Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527)  Nº 0601002-78.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

 

REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA
ADVOGADO: ROBERTA NAYARA PEREIRA ALEXANDRE - OAB/DF59906
ADVOGADO: MATHEUS HENRIQUE DOMINGUES LIMA - OAB/DF70190
ADVOGADO: FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - OAB/PR105327
ADVOGADO: GUILHERME QUEIROZ GONCALVES - OAB/DF37961
ADVOGADO: EDUARDA PORTELLA QUEVEDO - OAB/SP464676
ADVOGADO: VICTOR LUGAN RIZZON CHEN - OAB/SP448673
ADVOGADO: MARIA DE LOURDES LOPES - OAB/SP77513
ADVOGADO: VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS - OAB/SP153720
ADVOGADO: MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA - OAB/DF48704
ADVOGADO: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - OAB/DF57469
ADVOGADO: MARCELO WINCH SCHMIDT - OAB/DF53599
ADVOGADO: ANGELO LONGO FERRARO - OAB/SP261268-S
ADVOGADO: EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO - OAB/DF4935
ADVOGADO: GEAN CARLOS FERREIRA DE MOURA AGUIAR - OAB/DF61174-A

 

REPRESENTADO: JAIR MESSIAS BOLSONARO
ADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - OAB/DF17115-A
ADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS - OAB/GO46407-A
ADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - OAB/DF11498-A
ADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - OAB/DF70829-A
ADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - OAB/DF40989-A
REPRESENTADO: WALTER SOUZA BRAGA NETTO
ADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - OAB/DF70829-A
ADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - OAB/DF40989-A
ADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS - OAB/GO46407-A
ADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - OAB/DF17115-A
ADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - OAB/DF11498-A
REPRESENTADO: ANTONIO HAMILTON MARTINS MOURAO
ADVOGADO: RENATA DAVILA ESMERALDINO - OAB/RS81556
REPRESENTADO: SILAS LIMA MALAFAIA
ADVOGADO: JONATHAN BORDONE PAES PROENCA - OAB/RJ203309
ADVOGADO: ERIKA VIEIRA FERNANDES TROINA - OAB/RJ197976
ADVOGADO: CARLOS FERNANDO DO VALLE L FILHO - OAB/RJ145620
ADVOGADO: GERSON TYSZLER - OAB/RJ103924
ADVOGADO: BARBARA VERONICA RANGEL AVILA ROSA - OAB/RJ157139
ADVOGADO: JORGE VACITE NETO - OAB/RJ063592
REPRESENTADO: LUCIANO HANG
ADVOGADO: JOAO PEDRO SPOLTI FREIRE VALDUGA - OAB/RS122629
ADVOGADO: PAULA HELENA ALMEIDA DE MORAES CARVALHO - OAB/SC46263
ADVOGADO: PALOMA CAROLINE DE SA BASSANI - OAB/SC56752
ADVOGADO: LEONARDO MATOS DE LIZ RIBEIRO - OAB/SC45252
ADVOGADO: FRANCIELLE SOARES YAMASAKI - OAB/PR70677
ADVOGADO: GIOVANA MASSARO - OAB/PR88580
ADVOGADO: ANTONIO MOISES FRARE ASSIS - OAB/PR75295
ADVOGADO: ALEX PACHECO - OAB/PR92094
ADVOGADO: LETICIA MASIERO - OAB/PR86364
ADVOGADO: CECILIA PIMENTEL MONTEIRO - OAB/PR91942
ADVOGADO: FRANCO RANGEL DE ABREU E SILVA - OAB/PR60371
ADVOGADO: VICTOR SANGIULIANO SANTOS LEAL - OAB/PR69684
ADVOGADO: MURILO VARASQUIM - OAB/PR41918
REPRESENTADO: JULIO AUGUSTO GOMES NUNES
ADVOGADO: ANA FLAVIA LOBO OLIVEIRA DE FARIA - OAB/GO22659
ADVOGADO: RUSLEY PEREIRA DOS SANTOS - OAB/GO17852-A
REPRESENTADO: ANTONIO GALVAN
ADVOGADO: CRISTIANO TELES FARINA - OAB/DF53506
ADVOGADO: PAULA MARIA BOAVENTURA DA SILVA - OAB/MT10434/O
ADVOGADO: PATRICIA NAVES MAFRA - OAB/MT21447-A
ADVOGADO: LENINE POVOAS DE ABREU - OAB/MT17120-A
REPRESENTADO: JOAO ANTONIO FRANCIOSI
ADVOGADO: LUIZE BUENO KARIA - OAB/DF74246
ADVOGADO: KELLE CRISTINA PEREIRA DA SILVA - OAB/DF73750
ADVOGADO: PEDRO ABAURRE DE VASCONCELLOS - OAB/RJ236009
ADVOGADO: HUDSON EDUARDO DE ALMEIDA FRANK - OAB/DF62793
ADVOGADO: FELIPE BOTELHO SILVA MAUAD - OAB/DF41229
ADVOGADO: FELIPE NOBREGA ROCHA - OAB/SP286551
ADVOGADO: ABEL BATISTA DE SANTANA FILHO - OAB/DF59828-A
REPRESENTADO: VANDERLEI SECCO
ADVOGADO: ANA FLAVIA LOBO OLIVEIRA DE FARIA - OAB/GO22659
ADVOGADO: RUSLEY PEREIRA DOS SANTOS - OAB/GO17852-A
REPRESENTADO: RENATO RIBEIRO DOS SANTOS
ADVOGADO: CLAUDIO CIRIACO CIRINO - OAB/GO19573
REPRESENTADO: VICTOR CEZAR PRIORI
ADVOGADO: RAIANE ANDRESSA TONIAZZO - OAB/GO39404
ADVOGADO: LUCAS PRADO DE MORAIS - OAB/GO39433
ADVOGADO: CAMILA RUSCITTI - OAB/GO63196
ADVOGADO: BRUNO PALHARINI - OAB/GO50712
ADVOGADO: ARMANDO CHAVES DE MORAIS - OAB/GO4915
REPRESENTADO: JACO ISIDORO ROTTA
ADVOGADO: MAYRA FERNANDES DE PAIVA CARVALHO - OAB/GO40735
ADVOGADO: TAYANNE DA SILVA CASTRO - OAB/GO49253
REPRESENTADO: LUIZ WALKER
ADVOGADO: EDER DUARTE CARDOSO - OAB/BA35073
ADVOGADO: IGOR RABELO REGIS - OAB/BA32708
ADVOGADO: JANSER DUARTE CARDOSO - OAB/BA20727
REPRESENTADO: MARCOS KOURY BARRETO
REPRESENTADO: GILSON LARI TRENNEPOHL
ADVOGADO: FRANCIS DA SILVA HARTMANN - OAB/RS64526
ADVOGADO: RODRIGO VAN RIEL DRUM - OAB/RS98483
REPRESENTADO: ANDRÉ DE SOUSA COSTA
REPRESENTADO: FABIO SALUSTINO MESQUITA DE FARIA

 

 

DECISÃO DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO

 

Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral, por suposta prática de abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança (FE BRASIL/FEDERAÇÃO PSOL-REDE/PSB, SOLIDARIEDADE/AVANTE/AGIR/PROS) contra Jair Messias Bolsonaro, candidato à reeleição para o cargo de Presidente da República, Walter Souza Braga Neto, candidato a Vice-Presidente da República, Antônio Hamilton Martins Mourão, Fábio Salustiano Mesquita de Faria, André de Sousa Costa, Késia Nascimento Ferreira, Silas Lima Malafaia, Luciano Hang, Júlio Augusto Gomes Nunes, Antonio Galvan, João Antônio Franciosi, Gilson Lari Tennepohl, Vanderlei Secco, Victor Priori, Renato Ribeiro dos Santos, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Marcos Koury Barreto.

A ação tem como causa de pedir o suposto desvio de finalidade das comemorações do Bicentenário da Independência, eventos de caráter oficial custeados com recursos públicos, que teriam sido planejados de modo a impulsionar atos de campanha dos investigados.

A petição inicial contempla as seguintes alegações de fato (ID 158047246):

a) o primeiro investigado, com o apoio dos demais, aproveitou-se dos eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência para realizar promoção abusiva e ilícita de sua candidatura à reeleição, pois “valeu-se do momento como palco de comício eleitoral em benefício de sua candidatura”, inclusive com utilização de estruturas custeadas com verbas públicas;

b) o primeiro investigado iniciou o processo de usurpação das comemorações do Bicentenário da Independência ao pessoalmente convocar seus apoiadores para comparecerem aos atos, como forma de “marcar posição”, o que teria ocorrido em pelo menos três oportunidades: na convenção partidária do Partido Liberal, realizada em 24/07/2022; em live transmitida dias antes da data comemorativa e em inserção veiculada no horário eleitoral gratuito, em 06/09/2022;

c) as convocações também partiram de organizações que apoiavam o primeiro investigado, sendo que uma delas, o Movimento Brasil Verde e Amarelo, custeou outdoors instalados no Distrito Federal, contendo imagens da bandeira do Brasil e mensagens de conclamação, como “É agora ou nunca. 7 de setembro. #euvou. Brasileiros pelo Brasil” e “7 de setembro. Brasileiros pelo Brasil”.

d) o Movimento Brasil Verde e Amarelo não se limitou a convocar apoiadores, mas participou ativamente do Desfile Cívico-Militar realizado em Brasília na manhã do dia 07/09/2022, promovendo um desfile de tratores durante o evento;

e) segundo entrevista concedida por Julio Augusto Gomes Nunes, líder do Movimento Brasil Verde e Amarelo, ao canal do YouTube “Sucesso no Campo”, o desfile de tratores foi promovido a pedido do primeiro investigado, “como agrado ao eleitorado do setor”, e envolveu tratativas com o Comando Militar e com a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, incluindo a participação dos integrantes do movimento em ensaios prévios;

f) o primeiro investigado convidou para a tribuna de honra do evento oficial Luciano Hang e mais sete empresários, todos seus notórios apoiadores e que dias antes tinham sido “objeto das medidas constritivas e de Busca e Apreensão determinadas pelo e. Min. Alexandre de Moraes na PET 10.543/DF a partir de vazamento de conversas dos empresários em teor antidemocrático”, em evidente desvio de finalidade destinado a agradar seu eleitorado;

g) o governo atuou ostensivamente para “inflar o número de presentes no desfile-cívico militar” fornecendo “convites” a servidores públicos de diversos Ministérios e estatais que poderiam ainda convidar até dez pessoas, o que levou o Ministério Público Federal a oficiar o Secretário Especial de Comunicação, a fim de que fossem “adotadas medidas de prevenção para que os atos oficiais e o desfile cívico-militar em comemoração ao bicentenário da independência do Brasil, [...] na Esplanada dos Ministérios, Brasília/DF, não se confundam com atos de natureza político partidária”;

h) a organização do Desfile Cívico-Militar se distanciou do que se pode compreender como um ato institucional em celebração à Independência, destacando-se os seguintes fatos:

h.1) o elevado custo para a organização e montagem do evento, que chegou a R$ 3,3 milhões de reais, equivalente a 247% das despesas realizadas no evento realizado em 2019;

h.2) o destaque conferido na solenidade aos investigados Walter Souza Braga Netto e Hamilton Mourão, que, apesar de serem Generais do Exército Brasileiro, não possuíam qualquer vinculação com o Poder Público;

h.3) o inédito desfile de tratores “em meio às forças militares e a sociedade civil organizada”, viabilizado pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo e que contou com 28 tratores, conduzidos por motoristas “uniformizados com camisetas de apoio ao senhor JAIR BOLSONARO”, em um “aceno à parcela do eleitorado do setor de agronegócios que apoia o atual Presidente”

h.4) os “altos valores monetários” empregados pelos apoiadores para deslocar os veículos para Brasília, a pedido do primeiro investigado, havendo notícia de que os investigados João Antônio Franciosi, Gilson Lari Trennepohl, Vanderlei Secco, Victor Priori, Renato Riberiro, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Marcos Koury Barreto gastaram 4 a 15 mil reais para essa finalidade; e

h.5) a presença dos empresários que, na véspera, tinham sido objeto de medida de busca e apreensão no bojo da investigação sobre milícias digitais no STF, sendo que Luciano Hang se postou em destaque na tribuna do evneto, ao lado do então Presidente da República, chegando a separá-lo do de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal;

i) o Desfile Cívico-Militar foi integralmente transmitido pela TV Brasil, veículo público de comunicação, por cerca de 4 horas, em tempo real e com comentários jornalístico e as imagens captadas pela emissora foram utilizadas na propaganda eleitoral dos investigados;

j) encerrado o Desfile Cívico-Militar, o primeiro investigado dirigiu-se a um trio elétrico estacionado a poucos metros de distância do palanque do evento oficial e a menos de 200 metros das sedes do Poder Executivo Federal, em via cujo acesso estava proibido para caminhões, e lá realizou comício, no qual o primeiro investigado e seus apoiadores Luciano Hang e Silas Malafaia fizeram falas de explícito caráter eleitoral;

k) o ato oficial e o eleitoral foram “umbilicalmente integrados”, sendo que o trio elétrico foi patrocinado pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo, representado pelo investigado Júlio Augusto Gomes Nunes, e inclusive estava identificado com o nome do movimento;

l) foi amplamente noticiado que o acesso de caminhões à Esplanada dos Ministérios estava proibido no dia 07/09/2022, “sendo no mínimo curioso que a única autorização concedida tenha sido justamente para o trio elétrico que fez a sonorização do comício eleitoral de JAIR BOLSONARO”;

m) o primeiro investigado e sua comitiva se dirigiram ao Rio de Janeiro, onde foi realizada outra comemoração em razão do Bicentenário da Independência, tal como fora prometido em vídeo de propaganda no qual o primeiro investigado convidou apoiadores a comparecerem ao evento;

n) no deslocamento, o primeiro investigado postou vídeo na internet dirigindo-se a seu grupo político, agradecendo pela mobilização na data cívica;

o) em uma mudança feita exclusivamente para beneficiar os candidatos investigados, o ato em comemoração ao Dia da Independência, que tradicionalmente é realizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, na Avenida Presidente Vargas, “foi cancelado e transformado em um ‘tributo civico-militar’” especialmente concentrado “na Avenida Atlântica, no bairro de Copacabana, local onde tradicionalmente ocorrem atos políticos, sobretudo aqueles favoráveis ao atual mandatário da República”; e

p) Silas Malafaia custeou o trio elétrico estacionado na Avenida Atlântica, a poucos metros do evento oficial, de onde o primeiro investigado realizou novo comício eleitoral.

Quanto à capitulação jurídica dos fatos, a autora sustenta que houve violação aos arts. 73, II, da Lei nº 9.504/97, 15, I, da Res.-TSE nº 23.610/2019 e 22 da LC 64/90, alegando que:

a) o primeiro investigado se utilizou de seu cargo de Presidente da República e da máquina pública para transformar atos institucionais em comícios eleitorais, caracterizando desvio de finalidade eleitoreiro de bens, recursos e prerrogativas públicas;

b) as condutas adquiriram dimensão abusiva, em função de sua gravidade, uma vez que levaram ao “sequestro do verdadeiro espírito cívico e patriótico para transformar todo o evento em um grande ato de campanha”, estando configurados:

b.1) o abuso de poder político, em virtude do desvirtuamento dos atos oficiais e dos bens e serviços públicos para atender objetivos de campanha e preferências pessoais, de forma ilegal e altamente reprovável;

b.2) o abuso do poder econômico, tanto no que diz respeito ao aproveitamento dos recursos públicos e da propaganda eleitoral gratuita, quanto no que concerne ao financiamento privado de atos irregulares praticados por terceiros, como o custeio de outdoors e trios elétricos, a organização de comícios inclusive em local de acesso restrito, a intermediação da inclusão de tratores no desfile cívico-militar e a cessão e custeio das despesas de transporte dos maquinários; e

b.3) o uso indevido dos meios de comunicação, em virtude da exploração eleitoral da cobertura da TV Brasil, e posterior exploração das imagens oficiais em inserções de propaganda eleitoral

c) em seu intento ilícito, o primeiro investigado se valeu da colaboração dos demais coinvestigados, que atuaram como autoridades públicas ou como particulares, de forma ilegal;

d) a usurpação dos eventos oficiais em comemoração ao Bicentenário da Independência e a utilização de bens particulares para a realização dos atos eleitorais, que foram mesclados aos bens públicos indevidamente utilizados, também configurou abuso de poder econômico, para o qual concorreram SILAS MALAFAIA, ao pagar pelo aluguel do trio elétrico utilizado no comício realizado no Rio de Janeiro, ANTONIO GALVAN e JULIO AUGUSTO GOMES NUNES, ao custearem, por meio do Movimento Brasil Verde e Amarelo, do qual são líderes, os outdoors de convocação de apoiadores para participarem dos atos eleitorais e o trio elétrico no qual o primeiro investigado proferiu seu discurso em Brasília, bem como os investigados JOÃO ANTÔNIO FRANCIOSI, GILSON LARI TRENNEPOHL, VANDERLEI SECCO, VICTOR PRIORI, RENATO RIBEIRO DOS SANTOS, JACÓ ISIDORO ROTTA, LUIZ WALKER e MARCOS KOURY BARRETO, que forneceram os tratores que participaram do Desfile-Cívico Militar organizado pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo, arcando com os custos de deslocamento, que giraram entre 4 e 15 mil reais, para cada trator; e

e) o primeiro investigado também incorreu na prática de uso indevido dos meios de comunicação, ao se utilizar da TV Brasil, emissora pertencente à Empresa Brasil Comunicação S/A, empresa pública vinculada ao Governo Federal, para transmitir os eventos oficiais, tendo ciência de que “suas falas seriam levadas a público pelos canais pertencentes à empresa pública em seus canais de internet, as quais ficariam disponíveis para serem revistas e divulgadas, o que aumenta a prejudicialidade no modo de propaganda antecipada aqui impugnada, em explícito mau uso dos meios de comunicação”.

Por fim, no que diz respeito às provas, a autora:

a) juntou vídeos de trechos do Desfile Cívico-Militar ocorrido em Brasília, dos discursos proferidos pelo primeiro investigado em Brasília e no Rio de Janeiro, da inserção veiculada em 06/09/2022 na propaganda eleitoral gratuita dos dois primeiros investigados, convocando a população a comparecer aos atos que seriam realizados no dia seguinte e da entrevista concedida pelo investigado Julio Augusto Gomes Nunes, tratando das ações realizadas pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo (IDs 158046871, 158046877, 158046876, 158046881, 158046883, 158046884 e 158046882);

b) apresentou cópias dos ofícios dirigidos pelo Ministério Público Federal a diversos órgãos públicos, solicitando a adoção de medidas para prevenir manifestações político-partidárias durante as celebrações oficiais do 7 de setembro (IDs 158046872 a 158046875), do extrato e do edital do pregão eletrônico realizado para a contratação de empresa para organização e montagem da estrutura para o Desfile Cívico-Militar (IDs 158046878 a 158046880) e matérias jornalísticas extraídas de vários veículos de comunicação, que repercutiram os fatos ocorridos em 07/09/2022 (IDs 158046885 a 158047208);

c) requereu a requisição de documentos e informações que especifica, dirigida ao Ministério das Comunicações, ao Ministério da Defesa, ao Alto Comando do Exército Brasileiro em Brasília/DF, ao Governo do Distrito Federal, à Prefeitura do Município do Rio de Janeiro/RJ e ao Governo do Estado do Rio de Janeiro;

d) requereu a quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático dos investigados Silas Lima Malafaia, Júlio Augusto Gomes Nunes, Antônio Galvan, Kesia Nascimento Ferreira, João Antônio Franciosi, Gilson Lari Trennepohl, Vanderlei Secco, Victor Priori, Renato Ribeiro dos Santos, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Marcos Koury Barreto para as finalidades indicadas;

e) requereu o compartilhamento de documentos acostados na PET 10.543/DF, por parte do STF, e de documentos juntados aos Inquéritos Civis 1.30.001.003797/2022-16 e 1.16.000.003700/2022-54, por parte do MPF;

f) requereu o depoimento pessoal dos investigados.

Foi juntada procuração outorgada aos advogados que subscreveram a petição inicial (ID 158046870).

 Em 10/09/2022, deferi parcialmente a tutela inibitória antecipada requerida pela autora, para determinar a supressão de trechos do vídeo contendo a cobertura do Bicentenário da Independência pela TV Brasil e proibir a utilização de imagens oficiais do evento na campanha do primeiro e do segundo réus, sob pena de multa, em decisão que foi referendada pela Corte, à unanimidade, em 13/09/2022 (IDs 158047779 e 158062382).

A EBC apresentou manifestação, informando o cumprimento da decisão e esclarecendo que diante da “impossibilidade de editar o conteúdo e aproveitar o mesmo link de acesso, novos links foram gerados – TV Brasil: https://youtu.be/pd1NC-CTEQM e TV Brasil Gov: https://youtu.be/7n692khNAEo, em conformidade com a decisão judicial”, preservando-se o vídeo originário em “modo privado” (ID 158054648).

Em manifestação apresentada antes do referendo da liminar, os candidatos investigados requereram “devolução do prazo de defesa”, pleitearam esclarecimentos quanto aos limites da decisão liminar e requereram a aplicação do art. 96-B da Lei 9.504/97, a fim de que sejam reunidas ao feito presente, para “unificação da produção probatória e estabelecimento de um rito único a ser observado”, as AIJEs 0600984-57 e 0600972-43 e as RPs 0600984-57 e 0600991-49 (ID 158058595).

Por meio de decisão interlocutória, assinalei que ainda não havia se implementado o termo inicial do prazo de defesa, considerada a multiplicidade de réus; destaquei que a natureza da controvérsia impedia elencar um rol de imagens desde logo “autorizadas” a serem utilizadas pela campanha dos investigados; e diferi o exame do requerimento de reunião de ações para o final da fase postulatória (ID 158077211).

