TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0600564-34.2020.6.12.0007 – LADÁRIO – MATO GROSSO DO SUL

Relator: Ministro Raul Araújo

Agravantes: Rosiane Arnaldo e outro

Advogado: George Albert Fuentes de Oliveira – OAB: 13319/MS
Agravado: Ministério Público Eleitoral

 

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIME. VEREADOR. COTA DE GÊNERO. FRAUDE. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. ELEMENTOS EVIDENCIADOS DAS PREMISSAS FÁTICAS DO ACÓRDÃO REGIONAL. REVALORAÇÃO DA PROVA. POSSIBILIDADE. CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Na decisão agravada, deu-se provimento ao recurso especial interposto pelo MPE, reformando-se o acórdão regional, para: (a) declarar a nulidade dos votos recebidos pelo partido político; (b) cassar o DRAP, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do CE); e (c) cassar o diploma dos candidatos vinculados à legenda e o mandato dos que foram eleitos.

2. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, é possível que seja feito o reenquadramento jurídico dos fatos, tal como ocorrido na espécie, em que foram considerados todos os elementos que constam da moldura fática delimitada pela Corte local nos arestos regionais. Precedente.

3. O elemento subjetivo consistente no conluio entre as candidatas laranjas e o partido político não integra os requisitos essenciais à configuração da fraude na cota de gênero.

4. Da moldura fática do acórdão regional, extraem-se as seguintes circunstâncias que, por si sós, bastam para que se revele a prática de fraude na cota de gênero, consoante sinalizado por este Tribunal Superior. São elas: (a) votação zerada; (b) ausência de movimentação financeira; (c) ausência de atos de campanha a seu favor. Precedentes.

5. Mantém-se a decisão combatida por seus próprios fundamentos, porquanto se baseou nos recentes precedentes desta Corte Superior acerca da matéria, em que foram fixadas novas balizas quanto à caracterização da fraude na cota de gênero.

6. Negado provimento ao agravo interno.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do relator. 

 

Brasília, 14 de fevereiro de 2023.

 

MINISTRO RAUL ARAÚJO – RELATOR

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhor Presidente, na origem, trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul que, por maioria, deu provimento ao recurso apresentado por Maria Ozita Souza de Arruda, Rosiane Arnaldo, Paulo Henrique Coutinho de Araújo Chaves e pelo órgão de direção municipal do Democratas (DEM), para julgar improcedentes os pedidos veiculados na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Eis a síntese do julgado (ID 158070310):

ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ART. 14, § 10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM. ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 117/2022. ANISTIA DESTINADA AOS PARTIDOS POLÍTICOS NO QUE TANGE AO REPASSE DE RECURSOS PARA CUMPRIR POLÍTICA AFIRMATIVA. QUESTÃO DE ORDEM AFASTADA. PREFACIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PREFACIAL. PROVA CLANDESTINA. ILICITUDE. I NÃO CONTAMINAÇÃO DAS DEMAIS PROVAS. MÉRITO. SUPOSTA CANDIDATURA LARANJA. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS PARA PROCEDÊNCIA DA AIME. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SUFFRAGIUM. RECURSOS PROVIDOS. SENTENÇA REFORMADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA.

O advento da Emenda Constitucional n. 117/2022 previu que não serão aplicadas sanções de qualquer natureza aos partidos políticos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições anteriores à 2022, não alcançando situações de fraude à cota de gênero prevista para deferimento de requerimentos de registro de candidatura. Questão de ordem afastada.

Não há cerceamento de defesa se, antes da sentença, à defesa foi assegurado novo prazo de manifestação com acesso às provas dos autos.

São ilícitas as gravações ambientais clandestinas feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais interlocutores, dada a manifesta afronta ao inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Precedentes recentes do TSE. Ademais, não se contaminam as provas que não derivam daquelas reconhecidas como ilícitas.

No mérito, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME guarda previsão no art. 14, § 10, da Constituição Federal e pode ser ajuizada com fundamento em três possíveis causas de pedir: abuso de poder econômico, corrupção e fraude.

Conforme precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, a fraude de cota de gênero autoriza a propositura da AIME.

Contudo, o baixo desempenho nas urnas e a modesta atuação durante a campanha eleitoral não comprovam, por si sós, a intenção de burla à cota de gênero.

