)

 

 

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (presidente): Então, iniciado o julgamento, o Tribunal, por maioria, conheceu da consulta, nos termos do voto do relator. Vencida a Ministra Isabel Gallotti. E, no mérito, após o voto do eminente Ministro Relator, que respondeu ao primeiro questionamento, no sentido de que a celebração da federação não implica mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, consequentemente, não é apta a caracterizar justa causa para desfiliação e julgou prejudicada a segunda indagação e do voto do Ministro Raul Araújo divergindo, no sentido de que configura justa causa para desfiliação. Pediu vista a Ministra Isabel Gallotti. Aguardam os demais.

 

 

EXTRATO DA ATA

 

 

CtaEl nº 0600167-56.2023.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Nunes Marques. Consulente: Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Nacional (Advogados: Walber de Moura Agra – OAB: 757-B/PE e outro).

Decisão: Iniciado o julgamento, o Tribunal, por maioria, conheceu da Consulta, nos termos do voto do relator, vencida a Ministra Isabel Gallotti.

Quanto ao mérito, o Relator votou para responder ao primeiro questionamento no sentido de que a celebração de federação não implica, por si só, em mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, por conseguinte, não é apta a caracterizar justa causa para desfiliação e julgou prejudicada a segunda indagação. 

Inaugurou divergência, o Ministro Raul Araújo respondendo afirmativamente ao primeiro questionamento e à segunda indagação no sentido de fixar a data de deferimento do registro da federação pelo TSE como marco inicial para propositura da ação de justificação de desfiliação partidária.

Em seguida, pediu vista a Ministra Isabel Gallotti.

Aguardam os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Alexandre Espinosa Bravo Barbosa.

SESSÃO DE 18.4.2024.

 

 

VOTO-VISTA

 

 

 A SENHORA MINISTRA ISABEL GALLOTTI: Senhora Presidente, trata-se de Consulta Eleitoral formulada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), nos seguintes termos:

a) A reunião de partido político em federação partidária pode incidir na hipótese de justa causa para desfiliação sem a perda de mandato, diante da mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (art. 22-A, inciso I, da LPP)?

b) Em caso positivo, qual seria o marco inicial para que parlamentar possa dar início ao processo de desfiliação ou ingressar com ação declaratória de justa causa para desfiliação sem a perda do mandato eletivo (Resolução TSE nº 22.610/2007)? Seria a data de constituição da federação, sob a forma de associação perante o cartório competente de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sua sede; a data do pedido de registro; ou a data de deferimento do registro da federação pelo TSE?

(Id. 158808835, fl. 4)

Na sessão de 18/4/2024, o Relator, Ministro Nunes Marques, votou pelo conhecimento da Consulta, no que foi acompanhado pela maioria. Naquela oportunidade, apresentei divergência no sentido de não ser possível conhecer da Consulta porque idêntica matéria está submetida a caso concreto em apreciação por este Tribunal (AREspE 0600234-11.2022.6.16.0000/PR) e porque o exame do tema poderia demandar análise de circunstâncias várias que em tese levariam a respostas múltiplas ou com ressalvas.

No mérito, o Ministro relator respondeu ao primeiro questionamento no sentido de que a celebração de federação não implica, por si só, em mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, por conseguinte, não é apta a caracterizar justa causa para desfiliação e julgou prejudicada a segunda indagação.

O Ministro Raul Araújo apresentou divergência respondendo afirmativamente ao primeiro questionamento e à segunda indagação no sentido de fixar a data de deferimento do registro da federação pelo TSE como marco inicial para propositura da ação de justificação de desfiliação partidária.

Vencida quanto ao conhecimento, pedi vista dos autos para melhor análise do mérito e, com a devida vênia à divergência, adianto que acompanharei o relator.

O instituto da federação foi introduzido no ordenamento eleitoral pela Lei 14.208/2021 e permite a união de dois ou mais partidos políticos que atuarão como se fossem uma única agremiação, seja em eleições proporcionais ou majoritárias.

Sobre o instituto, José Jairo Gomes esclarece:

Em termos conceituais, compreende-se por federação partidária a união temporária de dois ou mais partidos políticos sob uma só legenda com vistas a atuarem conjuntamente no processo eleitoral e na subsequente legislatura. Forma-se uma nova entidade partidária, a qual, porém, é provisória, pois os partidos integrantes devem permanecer vinculados por pelo menos quatro anos. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 18.ed. Barueri: Atlas, 2022, p. 135)

Apesar dessa união, os partidos integrantes da federação preservam sua identidade e autonomia e a ela se aplicam “todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária” (art. 11-A, §§ 1º e 2º, da Lei 9.096/95 – sem destaque no original).

Prevê, ainda, o § 9º do art. 11-A da Lei dos Partidos Políticos que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação”.

Rememoro que o Supremo Tribunal Federal (ADI 7.021) analisou a constitucionalidade dos citados dispositivos e concluiu pela sua compatibilidade com a Constituição Federal.

Nesse contexto, à luz da delimitação legal e constitucional acerca do instituto, penso que todas as regras de fidelidade partidária se aplicam à federação, de modo que, caso não estejam presentes as hipóteses de justa causa expressamente elencadas no parágrafo único do art. 22-A da Lei 9.096/95, não se autoriza a desfiliação partidária pela mera reunião de partidos em federação.

Em outras palavras, a formação de federação, por si só, não constitui justa causa para desfiliação partidária e sua mera constituição não implica em mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. Com efeito, “[...] a federação requer coerência, afinidade ideológica e programática entre os partidos que optarem por ela”. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 18.ed. Barueri: Atlas, 2022, p. 136).