Certificou-se o envio e a entrega das notificações aos investigados André de Souza Costa (ID 158065798) Antonio Galvan (ID 158065799), Walter Souza Braga Netto (ID 158065800), Fábio Salustiano Faria (ID 158065801), Gilson Lari Trennepohl (ID 158065802), Antônio Hamilton Mourão (ID 158065804), Jacó Isidoro Rotta (ID 158065805), João Antônio Franciosi (ID 158065806), Julio Augusto Nunes (ID 158065807), Luciano Hang (ID 158065810), Luiz Walker (ID 158065811), Marcos Koury Barreto (ID 158065812), Renato Ribeiro dos Santos (ID 158065813), Silas Malafaia (ID 158065814), Vanderlei Secco (ID 158065815), Victor Cezar Priori (ID 158065816) e Késia Nascimento Ferreira (158065809).

Foram juntados os comprovantes de entrega apenas em relação aos investigados Jair Messias Bolsonaro (ID 158108196), André de Souza Costa (ID 158145220), Walter Souza Braga Netto (ID 158067645 e 158145216), Fábio Salustiano Faria (ID 158145230), Antônio Hamilton Mourão (ID 158145211), Jacó Isidoro Rotta (ID 158145224) e Silas Malafaia (ID 158145228).

Os investigados Jair Messias Bolsonaro e Walter de Souza Braga Netto apresentaram contestação conjunta, em 18/09/2022 (ID 158085249), suscitando preliminarmente a exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário:

a) com a União, ao argumento de que seu patrimônio jurídico foi afetado pela decisão de retirada de conteúdo produzido e publicado pela TV Brasil, canal vinculado à empresa pública EBC; e

b) com os responsáveis por movimentos cívicos que prestaram apoio material para a realização do evento, a saber: “Movimento Brasil Verde e Amarelo”, “Brasil Unido pelo Presidente”, “Manifestação em Defesa da Liberdade e Eleições Transparentes”, “Ato Público com oração pelo Brasil”, “Manifestação em Defesa da Democracia e Liberdade” e “Ato Público 7 de Setembro 2022”.

Afirmam ser inegável a “incindibilidade da relação jurídica entre a União e os movimentos organizados com os eventos descritos na petição inicial” e requereram a inclusão dos alegados litisconsortes no polo passivo da demanda. 

No mérito, argumentam, quanto aos fatos, que:

a) os comícios realizados em Brasília e no Rio de Janeiro em 07/09/2022 constituem atividade política-eleitoral, da qual o primeiro investigado participou sem ostentar a faixa presidencial, havendo “clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas” em relação aos atos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência;

b) durante o desfile cívico-militar, enquanto cumpria seu papel de Chefe de Estado, o primeiro investigado não proferiu discursos políticos ou eleitorais, sendo que, “se milhares de pessoas ficaram postadas na esplanada para ouvirem o que Bolsonaro tinha a dizer, outros milhares de espectadores foram embora após o encerramento formal do desfile”;

c) tão logo encerrado o desfile cívico-militar realizado em Brasília, o púlpito de honra foi desconstituído, as autoridades e convidados deixaram o local, as arquibancadas foram esvaziadas e os telões voltados para o gramado foram desligados;

d) a separação fática e jurídica entre os eventos oficiais e os atos de campanha pode ser observada da leitura de matérias jornalísticas que repercutiram a cronologia dos eventos em Brasília;

e) a maciça participação popular nos eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência “se deu, em boa medida, pelo prestígio pessoal de Jair Bolsonaro e em função de sua base política (e não puramente eleitoral) construída ao longo dos anos do seu Governo”;

f) feito um comparativo entre o 7 de Setembro de 2021 e de 2022, “o número de pessoas que se dispuseram a ouvir o primeiro Investigado em 2021 é próximo (senão, maior) do número de espectadores presentes nos atos de 2022, o que, por si só, torna inverossímil a tese de que o desfile cívico-militar foi utilizado para catapultar as candidaturas”;

g) apenas os eventos oficiais, de interesse público, foram transmitidos pela TV Brasil, o que justificaria “a interrupção abrupta e desconcertada da transmissão” no momento em que se iniciaram as “manifestações políticas”, transmitidas por “pouco mais de um minuto”, comprovando que “não existiu qualquer aproveitamento – intencional ou não – da estrutura do 7 de setembro para fins eleitorais”, concluindo-se que houve, “ao fim e ao largo do evento oficial [...], simplesmente, uma singela demonstração da força política de Bolsonaro”;

h) quanto aos 3 minutos e 33 segundos de transmissão ao início do evento, “o primeiro Investigado teria se exaltado em suas declarações, ao ser questionado acerca do significado da data de 7 de setembro e teria feito discurso de promoção pessoal das realizações de seu governo”, “algo inteiramente episódico” que não pode levar à conclusão de “apossamento de bem público em nome da campanha”, mesmo porque foram tratados “temas de interesse público como a democracia, a liberdade, preparo do futuro, adequação de dívidas do FIES, criação do PIX, etc, todos temas afetos à ordem do dia da Administração Pública Federal”;

i) as comemorações relativas ao Bicentenário da Independência no Rio de Janeiro iniciaram-se às 9 horas, momento em que o primeiro investigado sequer estava na cidade;

j)  a participação do então Presidente da República no citado evento foi “singela e episódica”, consistindo em aparição “no palco de autoridades organizado pela Prefeitura da capital por um pequeno intervalo de tempo, quando ocorrida a salva de 21 tiros em homenagem ao Bicentenário da Independência, ocasião em que assumiu postura passiva e, consequentemente, não produziu discursos políticos”;

k) ao contrário do que ocorreu em Brasília, onde o enfoque era a agenda oficial, a viagem de Jair Bolsonaro ao Rio de Janeiro objetivava os atos políticos, priorizando-se “uma motociata e a realização de discurso para aqueles que estavam presentes no ato político tradicional realizado por sua base de apoiadores”;

l) “os cariocas foram ao encontro de Bolsonaro enquanto candidato”, o que torna a comemoração oficial “um indiferente jurídico”, pois “a esmagadora maioria das pessoas compareceria a qualquer movimento convocado pelo primeiro Investigado”;

m) em contraste ao “imobilismo dos demais candidatos”, os investigados, de fato, procederam à “convocação de sua base política para que fossem às ruas no dia 7 de setembro”, pedido que foi atendido em diversas capitais por quem tinha “o propósito específico de ser visto e de ser ouvido, como cidadão engajado na cena política”, em legítimo exercício da liberdade de expressão; e

n) os gastos realizados, mesmo maiores que aqueles de 2019, foram compatíveis com o “simbólico caráter majestoso do Bicentenário da Independência” e se justificam ante “a ausência de comemorações nos anos anteriores por conta da Pandemia do COVID-19”.

As teses jurídicas foram contrapostas da seguinte forma:

a)  uma vez não demonstrado, de forma inequívoca, que houve apropriação simbólica da comemoração do Bicentenário da Independência, conversão do bem público em particular e “apossamento e continuidade da conduta”, não há configuração de conduta vedada aos agentes públicos ou abuso de poder político;

b) a tese da inicial está inteiramente alicerçada na interpretação conferida aos eventos pela imprensa nacional, mas a simples existência de matérias jornalísticas não se presta como elemento probatório mínimo a fundamentar a demanda, inclusive em razão da garantia de sigilo da fonte previsto no art. 5º, XIV, da Constituição;

c) “o Presidente da República, no sistema de governo brasileiro, é, simultaneamente, Chefe de Governo e Chefe de Estado” e, ainda, “essas duas funções se acumulam com a figura do candidato em hipóteses como a dos autos, sendo puramente retórica a distinção apresentada na inicial”;

d) por força dos cargos públicos, era dever do primeiro investigado zelar pela publicidade e pelo direito à informação do cidadão, o que legitima o pronunciamento transmitido pela TV Brasil no contexto da comemoração do Bicentenário da Independência;

e) o discurso transmitido não ostentou “expressividade eleitoral suficiente” para ser caracterizado como conduta vedada ou abuso de poder político, sendo lícito o “trato de temas de interesse público versados pelo primeiro Investigado na condição de Chefe de Estado”;

f) a narrativa apresentada na inicial não contempla os requisitos para a configuração do uso indevido de meios de comunicação, que “não ocorre pelo uso pontual, fortuito e desprecavido de uma transmissão televisiva (ou do bem público), mas requer a existência de quebra da igualdade de condições entre os candidatos pela continuidade da conduta”;

g) é lícita a ocupação de bens públicos de uso comum do povo por grupos impulsionados pela “força política” da data da Independência, a exemplo do que ocorre com o “Grito dos Excluídos” promovido pela CNBB desde 1995;

h) o cumprimento espontâneo e expandido da medida liminar deferida, com “[a] opção pela remoção de todas as publicidades eleitorais, mesmo daquelas não relativas à fase pública e oficial das comemorações do Bicentenário da Independência”, confinou eventuais efeitos das manifestações realizadas no dia 7 de setembro ao “raio de influência política natural dos Investigados” o que por si afasta a gravidade da conduta; e

i) a ausência de gravidade também decorre da separação dos momentos de atuação institucional e política do primeiro investigado, da baixa audiência da TV Brasil, para a qual foi concedida entrevista episódica, e do tom moderado dos discursos, que não contiveram ataques às instituições;

j) embora a AIJE não comporte condenação por conduta vedada, eventual reconhecimento desse ilícito não autorizaria a cassação de registro ou diploma, por ser desproporcional a qualquer irregularidade acaso declarada.

A iniciativa probatória dos réus consistiu em:

a) requerimento de oitiva de doze testemunhas (seis atribuídas a cada investigado), qualificadas com os cargos que ocupavam à época, a saber:  Cláudio Castro, Governador do Rio de Janeiro; Luiz Fernando Bandeira de Mello, Conselheiro do CNJ; Ibaneis Rocha Barros Júnior, Governador do Distrito Federal; João Henrique Nascimento de Freitas, Assessor-Chefe do Presidente da República; Eduardo Maragna Guimarães Lessa, Chefe adjunto do Cerimonial da Presidência; Ciro Nogueira Lima Filho, Ministro-Chefe da Casa Civil; Flávio Botelho Peregrino, Coronel do Exército; Luiz Cláudio Macedo Santos, Brigadeiro da Aeronáutica; Dom Marcony Vinícius Ferreira, Bispo Ordinário Militar do Brasil; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Ministro da Defesa; José Pedro, Embaixador de Cabo Verde no Brasil; e Emmanoel Pereira, Ministro do TST;

b) requerimento de expedição de ofícios:

b.1) à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, “para que informem os nomes e dados (especialmente o contato) dos responsáveis pela organização das manifestações de 7 de setembro”;

b.2) aos “Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para que informem acerca do cerimonial e das formalidades envolvidas nas comemorações de 7 de setembro”; e

b.3) à “Advocacia-Geral da União, para que, na qualidade de órgão central de consultoria e de advocacia pública da União, por seu Advogado-Geral, Dr. Bruno Bianco, preste os esclarecimentos que entender de direito, notadamente quanto às articulações havidas entre os diversos organismos públicos envolvidos na arquitetura jurídica do evento público em que se comemorou, oficialmente, o Bicentenário da Independência do Brasil, custos e procedimentos correlatos, e a adoção das providências administrativas necessárias, prévias em concomitantes, para a não-contaminação do evento pelas manifestações políticas havidas tanto em Brasília quanto na cidade do Rio de Janeiro”; e

c) produção de prova documental, consistente em:

c.1) inserção de links relativos a matéria que informa a participação de “oito grupos bolsonaristas” em atos na Esplanada em 07/09/2022, a “matérias jornalísticas acreditadas” que repercutiram os eventos em Brasília, no Rio de Janeiro e em outras capitais; a comparativo do público presente à Esplanada em 2021 e 2022; ao movimento “Grito dos Excluídos”; e a entrevista de cientista político;

c.2) roteiro das comemorações do Bicentenário da Independência (ID 158085267);

c.3) Termo de Referência da contratação de empresa especializada para a organização e montagem do evento pela Secretaria Especial de Comunicação Social, no valor de R$ 3.718.268,45 (ID 158085266); e

c.4) QR-Codes que direcionam a vídeos dos desfiles (158085268).

Foram juntadas procurações outorgadas pelos investigados aos subscritores da peça de defesa (IDs 158103732 e 158103733).

A Advocacia-Geral da União apresentou contestação em nome dos investigados Fábio Salustino Mesquita de Faria, que à época exercia o cargo de Ministro das Comunicações (ID 158080897), e André de Sousa Costa, então Secretário Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações (ID 158080904), suscitando a preliminar de ilegitimidade passiva do primeiro, ao argumento de que os atos relativos à preparação das comemorações, como presidir pregão, são inerentes ao cargo que exercia; a organização do evento aconteceu no âmbito  da Secretaria Especial de Comunicação Social e que a autora não apontou “condutas concretas tendentes a violar os princípios do equilíbrio de forças entre os concorrentes”.

Quanto aos fatos, as contestações são idênticas, afirmando-se que:

a) a atuação da SECOM na organização do evento em Brasília se deu nos limites de suas atribuições regulamentares;

b) a contratação de empresa especializada para a montagem das estruturas necessárias se deu unicamente para viabilizar a participação do povo na comemoração do Bicentenário da Independência;

c) a participação da SECOM no evento cívico-militar ocorrido na Esplanada dos Ministérios terminou com o encerramento do desfile, momento em que os telões instalados nas imediações foram desligados;

d) ao afirmar que em 2022 o gasto foi correspondente a 247% dos valores despendidos em 2019, a autora desconsidera a correção monetária e o fato de que o contrato de 2019 era relativo apenas à estrutura, “não englobando a parte relativa à produção”;

e) a finalidade das contratações realizadas pela SECOM era atender ao público que desejasse acompanhar as comemorações do Bicentenário da Independência, que acessou a Esplanada dos Ministérios sem qualquer restrição, e “não se voltou a público de qualquer candidato no pleito de 2022”;

f) “[a] distribuição dos ingressos a servidores, além de aperfeiçoar a organização, representou medida de reconhecimento aos profissionais que, no exercício de suas funções ou cargos públicos, contribuem para o fortalecimento institucional”, não implicou em reserva de vaga ou garantia de acesso exclusivo e a participação dos servidores foi totalmente voluntária.

Contrapõem-se ao alegado abuso de poder político, ao argumento de que a atuação de ambos se deu nos estritos limites dos cargos que ocupavam e teve como finalidade a consecução do interesse público.

A iniciativa probatória de ambos restringiu-se à juntada de correspondência encaminhada ao primeiro investigado por Raimundo Carreiro Silva, Ministro do Tribunal de Contas da União, datada de 14/03/2019, mas recepcionada em 30/07/2021 (IDs 158080898 e 158080902) e da Nota Técnica nº 13738/2022 MCOM (IDs 158080899 e 158080903).

Antonio Galvan, candidato a Senador e integrante do Movimento Brasil Verde e Amarelo, insurgir-se contra a alegação de prática de abuso de poder econômico, sustentando que:

a) não auxiliou da organização nem participou do custeio do evento, “seja com relação a outdoor ou qualquer outra estrutura direta ou indireta do ato”;

b) apesar de participar do Movimento Brasil Verde e Amarelo, grupo de produtores rurais que defende pautas ligadas ao agronegócio, não exerce papel de liderança;

c) se utilizou de suas redes sociais para convocar a população para participar do evento, no exercício de sua liberdade de expressão; e

d) compareceu espontaneamente à comemoração pelo Bicentenário da Independência em Brasília e ao ato em apoio ao primeiro investigado.

Afirma que, ainda que tivesse de alguma forma participado do financiamento dos dois outdoors, tal como afirmado na inicial, os valores envolvidos seriam irrisórios, não se vislumbrando gravidade suficiente para a configuração do abuso de poder econômico.

Não requereu a produção de provas, opondo-se aos requerimentos de quebra de sigilos bancário e telemático e de depoimento pessoal formulados pela autora (ID 158089096). Apresentou procuração aos advogados que subscreveram a contestação (ID 158089099).

Renato Ribeiro dos Santos, produtor rural, apresentou defesa, acompanhada de procuração (ID 158094494) e documentos pessoais, suscitando, preliminarmente:

a) inépcia da petição inicial, em razão da falta de provas quanto às condutas imputadas ao investigado;

b) nulidade processual, por inobservância da intimação pessoal obrigatória;

c) ilegitimidade passiva, tendo em vista que apenas participou do evento em Brasília “dirigindo o seu próprio trator agrícola” e gastando aproximadamente R$2.000,00 em combustível;

Afirma que sua pequena participação no Desfile Cívico-Militar se deu no exercício da liberdade de expressão e não configura qualquer ilícito eleitoral. Quanto às provas, afirma não ter cabimento o depoimento pessoal requerido pela autora e requer a produção de prova oral, consistente na oitiva de: Gustavo Assunção Duarte, José Osmar Roque Júnior e Thiago Terra de Souza (ID 158094493).

Gilson Lari Trennepohl, empresário e acionista da empresa Stara, apresentou contestação, suscitando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, tendo em vista que “não arcou com qualquer despesa relacionada ao deslocamento deste maquinário até o evento, seja direta ou indiretamente, muito menos solicitou ou exigiu a qualquer revenda ou concessionária da marca Stara que disponibilizasse tratores ou outro maquinário para se fazer presente no desfile”.

No mérito, sustenta não haver correlação entre o desfile de tratores durante o evento cívico em Brasília, que “em momento algum trazem consigo, alusão a candidato ou partido político, mas tão somente, a representação de um estado e sua nação”, e o processo eleitoral. Reafirma que não é proprietário de nenhum dos tratores que participaram do desfile, não custeou nenhum deles e sequer esteve presente ao evento oficial em Brasília, pois na qualidade de vice-prefeito de Não-Me-Toque/RS, se fez presente nas comemorações daquele município.

Formula protesto genérico por provas e apresenta procuração aos advogados que subscreveram a peça (IDs 158096892 e 158097044).

Antônio Hamilton Martins Mourão, então Vice-Presidente da República e candidato a Senador, apresentou defesa suscitando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, tendo em vista que a imputação que lhe foi dirigida diz respeito a ocupar a tribuna de honra mesmo sem ter vínculo com o Governo Federal, o que não é verdade, pois o fez no cumprimento de suas funções como ex-Vice-Presidente.

No mérito, sustenta a inexistência de prática abusiva. Insurge-se contra o requerimento de depoimento pessoal, afirmando não ser cabível em AIJE e não requer a produção de provas (ID 158097046). Apresentou procuração no ID 158097047.

Luciano Hang, empresário, apresenta contestação na qual nega que o fato de ser “notório apoiador do Presidente Jair Bolsonaro” e ter ocupado a tribuna de honra no desfile-cívico militar, no exercício de seu direito constitucional à livre manifestação de pensamento, possa caracterizar qualquer modalidade de abuso de poder, pois não fere a legitimidade e a normalidade do pleito.

Afirma que não custeou nenhum evento realizado em 7 de setembro de 2022 e que as matérias jornalísticas que acompanharam a inicial não têm valor probante.

Procede à juntada de cópia de Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais que propôs contra Metrópoles Mídia e Comunicação (ID 158102938) e requer a produção de prova oral, consistente no depoimento de Jaison Gamba, contador; e Simoni Terezinha Back Cardoso, secretária (ID 158102943).

Apresenta procuração em nome dos advogados que subscrevem a contestação (ID 158097237).

Luiz Walker, agricultor, apresenta defesa, suscitando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva para responder à demanda, tendo em vista que apenas cedeu um trator, por empréstimo, à empresa Nossa Fendt Máquinas e Equipamentos Agrícolas, que havia sido convidada para participar do desfile cívico do 7 de setembro, esclarecendo ainda que a empresa arcou com os custos para levar o trator a Brasília, contratando a transportadora do próprio investigado para prestar o serviço.

Sustenta, ainda, não haver fundamento para a quebra de sigilos bancário e telemático, tampouco cabimento para o requerimento de depoimento pessoal em sede de AIJE.

Formula protesto genérico de produção de provas (ID 158103715) e procede à juntada de nota fiscal de serviço de transporte (ID 158102943) e da procuração outorgada aos advogados subscritores da contestação (ID 158103716).

Victor Cezar Priori, agricultor e empresário, apresenta contestação suscitando, preliminarmente, a ausência de pressuposto para ajuizamento válido da AIJE, tendo em vista a ausência de individualização da conduta atribuída ao investigado, acusado, de forma genérica, de custear a estrutura dos eventos e a disponibilização de tratores para o desfile.

No mérito, sustenta a impossibilidade de que os baixos valores acaso envolvidos no deslocamento de maquinários agrícolas possa configurar abuso de poder econômico.

Quanto às provas, insurge-se contra o requerimento de quebra de sigilos bancário e telemático, afirmando inexistir fundamento para tanto, e requer a oitiva das testemunhas: Antonio Carlos Caetano de Assis, industriário; Eudes Paulo Neves, empresário; e Mario Roberto Maia Silva, empresário (ID 158113495).

A peça se fez acompanhar de procuração outorgada aos advogados que representam o investigado (ID 158113496).

Jacó Isidoro Rotta, produtor rural, argui preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que apenas participou do evento em Brasília dirigindo um trator, trajando camiseta do Movimento Brasil Verde e Amarelo, sem menção a apoio a candidato.

No mérito, afirma que não é possível considerar que R$1.000,00, valor que gastou com combustível para o deslocamento do seu trator para que pudesse participar do desfile, possa configurar abuso de poder econômico.

Impugna os pedidos de quebra de sigilos bancário e telemático, afirmando não haver fundamento para a decretação das medidas, e de depoimento pessoal, por ausência de cabimento em AIJE, e protesta, genericamente, pela produção de provas (ID 158120920).