Para a configuração da fraude a ensejar a desconstituição de mandato eletivo, e a invalidação dos votos atribuídos a todos os integrantes da chapa proporcional, é imprescindível a existência de prova robusta a demonstrar que o registro da candidatura feminina teve o objetivo precípuo de burlar o § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/1997, não se admitindo a restrição do exercício de direitos políticos com base em mera presunção, ou elementos indiciários, em observância ao princípio in dubio pro suffragium.

Por fim, deve ser afastado o pedido de litigância de má-fé, pois não se condena a parte em litigância de má-fé pelo exercício regular do seu direito constitucional de ação. Precedente desta Corte Regional.

Recursos providos.

Contra essa decisão o Ministério Público Eleitoral interpôs este recurso especial (ID 158070316), com base no art. 276, I, a, do Código Eleitoral, em que defende a afronta ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, em razão de fraude na cota de gênero, consistente em suposta candidatura fictícia de Maria Ozita Souza de Arruda ao cargo de vereador pelo Município de Ladário/MS no pleito de 2020.

Assevera que são indícios da suposta fraude na cota de gênero: “[...] a) falta de declaração, à Justiça Eleitoral, de quaisquer gastos de campanha, transferência ou arrecadação de recursos (com prestação de contas zerada), b) contabilização de zero votos, c) ausência de atos de campanha, nem ao menos em suas redes sociais; d) aderência à campanha de candidato pertencente ao grupo familiar (cunhada); e) inclusão tardia da candidatura (após a notificação no DRAP quanto ao não preenchimento da cota de gênero)” (ID 158070316, fl. 12). Cita precedente deste Tribunal, para amparar o aduzido.

Sustenta que “[...] restou inconteste a indicação fraudulenta de candidatura, podendo-se concluir que o partido fez inscrição fraudulenta da candidata de Maria Ozita Souza de Arruda, para fraudar à cota [sic] de gênero” (ID 158070316, fl. 15).

Requer o conhecimento e o provimento do recurso especial.

Os recorridos foram intimados para apresentar contrarrazões ao recurso especial, mas ficaram inertes.

Determinou-se o levantamento do sigilo destes autos digitais, por não se enquadrarem em nenhuma das hipóteses previstas no art. 2º da Res.-TSE nº 23.326/2010 (ID 158153794).

A Procuradoria-Geral Eleitoral emitiu parecer pelo provimento do recurso especial (ID 158368727).

Em decisão monocrática (ID 158461198), deu-se provimento ao recurso especial interposto pelo MPE, para julgar procedentes os pedidos da AIME, de modo a: (a) declarar a nulidade dos votos recebidos pelo partido político; (b) cassar o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do CE); e (c) cassar o diploma dos candidatos vinculados à legenda e o mandato dos que foram eleitos.

Seguiu-se, então, a interposição de dois agravos internos. O primeiro foi interposto por Paulo Henrique Coutinho de Araújo Chaves (ID 158486036) e o segundo, por Rosiane Arnaldo (ID 158487638), com as mesmas alegações, a seguir expostas:

a) não existem provas suficientes que demonstrem ter havido fraude na cota de gênero, pois o acervo probatório está fundamentado em gravação ambiental e, por esta ser ilegal, as provas são nulas;

b) os fatos consistentes em votação zerada e ausência de gastos não são aptos a comprovar o ilícito, visto que não há obrigação de fazer campanha eleitoral, tampouco de votar em si mesmo;

c) as provas coletadas, dentre elas as testemunhais, confirmaram que a chapa foi legalmente formada, tendo a candidata Maria Ozita afirmado sua intenção em se candidatar e iniciado a sua campanha;

d) nenhuma das testemunhas “[...] declarou terem convencido, induzido ou ainda, determinado que a senhora Maria Ozita fosse candidata, muito menos candidata ficta [...]” (IDs 158486036 e 158487638; fl. 9);

e) a senhora Maria Ozita desistiu de concorrer ao pleito porque residia com a sua genitora, que tinha 86 anos à época, e, em razão da pandemia decorrente da Covid-19, decidiu não colocar a vida da mãe em risco;

f) para a configuração da fraude na cota de gênero é necessária a prova de que houve vontade deliberada de burlar a norma, de que houve ajuste de vontades entre os participantes da chapa, fato este que, no caso, não ocorreu;

g) deve-se aplicar, a este caso, o postulado in dubio pro sufragio, de modo a prestigiar o voto e a soberania popular.