Ao meu sentir, contudo, conforme destacado pelo Ministro relator, “isso não significa dizer que, em nenhuma hipótese, fatos derivados da formação de federação possam revelar, no caso concreto, algumas das hipóteses de justa causa previstas na lei”.

Se porventura, a partir da federação, for devidamente comprovado, no caso concreto, que a união dos partidos gerou mudança substancial na linha de atuação do partido, como a reunião de agremiações com ideologias antagônicas, ou mesmo a grave discriminação política pessoal, poderá ser reconhecida a justa causa para a desfiliação partidária.

Por fim, com as renovadas vênias à divergência, tenho a compreensão de que o instituto da federação possui características e contornos legais próprios, em especial a subsistência autônoma dos partidos federados, o que, ao meu sentir, afasta a possibilidade de se aplicar de forma automática, às federações, o entendimento jurisprudencial desta Corte Eleitoral adotado no caso de fusão e incorporação de partidos políticos quanto à justa causa.

Em face do exposto, rejeitada a preliminar de não conhecimento, acompanho o Relator para responder à Consulta nos termos do voto de Sua Excelência.

É como voto.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Muito obrigada, Ministra Isabel Gallotti, que acompanha o Relator.

Pois não, por favor. Tem a palavra o Ministro Raul Araújo. 

 

 

VOTO (ratificação)

 

 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Boa noite, Senhora Presidente, Ministra Cármen Lúcia; Ministra Maria Isabel Gallotti; Ministro Dias Toffoli, que hoje compõe a bancada conosco; Ministro Nunes Marques; Ministro Floriano de Azevedo Marques, que é aniversariante, eu cumprimento Sua Excelência; Ministro André Ramos Tavares; eminente Procurador-Geral Eleitoral, Paulo Gonet; nosso Diretor-Geral; senhoras e senhores advogadas e advogados; servidoras e servidores da Corte. Também os estudantes do curso de Direito do Centro Universitário Filadélfia, de Londrina, Paraná.

Eu cumprimento a eminente Ministra Maria Isabel Gallotti, que traz um excelente voto-vista, acompanhando o relator, e queria apenas reforçar o entendimento que trouxe em divergência, para enfatizar que é certo que a federação constitui um instituto diferenciado em relação aos institutos da cisão, da incorporação e da fusão, os quais também são diferenciados entre si. Então, isso não me parece assim tão relevante.

O aspecto que poderia distinguir seria de que, diferente do que sucede na cisão, fusão e incorporação, em que desaparece, necessariamente, um dos partidos originariamente existentes, a ensejar a justificação da mudança de partido a subsistência do partido na federação é apenas teórica, formal, porque, na prática, a federação tem uma duração mínima de quatro anos.

Ora, qual o tempo de um mandato eletivo? O mandato eletivo dura quatro anos. Então, se a federação não tem início, mesmo que a federação tivesse início logo no início do mandato, mesmo assim, o filiado teria motivo suficiente para entender que o seu mandato não ia além daquilo. Então, para ele, na prática, o partido desaparece, porque passa a se submeter a um novo estatuto, necessariamente. E esse novo estatuto impõe uma nova agenda, novos projetos, uma atuação conjunta dos partidos federados, e o órgão deliberativo também é diferente.

Então, parece-me que, na prática, temos que equiparar a federação àqueles institutos da fusão, cisão e incorporação, em que, tradicionalmente, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é no sentido de entender que há justa causa para a desfiliação nesses casos.

Agradeço a paciência dos colegas.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Muito obrigada, Ministro Raul Araújo, que reforça o seu voto, antes proferido, no sentido da divergência.

Como vota o Ministro Floriano de Azevedo?

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES: Senhora Presidente, Ministra Cármen Lúcia; Ministro Vice-Presidente, Nunes Marques; Ministro Dias Toffoli, que compõe essa bancada nessa noite; Ministro Raul Araújo; Ministra Isabel Gallotti; Ministro André Ramos Tavares; Senhora Diretora-Geral substituta, Adaíres Lima; Senhor Procurador-Geral Eleitoral, Paulo Gonet; estudantes do Centro Universitário Filadélfia (UniFil), de Londrina; senhores e senhoras servidores, servidoras; advogados.

Eu vou acompanhar o relator, com as achegas da Ministra Isabel Gallotti, destacando dois pontos específicos no debate aqui.

O primeiro, é verdade, assiste razão ao Ministro Raul, quando diz que, nessas hipóteses, a jurisprudência tem entendido que se caracteriza justa causa. Mas, a meu ver, a federação tem uma natureza distinta. Ela não gera a extinção dos partidos e, muito pelo contrário, ela preserva a existência dos partidos, na sua dinâmica. Então, aí, temos um fator que distingue.

Agora, é certo que é possível que a criação da federação gere um impacto de alteração. E, aí, no caso concreto, isso ensejará a justificativa de justa causa para a desfiliação. Mas, aí, cabe ao filiado, que quer se desfiliar, demonstrar em que a federação alterou os estatutos partidários e a convivência partidária que, até então, se tinha, pré-federação.

Portanto, eu acompanho o relator, entendendo apenas em responder à consulta, que a criação da federação não é, per se, justa causa automática para a desfiliação.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Mas é exatamente nesse sentido o voto do Ministro Relator, não é?

O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES: Exatamente nesse sentido.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Que é “por si só”, é a expressão, não é suficiente. E a segunda, então, para Vossa Excelência também fica prejudicada como para a Ministra Isabel Gallotti.

O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES: Fica prejudicada, porque, tal qual...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Agradeço ao Ministro Floriano.

Ministro André Ramos Tavares.