A contestação está acompanhada de procuração às advogadas que a subscreveram (ID 158120921).

Silas Lima Malafaia, pastor, suscita em sua defesa preliminar de ilegitimidade passiva, sustentando que não é detentor de cargo público e que apenas participou de atos eleitorais ocorridos após o encerramento dos eventos cívicos, havendo custeado por R$34.720,00 o trio elétrico utilizado no comício do candidato Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro (ID 158123720).

No mérito, afirma que o valor empregado é insuficiente para caracterizar abuso de poder econômico. Junta a nota fiscal relativa à locação do trio elétrico (ID 158123721). A procuração já havia sido anteriormente apresentada (ID 158095921).      

Vanderlei Secco, produtor rural, apresentou contestação, suscitando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva para responder à demanda, tendo em vista que apenas participou do evento em Brasília dirigindo um trator de sua propriedade.

Quanto aos fatos, afirma que foi convidado pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo para tomar parte no desfile em comemoração ao Bicentenário da Independência representando o agronegócio, setor da sociedade “que equilibrou a economia no País em momento difícil como foi a pandemia do COVID-19” e que por isso teve seu papel reconhecido no desfile cívico.

Aduz que a participação do setor no desfile “não denota qualquer indício de condão político, partidário, e muito menos eleitoral” e que as camisetas utilizadas pelos motoristas, assim como os adornos fixados nos tratores, não traziam nenhuma mensagem eleitoral (ID 158252963).

No que se refere às provas, insurge-se contra os pedidos de quebra de sigilos bancário e telemático, ante a  ausência de fundamento, e de depoimento pessoal, pois incabível em AIJE e junta aos autos documento contendo o modelo da camiseta utilizada no dia do desfile (ID 158252966) e cópias de notas fiscais que comprovam a propriedade de dois tratores (IDs 158252967 e 158252968). Procuração outorgada aos advogados que subscrevem a defesa consta do ID 158252964.

Júlio Augusto Gomes Nunes, produtor rural e coordenador de apoio do Distrito Federal do Movimento Brasil Verde e Amarelo, apresentou contestação, acompanhada de procuração (ID 158252971), na qual defende a licitude da iniciativa do movimento que coordena em requerer ao Ministério da Defesa “a inclusão de 27 tratores para participarem do desfilie oficial cívico-militar de 7 de setembro, sendo que cada trator representará, simbolicamente, um estado da Federação”.

Nega que o movimento tenha custeado os outdoors apresentados na petição inicial e que tenha havido conotação eleitoral ou partidária nas faixas e camisetas custeadas pelo movimento e que foram utilizadas no desfile cívico (ID 158252970).

Quanto às provas, contrapõe-se à quebra de sigilos bancário e telemático, afirmando inexistir fundamento para a decretação, e ao requerimento de depoimento pessoal, por não ser cabível. Procede à juntada de documento contendo o modelo da camiseta utilizada no dia do desfile (ID 158252974) e do ofício dirigido pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo ao Ministério da Defesa (ID 158252975).

Por fim, João Antonio Franciosi apresentou contestação, acompanhada da procuração de ID 158295758, afirmando a inexistência de evidências que indiquem conotação eleitoral ou partidária no desfile de tratores que representaram o agronegócio, pois a participação não se deu “com o objetivo de privilegiar determinada candidatura e, consequentemente, de influenciar as preferências individuais, desequilibrando o fair-play eleitoral”.

Afirma, ainda, inexistir fundamento para a quebra de sigilos bancário e telemático e cabimento para o pedido de depoimento pessoal (ID 158295757).

Ao longo da fase postulatória, tem-se ainda as seguintes ocorrências:

a) instauração de contraditório em torno da alegação de descumprimento da decisão liminar pelos candidatos investigados, que não se poder cogitar de desobediência à liminar na “pendência de julgamento colegiado da petição de saneamento acerca da abrangência da ordem” (ID 158083350 e 158127908);

b) apresentação pela autora de fato novo com alegada aptidão para configurar abuso de poder econômico, que consistiu na divulgação de comunicado subscrito pelo investigado Gilson Lari Trennepohl, após o primeiro turno, no sentido de que a empresa Stara S.A. reduziria seu orçamento em 30% em caso de vitória de Luís Inácio Lula da Silva, acarretando corte de gastos e provável dispensa de funcionários, episódio que reforça a necessidade da quebra de sigilo bancário e telemático (ID 158198891);

c) não apresentação de defesa por Marcos Koury Barreto, devidamente citado, e devolução do mandado de citação de Kesia Nascimento Ferreira, sem cumprimento, após três tentativas de entrega (IDs 158163967 e 158367642).

         

Por meio do despacho ID 158372325, a fim de dar início ao saneamento e organização do processo, e em prestígio ao contraditório, tal como preconizado nos arts. 9º e 10 do Código de Processo Civil, determinei a intimação das partes para que justificassem a necessidade das provas requeridas, indicando os pontos fatos controvertidos que se prestariam a comprovar, e se manifestassem acerca dos argumentos apresentados e dos documentos juntados, incluindo-se a certidão ID 158367642.

Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto apresentaram manifestação (ID 158396475), sustentando que o depoimento das testemunhas arroladas, ademais de admissível, nos termos do art. 442 do Código de Processo Civil, é imprescindível para esclarecer qualquer circunstância acerca dos eventos impugnados na demanda, sua concepção, objetivos, contexto fático e critérios de delimitação do público presente, em especial:

 “(i) o caráter, a natureza e o conteúdo dos discursos proferidos;

(ii) as falas e os comentários emitidos pelas pessoas presentes (que tenham discursado ou não);

(iii) a organização e o planejamento dos dois atos bem delimitados;

(iv) a estrutura e o suporte físico de aparelhamento de cada solenidade;”

Afirmam, ainda, que:

a) cada uma das testemunhas arroladas, em razão de sua posição ou função desenvolvida nos eventos, poderá dar seu testemunho fidedigno, imparcial e não necessariamente concomitante dos fatos;

b) os governadores reeleitos do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, Cláudio Castro e Ibaneis Rocha Barros Júnior, poderão “delimitar a participação, inclusive financeira, dessas unidades federativas na organização dos eventos”, enquanto  João Henrique Nascimento de Freitas e Eduardo Maragna Guimarães Lessa, por serem ligados aos órgãos envolvidos no planejamento e na execução dos eventos, poderão prestar relevantes esclarecimentos quanto à logística;

c) as demais testemunhas arroladas, por terem acompanhado presencialmente os eventos realizados em Brasília/DF e no Rio de Janeiro/RJ, poderão relatar, de forma integral e não necessariamente coincidente, o comportamento e eventuais falas de Jair Bolsonaro, o que se demonstra relevante em razão da pouca cobertura realizada pelos veículos de imprensa e da proibição, por força da liminar parcialmente deferida na AIJE 0600986-27, de veiculação das imagens capturadas durante os eventos, fatos que tornaram parcos os registros disponíveis, “notadamente no que tange à cisão ocorrida em relação aos eventos oficiais e comemorativos e à breve participação do então candidato Jair Bolsonaro em ato político espontâneo promovido por apoiadores”;

d) a hipótese não é de fatos provados, incontroversos ou que só possam ser comprovados por meio de exame pericial, tampouco de requerimento de diligências inúteis ou protelatórias, não incidindo os óbices dos arts. 443 e 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil;

e) a prova testemunhal, postulada com modicidade, pois as testemunhas são comuns às arroladas nas AIJEs 986-27 e 972-43, é indispensável para assegurar as garantias constitucionais do contraditório, da motivação e fundamentação, do devido processo legal e do acesso à Justiça.

Quanto à petição ID 158198891, alegam que não pode ser conhecida por este Tribunal, pois, por meio de uma simples “petição intercorrente”, a investigante, ao trazer fato novo, não tratado na petição inicial, pretende ampliar a causa de pedir sem promover ao aditamento da petição inicial, o que encontraria óbice nos requisitos previstos no art. 339, II, do Código de Processo Civil, pois a lide já está estabilizada e os investigados não consentem com eventual aditamento.

Aduzem, que, caso entenda-se pela possibilidade de aditamento da petição inicial, deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa a todos os investigados, aos quais deverá ser assegurado novo prazo integral para apresentação de defesa quanto aos fatos novos.

No mérito, sustentam que as alegações da investigante estão amparadas por fotografia de baixa qualidade, de documento que não indica a quem se dirige e assinado por pessoa diversa do Sr. Gilson Lari Trennepohl, sem que haja indícios mínimos de que tenha sido “encaminhado a uma única pessoa sequer”, o que não pode ser admitido no bojo da presente AIJE.

Requerem, ao final, que seja deferida a prova testemunhal requerida e desentranhamento o documento ID 158198891, ou, caso assim não se entenda, que sejam rechaçados os novos argumentos, ante a ausência de indícios mínimos das graves imputações feitas pela investigante.

 Parte dos demais investigados também se manifestaram, nos seguintes termos:

a) Jaco Isidoro Rotta (ID 158381689): reitera os argumentos trazidos na defesa e afirma que os fatos narrados no documento ID 158198891 não lhe dizem respeito;

b) Luiz Walker (ID 158381691): aduz que não tem nenhuma ligação com os fatos novos trazidos pela investigante e reitera os termos da defesa já apresentada;

c) Silas Lima Malafaia (ID 158388758): afirma que os fatos novos apontados pela investigante no ID 158198891 são atribuídos ao Sr. Gilson Lari Trennepohl, inexistindo qualquer conduta a si atribuída, o que demonstra sua ilegitimidade para responder à presente demanda;

d) Antônio Galvan (ID 158388764): aduz que a apresentação de fatos novos equivale a um aditamento da petição inicial, que depende do consentimento dos requeridos (art. 329, II, CPC) para ser aceito, e que não tem qualquer relação com tais fatos;

e) Gilson Lari Trennepohl (ID 158388776): afirma que os fatos tratados na petição ID 158198891 são de responsabilidade da empresa Stara S/A e que todos os esclarecimentos estão sendo por ela prestados na Ação Civil Pública nº 0020691-96.2022.5.04.0561. Sustenta que o comunicado emitido pela empresa da qual é conselheiro, de caráter estritamente comercial, não tem tom de ameaça, tampouco constituiu tentativa de beneficiar candidatura ou influenciar o resultado das eleições, não caracterizando abuso de poder econômico, conforme este Tribunal decidiu na AIJE nº 0601754-89.2018.6.00.0000;

f) Renato Ribeiro dos Santos (ID 158396389): reitera os argumentos trazidos em defesa, afirmando não ter nada a alegar quanto aos fatos novos trazidos pela investigante. Afirma que com os depoimentos das testemunhas arroladas pretende comprovar que sua participação no evento em comemoração ao Bicentenário da Independência limitou-se a transportar e dirigir seu próprio trator, para o que despendeu cerca de R$ 2.000,00 (dois mil reais);

g) Luciano Hang (ID 158417183): afirma que a prova testemunhal é sempre admissível, conforme dispõe o art. 442 do Código de Processo Civil, e que, na espécie, é medida indispensável para comprovar que não financiou ou custeou quaisquer atos festivos do Bicentenário da Independência da República. Alega não ter relação com os fatos novos trazidos pela autora, os quais já estão sendo investigados pelas autoridades competentes;

h) Victor Cezar Priori (ID 158418448): justifica o requerimento de prova testemunhal diante da necessidade de esclarecer que “(i) o peticionante não custeou ou financiou as festividades e eventos realizados no bicentenário da independência (7 de setembro); e (ii) não é proprietário de nenhum dos maquinários que participaram do desfile”.

A Coligação investigante, por sua vez, apresentou réplica (ID 158418401), rechaçando as preliminares apresentadas pelos investigados e acrescentando ao debate os seguinte argumentos:

a) a AIJE é demanda “cuja sujeição passiva é composta apenas de pessoas físicas, em razão da penalidade extraída de ações dessa natureza”, não havendo, portanto, litisconsórcio passivo necessário com a União;

b) “[a] inclusão de representantes do “Movimento Brasil Verde e Amarelo” no polo passivo não ocorre por terem meramente “comparecido” à celebração do Bicentenário da Independência, mas porque atuaram diretamente para corroborar com a deturpação daquele ato institucional em um ato de campanha eleitoral pró-Bolsonaro”, não havendo justificativa, que não a intenção de gerar tumulto processual, para a inclusão dos líderes de outros movimentos no polo passivo;

c) a participação de cada um dos investigados nos fatos narrados na inicial justifica a sua inclusão no polo passivo da demanda, sendo que a responsabilidade de cada um deverá ser aferida ao final da instrução, na qual será apurada, inclusive, a quantidade de recursos financeiros envolvidos na participação de cada um deles;

d) o investigado Antonio Hamilton Mourão deve permanecer no polo passivo da demanda em razão dos benefícios eleitorais que auferiu.

A autora também se manifestou acerca dos documentos apresentados pelos investigados, refutando que se prestem a comprovar a licitude dos fatos ou da participação que neles tiveram e justificou o requerimento de compartilhamento de provas, afirmando que os procedimentos indicados apuram fatos relacionados aos investigados na presente AIJE e, quanto à possibilidade de acesso, que:

(a) a PET 10.543/DF tramita perante o STF de forma física e sigilosa, havendo notícia de que alguns dos investigados naquele procedimento também são investigados nesta AIJE, como o empresário Luciano Hang;

(b) os Inquéritos Civis nº 1.16.000.003700/2022-54 e 1.30.001.003797/2022-16, instaurados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, respectivamente, tinham como finalidade prevenir que as celebrações oficiais fossem transformadas em atos políticos-partidários e o acesso aos autos não é franqueado ao público.

Ao final, requereu nova tentativa de citação da investigada Késia Nascimento Ferreira.

Realizadas diversas diligências visando à localização da investigada Késia Nascimento Ferreira, as quais resultaram infrutíferas  (IDs 158633442,  158633453 e 158999190), a Coligação autora apresentou petição requerendo a desistência da ação em relação a ela (ID 159360925).

Por meio da decisão interlocutória de ID 159318852 examinei os requerimentos que, para o bom andamento da marcha processual, demandavam análise imediata. Nessa ocasião:

a) homologuei a desistência parcial da ação e extingui parcialmente o processo sem resolução do mérito, em relação a Késia Nascimento Ferreira (arts. 200, parágrafo único, e 485, VIII, do CPC); 

b) declarei concluída a fase citatória, fixando o termo inicial do prazo de contestação de Marcos Koury Barreto na data da publicação desta decisão, sem necessidade de nova intimação pessoal (art. 346, CPC);

c) reconheci a conexão entre esta demanda e as AIJEs nº 0600986-27 e 0600972-43 e a RepEsp nº 0600984-57, consignando a possibilidade de realização de atos processuais conjuntos e de compartilhamento de provas, a serem examinados pontualmente com respeito à racionalidade processual, sem prejuízo ao impulso autônomo de cada ação conforme suas particularidades;

d) rejeitei a preliminar de exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União, suscitada pelos candidatos investigados;

e) rejeitei a preliminar de exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário com responsáveis por movimentos cívicos de apoio aos investigados, também suscitada pelos candidatos investigados;

f) analisei antecipadamente a parte dos requerimentos de prova que tinham relação com os fatos comuns discutidos nas demais ações (AIJEs nº 0600986-27 e 0600972-43 e a RepEsp nº 0600984-57), formulados pela investigante e pelos candidatos investigados e:

f.1) atribui ao primeiro e ao segundo investigados, com fundamento no art. 373, § 1º do CPC, o ônus de comprovar, por meio de documentação idônea, a origem dos recursos utilizados para o custeio dos atos de campanha realizados em Brasília e no Rio de Janeiro em 07/09/2022, inclusive a montagem da estrutura utilizada para os comícios e o ressarcimento, pelo partido político, dos custos de deslocamento para o Rio de Janeiro na data (art. 76, Lei nº 9.504/1997), oportunidade na qual poderão se pronunciar sobre a nota fiscal, no valor de R$34.720,00, juntada por Silas Malafaia e declarada como relativa ao custeio do trio elétrico utilizado pelo primeiro investigado para realizar comício na praia de Copacabana (ID 158123721);

f.2) deferi os requerimentos de requisição de documentos ao Governo do Distrito Federal, ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, à Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, ao Ministério das Comunicações, ao Ministérios da Defesa, aos Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e à Advocacia-Geral da União;

f.3) requisitei à TV Brasil, de ofício, que fornecesse arquivo digital contendo a íntegra do vídeo originariamente publicado no link https://www.youtube.com/watch?v=k4VOL4rXiv0, cuja conservação foi imposta até o final do julgamento das ações pertinentes;

f.4) deferi a oitiva de Cláudio Castro, Ibaneis Rocha, Ciro Nogueira Lima Filho, João Henrique Nascimento de Freitas, Paulo Sérgio Nogueira de Carvalho, Flávio Botelho Peregrino, Luiz Cláudio Macedo Santos e Dom Marcony Vinícius Ferreira, testemunhas arroladas pelos réus cuja utilidade restou devidamente justificada, em razão da função que ocupavam à época dos fatos e à participação que tiveram na organização do evento;

f.5) indeferi a oitiva de Luiz Fernando Bandeira de Mello, José Pedro e Emmanoel Pereira, em razão da não apresentação de justificativa plausível para os depoimentos e de indicação precisa de algum aspecto da controvérsia que tangencie fato de conhecimento dos arrolados;

f.6) determinei, de ofício, da oitiva de Daniel Lúcio da Silveira, pessoa que, sem ter vínculo com o governo federal, subiu à tribuna de honra do evento oficial realizado no Rio de Janeiro, no Forte de Copacabana; e

f.7) determinei, de ofício, que fossem trasladadas para os presentes autos, cópia dos documentos de IDs 158041647, 158041648, 158041649 e 158041650, juntados aos autos da RepEsp nº 0600984-57; e IDs 158123721 e 158252975, juntados aos autos da AIJE nº 0600986-27;

g) declarei o descumprimento de ordem direta e pessoal, contida na decisão liminar de 10/09/2022, por Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto, e, efetuado juízo de ponderação, aplico individualmente a cada candidato investigado multa no valor de R$50.000,00; e

h) apliquei aos investigados Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto multa por litigância de má-fé, no montante de R$10.000,00, fixada proporcionalmente para cada investigado em R$5.000,00 (arts. 77, I e IV; 80, II e V; 81, §§ 1º e 2º, CPC)

O investigado Luciano Hang opôs Embargos de Declaração, repisando os argumentos já deduzidos quanto à necessidade de oitiva das testemunhas por ele arroladas e requerendo o conhecimento e provimento dos declaratórios para o fim de que seja sanada omissão na decisão interlocutória, que não contém exame de seu requerimento de produção de prova testemunhal (ID 159399035).

Os candidatos investigados, por sua vez, interpuseram agravo interno contra a decisão de saneamento e organização do processo, sustentando (ID 159407525):

a) a impossibilidade de homologação de desistência em relação a apenas uma das investigadas, ao argumento de que o investigante não ostenta faculdade de selecionar os responsáveis que deverão compor o polo passivo das ações eleitorais, o que redundaria em tratamento distinto a “diversos líderes dos movimentos políticos” e falta de uniformidade jurídica e êxito de “manobra” destinada a “acelerar artificialmente o processo”;

b) ser “necessária reunião processual das ações conexas”, com prolação necessariamente de “decisão única”, alegando que “não há razão legítima para que se acelere o julgamento de uma ou outra ação em detrimento das demais, amesquinhando-se a adequada instrução probatória de todos os feitos, cujas provas, relativas aos MESMOS FATOS, aproveitam-se reciprocamente ao deslinde do alegado abuso de poder”;

c) ser indevida a “determinação de diligências de cunho probatório antes do encerramento da fase postulatória” nesta AIJE, uma vez que somente na decisão saneadora poderão ser fixados pontos controvertidos que considerem todos os argumentos debatidos por todas as partes, de modo que a antecipação da prova viola direito de defesa de investigados que não tenham apresentado defesa;

d) a necessidade de oitiva das testemunhas Luiz Fernando Bandeira de Mello, José Pedro e Emmanoel Pereira, que “compareceram presencialmente ao evento na condição de representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Conselho Nacional de Justiça e da República de Cabo Verde”, pois “pretende-se perquirir das autoridades arroladas até que momento estiveram presentes no evento, se presenciaram a prática de algum ato de campanha na realização dos desfiles cívicos-militares, se podem dizer sobre o momento em que houve a cisão entre a conduta do Presidente e do Candidato”, enfatizando que “dispõem de 12 (doze) testemunhas por dicção legal”;

e) a inexistência de descumprimento de decisão liminar pelos investigados, creditando aos seguintes fatores a manutenção de postagens contrárias à ordem judicial nas páginas dos investigados:

e.1) diversidade de “equipes que lidam com a comunicação dos candidatos”, com “tempos de reação diferenciados”;

e.2) não cabimento de intimação por meio eletrônico para cumprimento da decisão liminar, mesmo no período eleitoral, pois “os mecanismos céleres e informais de cientificação não se prestam às ações que possuem o condão de cassar mandatos”;

e.3) os poderes outorgados a advogados em procuração arquivada no Tribunal limitam-se aos procedimentos amoldados ao art. 96 da Lei nº 9.504/1997, e não à AIJE, configurando-se, na hipótese, “carência de intimação pessoal dos investigados”, uma vez que esta teria sido remetida apenas por e-mail aos advogados;

e.4) “todas as publicações denunciadas são anteriores a 10 de setembro”, o que demonstra que não foram feitas novas postagens em ato de má-fé processual;

e.5) “dentro das possibilidades técnicas da campanha, a r. decisão foi obedecida pelos Investigados, que se adiantaram em suprimir qualquer publicidade das suas inserções de televisão e dos perfis do Partido Liberal (PL), sobre os quais o jurídico detinha maior acesso e controle”;

e.6) as decisões de 10 e 16/09/2022 “dispõem de teor passível de dúvidas, pois não há determinação específica de remoção de postagens anteriores realizadas na internet”;

e.7) ausência de indicação de URLs específicas a serem removidas, “não se pode deixar de expressar discordância da exegese do art. 38, §4º, da Res. TSE 23.610/2019, expressa pela r. decisão, de que a exigência de indicação de URL seria destinada exclusivamente às plataformas, isso porque a indicação precisa daquilo que se julga ilegal cumpre a função primordial de respeito à liberdade de expressão, que representa uma cláusula ampla de proteção e garantia constitucional”; e

e.8) as decisões tratam de “proibição à ‘propaganda eleitoral’, o que induz ao raciocínio de que simples postagens de congratulações, agradecimento, enaltecimento, sem expressão de número de urna, comparações, pedido de votos, etc. devessem ser consideradas como ilegais”; e

f) a inutilidade de imposição de multa aos investigados, tendo em vista “o término das eleições de 2022”, uma vez que “não há mais interesse na proibição de uso das imagens objurgadas que, ainda no curso do pleito, foram removidas por ação dos Investigados e (pontualmente) das plataformas, de modo que a multa tardiamente aplicada não detém mais finalidade didático-dissuasória típica das astreintes”.