Requerem, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do agravo interno ao Colegiado desta Corte Superior, para que seja negado seguimento ao recurso especial.

Foram apresentadas contrarrazões ao agravo interno, em que a PGE sustenta que a decisão agravada não merece reparos, pois o “[...] conjunto probatório utilizado no acórdão converge [...] com o parâmetro probatório admitido pelo TSE para a comprovação das candidaturas fictícias” (ID 158502593, fl. 6).

É o relatório.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (relator): Senhor Presidente, os agravos internos são tempestivos e estão subscritos por advogado devidamente constituído no feito (IDs 158070144 e 158070141).

Para melhor compreensão da questão, transcreve-se abaixo trecho da decisão agravada (ID 158461198):

Quanto ao mérito, observa-se que o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, por maioria, deu provimento ao recurso eleitoral, para reformar a sentença que havia julgado procedente o pedido da AIME ajuizada pelo Ministério Público com base em fraude na cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997). Confira-se (ID 158070310):

[...] os cinco elementos indiciários assentados pelo douto magistrado – (i) votação zerada; (ii) ausência de atos de campanha eleitoral; (iii) ausência de materiais publicitários; (iii) ausência de gastos eleitorais; (iv) parentesco com outro candidato do mesmo partido; (v) inclusão tardia da candidatura, depois que intimado o partido para regularização do DRAP pelo não preenchimento do percentual mínimo de candidatas mulheres escolhidas em convenção partidária; – não constituem parâmetros objetivos para comprovar o alegado intento específico de burlar a legislação eleitoral. Tais elementos servem como indícios, mas não como provas da certeza de imputação de conduta eleitoral ilícita. (Grifos acrescidos)

Na sequência, o Tribunal a quo reforçou a necessidade de prova contundente e pontuou que, para a configuração do referido ilícito, é imprescindível a existência de provas quanto à intenção deliberada de praticar a fraude na cota de gênero, ou seja, a demonstração do elemento subjetivo, o que não se teria evidenciado no caso em tela.

Entretanto, esta Corte Superior, nas reiteradas ocasiões em que examinou as causas nas quais se debate a prática de fraude na cota de gênero, tem concluído pela sua caracterização, diante da presença dos seguintes elementos na moldura fática do acórdão recorrido: (a) votação zerada ou pífia da candidata; (b) ausência de movimentação financeira; (c) inexistência de atos efetivos de campanha, desde que não se trate de desistência de concorrer ao pleito.

Confiram-se os seguintes julgados nesse sentido:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). ART. 14, § 10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. VEREADOR. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. REVALORAÇÃO DA PROVA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS INCONTROVERSAS QUE DENOTAM A CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. PROVIMENTO.

1. À luz do julgamento do AgR-REspe nº 0600651-94/BA, redator para o acórdão o Min. Alexandre de Moraes, em sessão de 10.5.2022, a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição.

2. A partir dos elementos colacionados na instância ordinária, é plenamente possível o reenquadramento jurídico dos fatos, mediante revaloração da prova apreciada e emoldurada no acórdão recorrido. Evidenciadas a obtenção de votação zerada pelas candidatas, a prestação de contas sem movimentação financeira, a ausência de atos efetivos de campanha e a prática de campanha eleitoral, por uma delas, em benefício de outro candidato do mesmo partido, circunstâncias corroboradas pela prova oral produzida, é seguro concluir-se pela comprovação da fraude à cota de gênero, nos termos do art. 14, § 10, da CF.

3. Agravo provido para dar provimento ao recurso especial, julgando procedente o pedido formulado na AIME, para: decretar a nulidade dos votos recebidos pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) nas eleições proporcionais de 2020 do Município de Caatiba/BA; cassar o respectivo DRAP e, por consequência, o diploma dos candidatos a ele vinculados; determinar o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário; bem como declarar a inelegibilidade das candidatas Maria das Graças Silva dos Santos Batista e Vanessa de Oliveira Santos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, com a respectiva anotação nos cadastros eleitorais.