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ RAMOS TAVARES: Obrigado, Senhora Presidente. Cumprimento Vossa Excelência, Ministra Cármen Lúcia, aproveitando, nessa oportunidade, para reiterar meus cumprimentos pela posse. Cumprimento o Vice-Presidente, também, reiterando, aqui, meus cumprimentos, Ministro Kassio Nunes Marques. Ministro Dias Toffoli, Ministro Raul Araújo, Ministra Isabel Gallotti, Ministro Floriano de Azevedo Marques, nessa data especial, já foi anunciado aqui. Cumprimento, ainda, o Procurador-Geral Eleitoral, Professor Paulo Gustavo Gonet Branco; Doutora Adaíres Lima, Diretora-Geral substituta, aqui do Tribunal. Cumprimento todos os presentes, advogados, em especial, os estudantes do curso de Direito do Centro Universitário Filadélfia, Londrina.

Senhora Presidente, eu, pedindo vênias ao Ministro Raul, pelo voto divergente que apresenta, queria antecipar que acompanho integralmente o Ministro Relator.

 

Acompanho a fundamentação já apresentada, também eu entendo que há uma diferença significativa em termos de impacto para os filiados a partidos que se fundem, ou que sofrem qualquer tipo de fusão, ou mesmo cisão, desta reunião em federação.

Acho que, entendo que a hipótese legal contemplada no art. 22-A da Lei 13.165/2015, de justa causa, do inciso I, precisa ser comprovada, caso a caso, se houver a comprovação de que estará ocorrendo uma mudança substancial ou um desvio reiterado do programa partidário, aí, sim, aí há hipótese de justa causa.

Do contrário, nós não temos essa situação e, portanto, não é possível se trabalhar, sob pena de mais, não é, maior, justamente de se acabar incentivando aquilo que não se deve incentivar, que é a perda até de identidade desses partidos.

Eu, por essas razões, então, acompanho o voto. Eu já havia, inclusive, em situações anteriores aqui, em casos de fusão, registrado meu voto divergente, mas acompanhando o Colegiado, que eu também já não entendo que exista a hipótese automática na legislação.

E, neste caso, por muito maior razão, nós não podemos atribuir essa automaticidade, por força da situação das federações.

Então, Senhora Presidente, voto, acompanhando integralmente o Ministro Relator.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Agradeço a Vossa Excelência.

Ministro Dias Toffoli, que nos dá a honra de estar aqui hoje.

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Boa noite, Senhora Presidente, eu vou deixar as saudações para a sessão jurisdicional.

Então, desde logo, vou ao meu voto, pedindo licença à maioria já formada, para acompanhar o eminente Ministro Raul. E dizendo, pelo art. 17, da Constituição:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I - caráter nacional;

II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

E, aí, vem o parágrafo primeiro:

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

E, aí, vem:

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido político pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.

E, aí, depois, os outros dois últimos parágrafos, que falam dos fundos.

Pois bem. Já há lei que regulamenta, que regulamentou, em 2021, a 14.208/2021, à frente, ela diz, no art.11-A, alterado pelo seu art. 1º:

Art. 11-A. Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária.

Deixaram de existir dois, três, quatro, cinco partidos – aí, sou eu que digo – e surgiu uma única agremiação.

E vejam, determinado parlamentar, um vereador, um deputado estadual, distrital, um deputado federal, eles são eleitos em bases municipais, no caso dos vereadores, ou na base do estado-membro ou do Distrito Federal, no caso dos demais parlamentares, que são eleitos proporcionalmente.

E é evidente que uma deliberação de órgãos nacionais, muito embora sejam eleições distintas, pode refletir na base do vereador aquilo que se decidiu para a formação de uma frente na base nacional. Na base de um deputado estadual, para aquilo que se definiu na base nacional, ou na base de um deputado federal que tenha, em uma determinada região ou um determinado município, a sua base de eleição. E, aí, uma coligação naquele município, com partidos inimigos a ele, pode levá-lo, sim, a uma justa causa, a meu ver, para pedir o processo de desfiliação por justa causa.

Mas, é evidente que isso não é automático. Não há automaticidade. Haverá de ter a demonstração, na forma da Constituição. Estou citando o dispositivo constitucional e, agora, dispositivo legal da regulamentação das frentes. E, evidentemente, conceituando a ideia das relações políticas interpartidárias, com a ideia da vontade pessoal do mandatário, que pode se refletir em várias jurisdições eleitorais.

Então, agora, vou ao final da lei, que pode até criar aqui, e eu refleti muito sobre isso, se era esse dispositivo, o § 9º do art. 11-A, introduzido pela Lei 14.208/2021, na Lei 9.096/95, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos.

O § 9º diz, peremptoriamente: “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação”. Ou seja, com justa causa, ele pode.

Então, dessa leitura sistemática dos dispositivos da Constituição e dos dispositivos legais da lei que regulamentou a federação, eu adiro ao voto divergente do Ministro Raul, no sentido de acompanhar a resposta por Sua Excelência externada, para responder afirmativamente ao primeiro questionamento e, à segunda indagação, no sentido de fixar a data de deferimento do registro da federação pelo TSE, como marco inicial, para a propositura da ação de justificação de desfiliação partidária.

E, aí, sim, nesse pedido, nesse processo, será analisado se há justa causa ou não há justa causa, no caso concreto.

É como voto, Senhora Presidente.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Agradeço a Vossa Excelência, Ministro Dias Toffoli, que, então, acompanha a divergência inaugurada pelo Ministro Raul Araújo.

Eu também tenho voto escrito.