Com esses argumentos, requereram a reinclusão de Késia Nascimento Ferreira no polo passivo; a cassação de decisões de saneamento proferidas nas AIJEs conexas, a fim de que seja determinada a “tramitação unificada” e o “saneamento conjunto” ou, ao menos, o sobrestamento das demais ações; o oportuno deferimento de toda a prova testemunhal requerida; e o afastamento das multas processuais aplicadas.

A Secretaria Judiciária certificou que não realizaria atos de processamento em relação ao agravo interno interposto, “em vista da natureza interlocutória da Decisão ID 159318852 e em observância ao artigo 19 da Resolução-TSE nº 23.478. de 10 de maio de 2016” (ID 159410211).

Os investigados apresentaram nova manifestação, em que questionaram o procedimento da Secretaria Judiciária e requereram “o imediato processamento da petição de ID 159407525 como pedido de reconsideração, com imediato encaminhamento ao il. Relator, diante da urgência que o caso requer” (ID 159415759).

Conheci do agravo interno como pedido de reconsideração, em decisão na qual, de início, atestei o regular procedimento da Secretaria Judiciária e a desnecessidade de “encaminhamento” do feito ao relator, tendo em vista que a ciência e a análise de petições são viabilizadas pelo sistema PJe independentemente de conclusão de autos. Apreciando as questões processuais até então pendentes:

a) declarei a revelia de Marcos Koury Barreto, com as consequências processuais pertinentes, afastando seus efeitos materiais;

b) conheci do agravo interno interposto por Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto como pedido de reconsideração e o rejeitei; e

c) rejeitei os embargos de declaração opostos por Luciano Hang.

A partir de tais determinações, foram produzidas as seguintes provas:

a) prova documental requisitada ao Governo do Distrito Federal (IDs 159425776 a 159425786), ao Governo do Estado do Rio de Janeiro (ID  159432385), à Prefeitura do Rio de Janeiro (ID 159444307), ao Ministério das Comunicações (IDs 159426446 a 159426467), ao Ministério da Defesa (IDs 159432370 a 159432374), aos Comandos do Exército (ID 159500701), da Marinha (ID 159423062) e da Aeronáutica (IDs 159507676 a 159507689), à Advocacia-Geral da União (IDs 159426485 e 159426486 e 159430038 a 159430040) e à EBC Brasil – TV Brasil (ID 159448327);

b) prova testemunhal requerida pelos investigados, consistente na oitiva das testemunhas Ibaneis Rocha (ID 159448347); Cláudio Castro (ID 159453106), Eduardo Maragna Guimarães Lessa (ID 159478021); Luiz Claudio Macedo dos Santos (ID 159494275), Daniel Silveira (ID 159498119) e Ciro Nogueira Lima Filho (ID 159592631); 

c) juntada de documentos oriundos da RepEsp nº 0600984-57 (IDs 159390099 a 159390101) e da AIJE nº 0600986-27 (IDS 59390252 a 159390254); e

d) juntada, pelos investigados, de documentos relativos ao custeio dos atos de campanha realizados em Brasília e no Rio de Janeiro em 07/09/2022 e ao ressarcimento do voo para o Rio de Janeiro na referida data (IDs  159407639 a 159407645).

Em complemento às informações fornecidas pelos órgãos públicos demandados, por meio da decisão de ID 159504813 foram requisitados novos documentos ao Governo do Distrito Federal e à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República – SECOM, que aportaram aos autos nos IDs 159585238 a 159585251 e 159586902 a 159586924 e nos IDs 159592598 a 159592601 e 159593902 a 159593914, respectivamente.

Registra-se, ainda, que:

a) os candidatos investigados desistiram da oitiva de três testemunhas, cujas oitivas havia sido deferida: João Henrique Freitas (ID 159407646), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (ID 159478020) e Flávio Botelho Peregrino (ID 159484209), desistências que foram homologadas por meio das decisões de ID 159426615 e 159578005, ficando, no caso da testemunha Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, reservada nova avaliação para fins de instrução desta demanda;

b) a testemunha Dom Marcony Vinicius Ferreira não compareceu à audiência designada para 29/09/2023 e, não se aplicando a ele a prerrogativa de intimação pelo juízo, a prova foi declarada preclusa (ID 159578005).

Quanto à representação processual das partes, registra-se que:

a) Cristiano Zanin Martins renunciou aos poderes que lhe haviam sido outorgados pela Coligação autora (ID 159185995), o que foi deferido no despacho de ID 159315965;

b) Silas Lima Malafaia requeu a exclusão dos nomes do Dr. César Arango Lobato, OAB/RJ 187.518, e da Dra. Mariana Carravetta, OAB/RJ 237.924 dos registros do sistema eletrônico, pois não mais integram o corpo jurídico do escritório que patrocina seus interesses e, ainda, que todas as intimações sejam direcionadas exclusivamente ao Dr. Jorge Vacite Neto, OAB/RJ 63.592, providências deferidas no despacho de ID 159397392;

c) foi apresentado substabelecimento dos poderes outorgados por Antonio Galvan (ID 159444402); e

d) foram apresentados substabelecimentos dos poderes outorgados por João Franciosi (ID 159442340 e 159534449/159534450).

Assinale-se que, em 31/10/2023, foi concluído o julgamento das AIJEs nº 0600972-43 e 0600986-57, sobre os mesmos fatos e em que se apuraram somente as condutas imputadas a Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto. O TSE, por maioria, entendeu configurado o abuso de poder político e econômico, bem como a responsabilidade de ambos os candidatos, razão pela qual foi aplicada a eles inelegibilidade por oito anos, nos termos do art. 22, XIV da LC nº 64/1990.

Relatados, assim, os principais atos praticados durante a fase postulatória, as questões processuais já decididas e as provas cuja produção foi antecipada, passo a proferir decisão de saneamento e organização do processo.

A decisão de saneamento e organização do processo possui importante função para o regular trâmite das ações, por propiciar que, antes da instrução, sejam dirimidas questões processuais, fixados os pontos controvertidos e, com base nestes, apreciados os requerimentos de prova. Essas medidas têm lugar quando, ao final da fase postulatória, constata-se que não é caso de extinguir o processo sem resolução do mérito ou de julgá-lo antecipadamente, conforme preconiza o art. 357 do CPC, verbis:

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;

II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;

III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ;

IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;

V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.

(sem destaques no original)

Cabe lembrar que a aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil às ações eleitorais, diretriz inscrita no art. 15 desse diploma, foi reafirmada pelo TSE no primeiro ano de vigência da Lei 13.105/2015. A Res.-TSE 23.478/2016 reforçou que o aproveitamento das normas do CPC nesta Especializada deve se orientar pela compatibilidade sistêmica. Transcrevo os artigos que inauguram a citada resolução:

Art. 1º A presente resolução dispõe sobre a aplicabilidade, no âmbito da Justiça Eleitoral, do Novo Código de Processo Civil - Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016.

Parágrafo único. As disposições contidas nesta Resolução não impedem que outras sejam estipuladas a partir da verificação de sua necessidade.

Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral.

Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.

A diretriz de compatibilidade sistêmica não se traduz em um comando estático, exigindo que seja buscada, de forma dinâmica, a interpretação que favoreça o melhor aproveitamento das regras processuais democráticas. Gradativamente, essa tarefa vem sendo concretizada por outras resoluções do TSE. Nesse sentido, o art. 44 da Res.-TSE 23.608/2019 consigna que as representações especiais “observarão o procedimento do art. 22 da Lei Complementar n° 64/1990 e, supletiva e subsidiariamente, o Código de Processo Civil”, o que reafirma o caráter de complementariedade entre ambas as leis.

No que diz respeito ao final da fase postulatória, observa-se que no art. 22 da LC nº 64/90, há apenas menção a que, após o decurso do prazo de defesa, seja aberta a instrução, com oitiva de testemunhas e demais diligências determinadas pelo Corregedor. É o que se extrai dos incisos V a VII do citado artigo:

Art. 22. Omissis

[...]

V - findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação;

VI - nos 3 (três) dias subseqüentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes;

VII - no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;

[...]

Nem sempre, porém, essas disposições são suficientes para fazer frente à complexidade da matéria fática e jurídica debatida na AIJE, ação que envolve a subsunção de condutas, por vezes de sensível delineamento, a tipos abertos (modalidades de abuso). Torna-se por isso necessário invocar outras fontes normativas para suprir as exigências da processualidade democrática no âmbito da Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, não há dúvidas que a aplicação do art. 357 do CPC é capaz de aprimorar o procedimento do art. 22 da LC 64/90. Isso porque a decisão de saneamento e organização do processo se trata, em suma, de técnica que favorece a estabilização da demanda, a racionalidade da tramitação processual e a objetividade da instrução, fatores que convergem para assegurar que a celeridade seja atingida sem prejuízo ao contraditório.

Esses são aspectos decisivos para a efetividade da AIJE, a envolver a segurança jurídica e a duração razoável do processo. Sobre o ponto, não se pode olvidar que o art. 97-A da Lei 9.504/97 expressamente estabelece que “considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral”. Apesar dos inúmeros fatores que podem comprometer o ritmo de tramitação das ações, esse prazo deve nortear a gestão processual, impondo-se a cada fase que seja priorizada a eficiência dos atos praticados.

Feito esse introito, sigo para o exame dos autos.

 

1. Organização do processo

Assinala-se, de início, que as partes se encontram devidamente representadas, por advogadas e advogados aos quais foram outorgadas procurações.

No que diz respeito à integração dos investigados ao processo, constata-se que todos, à exceção de Marcos Koury Barreto, apresentaram contestação por meio de advogados e advogadas a quem outorgaram poderes, ou pela Advocacia-Geral da União (Fábio Salustino Mesquita de Faria e André de Sousa Costa).

Assinalo que Marcos Koury Barreto foi regulamente citado (ID 158163962) e posteriormente intimado da decisão que fixou o termo inicial do prazo de contestação (ID 159318852).  Coube, assim, declarar sua revelia, com as consequências processuais pertinentes, afastando seus efeitos materiais (ID 159426615).

Ainda no tema, Silas Lima Malafaia e Renato Ribeiro dos Santos suscitaram ausência de ato pessoal de citação. Ocorre que ambos compareceram aos autos, devidamente representados, e ofertaram defesa técnica. Assim, a questão por eles suscitada fica prejudicada, nos termos do art. 239, § 1º, do CPC, que dispõe que “o comparecimento espontâneo do réu [...] supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação”.

Houve concessão de tutela inibitória antecipada, por decisão liminar que determinou a supressão de trechos do vídeo contendo a cobertura do Bicentenário da Independência pela TV Brasil e proibiu a utilização de imagens oficiais do evento na campanha do primeiro e do segundo investigados, sob pena de multa.

Os candidatos investigados afirmam que espontaneamente cumpriram a determinação, conferindo-lhe inclusive maior extensão. A declaração, porém, foi questionada pela autora, que demonstrou, por prova documental certificada por blockchain, que os candidatos investigados mantiveram em seus perfis nas redes sociais material de propaganda eleitoral contendo imagens do ex-Presidente da República capturadas durante os eventos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência (ID 158083350).

O descumprimento da decisão liminar foi reconhecido em decisão interlocutória, proferida após devido contraditório, resultando em aplicação de multa a Jair Messias Bolsonaro e a Walter Souza Braga Netto, no valor de R$50.000,00 para cada um deles. Na mesma oportunidade, apliquei multa por litigância de má-fé, no montante de R$10.000,00, fixada proporcionalmente para cada investigado em R$5.000,00, tendo em vista que a declaração de cumprimento espontâneo e estendido da liminar contrariava os fatos e não se amoldava à boa-fé processual (ID 159318852).

Já houve, também, devido reconhecimento da conexão entre as AIJE nº 0600986-27, 0600972-43 e 0601002-78 e a RepEsp nº 0600984-57, o que ensejou a realização de atos processuais conjuntos. Na sequência, as ações de objeto mais restrito, eis que limitado às condutas dos candidatos investigados, foram levadas a julgamento. Cabe consignar que esse procedimento foi reputado ilegal pela defesa dos candidatos, tese que foi rechaçado pelo Colegiado, por unanimidade. Assim, tem-se assentada a regularidade da gestão processual, que permite que a apuração dos fatos prossiga com atenção específica às questões discutidas neste processo.

Por fim, constata-se que, à exceção de Marcos Koury Barreto, as partes praticaram os atos processuais a seu cargo tempestivamente, razão pela qual merecem análise todas as manifestações e documentos apresentados.

Na sequência examino as questões preliminares ainda não enfrentadas na decisão de ID 159318852.

 

2. Preliminar de ilegitimidade passiva (suscitada pelos investigados Antônio Hamilton Mourão, Fábio Salustino Mesquita de Faria, Silas Lima Malafaia, Júlio Augusto Gomes Nunes, Vanderlei Secco, Renato Ribeiro dos Santos, Victor Cezar Priori, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Gilson Lari Trennepohl)

A maior parte dos litisconsortes passivos dos candidatos eleitos questionou o fato de serem apontados como responsáveis por práticas ilícitas. Argumentam que tiveram ação pontual, ou irrelevante, e que por isso devem ser excluídos da ação.

Para ser parte, é preciso ostentar interesse e legitimidade (art. 17, CPC), requisitos que, analisados sob a ótica da teoria da asserção, indicam que o polo passivo da AIJE se compõe pelos candidatos beneficiários e pelos responsáveis pela prática abusiva. São esses sujeitos que, por serem passíveis de sofrer sanções de cassação e/ou inelegibilidade, ostentam o interesse jurídico para contrapor-se à imputação de ilícitos eleitorais.

O exame desses requisitos é feito em estado de asserção (in statu assertionis), isto é, à vista das alegações trazidas na petição inicial. Assim, para figurar no polo passivo da ação, necessário verificar se há liame subjetivo suficiente para atrair terceiros para a lide.

Esse exame deve considerar a conformação própria das modalidades de abuso de poder.

No caso do abuso de poder político, podem figurar como litisconsortes passivos, em primeiro lugar, os agentes públicos aos quais se impute ilegal desempenho do seu feixe de atribuições em favor de candidatura.  Essa condição decorre do fato de que o abuso de poder político se caracterizar como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado “mediante desvio de finalidade e com intenção de causar interferência no processo eleitoral” (ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 6. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, p. 645).  

O conceito de agente público, para essa finalidade, é o do art. 73, § 1 º da Lei nº 9.504/1997, segundo o qual “reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional”.

Além disso, sendo o próprio candidato o agente público ao qual se impute prática abusiva, terceiros que tenham contribuído decisivamente para o desvio de finalidade podem figurar como investigados por abuso de poder político.

Nesses casos, deve ser narrada uma proximidade relevante – caso, por exemplo, de dirigentes partidários, membros de organizações ou movimentos, cabos eleitorais e outras pessoas aos quais, sem qualquer vínculo formal, seja dado franco acesso ao núcleo de poder. Afinal, o contrário seria premiar a ilicitude, excluindo potenciais beneficiários de tráfego de influência e negociações feitas à margem dos princípios republicado e da impessoalidade.

O poder econômico, ao contrário do poder político em sentido estrito, mostra-se difuso e disperso na sociedade. Isso aumenta as variáveis objetivas e subjetivas para a configuração do abuso nessa modalidade.

O tema foi tratado em voto do Ministro Luís Roberto Barroso no REspE nº 325-03, DJE de 28/11/2019. Conforme destacou Sua Excelência, enquanto a conduta vedada e o abuso de poder político pressupõem a “atuação de um agente público, que indevidamente dispõe de seu poder de governo ou gestão em prol de campanhas eleitorais”, o abuso de poder econômico “pode decorrer de atos pulverizados que, em seu conjunto, redundam no benefício eleitoral ilícito sem que, necessariamente, identifique-se o ‘responsável’.”

É possível, contudo, identificar tais responsáveis, que serão litisconsortes passíveis facultativos, desde que devidamente descrita sua potencial contribuição para a prática reputada abusiva. Essa contribuição pode ser delimitada de forma individual e significativa. Mas também pode ser percebida no conjunto de atos similares, aos moldes dos “delitos por acumulação”, que violam bem jurídicos coletivos.

Com efeito, não há como deixar à margem de apuração condutas que, conjuntamente consideradas, podem redundar para danos significativos à democracia. É o que se tem visto no julgamento de ações penais relativas aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, pelo STF: vários réus que alegam ter atuado de forma pontual e não coordenada têm sido condenados, sendo refutadas as teses defensivas que buscam mitigar sua participação, alegando que suas ações foram pontuais, não coordenadas e irrelevantes frente à gravidade dos crimes. 

Com mais razão, o Direito Sancionador, não penal, deve considerar as situações em que o acúmulo de condutas não é fator desprezível para o resultado ilícito visado. Nesse ponto, o inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/1990 prevê como proporcional medida punitiva a aplicação de inelegibilidade “de quantos hajam contribuído para a prática do ato”.

 Em síntese, no caso do abuso de poder político, a legitimidade passiva do “agente público responsável” deve considerar a parcela de poder detida e que alegadamente foi empregada em desvio de finalidade, não se excluindo desse desenho o poder indevidamente apropriado por terceiros em decorrência de tráfego de influência. No caso do abuso de poder econômico, a pulverização da origem de recursos não exclui a responsabilidade individual se da acumulação de condutas similares decorrer contribuição relevante para a consecução do ilícito.

Na hipótese dos autos, a Coligação autora descreveu a participação de cada um dos investigados, imputando-lhes condutas que, em tese, podem ter contribuído de alguma forma para a consecução de abuso de poder. Essa participação se daria na condição de agentes públicos, candidatos ou de financiadores diretos de atos.

Com esse mote, a Coligação autora incluiu no polo passivo o ex-Ministro das Comunicações e o Secretário Especial de Comunicações, não apenas apontados como responsáveis pela organização dos eventos (o que decorreria de suas funções), mas, também, como partícipes conscientes das práticas ilícitas, que teriam inclusive entrado no foco do Ministério Público Federal.

No que diz respeito ao candidato a Vice-Presidente, Walter Souza Braga Netto, não se destaca apenas sua condição de beneficiário, mas também sua participação nos atos, bem como responsabilidade por irregularidades da campanha (inserções em televisão usando imagens da TV Brasil e comício realizado a menos de 200m de órgãos públicos).

Ao tratar de Antônio Hamilton Mourão, a autora incorreu em equívoco, no ponto em que afirma que este não mais ocupava cargo governamental. Isso porque embora candidato ao Senado, seguia Vice-Presidente da República, cargo do qual não lhe era exigido se desincompatibilizar. Porém, exatamente por sua condição de agente público e, mais, de agente político, é cabível aferir sua responsabilidade, ainda que por conivência, com eventuais desvios das comemorações do Bicentenário da Independência.

Silas Malafaia e Luciano Hang, dois notórios apoiadores do primeiro investigado, tiveram descritas condutas pessoais, inclusive corroboradas por documentos e por suas próprias contestações. O primeiro, custeou o trio elétrico do ato de campanha no Rio de Janeiro. O segundo, figurou em grande destaque no ato oficial em Brasília. Ambos discursaram do trio elétrico na capital federal, em apoio à reeleição do primeiro investigado.

Em relação aos empresários do agronegócio aos quais se imputa envolvimento no desfile de tratores e com na viabilização do comício eleitoral em Brasília, foi juntado link para reportagem da Pública, datada de 08/09/2022, em que há detalhada descrição sobre as conexões entre esses apoiadores de Jair Messias Bolsonaro (vinculados ou não Movimento Brasil Verde e Amarelo) e os atos aos quais a autora confere relevo. As informações contidas nessa matéria não foram alvo de objeção pelos interessados.