(AREspE nº 0600549-92/BA, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 17.6.2022, DJe de 29.6.2022 – grifos acrescidos)

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. PROVAS ROBUSTAS. PRESTAÇÃO DE CONTAS ZERADA. INEXISTÊNCIA DE ATOS EFETIVOS DE CAMPANHA. VOTAÇÃO ZERADA OU ÍNFIMA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. Recurso especial interposto contra aresto do TRE/PA em que se manteve a procedência dos pedidos formulados em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) ajuizada em desfavor de todos os candidatos ao cargo de vereador de Santa Isabel do Pará/PA, pela Coligação União e Trabalho, nas Eleições 2016, por fraude à cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97).

2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, a fraude à cota de gênero deve ser aferida caso a caso, a partir das circunstâncias fáticas de cada hipótese, notadamente levando-se em conta aspectos como falta de votos ou votação ínfima, inexistência de atos efetivos de campanha, prestações de contas zeradas ou notoriamente padronizadas entre as candidatas, dentre outras, de modo a transparecer o objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

3. Na espécie, o TRE/PA, em julgamento unânime, confirmou a ocorrência de fraude nas candidaturas de Aliane Chagas da Costa e de Maria Amélia Barbosa dos Santos pela coligação União e Trabalho pelo somatório dos seguintes aspectos: (a) ausência de gastos de campanha; (b) falta de prova da prática de outros atos de campanha que fossem gratuitos, a exemplo da participação em comícios e reuniões; (c) votação zerada de uma delas e ínfima da outra.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(REspEl nº 0000973-86/PA, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 15.9.2022, DJe de 29.9.2022 – grifos acrescidos)

Cabe ressaltar que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual o elemento subjetivo seria necessário à demonstração da fraude, esta Corte Superior tem encampado a compreensão de que o conluio entre as candidatas laranjas e o partido político não está entre os requisitos para a configuração do aludido ilícito.

Dito isso, é possível extrair das premissas fáticas do acórdão regional as seguintes informações: a candidata supostamente fictícia teve votação zerada; não realizou movimentação financeira de campanha e deixou de praticar atos de campanha a seu favor.

Tais elementos, por si sós, seriam suficientes para confirmar a fraude na cota de gênero.

Logo, do cotejo entre os fatos descritos nas premissas fáticas do acórdão recorrido e a compreensão encampada pelo TSE a respeito do tema, ressai que a soma das circunstâncias fáticas do caso concreto demonstra, de forma inequívoca, que a candidata foi registrada com o único intuito de cumprir a determinação quanto à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Tendo em conta esse cenário, registra-se que este Tribunal Superior tem assentado que, caracterizada a fraude na cota de gênero em AIME, as consequências jurídicas são: (a) a nulidade dos votos recebidos pelo partido político; (b) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do CE); e (c) a cassação do diploma dos candidatos vinculados à legenda e do mandato dos que foram eleitos. Precedentes: RO-El nº 0601908-68/RR; rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22.9.2022, DJe de 4.10.2022; e REspEl nº 0600001-24/AL, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 18.8.2022, DJe de 13.9.2022.

Contra essa decisão, Paulo Henrique Coutinho de Araújo Chaves e Rosiane Arnaldo interpuseram, cada um, agravo interno, pretendendo a reconsideração da decisão agravada ou a submissão ao Plenário desta Corte Superior.

De início, fica prejudicada a análise da alegada ilicitude de prova, considerando que o Tribunal regional já reconheceu a nulidade das provas produzidas pelo MPE, consistentes em gravações clandestinas, e, ainda, assentou que “[...] as demais provas produzidas não derivam desses áudios e por eles não estão contaminadas” (ID 158070310, fl. 10).

De outra parte, quanto aos elementos essenciais à configuração do ilícito em debate, segundo o entendimento desta Corte Superior, registrado na decisão agravada, o elemento subjetivo consistente no conluio entre as candidatas laranjas e o partido político não integra os requisitos essenciais à configuração da fraude na cota de gênero. Portanto, não prospera a tese dos agravantes de que é indispensável a comprovação de que os envolvidos agiram com a intenção (dolo específico) de cometer a fraude.