 

 

VOTO

 

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Senhores Ministros,

1. Em 18.4.2024, o Relator, Ministro Kassio Nunes Marques, submeteu a presente consulta a julgamento colegiado, em sessão híbrida. Esta a ementa do voto:

CONSULTA. PARTIDO POLÍTICO. PRESSUPOSTOS FORMAIS. ATENDIMENTO. MÉRITO. CELEBRAÇÃO DE FEDERAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DE JUSTA CAUSA AUTOMÁTICA. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO DEVER DE FIDELIDADE. ART. 11-A, §§ 1° E 9°, DA LEI N. 9.096/1995. FUSÃO, INCORPORAÇÃO E FEDERAÇÃO. DISTINÇÃO. PRIMEIRO QUESTIONAMENTO RESPONDIDO NEGATIVAMENTE. SEGUNDO QUESTIONAMENTO PREJUDICADO.

1. A consulta formulada atende os três requisitos para que seja conhecida, a saber: (i) legitimidade do consulente – órgão nacional de partido político; (ii) pertinência temática – veiculação de matéria eleitoral em sentido estrito; e (iii) completa desvinculação de casos concretos – inequívoca abstração.

2. Os §§ 1° e 9° do art. 11-A da Lei n° 9.096/1995 expressamente preveem que o instituto da fidelidade partidária não resta comprometido pela celebração de Federação.

3. Nos termos do art. 22-A, da Lei n. 9.096/1995, somente podem ser consideradas justa causa para a desfiliação de detentor de mandato eletivo: (i) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (ii) grave discriminação política pessoal; e (iii) mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

4. A celebração de federação não implica, por si só, justa causa prevista no art. 22-A da Lei n. 9.096/1995. Portanto, não é apta a autorizar a migração, sem perda de mandato, dos parlamentares eleitos em razão de sua efetivação.

5. A formação de federação não possui os mesmos caracteres da fusão e da incorporação e, via de consequência, não há como se aplicar por analogia os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que consideram ambas as figuras como geradoras de justa causa.

6. Consulta conhecida e respondida negativamente quanto ao primeiro questionamento. Prejudicada, quanto à segunda indagação.”

O caso

 

2. Consulta formulada pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista – PDT pela qual indaga se o ingresso de um partido político em federação constitui justa causa para a desfiliação de parlamentares, por acarretar mudança substancial do programa partidário, e, em caso afirmativo, qual o termo inicial da ação declaratória para assegurar a preservação do mandato (ID 158808835).

Ressalta que “a federação se constitui como um ente autônomo dotado de personalidade jurídica, mas que, apesar de atuar como se fosse um partido político, às greis que a compõem é assegurada a preservação da identidade e autonomia (art. 11-A, §2º, da LPP)” (ID 158808835, p. 2).

Considera haver “questões tormentosas que perpassam pela temática da fidelidade partidária, aliadas aos contornos de natureza prática das federações de partidos políticos” (ID 158808835, p. 3).

Argumenta que “a ocorrência de uma federação partidária pode alterar substancialmente o programa, o estatuto, a ideologia e as posições históricas de determinado partido político federado, com a incidência de novos direitos e deveres aos parlamentares e filiados; o que pode, em tese, ensejar a configuração de justa causa para desfiliação sem a perda do mandato (art. 22-A, inciso I, da Lei nº 9.096/1995)” (ID 158808835, p. 3).

Defende não se tratar de “alterações pontuais nas estruturas partidárias, mas sim sobre aquelas capazes de alterar a própria ideologia da grei, o que é plenamente factível, pois para além dos partidos federados terem de cumprir o programa e o estatuto comuns da federação constituída (art. 11-A, §6º, inciso II, da LPP), o período mínimo de 4 (quatro) anos de reunião inevitavelmente acarretará profundas transformações nas agremiações e eventuais fusões e/ou incorporações” (ID 158808835, p. 3-4).

Indaga ao Tribunal Superior Eleitoral (ID 158808835, p. 4):

“a) A reunião de partido político em federação partidária pode incidir na hipótese de justa causa para desfiliação sem a perda de mandato, diante da mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (art. 22-A, inciso I, da LPP)? 

b) Em caso positivo, qual seria o marco inicial para que parlamentar possa dar início ao processo de desfiliação ou ingressar com ação declaratória de justa causa para desfiliação sem a perda do mandato eletivo (Resolução TSE nº 22.610/2007)? Seria a data de constituição da federação, sob a forma de associação perante o cartório competente de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sua sede; a data do pedido de registro; ou a data de deferimento do registro da federação pelo TSE?”

3. A Assessoria Consultiva deste Tribunal Superior – Assec exarou parecer no qual sugere que se responda de modo afirmativo à primeira indagação e que o prazo decadencial para propositura da ação de justificação de desfiliação partidária comece a contar da data do deferimento do registro da federação pelo Tribunal Superior Eleitoral (ID 158877559):

“Consulta. Federação de partidos. Fidelidade partidária. Justa causa. Mudança substancial de programa partidário. Art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei nº 9.096/1995. Hipótese justificadora configurada quando da migração para partido distinto dos integrantes da Federação. Ação de Justificação de Desfiliação Partidária. Propositura a partir da data de deferimento do registro da federação pelo TSE. 

PARECER. Consulta respondida afirmativamente no tocante ao primeiro questionamento, ressalvando-se que, para configuração da hipótese de justa causa prevista no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei nº 9.096/1995, a migração deverá ocorrer para partido não integrante da federação partidária de que faça parte a agremiação do(a) trânsfuga; e, quanto à segunda indagação, que  o marco inicial para a propositura da Ação de Justificação de Desfiliação Partidária recaia na data de deferimento do registro da federação pelo TSE.”