Assim, em estado de asserção, é possível identificar que a autora descreveu liame subjetivo suficiente para incluir todos os coinvestigados no polo passivo da ação. Em resumo, tem-se o seguinte:

a)  Walter Souza Braga Netto, candidato a Vice-Presidente: participação em todos os atos questionados, engajando-se pessoalmente nos atos oficiais, a despeito de não ocupar cargo de gestão, sendo legitimado passivo tanto na condição de candidato beneficiário quanto na de apontado corresponsável pelas condutas;

b) Antônio Hamilton Martins Mourão, então Vice-Presidente e candidato ao Senado: participação nos atos questionados, devendo-se destacar que, ao contrário do afirmado na petição inicial, ainda exercia o cargo governamental, o que, todavia, não elide sua legitimidade passiva na condição de agente público em tese corresponsável pelas práticas apontadas como abuso de poder político;

c) Fábio Faria (ex-Ministro das Comunicações) e André de Souza Costa (ex-Secretário Especial de Comunicação): estavam à frente da organização da comemoração oficial do Bicentenário da Independência e autorizaram a realização de gastos com a estrutura do evento, ao custo de mais de R$ 3.000.000,00, pagos à empresa WFC-Goiás, e também são apontados como responsáveis pela suposta cooptação de servidores e servidoras, bem como de seus familiares, para engrossar o público presente na Esplanada dos Ministérios, sendo que André é quem firmou os convites dirigidos aos órgãos federais requerendo comparecimento;

d) Silas Lima Malafaia, pastor: responsável pelo custeio do trio elétrico colocado em Copacabana, também participou ativamente dos atos questionados, inclusive proferindo discurso eleitoral de apoio ao primeiro investigado, conforme fala transcrita na petição inicial, relativa ao comício em Brasília;

e) Luciano Hang, empresário: engajou-se pessoalmente nos atos questionados, chegando a ocupar posição de destaque na tribuna de honra do evento de Brasília (trajando vestimenta com a qual se notabilizou como apoiador do primeiro investigado) e a proferir discurso eleitoral de apoio ao primeiro investigado, conforme fala transcrita na petição inicial, relativa ao comício em Brasília;

f) Júlio Augusto Gomes Nunes, empresário: um dos líderes do Movimento Brasil Verde e Amarelo (movimento que notoriamente custeou outdoors alusivos ao 7 de Setembro, organizou o desfile de tratores e custeou o trio elétrico colocado na Esplanada dos Ministérios), sendo a pessoa que subscreve os ofícios dirigidos ao Ministério da Defesa e ao Governo do Distrito Federal com vistas à inclusão dos tratores no desfile cívico-militar e à realização do comício na área da Esplanada dos Ministérios;

g) Antônio Galvan, empresário e candidato ao Senado pelo Estado do Mato Grosso: também liderança do Movimento Brasil Verde e Amarelo;

h) Gilson Lari Trennepohl, empresário e Vice-Prefeito de Não-Me-Toque/RS: identificado em matéria jornalística como um dos responsáveis pela cessão e custeio de deslocamento de trator e como “quarto maior doador para a campanha de Bolsonaro”, é ainda diretor-presidente da empresa Stara e subscreveu comunicado aos fornecedores advertindo-os que haveria redução de contratos em caso de derrota de Jair Messias Bolsonaro (ID 158198891);

i) Vanderlei Secco, empresário de Goiás: identificado em matéria jornalística como responsável pela cessão de dois tratores para o desfile, ao custo de R$15.000,00, estando trajado com boné de apoio ao primeiro investigado;

j) Renato Ribeiro dos Santos e Jacó Isidoro Rota empresários de Goiás: identificados em matéria jornalística como presidentes dos sindicatos rurais de Catalão/GO e Cabeceiras/GO, e como responsáveis por cederem tratores ao desfile, que dirigiram pessoalmente;

k) Victor Cezar Priori, empresário de Goiás: identificado em matéria jornalística como “dono do Grupo Segredo” e como responsável pela cessão de três tratores para o desfile, ao custo de transporte de R$15.000,00, e concedeu entrevista usando boné de apoio ao primeiro investigado;

l) Luiz Walker, empresário da Bahia: identificado em matéria jornalística como responsável pela cessão de um trator, levado por mais de 500km ao custo de R$15.000,00;

m) João Antônio Franciosi, empresário da Bahia: identificado em matéria jornalística como responsável pela cessão de um trator, trazido do oeste da Bahia;

n) Marcos Koury Barreto, militar: apontados como um dos responsáveis pelo custeio dos tratores utilizados no desfile cívico-militar em Brasília (cessão do maquinário e deslocamento), quedou-se revel.

No que diz respeito a testes defensivas encampadas nas contestações dos coinvestigados acima nominados, tem-se que a aferição das provas relativas às imputações que lhes foram feitas, assim como eventual responsabilização pela prática do abuso, são questão de mérito, a serem oportunamente enfrentadas.

Ante o exposto, rejeito as preliminares de ilegitimidade passiva suscitada pelos investigados, mantendo o polo passivo da ação tal como indicado pela coligação autora.

 

3. Preliminar de inépcia da petição inicial e de ausência de pressuposto de validade do processo (suscitada pelos investigados Renato Ribeiro dos Santos e Victor Cezar Priori)

Os investigados Renato Ribeiro dos Santos e Victor Cezar Priori alegaram que a petição inicial não preenche os requisitos mínimos para o seu processamento, pois não estaria acompanhada de provas ou indícios mínimos de condutas capazes de configurar abuso de poder político ou econômico.

O art. 22 da LC n° 64/90, que embasa a propositura da ação de investigação judicial eleitoral, exige que a demanda contenha elementos suficientes para seu processamento, dentre os quais a apresentação de indícios mínimos de ocorrência de condutas aptas, em tese, a configurar alguma das modalidades de abuso.

Esse requisito foi devidamente atendido em relação a todos os investigados, conforme se extrai dos pontos examinados ao se tratar da preliminar de ilegitimidade passiva. Há descrição suficiente de indícios que conectam o Renato Ribeiro dos Santos e Victor Cezar Priori aos fatos constitutivos da imputação de abuso de poder econômico, especialmente no que diz respeito à atuação para viabilizar e realizar o desfile de tratores no Bicentenário da Independência.

Ademais, os argumentos trazidos não alteram a conclusão de que  a petição inicial se mostrava apta, o que já foi reconhecido desde que deferida a tutela inibitória no feito presente.

Ausentes os apontados vícios de propositura, rejeito a preliminar.

 

4. Preliminar de violação à estabilização da demanda (suscitada pelos candidatos investigados)

Em 05/10/2022, a Coligação autora promoveu a juntada aos autos de documento firmado por Gilson Lari Trennepohl, administrador da empresa Stara S.A., por meio do qual comunicou aos fornecedores, diante da vantagem da chapa Lula-Alckmin no primeiro turno, que a empresa reduziria seu orçamento em 30% “em se mantendo este mesmo resultado no 2º turno”, o que acarretaria corte de gastos e provável dispensa de funcionários (ID 158198891).

Os candidatos investigados alegaram que se tratava de ampliação da causa de pedir, tendo em vista tratar-se de fato novo, não tratado na petição inicial. Acrescem que, mesmo se formulada sob a forma de aditamento, se oporiam ao este, por considerar que o acréscimo violaria a demanda já estabilizada.

Sobre o tema, rememoro que por ocasião da análise do referendo de decisão na AIJE nº 0600814-85, de minha relatoria, este Tribunal fixou entendimento, aplicável às AIJES relativas às Eleições 2022, no sentido de que:

 “a estabilização da demanda e a consumação da decadência não impedem que sejam admitidos no processo e considerados no julgamento elementos que se destinem a demonstrar desdobramentos dos fatos originariamente narrados, a gravidade (qualitativa e quantitativa) da conduta que compõe a causa de pedir ou a responsabilidade dos investigados e de pessoas do seu entorno, tais como: a) fatos supervenientes à propositura das ações ou à diplomação dos eleitos, ocorrida em 12/12/2022; b) circunstâncias relevantes ao contexto dos fatos, reveladas em outros procedimentos policiais, investigativos ou jurisdicionais ou, ainda, que sejam de conhecimento público e notório; e c) documentos juntados com base no art. 435 do CPC”.

Conforme se observa, os fatos alegados pela autora, apesar de posteriores ao ajuizamento da demanda, ocorreram entre o primeiro e o segundo turno das eleições.

A juntada do documento é autorizada pelo 435 do Código de Processo Civil, que estabelece que “[é] lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados [...]”. A autora requereu a juntada do documento para comprovar fatos ocorridos após a apresentação da petição inicial, não havendo dúvida quanto à sua tempestividade.

Além disso, considerado que o fato foi suscitado dentro do prazo decadencial, seria em tese possível recebê-lo em aditamento, como causa de pedir autônoma, repetindo-se a citação dos investigados. Ocorre que, na petição, embora a parte autora tenha apontado que a suposta coação a funcionários e fornecedores, por si, constitui abuso de poder econômico, não foi formulado o devido pedido de aditamento, com seus consectários.

Assim, os candidatos investigados têm parcial razão ao apontar o risco de indevida ampliação da demanda, caso se trate o fato novo como causa de pedir autônoma.

Por outro lado, com base nos requerimentos efetivamente formulados pela autora, vê-se que o fato novo é primordialmente suscitado como reforço à narrativa do engajamento de Gilson Lari Trennepohl na campanha dos investigados. Nesse sentido é que foi enfatizada, na petição, a necessidade de deferimento de quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático.

Sob essa ótica, portanto, os fatos novos se amoldam à orientação plenária a respeito da possibilidade de exame como elemento para a aferição do contexto em que se desenvolveram as condutas atribuídas a Gilson Lari Trennepohl em relação à comemoração do Bicentenário.

Diante disso, acolho parcialmente a preliminar, para limitar o conhecimento do fato novo à finalidade de “demonstrar desdobramentos dos fatos originariamente narrados, a gravidade (qualitativa e quantitativa) da conduta que compõe a causa de pedir ou a responsabilidade dos investigados e de pessoas do seu entorno”, inadmitindo, de outro lado, a discussão do fato como causa de pedir autônoma de abuso de poder econômico imputada a Gilson Lari Trennepohl em favor de Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto.

Superadas as preliminares, adentro a fixação das questões de fato e de direito relevantes para o deslinde do feito.

 

5. Delimitação das questões de fato

A estabilização da demanda é regra prevista no art. 329, II, do CPC segundo a qual a causa de pedir e o pedido não podem mais ser modificados após o saneamento, verbis:

Art. 329. O autor poderá:

I - até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu;

II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.

(sem destaques no original)

A aplicação desse instituto no âmbito eleitoral foi consagrada no julgamento das ações contra a chapa Dilma-Temer. Na ocasião, o TSE, por maioria, negou a possibilidade de ampliação do objeto da demanda após o prazo decadencial da propositura da AIJE e da AIME, consignando que “[o]s princípios constitucionais do contraditório exigem a delimitação da causa de pedir, tanto no processo civil comum como no processo eleitoral, para que as partes e também o Julgador tenham pleno conhecimento da lide e do efeito jurídico que deve ser objeto da decisão” (AIJE 1943-58, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. designado Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 12/09/2018).

Por outro lado, cabe pontuar que, mesmo no processo civil, “o objetivo do art. 329, II, foi apenas o de traçar um limite à livre alterabilidade do pedido pelas partes, fora do controle do juiz” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Estabilização da demanda no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 40, n. 244, p. 195–205, jun., 2015, p. 201). Ou seja: há alterações legalmente possíveis, e até imperativas.

Exemplo relevante é o art. 493, do CPC, que prevê que, “[s]e, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”. Decerto, a segurança jurídica propugnada pelo art. 329, II, do CPC não impede a discussão de fatos que tenham relação direta com a causa de pedir já estabilizada. A vedação apenas incide no caso de ser deduzida causa de pedir inteiramente autônoma

Essa, aliás, é a distinção essencial que, no caso da AIJE 1943-58, obstou que a ação fosse ampliada para discutir fatos totalmente diversos daqueles que subsidiavam a propositura da ação e que somente foram veiculados após o decurso do prazo decadencial para a propositura da AIME.

Em síntese, a delimitação das questões de fato visa apresentar os contornos gerais da matéria controvertida sobre a qual recairá a prova. Trata-se de uma definição do tema e dos principais pontos controvertidos, que norteará a instrução e que balizará o exame da pertinência ao objeto da ação. Não decorre dessa medida a blindagem do debate processual contra alegações e documentos que possam influir no julgamento da causa. Com esse norte, analisa-se a controvérsia até aqui delineada.

Na hipótese dos autos, o substrato fático que motivou a propositura da AIJE é composto, em um primeiro nível, por:

a) convocação de apoiadores e simpatizantes dos investigados, pelas redes sociais destes e de outras lideranças, para que comparecessem a eventos oficialmente previstos para celebrar o Bicentenário da Independência, em 07/09/2022;

b) realização dos eventos oficiais em Brasília e no Rio de Janeiro, organizados e custeados pelos Poderes Públicos;

c) comparecimento do primeiro investigado a esses eventos, na condição de Presidente da República, não sendo proferidos discursos no momento em que ocupava a tribuna de honra;

d) realização de atos de campanha, em momento subsequente aos eventos oficiais, em espaço preparado para a realização de comícios, nos quais o primeiro investigado proferiu discurso de caráter eleitoral;

e) cobertura completa da TV Brasil do evento oficial realizado em Brasília, com transmissão ao vivo, inclusive, de entrevista inicial do primeiro investigado, em que abordou realizações de seu governo e discorreu sobre outros temas, e de momento no qual, findo o evento, o primeiro investigado retirou a faixa presidencial e caminhou próximo a apoiadores e se dirigiu ao local do ato político-eleitoral; e

f) utilização de imagens do evento oficial para a divulgação de conteúdo eleitoral nas redes sociais dos investigados.

Esses fatos quedaram incontroversos ao final da fase postulatória. A autora apresentou vídeos contendo trechos do desfile e a íntegra dos discursos proferidos pelo primeiro investigado. Não houve objeção, por parte dos investigados, à autenticidade ou integridade desse material.

Além disso, ao longo da contestação dos candidatos investigados (ID 158085265), a narrativa sobre tais fatos é convergente, sendo admitido, por exemplo, que os investigados identificam uma “maciça participação popular” na comemoração do Bicentenário associada à base política “não puramente eleitoral” do primeiro investigado, que os investigados efetivamente convocaram apoiadores “para que fossem às ruas no 7 de setembro”, que “os atos eleitorais ocorreram com apoio (material, especialmente) de terceiros” que integravam diversos movimentos identificados com as bandeiras do então Presidente da República, e que a viagem ao Rio de Janeiro priorizou atos de campanha realizados após o encerramento das atividades cívico-militares.

A controvérsia fática recaiu, em um segundo nível, sobre:

a) as circunstâncias de envolveram a preparação e a realização dos atos oficiais e de campanha, no que diz respeito a seus aspectos logísticos e financeiros e, em especial, à atuação de órgãos públicos, de movimentos cívicos, dos investigados e de seus apoiadores nessa etapa; e

b) a existência, ou não, de fronteiras suficientes para preservar as características legítimas dos atos oficiais e de campanha, o que envolve analisar, entre outros elementos, o afastamento “físico e temporal” dos eventos, o comportamento dos investigados e de seus apoiadores e a evolução dos fatos ao longo do dia 07/09/2022.

A autora sustenta, quanto a esses pontos, que:

a) a comemoração oficial do Bicentenário, desde sua organização e da convocação da população por meio da propaganda eleitoral dos candidatos investigados, de outdoors instalados no Distrito Federal e das redes sociais, foi usurpada em prol da campanha à reeleição;

b) a participação ativa do Movimento Brasil Verde e Amarelo na organização do Desfile Cívico-Militar, que se deu a partir do deferimento do requerimento por ele formulado, a pedido do primeiro investigado, para inserir um desfile de tratores, evidenciou o desvio de finalidade da comemoração realizada em Brasília;

c) a participação de pessoas alheias ao governo na tribuna de honra do desfile, tais como Luciano Hang e Walter Souza Braga Netto, demonstra a utilização eleitoreira do aparato estatal montado para a realização do evento;

d) o contexto revela tanto a utilização do aparato público em prol da campanha, quanto o abuso de poder econômico decorrente da injeção de recursos privados para convocar as pessoas a comparecerem aos atos em comemoração ao Bicentenário da Independência, incrementar os atos oficiais - com o desfile de tratores - e financiar a locação de trios elétricos nos quais foram realizados os discursos do primeiro investigado, em atos políticos umbilicalmente integrados aos eventos oficiais.

De sua parte, os candidatos investigados defendem que:

a) está demonstrada, pelas estruturas utilizadas e pela cronologia dos eventos, a “clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas, entre os atos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência e as [...] participações políticas em manifestações espontâneas paralelas”;

b) respeitadas essas bordas, o primeiro investigado “migrou, ao longo da jornada diária, fática e juridicamente, da condição de Presidente da República para a condição de candidato à reeleição”;

c) os fatos devem ser compreendidos a partir da primazia da influência pessoal do primeiro investigado na mobilização de uma base de apoio político já cativa, que compareceria a qualquer movimento convocado por aquele, tal como se ilustra pelo ocorrido em 07/09/2021, de modo que a existência do evento oficial, com desfile cívico-militar chega a ser um “indiferente jurídico”;

d) o espaço democrático das ruas, na data comemorativa, poderia ter sido igualmente explorado pelos demais candidatos, o que não foi feito; e

e) a permanência de pessoas na Esplanada para ouvir a fala política do primeiro investigado ocorreu e forma espontânea e as manifestações populares ocorridas em diversas capitais, atendendo ao chamado do então candidato à reeleição, refletem “pleno e sadio exercício da liberdade de expressão de uma parcela considerável da cidadania brasileira”.

As teses defensivas acima expostas, sustentadas pelos componentes da chapa presidencial investigada, coincidem com aquelas trazidas nas ações conexas já julgadas em 31/10/2023, e foram refutadas por decisão tomada por maioria. Em vista disso, conforme adiante se demonstrará, o caso é de promover o julgamento de mérito parcial em relação a esses investigados.

A controvérsia que realmente subsiste nesta AIJE diz respeito à participação direta e pessoal dos demais coinvestigados, na condição de agentes públicos ou apoiadores.

Esses terceiros, apontados como corresponsáveis, em geral não refutaram os fatos constitutivos versados na narrativa da petição inicial, mas suscitaram fatos modificativos ou teses que refutem a ilicitude de suas condutas. Destaca-se das teses defensivas:

a) Fábio Salustino Mesquita de Faria e André de Sousa Costa não negaram que participaram da organização dos atos comemorativos ao Bicentenário da Independência, mas afirmaram que sua atuação se deu nos estritos termos de suas competências e em prol do interesse público;

b) Júlio Augusto Gomes Nunes reconheceu ser líder do Movimento Brasil Verde e Amarelo e admitiu ter organizado o desfile de tratores, negando que o custeio dos outdoors tenha se dado pelo referido movimento;

c) Antônio Galvan reconheceu que participa do Movimento Brasil Verde e Amarelo, que utilizou de suas redes sociais para convocar a população a participar do evento e que compareceu espontaneamente à comemoração pelo Bicentenário da Independência em Brasília e ao ato em apoio ao primeiro investigado, negando apenas ser líder do mencionado movimento;

d) Renato Ribeiro dos Santos, Luiz Walker, Victor Cezar Priori, Jacó Isidoro Rotta, Vanderlei Secco e João Antonio Franciosi confirmaram que contribuíram de alguma forma para a realização do desfile de tratores, divergindo apenas em relação aos valores que teriam despendido;

e) Luciano Hang admitiu ter comparecido à tribuna de honra do Desfile Cívico-Militar ao lado do primeiro investigado, bem como ter acompanhado os discursos proferidos nos trios elétricos, e negou ter financiado de qualquer forma os eventos;

f) Silas Malafaia admitiu ter custeado o trio elétrico no qual o primeiro investigado proferiu o seu discurso, apresentando inclusive a nota fiscal para comprovar os gastos, no importe de R$34.720,00.

A única oposição substancial verificada no feito partiu de Gilson Lari Trennepohl, que negou ter efetuado qualquer gasto para viabilizar a participação de tratores no desfile, bem como ter participado pessoalmente dos eventos.

Em relação ele, tem-se ainda a imputação feita pela Coligação autora, no sentido de que o investigado, após o resultado do primeiro turno, teria divulgado comunicado, na qualidade de administrador da empresa Stara S.A., afirmando que a empresa reduziria seu orçamento em 30% em caso de vitória do candidato Lula, o que acarretaria corte de gastos e provável dispensa de funcionários (ID 158198891).

Os candidatos investigados afirmaram que se tratava de fotografia de má-qualidade que não comprovaria a veracidade ou a autoria do documento. O argumento mostrou-se inócuo ante a admissão pelo próprio Gilson Lari Trennepohl da autoria do comunicado e da autenticidade de seu conteúdo.  Quanto a esse ponto, o investigado negou ter tido a intenção de coagir funcionários ou fornecedores (ID 158388776).

Nos termos do art. 408 do CPC, “as declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário”. Na hipótese, o fato foi expressamente admitido pela parte à qual se imputa autoria do documento. Assim, está consolidada sua admissão ao substrato fático da ação, observados os limites preliminarmente assentados, quando se excluiu a possibilidade de seu exame como causa de pedir autônoma (abuso de poder econômico perpetrado por meio de coação de funcionários e servidores).

Essas, em breve apanhado, as narrativas fáticas em disputa na ação.

 

6. Delimitação das questões de direito

Embora seja de rigor afirmar que o réu se defende dos fatos e não da qualificação jurídica dada a estes, é certo que as particularidades das ações eleitorais exigem que, ao ter início a fase instrutória, tenha-se plena ciência das questões de direito que serão relevantes para o deslinde do feito. Isso porque, em Direito Eleitoral, uma mesma conduta pode ser capitulada sob a ótica de ilícitos diversos, com consequências distintas.

Tais ilícitos possuem elementos típicos próprios que influem na iniciativa probatória das partes. Por exemplo, o que é suficiente para demonstrar que foi realizada propaganda irregular, punível com multa mediana, pode não bastar para a condenação por conduta vedada ou por uso indevido de meios de comunicação. Do mesmo modo, e com especial interesse para a AIJE, cada modalidade abusiva possui características próprias, que devem ser levadas em conta ao longo da instrução.

No caso vertente, as teses jurídicas deduzidas pela autora encontram-se bem delimitadas.