Dito isso, anote-se que, na decisão combatida, foi realizada a revaloração da prova emoldurada nas premissas fáticas do acórdão regional, tendo sido valorados os fatos explicitamente reconhecidos naquele decisum para concluir pela comprovação da fraude na cota de gênero, consoante admitido pelo Tribunal Superior Eleitoral (AgR-AI nº 93-39/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20.8.2009, publicado no DJe de 18.9.2009).

Portanto, exsurgem da moldura fática do acórdão regional as seguintes circunstâncias que, por si sós, bastam para que se revele a prática de fraude na cota de gênero, consoante sinalizado por este Tribunal Superior. São elas: (a) votação zerada; (b) ausência de movimentação financeira; (c) ausência de atos de campanha a seu favor.

Infere-se, pois, que a decisão agravada está em consonância com a compreensão encampada pelo Tribunal Superior Eleitoral a respeito do tema. Para confirmar, transcrevem-se os seguintes precedentes desta Corte:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PROCEDENTE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIA DE FUNDO. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURA FICTÍCIA. CONFIGURAÇÃO.

SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, por maioria, negou provimento a recurso, mantendo a sentença proferida pelo Juízo da 51ª Zona Eleitoral daquele Estado, que julgou procedente ação de investigação judicial eleitoral, em razão de fraude no preenchimento da cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, determinando a anulação dos votos obtidos por todos os candidatos ao cargo de vereador lançados pelo Partido Republicanos no município de Rio Bananal/ES nas Eleições de 2020, bem como a cassação dos diplomas dos candidatos eleitos pela referida agremiação.

ANÁLISE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

[...]

5. A partir do leading case do caso de Jacobina/BA (Agravo em Recurso Especial 0600651–94, rel. designado Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.6.2022), a jurisprudência do Tribunal tem reiteradamente assentado que "a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição" (Recurso Especial 0600001–24, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 18.8.2022). Na mesma linha: REspEl 0600239–73, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE 25.8.2022; AgR–ARespE 0600446–51, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE 15.8.2022.

6. Na espécie, tendo sido revelado que a candidata Silvana Conceição Monteiro Barbosa não obteve votos, não teve movimentação financeira na campanha, não realizou atos de campanha, não fez a divulgação de sua candidatura nas suas redes sociais, não teve apoio político da agremiação e do candidato ao cargo majoritário municipal – ao contrário do tratamento dispensado aos outros candidatos ao mesmo cargo pelo partido, os quais obtiveram resultados razoáveis –, evidencia–se a configuração da prática de fraude à cota de gênero.

CONCLUSÃO

Agravo em recurso especial a que se nega provimento.

Agravo regimental na tutela cautelar antecedente que se julga prejudicado.

(TutCautAnt nº 0600341-02/ES, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 6.10.2022, DJe de 18.10.2022 – grifos acrescidos)

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE À COTA DE GÊNERO. VEREADOR. PROCEDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS INCONTROVERSAS QUE DENOTAM A CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. ENTENDIMENTO ALINHADO À JURISPRUDÊNCIA DO TSE. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.

1. À luz do julgamento do AgR–REspe nº 0600651–94/BA, redator para o acórdão o Min. Alexandre de Moraes, em sessão de 10.5.2022, a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição.

2. Evidenciadas a obtenção de votação ínfima pela candidata, a ausência de atos efetivos de campanha e a própria declaração de que foi registrada apenas para satisfazer arranjo político, sem motivação de concorrer ao pleito, é seguro concluir–se pela comprovação da fraude à cota de gênero, nos termos do art. 14, § 10, da Constituição Federal.

3. Agravo desprovido.

(AREspEl nº 0600857-37/SP, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 29.9.2022, DJe de 18.10.2022 – grifos acrescidos)

Mantém-se a decisão questionada por seus próprios fundamentos, porquanto se baseou nos recentes precedentes desta Corte Superior acerca da matéria, em que foram fixadas novas balizas quanto à caracterização da fraude na cota de gênero.

Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo interno.

É como voto.

 

EXTRATO DA ATA

 

AgR-REspEl nº 0600564-34.2020.6.12.0050/MS. Relator: Ministro Raul Araújo. Agravantes: Rosiane Arnaldo e outro (Advogado: George Albert Fuentes de Oliveira – OAB: 13319/MS). Agravado: Ministério Público Eleitoral.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do relator.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.

 

SESSÃO REALIZADA EM REGIME HÍBRIDO EM 14.2.2023.