4. A Procuradoria-Geral Eleitoral manifestou-se no mesmo sentido (ID 159524173):

“Consulta. Partido Político. Federação. Justa causa. Desfiliação partidária. A reunião do partido político em federação constitui hipótese de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário apto para configurar justa causa para desfiliação sem perda de mandato, desde que essa migração ocorra para partido não pertencente à federação. O marco inicial do prazo para pedido de desfiliação ou para a ação declaratória de justa causa é o deferimento do registro da federação pelo TSE.”

5. Em 18.4.2024, iniciado o julgamento, este Tribunal Superior, por maioria, conheceu da consulta, nos termos do voto do Relator, vencida a Ministra Isabel Gallotti. No mérito, o Relator votou para responder ao primeiro questionamento no sentido de que a celebração de federação não acarreta, por si só, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, como consequência, não é apta a caracterizar justa causa para desfiliação. Julgou prejudicada a segunda indagação.

6. O Ministro Raul Araújo inaugurou divergência, respondendo de modo afirmativo à primeira indagação e propondo que a data de deferimento do registro da federação pelo Tribunal Superior Eleitoral fosse fixada como marco inicial para propositura da ação de justificação de desfiliação partidária.

Cito trechos do voto:

“No mérito, peço vênias ao e. Ministro NUNES MARQUES e aos que entendem de igual forma, pois compreendo em sentido semelhante ao externado pelo Ministro BENEDITO GONÇALVES nos autos do AREspE nº 0600234-11/PR.

O TSE já reconheceu haver mudança substancial do programa partidário nos casos de fusão e de incorporação de partidos.

Entendo que as razões de decidir dos julgados que reconheceram a justa causa nos casos de fusão e de incorporação de partidos se aplicam à hipótese em que o partido pelo qual o parlamentar foi eleito passa a integrar federação.

Conforme consignou o ilustre Ministro BENEDITO GONÇALVES no aludido REspE nº 0600234-11/PR,

[...] os partidos passarão a atuar como se fossem um só (art. 11-A, caput, da Lei 9.9096/95), bem como a expectativa de perenidade da nova agremiação que decorre do dever estabelecido no inciso II do § 3º do art. 11-A da Lei 9.096/95 de que ‘os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados por, no mínimo, 4 (quatro) anos’.

De fato, esses fundamentos encontram amparo em julgados desta Corte Superior acerca da temática. Cita-se o REspEl nº 0600117-79, rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe de 28.4.2023, cujas razões de decidir – embora se refiram à hipótese de fusão – se aplicam igualmente ao presente caso:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR ELEITO. JUSTA CAUSA. FUSÃO DE PARTIDOS. CRIAÇÃO DE UM NOVO PARTIDO. DESTITUIÇÃO DO ESTATUTO DA LEGENDA PELA QUAL FOI ELEITO O TRÂNSFUGA. QUEBRA DO VÍNCULO PARTIDÁRIO. CONFIGURAÇÃO DE MUDANÇA SUBSTANCIAL. ART. 22-A, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DA LEI Nº 9.096/1995. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

1. Nos termos do art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei nº 9.096/1995, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário configura justa causa apta a autorizar a desfiliação partidária sem a perda do mandato eletivo.

[...]

3. Com o surgimento de uma nova agremiação, fruto de fusão, observa-se a existência de novos valores,

objetivos e princípios políticos, formando-se um novo estatuto à luz do que deliberado pelos partidos que resolveram se unir. Surgem, consectariamente, novos projetos e uma agenda política distinta, que afetam diretamente as posições ideológicas defendidas anteriormente.

4. Nesse contexto, com a fusão partidária, os filiados são submetidos a uma mudança substancial de programa partidário, visto que o programa e o estatuto da legenda pela qual se elegeram já não mais existem, encontrando-se subordinados às regras e à agenda política da nova agremiação.

5. O Tribunal Superior Eleitoral, ao examinar o AgR-PetCiv nº 0600027-90/RJ, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, reconheceu a justa causa para desfiliação quando se tratava de incorporação entre partidos, assentando que ‘[...] a incorporação de um partido em outro fulmina toda ou, quando menos, substancialmente, a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, deixa de existir’.

6. Não se ignora que o caso adrede referido analisava a justa causa em razão de incorporação dos partidos. Todavia, consoante os fundamentos dos votos proferidos, idêntica razão de decidir aplica-se aos casos de fusão, que guarda similaridade jurídica com a incorporação, distinguindo-se quanto ao resultado.

7. Nessa ordem de ideias, a destituição do estatuto da legenda se assemelha a mudança substancial do programa partidário, o que é suficiente para configurar a justa causa.

8. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido veiculado na ação de justificação de desfiliação partidária, ante a caracterização da hipótese descrita no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei nº 9.096/1995.

No mais, a legislação aplicável estabelece que ‘[a]plicam-se à federação de partidos todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária’, bem como exige que o pedido de registro da federação contenha ‘cópia do programa e do estatuto comuns da federação constituída’ e ‘ata de eleição do órgão de direção nacional da federação’ art. 11-A, §§1º e 6º, II e III, da Lei 9.096/1995.

Tais providências evidenciam a submissão dos integrantes a novas regras, objetivos e princípios políticos à luz do que deliberado pelos partidos que resolveram se unir em federação, o que, por conseguinte, faz surgir novos projetos e uma agenda política distinta, que afeta diretamente as posições político-partidárias anteriores.

Portanto, compreendo haver similaridade jurídica com as hipóteses de fusão e incorporação.”