Imputa-se aos candidatos investigados nesta demanda a prática de abuso de poder político e econômico e o uso indevido dos meios de comunicação, ante o alegado desvio de finalidade dos eventos comemorativos do Bicentenário da Independência – e de toda o aparato estatal utilizado para viabilizá-los –, que, em razão do sequenciamento de atos e da apropriação simbólica, teriam conferido aos atos eleitorais subsequentes relevância que isoladamente não teriam.

Além disso, imputa-se agentes públicos e apoiadores contribuição relevante para a consecução dos objetivos visados pelos candidatos. Essa atuação teria ocorrido por meio do uso dos cargos de Ministro das Comunicações e de Secretário Especial de Comunicação, pelo custeio de outdoors e de trios elétricos instalados em pontos decisivos para o sequenciamento entre atos oficiais e eleitorais, pela organização e financiamento do desfile de tratores na celebração oficial e pela interlocução do Movimento Brasil Verde e Amarelo com órgãos públicos, notadamente o Ministério da Defesa, o Ministério das Comunicações e o Governo do Distrito Federal.

Importante destacar que a autora, ao narrar as condutas de cada um dos demais investigados, faz uma clara distinção em relação à conduta abusiva para a qual teriam concorrido, imputado:

a) aos investigados Walter Souza Braga Netto e Antônio Hamilton Mourão participação no abuso de poder político e econômico, agravado pelo benefício eleitoral que auferiram, como candidatos, com os eventos;

b) aos investigados Fábio Farias, André de Sousa Costa, participação no abuso de poder político, em razão de sua atuação na organização do Desfile Cívico-Militar em Brasília e da convocação de servidoras e servidores e familiares para inflar o público na celebração oficial;

c) ao investigado Luciano Hang, participação no abuso de poder político e conivência com o abuso de poder econômico, em razão de sua participação nos eventos oficiais, à margem de qualquer cargo ocupado no governo, e nos comícios que se seguiram;

d) ao investigado Silas Lima Malafaia, participação no abuso de poder político, em virtude do discurso proferido em Brasília, e no abuso de poder econômico, em razão do custeio do trio elétrico utilizado para o comício no Rio de Janeiro;

e) aos investigados Antônio Galvan e Julio Augusto Gomes Nunes, participação no abuso de poder político e econômico, em razão da atuação do Movimento Brasil Verde e Amarelo junto a órgãos governamentais, com indícios de favorecimento irregular, bem como dos gastos despendidos pelo movimento com o trio elétrico utilizado para o comício em Brasília; e

f) aos investigados Antônio Galvan, Julio Augusto Gomes Nunes, João Antônio Franciosi, Gilson Lari Trennepohl, Vanderlei Secco, Victor Cezar Priori, Renato Ribeiro dos Santos, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Marcos Koury Barreto, participação no abuso de poder econômico, em razão dos gastos realizados para viabilizar a participação dos tratores no Desfile Cívico-Militar em Brasília.

Ao refutar a configuração dos ilícitos em comento, os candidatos investigados, além de se oporem à ocorrência do desvio de finalidade – por entender que houve exitosa separação fática e jurídica entre os eventos oficiais e os atos de campanha –, afirmam que os fatos não são graves o suficiente para afetar os bens jurídicos tutelados pela AIJE. 

Primeiro, por entenderem que não é reprovável o uso feito pelo primeiro investigado do poder político que amealhou como liderança de bandeiras específicas. Segundo afirmam, este é o fator central do forte engajamento popular verificado em 07/09/2022, a exemplo do que já ocorrera no ano anterior, sendo irrelevante, do ponto de vista eleitoral, a celebração cívica organizada pelo Poder Público.

Segundo, porque foram episódicos os momentos em que a TV Brasil, “de baixa audiência”, transmitiu a entrevista em que “o primeiro investigado teria se exaltado em suas declarações” e a caminhada feita sem a faixa presidencial ao final da cerimônia oficial.

Terceiro, porque a decisão liminar proferida nos autos e seu cumprimento imediato e em “extensão superior” ao determinado teriam impedido que o material audiovisual produzido no dia 7 de setembro fosse usado na propaganda, mantendo a repercussão das manifestações dentro do “raio de influência política natural dos Investigados”.

Os demais investigados, em linhas gerais, negam que sua atuação pontual tenha tido influência ou gravidade suficiente para configurar as condutas abusivas que lhes são imputadas.

Assim, a robustez das fronteiras entre os eventos oficiais e os atos de campanha, a extensão da participação de cada um dos investigados e a gravidade da conduta, sob o ângulo qualitativo (grau de reprovabilidade) e quantitativo (repercussão no contexto do pleito específico) são pontos controvertidos cuja análise deverá ser balizada pelos elementos probatórios coligidos aos autos.

 

7. Julgamento antecipado parcial do mérito em relação aos candidatos investigados

O julgamento parcial antecipado de mérito é cabível “quando um ou mais pedidos formulados ou parcela deles [...] estiver em condição de imediato julgamento”, o que ocorre quando “não houver necessidade de produção de outras provas” (art. 356, II, c/c art. 355, I, do CPC).

No caso dos autos, constata-se ser esta a situação em relação aos componentes da chapa presidencial investigada, Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto. Isso porque o saneamento ora realizado demonstra que, quanto a eles, não subsiste controvérsia diferente daquela já equacionada no julgamento das AIJEs nº 0600972-43 e 0600986-27, que concluiu com a procedência dos pedidos e declaração de inelegibilidade de ambos os candidatos.

Também não remanesceram requerimentos de prova por eles formulados, já que houve antecipação da prova e decisões de indeferimento pontual. O teor dessas decisões, proferidas em todas as ações conexas, foi corroborado à unanimidade pela Corte, no julgamento de 31/10/2023.

Conforme destaquei naquele julgamento, todas a controvérsia em torno das condutas e da responsabilidade dos candidatos investigados estava madura para julgamento, com base nas provas produzidas, o que não afetaria o posterior prosseguimento da AIJE nº 0601002-78 em atenção a seu objeto mais amplo:

“[...] a conexão autoriza que sejam praticados atos instrutórios comuns a todas as ações, naquilo que for pertinente a todos os feitos. [...] de outro lado, não era preciso recear que a instrução da AIJE mais ampla fosse concluída precocemente, pois, claro, ela deveria prosseguir para dar conta de seu objeto

O motivo muito simples pelo qual a AIJE 0601002-78 prossegue é que nela há imputações feitas contra 15 investigados apontados como corresponsáveis por abuso de poder. A situação pessoal desses supostos colaboradores em nada interfere na apuração dos fatos postos nos limites das três ações em julgamento.

Salientei, ainda, que essa metodologia não acarretou qualquer prejuízo para os candidatos, que exerceram a ampla defesa em sua plenitude:

“[...] a interpretação sustentada pela defesa, que dá um caráter absoluto e irredutível à aplicação do art. 96-B da Lei das Eleições, é tese vencida. Tanto o TSE quanto o STF, este em controle concentrado, já se pronunciaram no sentido de que é sempre cabível analisar a conveniência de se praticar atos comuns.

Foi o que se observou nas ações conexas relativas ao Bicentenário da Independência. Tudo transcorreu de forma organizada, com respeito à iniciativa probatória das partes e à garantia de participação nos atos processuais. Três das quatro ações conexas mostraram-se maduras para julgamento, seguiram para alegações finais e parecer, e agora estão em pauta.

Os investigados não conseguiram descrever qualquer prejuízo decorrente da metodologia adotada. A rígida “tramitação unificada” que propõem teria como único efeito prático postergar o julgamento das três ações incluídas em pauta. Em última análise, os investigados se beneficiariam do fato de ter havido uma ação de maior amplitude, o que contraria a finalidade da legitimidade concorrente, que é melhor proteger os bens jurídicos.

Os dispositivos legais que tratam da conexão não impõem a forma pela forma. Tampouco podem levar ao resultado, ilógico, de fazer com que ações já plenamente instruídas e aptas para julgamento, à luz da controvérsia nelas posta, fiquem paralisadas.

Na mesma linha de raciocínio, não há motivo para manter pendente a decisão a respeito das condutas dos investigados nesta AIJE, uma vez que, por maioria, já foram condenados pela prática de condutas idênticas. Agora, é dever de coerência aplicar solução uniforme nas situações em que idênticos pontos controvertidos venham a ser resolvidos à luz de provas idênticas (julgamento secundum eventum probationis).

Desse modo, reporto-me aos fundamentos do voto condutor que proferi no julgamento concluído em 31/10/2023, e que ora reproduzo, em sua versão mais sintética.

No que diz respeito às premissas de julgamento, faço três destaques da jurisprudência:

Primeiro: no Recurso Especial Eleitoral nº 325-03 (Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 28/11/2019), o TSE concluiu pela prática de abuso de poder econômico por meio de showmício, disfarçado de festa de aniversário, cassou diplomas dos eleitos e declarou o prefeito inelegível. O abuso se evidenciou por elementos como o porte do evento, o sequenciamento entre uma carreata e a festa, a execução de jingles, o engajamento pessoal do candidato para viabilizar a festa e, depois, cumprimentando os presentes, a repetição de número alusivo ao partido político, supostamente em função do nome da banda, por fim, a divulgação do evento nas redes sociais como de caráter eleitoral. Outros quatro eventos assemelhados foram também reconhecidos como atos de campanha ilícitos, destacando-se, em relação a eles, a atração de multidões para festividades que mascararam a mobilização eleitoral.

Segundo: Na recém julgada AIJE nº 0600814-85 (minha Relatoria, DJE de 01/08/2023), este Tribunal acolheu entendimento no sentido de que o desvio de finalidade eleitoreiro de bens, serviços e prerrogativas da Presidência da República, para fins de configuração do abuso de poder político, não depende da comprovação de emprego de recursos patrimoniais elevados. A exploração eleitoral de símbolos do Poder Público afeta bens impassíveis de serem estimados financeiramente e transmite sentidos perceptíveis pelo eleitorado que podem redundar em quebra de isonomia.

Terceiro: na sessão de 17/10/2023,  firmou-se relevante orientação no julgamento da AIJE nº 0601212-32 (minha Relatoria), firme na premissa de que agentes públicos não podem explorar, em benefício de suas campanhas, bens públicos de caráter simbólico a que têm acesso em função do cargo.

Quanto à possibilidade de responsabilização dos investigados, saliento que agentes públicos, candidatas e candidatos assumem um dever de zelo em um patamar mais elevado que o de outras pessoas. Sendo assim:

a) os bens jurídicos eleitorais são uma síntese de expectativas coletivas a respeito do comportamento de candidatas e candidatos. Essas pessoas, ao se habilitarem para concorrer às eleições, sujeitam-se a ter suas condutas rigorosamente avaliadas com base em padrões democráticos, calcados na isonomia, na normalidade eleitoral, no respeito à legitimidade dos resultados e na liberdade do voto;

b) a inelegibilidade tem caráter personalíssimo, somente se impondo a quem, por ação ou omissão, tenha contribuído para o intento ilícito;

c)  no que diz respeito às condutas vedadas, o art. 73, § 8º da Lei da Eleições traz regra expressa que sujeita candidatas e candidatos beneficiários à penalização com multa, mesmo sem atuação direta (Leia-se: “aplicam-se as sanções do § 4º [multa de 5 a 100 mil UFIR) aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem”);

d) assim, pode-se inferir das circunstâncias em que a conduta vedada é praticada que a candidata ou candidato beneficiário estava ciente e foi, ao menos, conivente com os desvios praticados. Essa conclusão somente poderia ser afastada em situação excepcional, em que demonstrado o absoluto alheamento das pessoas beneficiárias em relação à conduta vedada.

Em síntese, no atual estágio de compreensão da matéria, é possível afirmar que:

a) o desvio de finalidade eleitoreiro de comemorações festivas, envolvendo bens públicos materiais e imateriais, inclusive de valor simbólico, serviços públicos e prerrogativas decorrentes do exercício do cargo, dentre as quais o acesso a locais específicos, pode caracterizar conduta vedada pelo art. 73, I e III da Lei nº 9.504/1997;

b) a depender do vulto dos bens simbólicos ou dos valores investidos ou estimados, em cotejo com a reprovabilidade da conduta e a magnitude do pleito, esse desvio pode configurar abuso de poder político ou econômico;

c) configurada a conduta vedada, aplica-se a multa aos agentes públicos responsáveis e às candidatas e aos candidatos beneficiários, salvo se circunstâncias específicas demonstrarem seu absoluto alheamento em relação ao desvio de finalidade praticado;

d) para a aplicação da inelegibilidade, exige-se a demonstração de conduta pessoal e relevante para a consecução da prática abusiva, devendo-se observar que:

d.1) no caso do abuso de poder político, a identificação do agente público responsável observa a parcela de poder detida e que foi empregada em desvio de finalidade;

d.2) no caso do abuso de poder econômico, a pulverização da origem de recursos não exclui a responsabilidade individual se da acumulação de condutas similares decorrer contribuição relevante para a consecução do ilícito.

Passando ao exame dos fatos, começo por resumir o roteiro do primeiro investigado, então Presidente da República e candidato à reeleição, no dia 07/09/2022:

a) logo pela manhã, em Brasília, concedeu entrevista para a TV Brasil, no Palácio da Alvorada, trajando a faixa presidencial;

b) deslocou-se em carro aberto para a comemoração do Bicentenário da Independência, na Esplanada dos Ministérios;

c) ao descer do veículo, em curto trajeto a pé até a tribuna de honra do evento, trajando a faixa presidencial, cumprimentou o público no percurso;

d) acompanhou o desfile cívico-militar da tribuna de honra, juntamente com autoridades e outros convidados, como o empresário Luciano Hang, e pôde assistir, ao final, à passagem do cortejo de tratores com bandeiras representativas das unidades da federação;

e) desceu da tribuna de honra e, havendo removido a faixa presidencial, caminhou a pé até trio elétrico, custeado pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo, instalado na Alameda das Bandeiras (que é uma das vias transversais da Esplanada dos Ministérios);

f)  realizou comício eleitoral, no trio elétrico, ao lado de diversas figuras políticas e convidados;

g) deslocou-se para o Rio de Janeiro/RJ, em avião da FAB, com convidados;

h) no Rio de Janeiro, deslocou-se em carro aberto, da base aérea até o Aterro do Flamengo;

i) participou de motociata de campanha, do Aterro do Flamengo até o final da praia de Copacabana, chegando a local próximo ao Forte, onde estava montada estrutura oficial para atos oficiais;

j) acompanhou, da tribuna de honra, atos de exibição militar, em comemoração ao Bicentenário da Independência, a saber: salto de paraquedistas, salva de tiros, manobras de aviões da FAB;

k) desceu da tribuna e caminhou a pé para trio elétrico, custeado por Silas Malafaia e instalado na Avenida Atlântica, entre as Ruas Francisco Sá e Sousa Lima;

l) realizou comício eleitoral, no trio elétrico, ao lado de figuras políticas.

Importante assinalar que o segundo investigado, candidato a Vice-Presidente, acompanhou o cabeça de chapa ao longo do dia, sendo possível afirmar, com segurança, que esteve presente ao menos aos dois desfiles cívico-militares e aos dois comícios.

Diante desses fatos, a parte autora sustenta haver um sequenciamento que levou à mescla entre atos de campanha e eventos oficiais, fazendo com que todo o aparato público envolvido, incluindo bens móveis, imóveis e simbólicos, além de servidores da Administração Pública Federal e do Estado do Rio de Janeiro, viesse a ser usado em benefício da campanha dos investigados.

Os investigados conferem outros contornos aos fatos. Embora reconheçam, em linhas gerais, a sucessão de atos, defendem que houve “clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas” que impediram a indevida mescla entre os atos oficiais e eleitorais. Dizem, ainda, que o segundo investigado participou dos atos oficiais por sua condição de general.

A controvérsia fática a ser dirimida, conforme já se reiterou nesta decisão, recaiu sobre:

a) as circunstâncias de envolveram a preparação e a realização dos atos oficiais e de campanha, no que diz respeito a seus aspectos logísticos e financeiros e, em especial, à atuação de órgãos públicos, de movimentos cívicos, dos investigados e de seus apoiadores nessa etapa; e

b) a existência, ou não, de fronteiras suficientes para preservar as características legítimas dos atos oficiais e de campanha, o que envolve analisar, entre outros elementos, o afastamento “físico e temporal” dos eventos, o comportamento dos investigados e de seus apoiadores e a evolução dos fatos ao longo do dia 07/09/2022.

Os autos reuniram farto material probatório, composto por registros documentais dos fatos públicos e notórios (especialmente vídeos extraídos de matérias jornalísticas que não tiveram autenticidade contestada); documentos públicos e prova testemunhal.

Saliento que as informações extraídas da cobertura da imprensa, que não são opiniões, foram corroboradas por vídeos e imagens.

Cito, por exemplo a cobertura integral da TV Brasil do evento oficial em Brasília e a transmissão de emissora privada que permitiu visualizar o local em que estavam reunidos os apoiadores dos investigados, em Copacabana, para o comício eleitoral, e o Forte de Copacabana, em que ocorreria o ato oficial com a participação do então Presidente da República.

Há também vídeos contendo entrevista e falas públicas do primeiro investigado em convenções eleitorais a respeito de seus planos para o dia 07/09/2022.

Esse tipo de material não se relaciona a “sigilo das fontes” e tampouco consiste em “notícia anônima”, sendo, antes, a evidência de fatos públicos, de ampla notoriedade, e assim foram considerados. Trata-se de importante suporte para a compreensão de elementos que envolveram a dinâmica dos eventos – naquilo, evidentemente, que tenha sido registrado em documento ou que seja corroborado por outros elementos.

A prova, efetivamente, jogou luzes sobre diversos pontos relevantes.

Vejamos.

 

7.1  Mobilização eleitoral para comparecimento aos eventos de 07/09/2022

A contextualização dos fatos reputados ilícitos antecede aos eventos de 07/09/2022. Ficou demonstrado que:

a)  na convenção eleitoral do Partido Liberal - Nacional, realizada em 24/07/2022, o primeiro investigado, logo que anunciado candidato à reeleição, fez forte apelo à militância para ir às ruas no dia 7/09/2022. O evento contou com amplo espaço no noticiário da Jovem Pan, que transmitiu o trecho em que se vê o apelo emocional da referência ao “7 de setembro” como verdadeiro “agora ou nunca” na luta por uma liberdade que, no discurso do primeiro investigado, estaria ameaçada pelo Poder Judiciário:

“Nós somos a maioria. Nós somos do bem. Nós temos disposição para lutar por nossa liberdade e pela nossa pátria. Convoco todos vocês agora, para que todo mundo, no 7 de setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez. [...] Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo.”

b) na convenção eleitoral do Republicanos - SP, realizada em 30/07/2022, o ex-Presidente da República anunciou sua decisão de levar o desfile militar do Bicentenário para a Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. O feito foi anunciado como algo inédito, e de grande importância, capaz de reunir as Forças Armadas, as forças auxiliares e a presença popular em uma demonstração de que o povo exige “paz, democracia, transparência e liberdade”, jargões que se tornaram notórios ao longo da campanha, especialmente associado à contestação à higidez das urnas eletrônicas. Disse o primeiro investigado:

 “Mas nós queremos inovar no Rio de Janeiro. Às 16 horas do dia 07 de setembro, pela primeira vez, as nossas Forças Armadas e as nossas irmãs, forças auxiliares, estarão desfilando na Praia de Copacabana ao lado do nosso povo. [...] Vamos mostrar que o nosso povo, mais do que querer, tem o direito e exige paz, democracia, transparência e liberdade. Muito obrigado a todos vocês. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!

c) candidatos a cargos proporcionais utilizaram-se dos vídeos das convenções para divulgar suas candidaturas nas redes sociais, com mensagem de que “o capitão convocou” as bases para atos patrióticos.  Motes eleitorais, pautas ideológicas e a data cívica da Independência foram conectadas com desenvoltura, inclusive em reforço à convocação para o comparecimento no Rio de Janeiro;

d)  por fim, em inserção de propaganda em televisão feita sob responsabilidade da chapa investigada, veiculada em 06/09/2022, o ex-Presidente da República, candidato à reeleição, abertamente explorou, com finalidade eleitoral, a referência aos eventos de comemoração do Bicentenário da Independência. Na vinheta, o primeiro investigado diz “Neste 7 de setembro eu convido as famílias brasileiras a irem às ruas para comemorar os 200 anos da nossa Independência”. Apoiadores aparecem com mensagens de incentivo (“Com certeza nós estaremos lá!”, “Tamo junto!”, “Vem com a gente!”). O candidato então anuncia sua agenda em Brasília e no Rio de Janeiro, aparecendo na tela os horários dos atos oficiais marcados nas cidades (Brasília, 8h30, e em Copacabana, 15h00). E conclui: “Compareça! A festa é nossa, é do nosso Brasil, é da nossa bandeira verde e amarela.”

 

Diante das evidências, a defesa não nega que o então Presidente da República, candidato à reeleição, atuou de forma intensa para mobilizar seguidores e simpatizantes a comparecerem ao evento. Chega a ser admitido na contestação, por exemplo, que os investigados identificam uma “maciça participação popular” na comemoração do Bicentenário como resultante do prestígio do primeiro investigado e de uma base política “não puramente eleitoral” formada ao longo de seu governo (p. 15).

Não se sustenta, contudo, a sugestão de que seria possível separar o capital político e a disputa eleitoral em curso. A questão não está em identificar a origem do poder de mobilização da militância pelo primeiro investigado, mas, sim, em se analisar se esse poder foi exercido de acordo com a legislação eleitoral, que impõe restrições a agentes públicos.

Nesse sentido, o que se viu nas manifestações feitas desde as convenções partidárias, em julho de 2022, e na propaganda eleitoral veiculada em 06/09/2022 foi a inequívoca difusão de mensagem associando a comemoração do Bicentenário, e todo seu simbolismo, à campanha dos investigados.

 A prova dos autos demonstra que essa mobilização não envolveu exclusivamente atos de campanha. Houve nítida referência aos atos oficiais, com destaque para a participação das Forças Armadas.

O primeiro investigado apresentou o Bicentenário da Independência, em eventos eleitorais, como uma festa da “maioria”, das “pessoas de bem” – grupo que em sua visão corresponderia somente a seus apoiadores. A reiterada utilização de pronomes possessivos (“nossa Independência”, “nossa pátria”, “nossa liberdade”) se fez acompanhar da instigação a um combate decisivo contra ameaças imaginárias (“a luta do bem contra o mal”, “vamos às ruas pela última vez”). O Chefe de Estado, fazendo as vezes de candidato, ou vice-versa, não deixou qualquer espaço para que o pluralismo político coubesse na comemoração cívica.

 O objetivo não precisou ser explicitamente anunciado, já que foi comunicado por símbolos potentes: patriotismo, demonstração ostensiva de poder militar e defesa da liberdade.

A militância convocada para a celebração do Bicentenário da Independência, no curso do período eleitoral, recebeu como derradeira missão mostrar a força da candidatura dos investigados, em uma luta do bem contra o mal – “às ruas, pela última vez”.

No que diz respeito ao segundo investigado, é certo que ele não apareceu na inserção de propaganda ou se fez notar nas convenções eleitorais nos momentos em análise. Não se tem dúvida que o primeiro investigado, além de então Presidente da República e “comandante supremo das Forças Armadas”, exercia o papel de liderança carismática da chapa.

Porém, como candidato, o segundo investigado também era responsável pela regularidade do material de propaganda exibido nas inserções eleitorais, não sendo possível considerar que tudo se passasse sem sua plena conivência com a associação entre a candidatura da chapa e a comemoração oficial do Bicentenário da Independência.

 

7.2 Atos em Brasília/DF

Passando ao exame da íntegra da transmissão das comemorações do Bicentenário da Independência pela TV Brasil, com duração de 3 horas, 48 minutos e 50 segundos, cumpre destacar os momentos relevantes para se pela produção de dividendos eleitorais para a candidatura dos investigados:

a) foram divulgados 2 minutos e 30 segundos de imagens do ex-Presidente em conversas com interlocutores, narradas pelo repórter que aguardava para entrevistá-lo e que salienta a presença dos filhos do primeiro investigado no local e de muitas pessoas querendo tirar fotos com o mandatário

b) segue-se a entrevista, com aproximadamente 3 minutos e meio, que naturalmente se justificaria pela condição de Chefe de Estado do entrevistado, e que foi guiada por perguntas que buscavam estimular comentários sobre a data cívica. Ocorre que o primeiro investigado se aproveita das perguntas para, assumindo papel de candidato em campanha pela reeleição, tecer comentários à sua trajetória, exaltar atos e projetos de seu governo, abordar pautas, associar o início de seu mandato ao ressurgimento do “patriotismo” e realizar referência indireta e inequívoca ao pleito próximo ao dizer que “o que está em jogo é a nossa liberdade, é o nosso futuro” e que “o Brasil é nosso, nós sabemos o que queremos”;

c) nesses dois momentos – imagens de viés promocional e entrevista – o primeiro investigado está em área do Palácio do Alvorada, que somente acessa em função do cargo, e usa a faixa presidencial;

d) é patente que o teor da entrevista se desviou do enfoque institucional e cívico, devendo-se notar que a convocação para as pessoas irem para as ruas “de verde e amarelo” não pode ser dissociada do empenho do candidato, em sua propaganda eleitoral, em fazer o mesmo tipo de convite quando se dirigia ao eleitorado;

e) o ex-Presidente deslocou-se para a Esplanada dos Ministérios em carro aberto e postura típica de Chefe de Estado. Porém, chegando ao local da solenidade, em lugar de se dirigir para a tribuna de honra, primeiramente dirigiu-se para próximo ao público, para cumprimentar apoiadores entusiasmados. Testemunhas de defesa acreditam que o primeiro investigado assim se portou porque estar com o povo é algo que “gosta” de fazer.

f) já na  tribuna de honra, é possível ver, em close, que o empresário Luciano Hang, pessoa de forte identificação eleitoral com o primeiro investigado e nenhuma vinculação ao Estado, acompanhou o desfile próximo ao primeiro investigado, em local de precedência em relação a autoridades;

g) o desfile cívico-militar foi encerrado com um inédito desfile de tratores, com bandeiras representativas das unidades da federação, conduzidos por apoiadores do candidato à reeleição ligados ao agronegócio. Apurar esse fato não é um “invulgar interesse” do juízo, como foi dito da tribuna, mas imperativo legal em ações em que se discute desvio de finalidade do evento público, sendo certo que a faculdade de protestar contra perguntas feitas em audiência precluiu naquela oportunidade;

h) restou comprovado que os tratores foram autorizados a participar do evento porque o Ministério da Defesa atendeu a uma singelíssima solicitação do Movimento Brasil Verde, feita em 18/08/2022. No pedido, o movimento diz que é “patriótico em sua essência” e que “contribuir para a comemoração dos 200 anos de Independência”. O pleito foi atendido, merecendo destaque no folder do evento e nos comentários da TV Brasil, com referência ao agronegócio, tema que não tem vínculo com a Independência do Brasil, mas, sim, com a campanha dos investigados;

i) anunciado o encerramento do desfile cívico-militar, as câmeras da emissora governamental passam a enfocar o primeiro investigado, depois de descer da tribuna de honra e sem a faixa presidencial. Ele transita próximo à população, rumo ao palanque em que iria realizar seu comício, sendo aclamado. Uma das apresentadoras aparenta estar desconcertada com o inusitado close, sem saber como narrar as imagens. Outro apresentador tenta remediar a situação dizendo que o ex-Presidente estava se dirigindo para a Base Aérea, a fim de deslocar-se para o Rio de Janeiro – o que não corresponde aos fatos notoriamente sabidos;

j) quando a transmissão retorna para o estúdio, um dos militares convidados para comentar o evento finaliza sua fala com a mensagem “espero [...] que possamos decidir que tipo de nação queremos para o futuro”;

k) quanto ao alcance da cobertura da TV Brasil, além de não se poder acolher o empenho da defesa em mitigar a importância da emissora pública em função de alegada “baixa audiência”, fato é que o vídeo disponibilizado no canal de youtube da TV Brasil  que conta hoje com quase 400.000 visualizações;

l) foi também Movimento Brasil Verde e Amarelo que logrou autorização para instalar o trio elétrico na área de segurança da Esplanada dos Ministérios. A solicitação foi dirigida ao Governo do Distrito Federal, em 19/08/2022, em termos que deixam explícita a confusão entre a campanha eleitoral dos investigados e a comemoração oficial do Bicentenário, chegando-se ao ponto de informar que o objetivo era “viabilizar a participação do Exmo. Sr. Presidente da República neste ano comemorativo pelos 200 anos da independência do Brasil;

m) foi possível apurar que o trio elétrico foi instalado a distância de aproximadamente 350 metros entre o palanque do desfile oficial (fato notório corroborado pelo Governador Ibaneis Rocha, ao depor em juízo). Reproduzo aqui imagem que estima o percurso feito a pé:

n) a montagem da estrutura para a realização do Desfile Cívico-Militar em Brasília teve um custo final de R$ 4.073.804,17, após celebração de aditivo contratual em 29/08/2022, justificado pela necessidade de atender às 40 caravanas que sabidamente se deslocariam para Brasília;

o) além dos gastos com a montagem da estrutura, o Ministério da Defesa informou que “foi disponibilizado aos Comandos da Marinha, Exército e Aeronáutica, por meio do desbloqueio de dotações orçamentárias, o montante total de R$ 8.495.463,00 para o atendimento de despesas com a participação das Forças Armadas nos eventos, valor que é quase o dobro do disponibilizado em 2019.

 

7.3 Atos no Rio de Janeiro/RJ

O Bicentenário da Independência foi celebrado, no Rio de Janeiro, com variada programação oficial, sendo que toda a parte militar do evento, que tradicionalmente ocorre na Avenida Presidente Vargas, no centro da cidade, foi deslocada para a Orla de Copacabana.

Restou cabalmente comprovado que a mudança de local foi determinada pelo Ministério da Defesa e atendeu aos interesses diretos do ex-Presidente da República. Este, conforme visto, já havia anunciado em atos eleitorais o inédito desfile em Copacabana e seu desejo de fazer da data do Bicentenário da Independência um grande momento de mobilização de suas bases e de congraçamento com as Forças Armadas.

É fato notório que a orla de Copacabana se tornou, desde as Eleições 2018, local de concentração dos apoiadores do primeiro investigado. Juntando esse fator ao patriotismo militarizado que o candidato estimulou desde então, não há como negar a relevância simbólica de levar a parada militar para ponto de encontro de sua militância.

A mudança, portanto, era repleta de significado. Isso explica a frustação do primeiro investigado em deslocar o desfile terrestre e, após impedimento judicial por provocação do Ministério Público, a decisão de cancelar o desfile no centro da cidade e realizar em Copacabana diversas outras demonstrações de poderio militar.

Assim, em entrevista concedida à Jovem Pan em 03/10/2022, o ex-Presidente anunciou: “no Rio de Janeiro, resolvemos fazer um movimento cívico-militar na praia de Copacabana e isso é o que tá incomodando essas pessoas que preferem o outro no meu lugar”. E, em seguida, passou a descrever os diversos atos que compensariam a não realização da parada terrestre.

Foram abordados no contexto da grande celebração, de forma indistinta, atos oficiais e eleitorais: “palanque lá em Copacabana”; “grande concentração de motocicletas”, “desfile dos nossos navios na praia”, “salto de paraquedas, a banda marcial do Corpo de Fuzileiros Naval, tiros de artilharia”.

O Governo do Rio de Janeiro e a Prefeitura da capital foram comunicados do cancelamento do desfile no centro da cidade e da realização do ato em Copacabana pelo Comando Militar do Leste, do Exército. Os ofícios são datados de 25 e 26/08/2022, e estão classificados como “urgentíssimo”.

Note-se o contraste desse procedimento com as informações prestadas pelo Governador Cláudio Castro, segundo o qual as tratativas para a realização de eventos similares ocorrem usualmente com 30 a 60 dias de antecedência. Farta documentação demonstra a adoção das muitas providências adotadas por órgãos públicos para atender à determinação de última hora, inclusive termo para realização de despesas com fundamento em “contratação direta emergencial”.

Cabe ainda mencionar que a mudança comunicada pelo Comando Militar do Leste levou o evento para longe de sua sede – o Palácio Duque de Caxias, na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio de Janeiro. Não há outra conclusão possível: a tradição do local desfile, que se firmou em razão da proximidade com a sede do Comando Militar, foi solapada por determinação casuística, destinada a atender à promessa feita pelo primeiro investigado nas convenções eleitorais do final de julho.

Feita a troca, franqueou-se ao primeiro investigado concatenar a apertada agenda, permitindo-lhe intercalar compromissos oficiais e de campanha no bairro de sua preferência. Da análise da prova, restou evidenciado que:

a) o primeiro investigado chegou na base aérea por volta de 14h00, sendo recepcionado pelo Governador do Estado;

b) o primeiro investigado seguiu em carro aberto para o Aterro do Flamengo, onde os participantes da motociata aguardavam desde as 11h00, com apoio da Polícia Militar;

c) a motociata partiu do Monumento dos Pracinhas, seguiu pela Avenida das Nações Unidas e outras vias até chegar à Avenida Atlântica, na esquina com a Rua Joaquim Nabuco;

d) a tribuna do evento oficial estava instalada próxima ao Forte de Copacabana (Avenida Atlântica com a Rua Rainha Elizabeth), notando-se, nos atos militares, as seguintes peculiaridades:

d.1) de 13h00 às 15h00, horário em que o primeiro investigado chegava à cidade e participava da motociata, estavam em curso atos oficiais de menor visibilidade, que eram apresentações de bandas militares;

d.2) entre 15h00 e 16h00, período em que o primeiro investigado estava presente no evento militar, foram realizados atos oficiais de grande visibilidade, que puderam ser assistidos de qualquer ponto da orla de Copabacana, a essa altura tomada pelos apoiadores dos investigados:  salto de paraquedistas; salva de tiros do Forte de Copacabana e espetáculo aéreo de aviões da FAB – conjunto de atividades que o Governador do Estado do Rio de Janeiro, ouvido em juízo, descreveu como “peripécias” de caráter “militar-artístico”;

d.3) no período, a tribuna da solenidade foi ocupada por uma miscelânea de perfis: o primeiro investigado estava trajando as mesmas vestes informais próprias à motociata, sem faixa presidencial, enquanto três autoridades militares formalmente trajadas se postavam impávidas em meio à intensa e animada movimentação de mais de uma dezena de pessoas em trajes informais, entre as quais o candidato a Senador, Daniel Silveira, que cumprimentava simpatizantes que estavam na pista;

e) encerrado o ato, o ex-Presidente caminhou a pé, em meio à multidão, para o trio elétrico que estava instalado a aproximadamente 300 metros do local do palanque oficial, na mesma Avenida Atlântica, entre as Ruas Francisco Sá e Sousa Lima – percurso que, diante do número de pessoas, se transformou, nas palavras do Governador do Rio de Janeiro, em uma “confusão enorme”;

f) subindo ao palanque, o primeiro investigado realizou comício de campanha, sendo que, ainda nesse momento, é possível ver aviões da FAB cruzando o céu e soltando fumaça nas cores da bandeira do Brasil.

Aqui também inseri um mapa com o trajeto percorrido entre o palanque oficial e o trio elétrico, indicando a distância aproximada de 350m:

 

No dia dos acontecimentos, o percurso se mostrava inteiramente preenchido por apoiadores dos investigados, de modo que, ao descer do palanque oficial, já tinha início a grande massa humana em meio à qual caminhou o primeiro investigado, rumo ao local do comício. Juntei no voto, também, imagens que falam por si (os prints foram extraídos de link da transmissão feita por emissora, inserido na petição inicial):

1. Visão panorâmica da praia de Copacabana em 07/09/2022:

2. Área do palanque oficial:

3. Jair Bolsonaro cumprimenta o público próximo ao palanque oficial:

4. Contiguidade entre a área do palanque oficial e a concentração de apoiadores:

O sequenciamento de atos também ficou bem demarcado no depoimento do Governador Cláudio Castro, ouvido em juízo. A autoridade relatou que soube do comício enquanto descia do palanque oficial. A testemunha relata, então, que, juntamente com outras pessoas que estavam na solenidade – o que foi também descrito por Daniel Silveira, que integrava o grupo – seguiu o primeiro investigado para o ato eleitoral, caminhando em meio à multidão.

Os fatos se sucederam de imediato, sendo o primeiro investigado logo cercado pela multidão de apoiadores, ao ponto de não mais ser visto pelo Governador do Estado, que não seguiu caminhando próximo a ele.

É certo que, ao ser solicitado pelo advogado da defesa que fizesse uma “avaliação” dos fatos, e até mesmo que confirmasse se “é possível afirmar categoricamente que não houve a contaminação desses eventos cívico-militares por atos de campanha de quem quer que seja”, o Governador disse que considerava que “não houve mistura entre os eventos”. Ocorre que a prova testemunhal se destina a descrever os fatos presenciados, e, não, a emitir juízo de valor sobre eles. Por esse motivo, a opinião manifestada não tem o condão de se sobrepor ao que foi efetivamente relatado pela testemunha em relação à ordem dos acontecimentos.

Por fim, em relação ao trio elétrico usado para o comício, foi comprovado por nota fiscal de locação, no valor de R$ 34.720,00, que a contratação se deu por Silas Malafaia. A irregularidade da conduta é patente, pois não é lícito a pessoas físicas realizarem doações estimáveis para campanhas eleitorais correspondente a aluguel de aparato para a realização de ato de campanha.

 

7.4 Subsunção dos fatos às premissas de julgamento

Após análise da prova produzida nos autos e de fatos públicos e notórios pertinentes, torna-se simples dirimir a controvérsia fática.

Em primeiro lugar, está demonstrado o uso ostensivo da propaganda em televisão e das convenções eleitorais para convocar apoiadores dos investigados para que comparecessem às comemorações do Bicentenário da Independência, em 07/09/2022, e que essa ação foi direcionada a induzir a confusão entre atos oficiais e atos eleitorais.

Esse direcionamento se fez explorando motes de campanha, situando a festividade do Bicentenário na narrativa mais ampla de luta pela liberdade, banimento do mal e triunfo de um patriotismo militarizado, com a qual o primeiro investigado continuamente mobilizou suas bases. Linguagem e símbolos foram antecipadamente explorados para impor uma identificação restrita entre a data cívica e a candidatura dos investigados, bem como para acionar o sentimento de urgência da ocupação das ruas “pela última vez”, como grande mostra de poder e popularidade do primeiro investigado.

Em segundo lugar, comprovou-se a indevida mescla entre atos oficiais e eleitorais em Brasília/DF e no Rio de Janeiro/RJ, que se consumou por iniciativa do primeiro investigado ou por sua determinação ou conivência. Registro que é impossível acolher a alegação de que os eventos oficiais e eleitorais teriam sido separados por “bordas cirúrgicas”, pois:

a) a colocação dos trios elétricos custeados pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo (Brasília) e por Silas Malafaia (Rio de Janeiro) em privilegiadíssima localização, a poucos metros do local do desfile oficial, foi uma estratégia essencial para que o comício eleitoral se tornasse, na prática, um momento contínuo em relação ao ato oficial;

b) houve inequivocamente um sequenciamento entre atos oficiais e eleitorais, gerando para o público presente a percepção de que se tratava de dois momentos da campanha dos investigados: um momento de construção da imagem e de forte carga simbólica, em que foram exaltados os valores patriótico-militares dos quais o primeiro investigado pretendeu a todo tempo expressamente se apoderar; e outro momento, de tradução da imagem e dos símbolos, em que o candidato finalmente se dirigiu verbalmente ao público para apresentar sua reeleição como única e necessária correspondência àqueles valores;

c) a retirada da faixa ao final do ato oficial, nesse contexto, assinala uma transição entre dois momentos de um grande evento, funcionado até mesmo como catalisador das expectativas, à medida que sinaliza que o candidato estaria livre para falar, criticar adversários, estimular a militância e pedir votos, atingindo-se com isso o clímax da mobilização que se manteve ao longo de todo o dia.

d) a Orla de Copacabana foi transformada em uma aquarela eleitoral, na qual o candidato à reeleição pode mesclar o poder político decorrente do cargo (simbolizado pelas performances militares de grande visibilidade) e seu capital eleitoral (simbolizado pela maciça presença de apoiadores à motociata e ao comício) .

Em terceiro lugar, o desvio de recursos, bens e serviços públicos em favor da campanha restou evidenciado. Isso não apenas diante dos vultosos recursos efetivamente apurados para custear o desfile cívico-militar em Brasília (R$ 12.585.535,19) e da comprovação de bens e serviços empregados para que a robusta demonstração militar no Rio de Janeiro pudesse se realizar em Copacabana.

Houve, no caso, a apropriação de bens simbólicos, de valor inestimável. Isso envolveu desde o uso eleitoral de imagens em propaganda eleitoral até o incalculável dano decorrente da captura da data cívica como fator de acirramento da polarização eleitoral.

Em quarto lugar, as condutas do primeiro investigado se revelaram graves, tendo em vista que:

a) foram praticadas pessoalmente por ele, ou por sua determinação;

b) possuem alta reprovabilidade, considerando-se os severos impactos decorrentes da apropriação simbólica da data cívica e da ausência de freios para potencializar os ganhos eleitorais da chapa investigada;

c) a repercussão sobre o pleito mostrou-se gigantesca, e pode ser ilustrada inclusive pelo maciço comparecimento de apoiadores que atenderam aos chamados eleitorais feitos pelo primeiro investigado, bem como pela intensa cobertura midiática que projetou, para o eleitorado, a apropriação da coisa pública.

 

7.5 Aferição dos requisitos jurídicos das práticas ilícitas imputadas aos investigados

Restou demonstrada a prática de condutas de extrema gravidade, sob a ótica do abuso de poder político e econômico.

No caso do primeiro investigado, não há dúvidas de seu envolvimento e decisiva atuação para a consecução do objetivo ilícito, como agente público detentor de poder político que se irradiava em todos os atos praticados.

No que se refere ao segundo investigado, ficaram demonstradas as seguintes condutas, reveladoras de sua participação ou conivência com os ilícitos – ambas as situações estratégica e convenientemente dissimuladas em um papel menos ostensivo que o do primeiro investigado. Destaco que:

a) a condução das tratativas do Governo Federal para viabilizar a comemoração do Bicentenário remonta  pelo menos 22/02/2022, quando assinado o Documento de Formalização de Demanda pelo Ministério das Comunicações. À época, Walter Souza Braga Netto era Ministro da Defesa, cargo que ocupou até 31/03/2022. A pasta foi a responsável pelas tratativas referentes ao desfile cívico-militar, sendo por isso possível inferir que o segundo investigado teve ao menos ciência dos preparativos para a realização do evento e da proporção, inclusive orçamentária, que estava tomando;

b) o segundo investigado, filiado ao Partido Liberal – PL, esteve presente à convenção eleitoral do partido, em 24/07/2022, quando oficializado o lançamento da chapa, foi louvado pelo primeiro investigado em razão de funções desempenhadas e presenciou o anúncio da mudança do local do evento cívico-militar no Rio de Janeiro, exibindo, a todo o tempo do discurso expressão de contentamento;

c) o segundo investigado era responsável pelo conteúdo exibido na propaganda eleitoral gratuita da chapa, o que denota sua plena conivência com a inserção em que sua campanha foi associada à comemoração oficial do Bicentenário da Independência, com vistas a convocar apoiadores;

d) o segundo investigado participou dos comícios realizados na sequência dos eventos oficiais, tanto em Brasília, quanto no Rio de Janeiro, nos quais, como visto, a confusão entre a campanha eleitoral dos investigados e os atos em comemoração ao Bicentenário da Independência ficou evidenciada; e

e) o segundo investigado, contrariando ordem liminar proferida na AIJE 06001002-78, manteve em seu perfil em redes sociais postagem de peça de propaganda em que foram usadas indevidamente imagens dos atos oficiais do Bicentenário, em Brasília.