7. Na sequência, a Ministra Isabel Gallotti pediu vista dos autos.

8. Pedindo vênias à divergência, acompanho o Relator.

9. De se registrar, em relação à admissibilidade, estarem presentes os requisitos para conhecimento da consulta, como manifestado na sessão de julgamento de 18.4.2024.

O consulente, diretório nacional de partido político, é parte legítima. As questões foram formuladas em tese e possibilitam resposta objetiva.

Além disso, o instituto das federações é tema novo, do qual derivam questionamentos relevantes. É importante, por meio da consulta, refletir sobre essas questões e obter orientação geral, sem prejuízo de, diante de particularidades, a orientação não prevalecer em um ou em outro caso concreto.

Presentes os requisitos, acompanho o Relator no conhecimento da consulta.

10. Em relação ao mérito, o caso exige algumas considerações sobre a federação, instituto criado pela Lei n. 14.208/2021 para oferecer aos partidos políticos a possibilidade de formar alianças duradouras para atuação parlamentar e eleitoral unificada.

O modelo surge como alternativa para aqueles partidos políticos que se viram premidos pelo fim das coligações proporcionais e pelas exigências da cláusula de desempenho, ambas as medidas instituídas pela Emenda Constitucional n. 97/2017. Optando pela federação, esses partidos podem conservar sua autonomia e independência (§ 2º do art. 11-A da Lei n. 9.096/1995), ao mesmo tempo em que somam os votos e as cadeiras ocupadas na Câmara dos Deputados para fins de aferição da cláusula de desempenho (§ 2º do art. 4º da Resolução n. 23.670/2021 deste Tribunal Superior).

11. A federação é uma associação de partidos políticos, e não um novo partido político. Esse aspecto estrutural é explicitado no § 1º do art. 1º da Resolução n. 23.670/2021 deste Tribunal, segundo o qual “a federação deverá ser previamente constituída sob a forma de associação, devidamente registrada no cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede”.

Coube ao Congresso Nacional definir quais prerrogativas partidárias seriam transferidas à federação por seus integrantes. O § 8º do art. 11-A da Lei n. 9.906/1995 estipula que “aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes”.

Por exclusão, e a fim de aclarar os desdobramentos do instituto, o Tribunal Superior Eleitoral indicou, no art. 5º da Resolução n. 23.670/2021, as prerrogativas que não são transferidas à federação:

“Art. 5º O disposto no art. 4º não afeta a identidade e a autonomia dos partidos integrantes da federação, os quais conservarão (Constituição, art. 17 , e Lei nº 9.096/1995, art. 11-A, § 2º) :

I - seu nome, sigla e número próprios, inexistindo atribuição de número à federação;

II - seu quadro de filiados;

III - o direito ao recebimento direto dos repasses do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas e o direito de acesso gratuito ao rádio e à televisão para a veiculação de propaganda partidária, na forma da lei. (Redação dada pela Resolução nº 23.679/2022)

IV - o dever de prestar contas; e

V - a responsabilidade pelos recolhimentos e sanções que lhes sejam imputados por decisão judicial.”

Portanto, a formação de uma federação não afeta a natureza da filiação partidária. O vínculo entre a pessoa filiada e o partido político conserva-se tal como celebrado, mesmo que o partido político decida associar-se a outros sob a forma de federação.

12. Situação distinta ocorre nos casos de fusão e de incorporação, em que um ou mais partidos políticos deixam de existir. A lei prevê que “fica cancelado, junto ao Ofício Civil e ao Tribunal Superior Eleitoral, o registro do partido que, na forma de seu estatuto, se dissolva, se incorpore ou venha a se fundir a outro” (art. 27 da Lei n. 9.096/1995).

A fusão e a incorporação têm impacto direto sobre as filiações ao partido que venha a ser extinto, pois o vínculo celebrado no ato de filiação deixa de existir. É substituído por outro, com um partido que não foi o escolhido quando a cidadã ou o cidadão manifestou o ato de vontade.

Por conta desse fato, a jurisprudência deste Tribunal Superior caminhou no sentido de reconhecer que pessoas filiadas a partidos que se fundiram ou a partido incorporado podem invocar a mudança substancial do programa partidário como justa causa para se desfiliarem sem perder seu mandato.

Nesse sentido, precedente firmado em caso de partido político incorporado:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. INCORPORAÇÃO DO PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA PELO PATRIOTA. JUSTA CAUSA. MUDANÇA SUBSTANCIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO. (...)

6. Conforme destacado, consta que o Partido Republicano Progressista (PRP) foi incorporado pelo Patriota nos autos da Petição 0601953-14/DF, julgada em 28/3/2019.

7. A hipótese efetivamente alegada encontra amparo no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95, que considera justa causa para a desfiliação partidária a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. No caso, inegável que a incorporação de um partido em outro fulmina toda ou, quando menos, substancialmente, a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, deixa de existir.

8. Agravos Regimentais desprovidos.” (AgR-PetCiv n. 0600027-90/RJ, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 17.2.2022)

Mesmo entendimento foi aplicado em caso de fusão:

“RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. ART. 22-A, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DA LEI 9.096/95. MUDANÇA SUBSTANCIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO. FUSÃO ENTRE PARTIDOS POLÍTICOS. DEMOCRATAS (DEM). PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL). FORMAÇÃO. UNIÃO BRASIL (UNIÃO). JUSTA CAUSA. CONFIGURAÇÃO.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata-se de recurso especial, fundado em divergência jurisprudencial, interposto em face de acórdão regional que, por maioria, julgou improcedente o pedido formalizado em ação de justificação de desfiliação partidária ajuizada por Felipe Coelho Pinto, eleito vereador do Município de Santana do Livramento/RS nas Eleições de 2020, em desfavor do União Brasil (UNIÃO), com base na compreensão de que não ficou configurada mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, advindos da fusão do Democratas (DEM), pelo qual o recorrente foi eleito, e do Partido Social Liberal (PSL).

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL

2. O art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95, inserido pela Lei 13.165/2015, estabelece como justa causa para desfiliação partidária, sem a perda do cargo eletivo, as hipóteses de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.

3. O Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento do AgR-PetCiv 0600027-90, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 17.2.2022, decidiu que a incorporação de partidos se enquadra na hipótese de justa causa para desfiliação partidária sem perda do cargo eletivo, prevista no inciso I do parágrafo único do art. 22-A da Lei dos Partidos Políticos, atinente à mudança substancial do programa partidário, entendimento que se aplica também ao caso de fusão, conforme sinalizado em votos proferidos no referido precedente.

4. Alinhadas à orientação manifestada no acórdão prolatado no AgR-PetCiv 0600027-90, diversas decisões individuais proferidas no âmbito desta Corte Superior têm reconhecido ou mantido a compreensão de tribunais regionais de que a fusão ocorrida entre o Democratas e o Partido Social Liberal, a qual resultou na criação do União Brasil, configurou mudança substancial do programa partidário em relação aos partidos extintos, apta a configurar justa causa para a desfiliação partidária, nos termos do art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95. Nesse sentido: AREspE 0600047-78, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 4.11.2022; AREspE 0600083-23, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 11.11.2022; AREspE 0600046-93, rel. Min. Raul Araújo Filho, DJE de 16.11.2022; REspEl 0600120-34, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 1º.12.2022; AREspE 0600060-34, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 13.12.2022; e AREspE 0600051-72, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 13.12.2022.

5. Considerando a compreensão manifestada no acórdão proferido no AgR-PetCiv 0600027-90 e as diversas decisões individuais proferidas no âmbito deste Tribunal Superior, as quais estão alinhadas ao referido precedente, a orientação predominante nesta Corte é no sentido de que a fusão se enquadra na hipótese atinente a mudança substancial do programa partidário, o que, de acordo com o disposto no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95, configura justa causa para a desfiliação partidária, sem a perda do mandato eletivo.

6. Na espécie, embora o voto condutor do acórdão recorrido tenha concluído pela ausência de provas de que as alterações da linha ideológica do União Brasil em comparação ao extinto Democratas afetem o exercício do mandato eletivo do recorrente e colidam com os valores por ele defendidos perante o eleitorado, cumpre anotar que o prolator do voto divergente, a despeito de externar o entendimento de que a fusão, por si só, implicaria modificação substancial do programa partidário, registrou que o TRE/SC realizou o cotejo analítico dos mesmos estatutos e entendeu que houve mudança substancial do programa partidário do extinto Democratas em relação ao atual União Brasil, cabendo anotar que o acórdão mencionado no voto vencido foi confirmado em decisão individual proferida no AREspE 0600047-78, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 4.11.2022, na qual ficou assentado que ‘o entendimento alcançado pelo Tribunal a quo está alinhado à jurisprudência desta Corte Superior, que exige, para caracterização da mudança substancial ou desvio de programa partidário, ‘evidências de alteração relevante da ideologia da agremiação' (AgR-AI 0600571-60, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 6.8.2020), de sorte que a hipótese dos autos encontra, de fato, arrimo no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95’.

7. Na sessão ordinária realizada em regime híbrido no dia 28.3.2023, este Tribunal Superior concluiu o julgamento do REspEl 0600117-79, da relatoria do Ministro Raul Araújo - que igualmente versa sobre desfiliação partidária motivada pela fusão do Democratas com o Partido Social Liberal -, ocasião em que, por maioria, nos termos do voto do relator, esta Corte entendeu que ‘a destituição do estatuto da legenda se assemelha a mudança substancial do programa partidário, o que é suficiente para configurar a justa causa’ para desfiliação descrita no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95.

8. Diante do contexto verificado, é forçoso reconhecer a justa causa para a desfiliação partidária do recorrente do União Brasil, sem a perda do mandato eletivo, nos termos do art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95, em razão da mudança substancial do programa partidário em relação ao extinto Democratas, partido pelo qual foi eleito para o cargo de vereador.

CONCLUSÃO

Recurso especial eleitoral a que se dá provimento.” (REspEl n. 0600130-78/RS, Relator o Ministro Sérgio Banhos, DJe 11.5.2023)

13. Colhe-se dos precedentes transcritos que o fundamento para a fusão e a incorporação serem consideradas, por si só, causa de mudança substancial do programa partidário é o fato, autoevidente, de o estatuto e de o programa do partido extinto deixarem de existir.

Sob a ótica civilista, aplicável às relações interna corporis entre o partido político e as pessoas naturais que a ele escolheram se filiar, trata-se de simples reconhecimento da cláusula contratual implícita rebus sic standibus. Diante da mudança das condições originariamente pactuadas, deve ser reconhecido às pessoas filiadas o direito de avaliarem, com plena liberdade, se desejam se vincular a um novo estatuto e a um novo programa.

Não há como estabelecer analogia direta com a situação de pessoa filiada a partido político que integra federação. O vínculo originário, o estatuto e o programa partidário aos quais aderiu a pessoa estão preservados. Eventual insatisfação pessoal com o arranjo político deliberado pelos partidos federados não é o mesmo que a extinção decorrente da fusão ou da incorporação.

14. O Congresso Nacional optou por não criar exceção ao dever de fidelidade partidária. A Lei n. 14.208/2021 trouxe disposição específica sobre a fidelidade partidária, prevendo, de forma expressa, que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação” (§ 9º do art. 11-A da Lei n. 9.096/1995).

Simples constatar que, se a formação da federação for equiparada, por si só, à mudança substancial do programa partidário, o § 9º do art. 11-A da Lei n. 9.096/1995 será frontalmente contrariado, pois o mero fato de o partido integrar a federação autorizará eleitas(os) a se desfiliarem sem perder os mandatos.

15. A distinção dos impactos da federação e da fusão sobre a situação de filiados foi tangenciada no referendo da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7021/DF. Consta do voto do Relator:

“As federações preservam a autonomia e a independência dos partidos (art. 11-A, § 2º), que podem optar por não as pactuar e tão somente se unirem em coligações majoritárias (CF, art. 17, § 1º). O instituto também permite que partidos menores, com identidade política e programática, se associem, de modo provisório, mas estável, para melhorar seu desempenho nas eleições. Caso a associação provisória funcione bem, é possível, ainda, que tais partidos, em momento posterior, optem por uma fusão. Com isso, aumentam-se suas chances nas eleições, evita-se a perda de representatividade das minorias que os apoiam e cria-se um mecanismo pelo qual se poderá, com o tempo, viabilizar uma fusão partidária. (...)

(...) assegura-se às legendas um período em que poderão experimentar a atuação como se fossem uma única agremiação partidária (Lei nº 9.096/1995, art. 11-A, caput), sem a definitividade de uma fusão, o que evita a abrupta alteração na vida do partido e de seus filiados e preserva espaço de atuação para minorias políticas”. (ADI n. 7021 MC-Ref/DF, Relator o Ministro Luís Roberto Barroso, DJe 17.5.2022).

16. Ao fixar a tese de que “é constitucional a Lei nº 14.208/2021, que institui as federações partidárias, salvo quanto ao prazo para seu registro, que deverá ser o mesmo aplicável aos partidos políticos”, o Supremo Tribunal Federal teve a cautela de indicar que a decisão considerava os contornos dados ao instituto por aquela lei, advertindo que, “naturalmente, se no mundo real se detectarem distorções violadoras da Constituição, tal avaliação preliminar poderá ser revisitada” (ADI n. 7021 MC-Ref/DF, Relator o Ministro Luís Roberto Barroso, DJe 17.5.2022).

Não houve blindagem a eventuais alterações legais que venham a desnaturar o instituto. Tampouco há espaço para que o modelo associativo sirva para burlar outras regras, como as relativas à fidelidade partidária, sob pena de se reconhecer fraude à lei.

17. Não se descarta que, em situações específicas, o ingresso em uma federação possa ser o estopim de desvios programáticos ou de grave discriminação pessoal. Se isso ocorrer, a pessoa detentora do mandato deverá, em ação própria, comprovar os fatos subsequentes que demonstrem a guinada na linha programática ou a deterioração da relação interna corporis.

Esses possíveis cenários, que apenas podem ser examinados in concreto, não se confundem com a hipótese descrita nesta consulta, pois a indagação aqui feita é se a formação da federação, em si considerada, configuraria mudança substancial do programa partidário, nos moldes já assentados para o caso de fusão.

A essa pergunta deve-se dar resposta negativa.

18. A decisão liminar proferida pelo Ministro Benedito Gonçalves no AREspE n. 0600234-11, mencionada pelo Ministro Raul Araújo em seu voto divergente, é objeto de agravo interno pendente de julgamento neste Tribunal.

Naquele processo, o Ministro Benedito Gonçalves restituiu, de forma provisória, o cargo de vereador ao requerido, por entender que a criação de federação, nos mesmos moldes da fusão, caracterizava mudança substancial do programa partidário e justa causa para a desfiliação de parlamentar. O processo foi retirado de pauta justamente para aguardar a definição, em abstrato, das teses que responderão às questões formuladas na presente consulta.

Esse caso reforça o que afirmei ao conhecer da consulta: está-se diante de tema complexo, sendo benéfica a fixação de orientação em tese antes de se examinar as particularidades das controvérsias concretas deduzidas em juízo.

19. Pelo exposto, rogando vênias à divergência, acompanho o Relator e voto no sentido de responder de forma negativa à primeira questão formulada e de julgar prejudicada a segunda questão.

 

 

PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO

 

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Presidente): Portanto, proclamo resultado: o Tribunal, por maioria, conheceu da consulta para responder ao primeiro questionamento tal como agora acabo de dizer, julgando prejudicada a segunda, nos termos do voto do Relator, Ministro Nunes Marques. Vencidos, quanto ao conhecimento, a Ministra Isabel Gallotti e, no mérito, os Ministros Raul Araújo e Dias Toffoli. Esta é a proclamação do resultado.

 

 

EXTRATO DA ATA

 

 

CtaEl nº 0600167-56.2023.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Nunes Marques. Consulente: Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Nacional (Advogados: Walber de Moura Agra – OAB: 757-B/PE e outro). 

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da Consulta para responder ao primeiro questionamento no sentido de que ''a celebração de federação não implica, por si só, em mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e, por conseguinte, não é apta a caracterizar justa causa para desfiliação'', e julgou prejudicada a segunda indagação, nos termos do voto do Relator, vencida, quanto ao conhecimento, a Ministra Isabel Gallotti, e, no mérito, os Ministros Raul Araújo e Dias Toffoli.

Composição: Ministras Cármen Lúcia (Presidente) e Isabel Gallotti, Ministros Nunes Marques, Dias Toffoli, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco. 

SESSÃO DE 4.6.2024.

Sem revisão das notas de julgamento dos Ministros Alexandre de Moraes e André Ramos Tavares.