Nos debates havidos no julgamento, a gravidade da conduta do segundo investigado foi crescentemente ressaltada, pois:

a) é fato público e notório que o segundo investigado sempre teve participação ativa no governo do primeiro investigado, ocupando cargos estratégicos e de extrema importância na estrutura governamental. Foi Chefe da Casa Civil, Ministro da Defesa, Assessor Especial da Presidência. Não era uma pessoa alheia aos trâmites e aos ditames da Administração Pública, especialmente durante o governo do primeiro investigado;

b) conforme já mencionado, o segundo investigado era Ministro da Defesa quando as comemorações pelo Bicentenário da Independência começaram a ser planejadas. Verifiquei que foi o segundo investigado quem assinou a Portaria GM-MD nº 5349, de 23 de dezembro de 2021, que instituiu a Comissão do Bicentenário da Independência no âmbito do Ministério da Defesa (CBI-MD), com a finalidade de elaborar e coordenar a programação que ficou a cargo do Ministério da Defesa;

c) a comissão contou com representante do Gabinete do Ministro de Estado da Defesa, não sendo crível, nesse contexto, que questões relativas ao evento, assim como sua relevância, passassem despercebidas pelo segundo investigado;

d) o candidato a vice também estava presente no primeiro ato público no qual a apropriação simbólica do Bicentenário começou a se desenhar: a convenção do Partido Liberal - PL. O segundo investigado acompanhou o discurso proferido pelo cabeça de chapa, que ressaltou as qualidades de seu candidato a vice, como figura essencial na campanha. Tanto nesse momento, quanto na hora em que feita a conclamação eleitoral em torno do Bicentenário, sua expressão era de contentamento. Nada na imagem indica discordância com o rumo que as coisas estavam tomando;

e) também é fato público e notório que o segundo investigado desempenhou um papel ativo na coordenação da campanha. Essa atuação chega ao ápice no dia do desfile cívico-militar de Brasília, quando o segundo investigado protagonizou cena inusitada: ele aparece em momento de grande solenidade, em que o ex-Presidente da República se prepara para autorizar o General que comanda o ato a dar início ao desfile. Ele se postou com os Comandantes Militares e o então Vice-presidente, embora à época não exercesse cargo que justificasse a sua presença no ato oficial;

f) na ocasião, o lugar reservado ao segundo investigado foi ao lado do então Vice-Presidente da República, cargo que disputava e que pretendia ocupar. Mais uma vez, confunde-se o institucional e o eleitoral, para comunicar a mensagem de continuidade que os investigados queriam transmitir;

g) os símbolos afetados pelo desvio de finalidade deveriam ser caros ao segundo investigado, General do Exército Brasileiro, que mesmo tendo passado à reserva, em razão de sua familiaridade com a disciplina rígida que vigora nas Forças Armadas e com a compreensão profunda dos conceitos de nação e patriotismo, deveria repudiar a apropriação eleitoral dos símbolos da República.

Assim, é possível concluir que a prática abusiva foi perpetrada diretamente pelo primeiro investigado, na condição de Presidente da República, bem como pelo segundo investigado. Ambos violaram as expectativas de comportamento que lhes era imposta por força da condição de candidatos, ao se apropriar da simbologia da data cívica em favor de sua candidatura, com grave afetação da normalidade eleitoral e da isonomia.

Como se sabe, a inelegibilidade é sanção personalíssima, a exigir demonstração de condutas graves por parte das pessoas que contribuíram com a prática abusiva. No entendimento assentado pela maioria do Tribunal em 31/10/2023, foram comprovadas condutas dessa natureza por parte de ambos os investigados, no que diz respeito ao desvio de finalidade das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência.

Assim, em caráter de antecipação parcial do mérito nesta AIJE, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados para condenar o primeiro e o segundo investigados, Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto, pela prática de abuso de poder político e econômico nas Eleições 2022 e, em razão de sua responsabilidade direta e pessoal pela conduta ilícita praticada em benefício de suas candidaturas, declarar sua inelegibilidade por 8 (oito) anos seguintes ao pleito de 2022, nos termos do art. 22, XIV da LC nº 64/90.

Deixo de aplicar a cassação do registro de candidatura dos investigados, exclusivamente em virtude de a chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita, sem prejuízo de reconhecer-se os benefícios ilícitos auferidos por ambos os investigados.

Tendo em vista o não cabimento de recurso com efeito suspensivo, determino a comunicação imediata desta decisão à Secretaria da Corregedoria-Geral Eleitoral para que promova a devida anotação no histórico de Jair Messias Bolsonaro e de Walter Souza Braga Netto, no C adastro Eleitoral, da hipótese de restrição à capacidade eleitoral passiva, também em função desta AIJE. 

Por fim, tendo em vista que as razões ora expostas encontram-se sintetizadas, suspendo prazo recursal em relação a esta parte da decisão, que voltará a correr, independentemente de nova intimação, a partir da data da publicação do primeiro acórdão, na AIJE nº 0600972-43 ou na AIJE nº 0600986-57.

 

8. Apreciação dos demais requerimentos de prova

Assentada a ocorrência dos fatos centrais constitutivos da causa de pedir, e que dizem respeito ao abuso de poder político e econômico decorrente do desvio de finalidade das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência, cumpre dar prosseguimento à instrução, nesta AIJE, com enfoque restrito na aferição da responsabilidade dos agentes públicos e apoiadores aos quais se imputa a condição de corresponsáveis pelas práticas ilícitas.

 A garantia da ampla defesa certamente assegura que as partes possam atuar com liberdade para se desvencilhar do ônus da prova que lhes assiste.  Isso não significa que a iniciativa probatória seja irrefreável, pois, embora por princípio “todos os meios legais e moralmente legítimos” estejam à disposição das partes, há limites ditados pela racionalidade processual, pela boa-fé objetiva, pelo contraditório e pela celeridade. Não basta, portanto, que a parte requeira provas lícitas, incumbindo-lhe também indicar aquelas que sejam necessárias e úteis.

É o que se extrai da conjugação dos arts. 369 e 370, do CPC, abaixo transcritos:

Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Cabe ao magistrado dirigir o processo de maneira ordenada e eficiente, e, para o êxito dessa função, imprescindível que os requerimentos de prova sejam analisados sob a ótica de sua pertinência e de sua utilidade para a instrução processual. Esses conceitos não são vagos.

A pertinência é a qualidade da prova que se orienta a demonstrar alegação de fato, controvertida, que tenha relevância para o julgamento. São impertinentes, portanto, os requerimentos de prova que recaem sobre fatos notórios, confessados, incontroversos ou em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade (art. 374, I a IV, CPC).

Decerto, essa regra não obsta que aportem aos autos provas de simples produção, como no caso de documentos juntados pelas partes na primeira manifestação nos autos. O que se propugna, nos exatos termos do art. 357, II, do CPC, é que os requerimentos pendentes ao final da fase postulatória sejam cotejados com “as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos” no caso concreto.

A utilidade da prova diz respeito à correlação entre o meio e a natureza do fato a ser provado. Por exemplo, é inútil a prova testemunhal requerida para demonstrar fatos “que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados” (art. 443, II, CPC). Desse modo, não há requerimento de prova que seja indene ao exame de sua aptidão para a finalidade indicada.

É por esse motivo que a parte, ao requerer a produção de prova, deve sinalizar, ainda que de forma sucinta, que a iniciativa contribuirá para o julgamento, tanto por recair sobre matéria fática controvertida e relevante, quanto porque o meio indicado é apto a produzir o resultado probante buscado. Caso esses requisitos não sejam extraíveis da petição inicial e da contestação, cabe ao magistrado, em respeito ao contraditório, instar as partes para justificar seus requerimentos.

Na presente ação, a autora instruiu a petição inicial com diversos documentos. Conforme já assentado no julgamento das ações conexas, a análise desse tipo de material exige que se separe, em qualquer caso, o que é registro documental, o que é informação corroborada por outros meios, o que é indício e o que é mera opinião.

Tomadas essas cautelas, a juntada de conteúdos produzidos por veículos de imprensa, governamentais ou privados, mostra-se relevante para o esclarecimento de fatos, especialmente aqueles que tenham merecido cobertura midiática, com divulgação em meios tradicionais ou em canais das emissoras na internet.

Por isso, os vídeos, produzidos tanto pela TV Brasil quanto por emissoras privadas, e as notícias de fatos públicos e notórios não apenas são insuscetíveis de serem desprezados. Também constituem importante suporte para a compreensão de elementos que envolveram a dinâmica dos eventos – naquilo, evidentemente, que tenha sido registrado em documento ou que seja corroborado por outros elementos.

No caso, há registros fotográficos que permitem, por exemplo, visualizar o local em que estavam reunidos os apoiadores dos candidatos investigados, em Copacabana, para o comício eleitoral, e o Forte de Copacabana, em que ocorreria o ato oficial com a participação do então Presidente da República. Essas provas foram utilizadas no julgamento das ações conexas.

A autora também juntou vídeo contendo a íntegra dos discursos proferidos pelo primeiro investigado e entrevista concedida pelo investigado Júlio Augusto Gomes Nunes a um canal de YouTube. A autenticidade da prova documental (vídeo) não foi contestada, e não pode ser refutada por meio de negativa genérica do valor probante de matérias jornalísticas.

Essas provas, bem como todo a acervo compartilhado entre as AIJEs conexas, se mostram hígidas, devendo ser considerado para o deslinde do feito.

Feitos esses registros, passo a tratar das provas a serem produzidas, e dos requerimentos indeferidos.

 

8.1 Requisição de documento

Dos requerimentos de requisição de documentos formulados pela autora, apenas o constante do item 107.3.3. não foi apreciado na decisão de ID 159318852. Nele, a Coligação investigante requer que o Comando do Exército apresente cópias integrais de processos administrativos e atas de reuniões, com a respectiva lista de presença de servidores públicos e terceiros, ocorridas com o objetivo de tratar do ato cívico-militar de 07 de setembro de 2022.

A requisição mostra-se útil e necessária, na medida em que pode elucidar se houve a participação de particulares nos preparativos do Desfile Cívico-Militar e, com isso, a extensão da participação de alguns dos investigados na presente ação.

 

8.2 Quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático

A autora também requer a decretação da quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático dos investigados Silas Lima Malafaia, Júlio Augusto Gomes Nunes, Antônio Galvan, João Antônio Franciosi, Gilson Lari Trennepohl, Vanderlei Secco, Victor Cezar Priori, Renato Ribeiro dos Santos, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Marcos Koury Barreto, com o objetivo de aferir eventuais valores que tenham despendido para custear as convocações para os atos em comemoração ao Bicentenário da Independência, o deslocamento de pessoas e tratores para participarem do desfile e outros gastos, diretos e indiretos, vinculados com a organização dos eventos.

A quebra dos sigilos fiscal, telefônico e telemático, por envolver o afastamento de garantias constitucionais, é medida que depende da verificação de sua absoluta imprescindibilidade.

Na espécie, com exceção de Gilson Lari Trennepohl e Marcos Koury Barreto (que não apresentou contestação), os investigados admitiram terem realizado gastos ou para a realização dos comícios realizados pelo primeiro investigado em Brasília e no Rio de Janeiro, ou para o deslocamento dos tratores que participaram do Desfile Cívico-Militar.

Embora haja divergência quanto aos valores envolvidos e ainda que fosse possível estabelecer uma limitação temporal para a medida, a quebra dos sigilos bancário e telefônico dos investigados, de modo a se promover uma verdadeira devassa, mostra-se, ao menos neste momento, medida desproporcional.

Não se descarta que, à luz de outros indícios coletados na instrução, essa prova possa ser reexaminada, com base em justificativa e delimitação mais precisas.

 

8.3 Depoimento pessoal dos investigados

O requerimento do depoimento pessoal dos investigados, formulado pela autora, encontra óbice.

Este Tribunal tem entendimento no sentido de que “[n]o rito previsto para a ação de investigação judicial eleitoral, não há previsão de colhimento do depoimento pessoal do investigado” (RO nº 224688, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 04/10/2022).

Ressalte-se que o depoimento pessoal é cabível quando formulado por iniciativa da própria parte a ser ouvida, pois, nesse caso, subentende-se que o considera meio relevante para sua defesa. Nesse sentido, o art. 44, §3º, da Res.-TSE nº 23.608/2019, aplicável subsidiariamente à AIJE, dispõe que “a representada ou o representado não poderá ser compelida(o) a prestar depoimento pessoal, mas tem o direito de ser ouvida(o) em juízo caso assim requeira na contestação”.

Ocorre que, no caso em tela, o requerimento foi formulado pela Coligação autora, sendo veementemente objetado pelos investigados em suas contestações. Assim, subsiste a conclusão quanto à inadmissibilidade da prova requerida.

 

8.4 Compartilhamento de provas

Por fim, a autora requereu o compartilhamento de provas produzidas em outros procedimentos, justificando-o nos seguintes termos:

a) a PET 10.543/DF tramita perante o STF de forma física e sigilosa, havendo notícia de que alguns dos investigados naquele procedimento também são investigados nesta AIJE, como o empresário Luciano Hang;

b) os Inquéritos Civis nº 1.16.000.003700/2022-54 e 1.30.001.003797/2022-16, instaurados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, respectivamente, tinham como finalidade prevenir que as celebrações oficiais fossem transformadas em atos políticos-partidários e o acesso aos autos não é franqueado ao público.

A justificativa em relação ao procedimento em trâmite no STF atende à demonstração de utilidade e pertinência, desde que adstrita aos fatos relacionados aos investigados. Desse modo, a requisição deve ser limitar aos documentos pertinentes e que possam ser fornecidos pelo Relator sem prejuízo à apuração dos fatos.

Quanto aos inquéritos, há integral pertinência para a causa, ante a coincidência dos fatos em apuração e o objetivo de evitar o desvio de finalidade, em especial por parte de agentes públicos ligados ao governo dos investigados.

 

8.5 Oitiva de testemunhas

Os investigados Luciano Hang, Renato Ribeiro dos Santos e Victor Cezar Priori arrolaram testemunhas. De início não se teve clareza quanto à sua finalidade, mas intimados para apresentar justificativa, apresentaram razões pelas quais reputam que as testemunhas devem ser ouvidas.

A controvérsia fática, em relação a esses investigados, recai sobre a extensão de suas participações nos fatos em apuração, especialmente quanto ao financiamento dos eventos.

Assim, entendo que os argumentos apresentados pelos investigados justificam, de forma suficiente, a produção da prova oral, requerida dentro do limite legalmente estabelecido e cuja produção não importa na realização de diligências excepcionais capazes de retardar o andamento do feito, já que terão que ser conduzidas pelos próprios interessados.

Defiro, assim, a oitiva das testemunhas arroladas por Luciano Hang, Renato Ribeiro dos Santos e Victor Cezar Priori (ID 158102943, 158094493 e 158113495).

Além disso, é oportuno determinar a oitiva de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que à época exercia o cargo de Ministro da Defesa.

A testemunha havia sido arrolada pelo investigado Walter Souza Braga Netto que, posteriormente, desistiu de sua oitiva. Ocorre que está demonstrado que o Ministério da Defesa foi o principal responsável pela organização do Desfile-Cívico Militar realizado em Brasília em 07/09/2022. O ex-Ministro da Defesa foi, inclusive, o destinatário do ofício encaminhado pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo, solicitando autorização para a realização do desfile de tratores.

Diante disso, é relevante que a testemunha forneça maiores detalhes dos preparativos do Desfile Cívico-Militar e explique como se deram as tratativas com o Movimento Brasil Verde e Amarelo, contribuindo para esclarecer as circunstâncias da organização do evento em comemoração ao Bicentenário da Independência e a participação de particulares no evento público.

9. Conclusão

Ante todo o exposto, observados os termos do art. 357 do CPC:

a) rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelos investigados Antônio Hamilton Mourão, Fábio Salustino Mesquita de Faria, Silas Lima Malafaia, Júlio Augusto Gomes Nunes, Vanderlei Secco, Renato Ribeiro dos Santos, Victor Cezar Priori, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Gilson Lari Trennepohl;

b) rejeito a preliminar de inépcia da petição inicial e de ausência de pressuposto válido, suscitadas pelos investigados Renato Ribeiro dos Santos e Victor Cezar Priori;

c)  acolho parcialmente a preliminar de violação à estabilização da demanda, para limitar o conhecimento do fato novo trazido na petição ID 158198891 à finalidade de “demonstrar desdobramentos dos fatos originariamente narrados, a gravidade (qualitativa e quantitativa) da conduta que compõe a causa de pedir ou a responsabilidade dos investigados e de pessoas do seu entorno”, vedada sua análise como causa de pedir autônoma (abuso de poder econômico perpetrado por coação eleitoral de funcionários e servidores);

d) em caráter antecipado, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados contra os investigados Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto, para declarar a inelegibilidade de ambos, pelo prazo de oito anos seguintes ao pleito de 2022, e:

d.1) determino a comunicação imediata desta decisão à Secretaria da Corregedoria-Geral Eleitoral para que promova a devida anotação no histórico de Jair Messias Bolsonaro e de Walter Souza Braga Netto, no Cadastro Eleitoral, da hipótese de restrição à sua capacidade eleitoral passiva, também em função desta AIJE; e

d.2) suspendo prazo recursal em relação a esta parte da decisão, que voltará a correr, independentemente de nova intimação, a partir da data da publicação do primeiro acórdão, na AIJE nº 0600972-43 ou na AIJE nº 0600986-57;

e) determino à Secretaria que expeça ofícios:

e.1) aos Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para que, no prazo de 5 dias, forneçam cópias integrais de processos administrativos e atas de reuniões, com a respectiva lista de presença de servidores públicos e terceiros, ocorridas com o objetivo de tratar do ato cívico-militar de 07 de setembro de 2022;

e.2) ao  Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, para que,  no prazo de 5 dias, forneça cópia integral do Inquérito Civil nº 1.16.000.003700/2022-54;

e.3) ao  Ministério Público do do Estado do Rio de Janeiro, para que,  no prazo de 5 dias, forneça cópia integral do Inquérito Civil nº 1.30.001.003797/2022-16;

e.4) ao Ministro Alexandre de Moraes, Relator da Petição nº10.543/DF, no STF, solicitando a Sua Excelência o envio de informações e peças relativas aos investigados nesta AIJE, desde que, segundo seu critério, não prejudiquem o sigilo do feito ou o resultado de medidas que estejam em curso;

f) indefiro o requerimento de quebra dos sigilos bancários, telefônicos e telemáticos dos investigados  Silas Lima Malafaia, Júlio Augusto Gomes Nunes, Antônio Galvan, João Antônio Franciosi, Gilson Lari Trennepohl, Vanderlei Secco, Victor Cezar Priori, Renato Ribeiro dos Santos, Jacó Isidoro Rotta, Luiz Walker e Marcos Koury Barreto, sem prejuízo de reanálise do requerimento, à luz de outros indícios coletados na instrução;

g) indefiro o requerimento de depoimento pessoal dos investigados;

h) designo audiência de oitiva das testemunhas para o dia 08/11/2023, a se realizar na Sala de Audiências da Corregedoria-Geral Eleitoral (Sala V-713/715/717, recepção na Sala V-710, 7º andar do Tribunal Superior Eleitoral, situado no Setor de Administração Federal Sul (SAFS), Quadra 7, Lotes 1/2, Brasília/DF - CEP 70095-901), observados os seguintes horários:

h.1) 10h00: reservado para a oitiva de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira;

h.1) 11h00: oitiva das testemunhas Jaison Gamba e Simoni Terezinha Back Cardoso, arroladas pelo investigado Luciano Hang; das testemunhas Gustavo Assunção Duarte, José Osmar Roque Júnior e Thiago Terra de Souza, arroladas pelo investigado Renato Ribeiro dos Santos; e das testemunhas Antonio Carlos Caetano de Assis, Eudes Paulo Neves e Mario Roberto Maia Silva, arroladas pelo investigado Victor Cezar Priori, devendo os investigados providenciar o comparecimento das testemunhas, presencial ou virtual, nesse segundo caso transmitindo-lhes o link da audiência;

i) determino ainda à Secretaria Judiciária que:

i.1) intime as partes, para que tenham ciência do teor da decisão, em especial das datas designadas para as audiências;

i.2) intime a testemunha Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para que compareça à audiência designada para o dia 08/11/2023, ou indique sua preferência por participar do referido ato por videoconferência, utilizado para tanto o endereço e as informações de contato constante do cadastro eleitoral, autorizando-se desde já que a diligência seja cumprida pelos meios mais céleres, inclusive eletrônicos;

i.3) intime a Procuradoria-Geral Eleitoral, para que tenha ciência do teor da decisão e da designação da audiência, assegurando-lhe, à luz da controvérsia posta nos autos, requerer, no prazo de três dias, provas e diligências complementares, a serem oportunamente avaliadas.

Solicito à Secretaria Judiciária, ao confeccionar os ofícios indicados no item “i.2” supra, que faça incluir e-mail de contato da unidade para o qual a resposta deve ser remetida, bem como que mantenha nos autos o registro de eventuais comunicações, por meio de juntada ou certificação.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 3 de novembro de 2023.

 

Ministro BENEDITO GONÇALVES

Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral