Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527)  Nº 0600986-27.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

 

REPRESENTANTE: SORAYA VIEIRA THRONICKE
Advogados da REPRESENTANTE: THIAGO BARRA DE SOUZA - DF59624-A, DANIEL DE CASTRO MAGALHAES - MG83473-A, HEFFREN NASCIMENTO DA SILVA - DF59173-A, RAPHAEL ROCHA DE SOUZA MAIA - DF52820-A, BARBARA MENDES LOBO AMARAL - DF21375-A, FLAVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - DF31442-A, MARILDA DE PAULA SILVEIRA - MG90211-S, ANGELA SILVA AMORIM - DF58670

 

REPRESENTADOS: JAIR MESSIAS BOLSONARO, WALTER SOUZA BRAGA NETTO
Advogados do REPRESENTADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - DF40989-A, MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A
Advogados do REPRESENTADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - DF40989-A, MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral, por suposta prática de abuso de poder político e econômico, ajuizada por Soraya Vieira Thronicke, candidata a Presidente da República, contra Jair Messias Bolsonaro, candidato à reeleição para o cargo de Presidente da República, Walter Souza Braga Neto, candidato a Vice-Presidente da República, Diretório Nacional do Partido Liberal – PL e Coligação Pelo Bem do Brasil.

A ação tem como causa de pedir o suposto uso de bens materiais e imateriais e de servidores da União em benefício da campanha dos representados, tendo em vista o alegado desvio de finalidade eleitoreiro das comemorações do Bicentenário da Independência em Brasília e no Rio de Janeiro.

A ação tem como causa de pedir o suposto desvio de finalidade das comemorações do Bicentenário da Independência, eventos de caráter oficial custeados com recursos públicos, que teriam sido planejados de modo a impulsionar atos de campanha dos investigados.

A petição inicial contempla as seguintes alegações de fato (ID 158041741):

a) a realização de cerimônias oficiais em comemoração ao Bicentenário da Independência nas cidades de Brasília e Rio de Janeiro, com a presença do então Presidente da República e candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro, é fato público e notório, com ampla repercussão na imprensa e no site oficial do Governo Federal;

b) em Brasília, encerrada a cerimônia oficial, o primeiro investigado desceu da tribuna de honra e caminhou alguns metros até um trio elétrico, montado em frente ao Congresso Nacional, de onde realizou comício ao lado de seus apoiadores Luciano Hang e Silas Malafaia;

c) a imediata transição entre o término da cerimônia e o início da atividade tipicamente eleitoral foi transmitida ao vivo pela TV Brasil, emissora pública, o que causou até mesmo constrangimento à apresentadora que narrava o momento;

d) o discurso eleitoral proferido durante o ato de campanha foi direcionado ao mesmo público que, convocado pelo então Presidente, comparecera à cerimônia oficial e ao desfile cívico em comemoração ao Bicentenário da Independência;

e) o discurso foi proferido de palanque no qual estava afixada uma faixa com dizeres “MS quer contagem pública de votos” e, após difundir mensagem de caráter eleitoral, o primeiro investigado anunciou que seguiria para o Rio de Janeiro “participando de um evento semelhante a esse”;

f) dizeres típicos de sua fala política, como a promessa de trazer “para dentro dessas quatro linhas [da Constituição] todos que insistem em estar fora”, foram proferidos;

g) a continuidade entre as duas partes do evento (institucional e de campanha) é assinalada na fala da apresentadora, que diz: “Presidente da República é Jair Bolsonaro. É a comemoração de 200 anos com o capitão do povo. Ele é de Deus, ele é do povo. Vamos lá”;

h) o primeiro investigado saiu “em comboio oficial” para o Rio de Janeiro, repetindo o formato no qual o ato de campanha ocorre continuamente ao ato institucional, a poucos metros deste, em um trio elétrico;

i) no Rio de Janeiro, “a pedido do Presidente, o evento que tradicionalmente ocorre no centro da cidade, foi transferido para o Forte de Copacabana – justamente para estar ao lado de onde seria o Comício, na praia de Copacabana”;

j) também a exemplo do que ocorrera em Brasília, o primeiro investigado, ao chegar ao segundo palanque, proferiu discurso em típico comício eleitoral, tendo por público as pessoas que acompanhavam, até aquele momento, a cerimônia em comemoração ao Bicentenário da Independência;

k) em razão do sequenciamento de fatos nas duas cidades, os atos de campanha mesclaram-se aos eventos oficiais, fazendo com que todo o aparato público envolvido, incluindo bens móveis e imóveis e servidores da Administração Pública Federal e do Estado do Rio de Janeiro, viesse a ser usado em benefício da campanha dos investigados;

l) o discurso deve ser compreendido em um contexto específico, uma vez que, previamente aos eventos, o primeiro investigado e aliados veicularam diversos posts convocando a população a comparecer nos eventos relacionados ao dia 7 de setembro, com mensagens que deixariam “bastante claro que sua convocação não era para o povo brasileiro comemorar o bicentenário da independência, mas para demonstrar a força de sua plataforma político-eleitoral”; e

m) a composição visual da campanha dos investigados, que utilizava as cores da bandeira brasileira, contribuiu para o objetivo de confundir o eleitorado, levando à percepção de que os atos públicos oficiais faziam parte de sua campanha.

Quanto à capitulação jurídica dos fatos, a autora sustenta que houve violação ao art. 22 da LC 64/90, com base nas seguintes teses:

a) houve desvio de finalidade dos eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência, com a utilização de recursos públicos para impulsionar a candidatura à reeleição do então Presidente da República;

b) as estratégias relativas à logística dos eventos e à divulgação nas redes sociais foram uma “tentativa de dar aparência de legalidade ao que é completamente vedado pela legislação eleitoral, o uso de bens e recursos públicos na campanha”;

c) a conduta possui alto grau de reprovabilidade, uma vez que os eventos oficiais foram estruturados “de modo a viabilizar a realização dos atos de campanha” e “potencializá-los com o maior alcance possível, a fim de demonstrar forma maior que um comício qualquer teria” (gravidade qualitativa);

d) a prática ilícita alcançou parcela significativa do eleitorado, pois atingiu milhões de pessoas, presencialmente ou por meio da cobertura midiática e das redes sociais (gravidade quantitativa);

e) a jurisprudência do TSE reconhece que o desvirtuamento de festividade tradicional, custeada com recursos públicos, visando dividendos eleitorais, configura abuso de poder político e econômico (REspe 574-11, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19/03/2019).

Por fim, no que diz respeito às provas, a autora:

a) inseriu na petição inicial links de internet, que remetem a matérias veiculadas no site oficial do Governo Federal tratando dos eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência, à transmissão dos eventos oficiais pelo canal da TV Brasil no Youtube, à cobertura dos fatos pela emissora CNN (discurso político em Brasília e informações sobre os eventos no Rio de Janeiro) e às postagens de Jair Bolsonaro e seus aliados em redes sociais convocando apoiadores para comparecerem aos atos; e

b) requereu que os investigados “façam prova da origem dos recursos que financiaram a realização do evento para afastar a conclusão de que até mesmo as estruturas utilizadas nos discursos, em si, foram financiadas com recursos públicos”.

Foi juntada procuração outorgada à advogada que, juntamente com a autora, subscreve a petição inicial (ID 158041742).

 Em 11/09/2022, deferi parcialmente a tutela inibitória antecipada requerida pela autora, determinando que os investigados cessassem a veiculação de todo e qualquer material de propaganda eleitoral, em todos os meios, que utilizassem imagens do então Presidente da República capturadas durante os eventos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência realizados em Brasília/DF e no Rio de Janeiro/RJ, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (ID 158052339).

A decisão foi referendada pela Corte, à unanimidade, em 13/09/2022 (IDs 158062381 e 158081732).

Certificou-se, em 14/09/2022, a notificação de Jair Messias Bolsonaro e Walter de Souza Braga Netto, a abranger a intimação da decisão liminar e a citação, mediante comunicação por e-mail e remetida para o Subchefe Adjunto de assuntos institucionais, pessoa indicada pela Presidência da República para receber comunicações processuais (IDs 158067653).

Os investigados Jair Messias Bolsonaro, Walter de Souza Braga Netto e Coligação Pelo Bem do Brasil apresentaram contestação conjunta, em 18/09/2022, destacando tratar-se de peça idêntica àquela apresentada nas AIJEs nº 0600972-43 e 0601002-78, sobre os mesmos fatos, “existindo pedido de reunião dos feitos para julgamento conjunto” (ID 158085249).

Suscitaram preliminarmente a exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário:

a) com a União, ao argumento de que seu patrimônio jurídico foi afetado pela decisão de retirada de conteúdo produzido e publicado pela TV Brasil, canal vinculado à empresa pública EBC; e

b) com os responsáveis por movimentos cívicos que prestaram apoio material para a realização do evento, a saber: “Movimento Brasil Verde e Amarelo”, “Brasil Unido pelo Presidente”, “Manifestação em Defesa da Liberdade e Eleições Transparentes”, “Ato Público com oração pelo Brasil”, “Manifestação em Defesa da Democracia e Liberdade” e “Ato Público 7 de Setembro 2022”.

Afirmam ser inegável a “incindibilidade da relação jurídica entre a União e os movimentos organizados com os eventos descritos na petição inicial” e requereram a inclusão dos alegados litisconsortes no polo passivo da demanda. 

No mérito, argumentam, quanto aos fatos, que:

a) os comícios realizados em Brasília e no Rio de Janeiro em 07/09/2022 constituem atividade política-eleitoral, da qual o primeiro investigado participou sem ostentar a faixa presidencial, havendo “clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas” em relação aos atos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência;

b) durante o desfile cívico-militar, enquanto cumpria seu papel de Chefe de Estado, o primeiro investigado não proferiu discursos políticos ou eleitorais, sendo que, “se milhares de pessoas ficaram postadas na esplanada para ouvirem o que Bolsonaro tinha a dizer, outros milhares de espectadores foram embora após o encerramento formal do desfile”;

c) tão logo encerrado o desfile cívico-militar realizado em Brasília, o púlpito de honra foi desconstituído, as autoridades e convidados deixaram o local, as arquibancadas foram esvaziadas e os telões voltados para o gramado foram desligados;

d) a separação fática e jurídica entre os eventos oficiais e os atos de campanha pode ser observada da leitura de matérias jornalísticas que repercutiram a cronologia dos eventos em Brasília;

e) a maciça participação popular nos eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência “se deu, em boa medida, pelo prestígio pessoal de Jair Bolsonaro e em função de sua base política (e não puramente eleitoral) construída ao longo dos anos do seu Governo”;

f) feito um comparativo entre o 7 de Setembro de 2021 e de 2022, “o número de pessoas que se dispuseram a ouvir o primeiro Investigado em 2021 é próximo (senão, maior) do número de espectadores presentes nos atos de 2022, o que, por si só, torna inverossímil a tese de que o desfile cívico-militar foi utilizado para catapultar as candidaturas”;

g) apenas os eventos oficiais, de interesse público, foram transmitidos pela TV Brasil, o que justificaria “a interrupção abrupta e desconcertada da transmissão” no momento em que se iniciaram as “manifestações políticas”, transmitidas por “pouco mais de um minuto”, comprovando que “não existiu qualquer aproveitamento – intencional ou não – da estrutura do 7 de setembro para fins eleitorais”, concluindo-se que houve, “ao fim e ao largo do evento oficial [...], simplesmente, uma singela demonstração da força política de Bolsonaro”;

h) quanto aos 3 minutos e 33 segundos de transmissão ao início do evento, “o primeiro Investigado teria se exaltado em suas declarações, ao ser questionado acerca do significado da data de 7 de setembro e teria feito discurso de promoção pessoal das realizações de seu governo”, “algo inteiramente episódico” que não pode levar à conclusão de “apossamento de bem público em nome da campanha”, mesmo porque foram tratados “temas de interesse público como a democracia, a liberdade, preparo do futuro, adequação de dívidas do FIES, criação do PIX, etc, todos temas afetos à ordem do dia da Administração Pública Federal”;

i) as comemorações relativas ao Bicentenário da Independência no Rio de Janeiro iniciaram-se às 9 horas, momento em que o primeiro investigado sequer estava na cidade;

j)  a participação do então Presidente da República no citado evento foi “singela e episódica”, consistindo em aparição “no palco de autoridades organizado pela Prefeitura da capital por um pequeno intervalo de tempo, quando ocorrida a salva de 21 tiros em homenagem ao Bicentenário da Independência, ocasião em que assumiu postura passiva e, consequentemente, não produziu discursos políticos”;

k) ao contrário do que ocorreu em Brasília, onde o enfoque era a agenda oficial, a viagem de Jair Bolsonaro ao Rio de Janeiro objetivava os atos políticos, priorizando-se “uma motociata e a realização de discurso para aqueles que estavam presentes no ato político tradicional realizado por sua base de apoiadores”;

l) “os cariocas foram ao encontro de Bolsonaro enquanto candidato”, o que torna a comemoração oficial “um indiferente jurídico”, pois “a esmagadora maioria das pessoas compareceria a qualquer movimento convocado pelo primeiro Investigado”;

m) em contraste ao “imobilismo dos demais candidatos”, os investigados, de fato, procederam à “convocação de sua base política para que fossem às ruas no dia 7 de setembro”, pedido que foi atendido em diversas capitais por quem tinha “o propósito específico de ser visto e de ser ouvido, como cidadão engajado na cena política”, em legítimo exercício da liberdade de expressão; e

n) os gastos realizados, mesmo maiores que aqueles de 2019, foram compatíveis com o “simbólico caráter majestoso do Bicentenário da Independência” e se justificam ante “a ausência de comemorações nos anos anteriores por conta da Pandemia do COVID-19”.

As teses jurídicas foram contrapostas da seguinte forma:

a)  uma vez não demonstrado, de forma inequívoca, que houve apropriação simbólica da comemoração do Bicentenário da Independência, conversão do bem público em particular e “apossamento e continuidade da conduta”, não há configuração de conduta vedada aos agentes públicos ou abuso de poder político;

b) a tese da inicial está inteiramente alicerçada na interpretação conferida aos eventos pela imprensa nacional, mas a simples existência de matérias jornalísticas não se presta como elemento probatório mínimo a fundamentar a demanda, inclusive em razão da garantia de sigilo da fonte previsto no art. 5º, XIV, da Constituição;

c) “o Presidente da República, no sistema de governo brasileiro, é, simultaneamente, Chefe de Governo e Chefe de Estado” e, ainda, “essas duas funções se acumulam com a figura do candidato em hipóteses como a dos autos, sendo puramente retórica a distinção apresentada na inicial”;

d) por força dos cargos públicos, era dever do primeiro investigado zelar pela publicidade e pelo direito à informação do cidadão, o que legitima o pronunciamento transmitido pela TV Brasil no contexto da comemoração do Bicentenário da Independência;

e) o discurso transmitido não ostentou “expressividade eleitoral suficiente” para ser caracterizado como conduta vedada ou abuso de poder político, sendo lícito o “trato de temas de interesse público versados pelo primeiro Investigado na condição de Chefe de Estado”;

f) a narrativa apresentada na inicial não contempla os requisitos para a configuração do uso indevido de meios de comunicação, que “não ocorre pelo uso pontual, fortuito e desprecavido de uma transmissão televisiva (ou do bem público), mas requer a existência de quebra da igualdade de condições entre os candidatos pela continuidade da conduta”;

g) é lícita a ocupação de bens públicos de uso comum do povo por grupos impulsionados pela “força política” da data da Independência, a exemplo do que ocorre com o “Grito dos Excluídos” promovido pela CNBB desde 1995;

h) o cumprimento espontâneo e expandido da medida liminar deferida, com “[a] opção pela remoção de todas as publicidades eleitorais, mesmo daquelas não relativas à fase pública e oficial das comemorações do Bicentenário da Independência”, confinou eventuais efeitos das manifestações realizadas no dia 7 de setembro ao “raio de influência política natural dos Investigados” o que por si afasta a gravidade da conduta; e

i) a ausência de gravidade também decorre da separação dos momentos de atuação institucional e política do primeiro investigado, da baixa audiência da TV Brasil, para a qual foi concedida entrevista episódica, e do tom moderado dos discursos, que não contiveram ataques às instituições;

j) embora a AIJE não comporte condenação por conduta vedada, eventual reconhecimento desse ilícito não autorizaria a cassação de registro ou diploma, por ser desproporcional a qualquer irregularidade acaso declarada.

A iniciativa probatória dos réus consistiu em:

a) requerimento de oitiva de doze testemunhas (seis atribuídas a cada investigado), qualificadas com os cargos que ocupavam à época, a saber:  Cláudio Castro, Governador do Rio de Janeiro; Luiz Fernando Bandeira de Mello, Conselheiro do CNJ; Ibaneis Rocha Barros Júnior, Governador do Distrito Federal; João Henrique Nascimento de Freitas, Assessor-Chefe do Presidente da República; Eduardo Maragna Guimarães Lessa, Chefe adjunto do Cerimonial da Presidência; Ciro Nogueira Lima Filho, Ministro-Chefe da Casa Civil; Flávio Botelho Peregrino, Coronel do Exército; Luiz Cláudio Macedo Santos, Brigadeiro da Aeronáutica; Dom Marcony Vinícius Ferreira, Bispo Ordinário Militar do Brasil; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Ministro da Defesa; José Pedro, Embaixador de Cabo Verde no Brasil; e Emmanoel Pereira, Ministro do TST;

b) requerimento de expedição de ofícios:

b.1) à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, “para que informem os nomes e dados (especialmente o contato) dos responsáveis pela organização das manifestações de 7 de setembro”;

b.2) aos “Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para que informem acerca do cerimonial e das formalidades envolvidas nas comemorações de 7 de setembro”; e

b.3) à “Advocacia-Geral da União, para que, na qualidade de órgão central de consultoria e de advocacia pública da União, por seu Advogado-Geral, Dr. Bruno Bianco, preste os esclarecimentos que entender de direito, notadamente quanto às articulações havidas entre os diversos organismos públicos envolvidos na arquitetura jurídica do evento público em que se comemorou, oficialmente, o Bicentenário da Independência do Brasil, custos e procedimentos correlatos, e a adoção das providências administrativas necessárias, prévias em concomitantes, para a não-contaminação do evento pelas manifestações políticas havidas tanto em Brasília quanto na cidade do Rio de Janeiro”; e

c) produção de prova documental, consistente em:

c.1) inserção de links relativos a matéria que informa a participação de “oito grupos bolsonaristas” em atos na Esplanada em 07/09/2022, a “matérias jornalísticas acreditadas” que repercutiram os eventos em Brasília, no Rio de Janeiro e em outras capitais; a comparativo do público presente à Esplanada em 2021 e 2022; ao movimento “Grito dos Excluídos”; e a entrevista de cientista político;

c.2) roteiro das comemorações do Bicentenário da Independência (ID 158085250);

c.3) Termo de Referência da contratação de empresa especializada para a organização e montagem do evento pela Secretaria Especial de Comunicação Social, no valor de R$ 3.718.268,45 (ID 158085255); e

c.4) QR-Codes que direcionam a vídeos dos desfiles (158085256).

Foram juntadas procurações outorgadas pelos investigados aos subscritores da peça de defesa (IDs 158085252, 158085253 e 158085254).

O recebimento da citação do Diretório Nacional do Partido Liberal – PL, feita por correio, ocorreu em 22/09/2022, e a juntada do aviso de recebimento foi efetivada em 06/10/2022 (IDs 158200173 e 158200174). Em 13/10/2022, o sistema PJe certificou automaticamente o decurso do prazo de defesa sem manifestação do Diretório Nacional do Partido Liberal – PL.

Com vistas a assegurar o pleno contraditório em torno das questões e requerimentos a serem examinados por ocasião do saneamento do processo, as partes foram intimadas, abrindo-se prazo comum de três dias para que (ID 158365869):

a) a investigante se manifestasse sobre as preliminares suscitadas na contestação e sobre a ilegitimidade passiva da coligação e do partido político, que vislumbrei de ofício; e

b) os investigados justificassem o requerimento de prova testemunhal, indicando os pontos fáticos controvertidos a serem dirimidos pelos respectivos depoimentos, bem como se manifestassem sobre a vislumbrada ilegitimidade passiva da coligação e do partido político.

 A réplica da autora acrescentou ao debate processual os seguintes argumentos (ID 158415377):

a) não há litisconsórcio passivo necessário com a União, quer porque não lhe pode ser cominada inelegibilidade, quer porque eventual repercussão negativa em seu patrimônio deverá ser apurada na seara adequada;

b) não há, também, litisconsórcio passivo necessário com os responsáveis por movimentos que estiveram presentes aos eventos impugnados na inicial, pois, mesmo em tese, a jurisprudência do TSE afasta a exigência de serem incluídos no polo passivo todos os responsáveis pela prática abusiva; e

c) os documentos apresentados na defesa não são suficientes para concluir que houve separação fática e jurídica entre os eventos oficiais e político-eleitorais, pois a continuidade dos momentos é inferida da argumentação dos investigados, quando descrevem que o então Presidente da República “já sem a faixa presidencial, reassumiu a condição de candidato, e, se deslocando a pé diretamente ao encontro do público remanescente, ou seja, das pessoas que, voluntariamente, tiveram interesse em permanecer nas adjacências do local do desfile, e, coerentemente, perfectibilizou atos de conteúdo político-eleitoral”.

Por sua vez os réus justificaram o requerimento de prova testemunhal nos seguintes termos (ID 158396479):

a) “a leitura da peça defensiva, com a delimitação das teses e dos argumentos fáticos e jurídicos apresentados, torna evidente a utilidade da prova testemunhal requerida, à vista, notadamente, da relevância da demonstração da natureza jurídica e da dinâmica do evento questionado, envolvendo pontos que podem ser tidos como controvertidos na defesa apresentada, a saber: (i) o caráter, a natureza e o conteúdo dos discursos proferidos; (ii) as falas e os comentários emitidos pelas pessoas presentes (que tenham discursado ou não); (iii) a organização e o planejamento dos dois atos bem delimitados; (iv) a estrutura e o suporte físico que aparelhou cada solenidade; além de toda e qualquer circunstância que possa ser esclarecida não apenas a pedido da defesa, mas também no interesse dos Requerentes, do Il. Corregedor-Geral Eleitoral e, em ultima ratio, ao bom desenvolvimento da instrução processual, mediante completo e preciso descortino dos fatos, tal como havidos na realidade fenomênica”;

b) o detalhamento do evento pelas testemunhas tem aderência a argumentos vertidos na contestação, a saber: “(i) Preliminar de litisconsórcio necessário diante da atuação na condição de Presidente da República; (ii) Cisão de fases entre Bolsonaro-Presidente vs. Bolsonaro-Candidato no eventos do Rio de Janeiro e de Brasília; (iii) Comparecimento espontâneo da população ao ato político dos Investigados; (iv) Inexistência de abuso de poder”;

c) “a oitiva dos Governadores reeleitos no estado do Rio de Janeiro e no Distrito Federal (Claudio Castro e Ibaneis Rocha Barros Júnior) possui o condão de delimitar a participação, inclusive financeira, dessas unidades federativas na organização dos eventos, esclarecendo questões essenciais para a identificação do caráter oficial dos atos, bem como da observância à impessoalidade na condução do evento e do não uso da máquina pública em prol de qualquer das candidaturas”.

d) também foram arrolados servidores “envolvidos no planejamento e consecução do evento, a exemplo do Assessor-Chefe da Presidência da República e do chefe adjunto do Cerimonial da Presidência da República (João Henrique Nascimento de Freitas e Eduardo Maragna Guimarães Lessa), que podem prestar relevantes esclarecimentos acerca da logística envolvida, inclusive em direta comparação com outros anos”;

e) “as demais testemunhas indicadas (Luiz Fernando Bandeira de Mello; Ciro Nogueira Lima Filho; Flávio Botelho Peregrino; Luiz Claudio Macedo Santos; Dom Marcony Vinicius; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; Embaixador João Pedro; Emmanoel Pereira) acompanharam presencialmente os eventos nas cidades de Brasília/DF e Rio de Janeiro/DF, em momentos não necessariamente coincidentes e cobertos pelos testemunhos anteriormente referidos, de forma a assegurar integral relato do comportamento e de eventuais falas do Presidente da República na data de 7 de setembro de 2022, circunstância útil à completa comprovação das teses defensivas articuladas nos autos”;

f) a prova não ostenta caráter protelatório, “inclusive porque postulada até como modicidade, eis que as testemunhas arroladas nos presentes autos são comuns a outros dois processos de mesmo objeto (AIJEs 972-43 e 1002-78), viabilizando a instrução conjunta neste ponto, em observância a mais pura lealdade e economicidade processual”.

Proferiu-se, então, decisão de saneamento e organização do processo, na qual foram dirimidas questões processuais, fixados os pontos controvertidos e, com base nestes, apreciados os requerimentos de prova. Destaco da referida decisão (ID 158815332):

a) registro da formação válida do processo, com ênfase para o comparecimento espontâneo dos investigados Jair  Messias Bolsonaro, Walter Souza Braga Neto e Coligação Pelo Bem do Brasil, ao apresentarem defesa conjunta (art. 239, § 1º, do CPC), apesar da falha procedimental de se realizar a citação concomitantemente à intimação da decisão liminar;

b) registro da não apresentação de contestação por parte do Diretório Nacional do Partido Liberal – PL, embora tenha sido regularmente citado por carta com aviso de recebimento (ID 158200174);

d) registro da regularidade da representação das partes, por advogadas e advogados aos quais foram outorgadas procurações;

e) reserva de exame do cumprimento da medida liminar concedida nos autos da AIJE 0601002-78, na qual a declaração dos investigados de que espontaneamente cumpriram a determinação, conferindo-lhe inclusive maior extensão foi questionada pela autora;

f) constatação da tempestividade dos atos processuais até então praticados pelas partes, à exceção do Partido Liberal – PL, razão pela qual foram analisadas todas as manifestações e documentos apresentados;

g) reconhecimento da conexão entre esta representação e as AIJEs nº 0600972-43, 0600986-27 e 0601002-78, consignando-se a possibilidade de realização de atos processuais conjuntos e de compartilhamento de provas, a serem examinados pontualmente com respeito à racionalidade processual, sem prejuízo ao impulso autônomo de cada ação conforme suas particularidades;

h) o reconhecimento, de ofício, da ilegitimidade passiva da Coligação Pelo Bem do Brasil e do Diretório do Partido Liberal - PL, julgando, em relação a eles, a ação extinta sem resolução de mérito;

i) rejeição das preliminares de exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União e de formação de litisconsórcio passivo necessário com os responsáveis por movimentos cívicos, ambas suscitadas pelos réus;

j) delimitação das questões de fato, a acarretar a estabilização da demanda (art. 329, II, do CPC), sem prejuízo da admissão, à controvérsia, da obrigatória consideração de fatos supervenientes (art. 493 do CPC) ou diretamente relacionados com a causa de pedir já estabilizada, uma vez que “[n]ão decorre dessa medida a blindagem do debate processual contra alegações e documentos que possam influir no julgamento da causa”, apresentando-se os “contornos gerais da matéria controvertida sobre a qual recairá a prova” nos seguintes termos:

“Na hipótese dos autos, o substrato fático que motivou a propositura da AIJE é composto, em um primeiro nível, por:

a) convocação de apoiadores e simpatizantes dos investigados, pelas redes sociais destes e de outras lideranças, para que comparecessem a eventos oficialmente previstos para celebrar o Bicentenário da Independência, em 07/09/2022;

b) realização dos eventos oficiais em Brasília e no Rio de Janeiro, organizados e custeados pelos Poderes Públicos;

c) comparecimento do primeiro investigado a esses eventos, na condição de Presidente da República, não sendo proferidos discursos no momento em que ocupava a tribuna de honra;

d) realização de atos de campanha, em momento subsequente aos eventos oficiais, em espaço preparado para a realização de comícios, nos quais o primeiro investigado proferiu discurso de caráter eleitoral;

e) cobertura completa da TV Brasil do evento oficial realizado em Brasília, com transmissão ao vivo, inclusive, de entrevista inicial do primeiro investigado, em que abordou realizações de seu governo e discorreu sobre outros temas, e de momento no qual, findo o evento, o primeiro investigado retirou a faixa presidencial e caminhou próximo a apoiadores e se dirigiu ao local do ato político-eleitoral; e

f) utilização de imagens do evento oficial para a divulgação de conteúdo eleitoral nas redes sociais dos investigados.

Esses fatos quedaram incontroversos ao final da fase postulatória. A autora inseriu diversos links na petição inicial, que contêm registro de informações do Governo Federal sobre os eventos, transmissão oficial pela TV Brasil e postagens em redes sociais do primeiro investigado e de apoiadores. Não houve objeção, por parte dos réus, à autenticidade ou integridade desse material.

Além disso, ao longo da contestação (ID 158085249), a narrativa sobre tais fatos é convergente, sendo admitido, por exemplo, que os investigados identificam uma “maciça participação popular” na comemoração do Bicentenário associada à base política “não puramente eleitoral” do primeiro investigado (p. 15), que os investigados efetivamente convocaram apoiadores “para que fossem às ruas no 7 de setembro” (p. 29), que “os atos eleitorais ocorreram com apoio (material, especialmente) de terceiros” que integravam diversos movimentos identificados com as bandeiras do então Presidente da República (p. 4), e que a viagem ao Rio de Janeiro priorizou atos de campanha realizados após o encerramento das atividades cívico-militares (p. 24).

A controvérsia fática recai, em um segundo nível, sobre:

a) as circunstâncias de envolveram a preparação e a realização dos atos oficiais e de campanha, no que diz respeito a seus aspectos logísticos e financeiros e, em especial, à atuação de órgãos públicos, de movimentos cívicos, dos investigados e de seus apoiadores nessa etapa; e

b) a existência, ou não, de fronteiras suficientes para preservar as características legítimas dos atos oficiais e de campanha, o que envolve analisar, entre outros elementos, o afastamento “físico e temporal” dos eventos, o comportamento dos investigados e de seus apoiadores e a evolução dos fatos ao longo do dia 07/09/2022.

A autora sustenta, quanto a esses pontos, que:

a) a comemoração oficial do Bicentenário, desde sua concepção logística e da convocação da população por meio das redes sociais, foi explorada para demonstrar a força política do primeiro investigado;

b) o fato de os comícios terem sido realizados em estruturas distintas daquelas destinadas aos eventos oficiais e de o primeiro investigado ter proferido os discursos de campanha sem trajar a faixa presidencial não desfez a continuidade do evento, dado o “sequenciamento de atos”, acarretando uma apropriação simbólica da comemoração cívica pela campanha dos investigados;

c) o silêncio do primeiro investigado na tribuna de honra, longe de dissociar os momentos, criou expectativa quanto aos discursos, inequivocamente eleitorais, que seriam feitos metros adiante; e

d) o contexto revela a utilização do aparato público em prol da campanha, uma vez caracterizada severa confusão entre o institucional e o eleitoral, gerando para o eleitorado a percepção de que “o ato público-oficial é sua campanha”.

De sua parte, os investigados defendem que:

a) está demonstrada, pelas estruturas utilizadas e pela cronologia dos eventos, a “clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas, entre os atos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência e as [...] participações políticas em manifestações espontâneas paralelas”;

b) respeitadas essas bordas, o primeiro investigado “migrou, ao longo da jornada diária, fática e juridicamente, da condição de Presidente da República para a condição de candidato à reeleição”;

c) os fatos devem ser compreendidos a partir da primazia da influência pessoal do primeiro investigado na mobilização de uma base de apoio político já cativa, que compareceria a qualquer movimento convocado por aquele, tal como se ilustra pelo ocorrido em 07/09/2021, de modo que a existência do evento oficial, com desfile cívico-militar chega a ser um “indiferente jurídico”;

d) o espaço democrático das ruas, na data comemorativa, poderia ter sido igualmente explorado pelos demais candidatos, o que não foi feito; e

e) a permanência de pessoas na Esplanada para ouvir a fala política do primeiro investigado ocorreu e forma espontânea e as manifestações populares ocorridas em diversas capitais, atendendo ao chamado do então candidato à reeleição, refletem “pleno e sadio exercício da liberdade de expressão de uma parcela considerável da cidadania brasileira”.

Essas, em breve apanhado, as narrativas fáticas em disputa na ação.”;.

 

k) delimitação das questões de direito, com a seguinte fundamentação:

“Embora seja de rigor afirmar que o réu se defende dos fatos e não da qualificação jurídica dada a estes, é certo que as particularidades das ações eleitorais exigem que, ao ter início a fase instrutória, tenha-se plena ciência das questões de direito que serão relevantes para o deslinde do feito. Isso porque, em Direito Eleitoral, uma mesma conduta pode ser capitulada sob a ótica de ilícitos diversos, com consequências distintas.

Tais ilícitos possuem elementos típicos próprios que influem na iniciativa probatória das partes. Por exemplo, o que é suficiente para demonstrar que foi realizada propaganda irregular, punível com multa mediana, pode não bastar para a condenação por conduta vedada ou por uso indevido de meios de comunicação. Do mesmo modo, e com especial interesse para a AIJE, cada modalidade abusiva possui características próprias, que devem ser levadas em conta ao longo da instrução.

No caso vertente, as teses jurídicas deduzidas pela autora encontram-se bem delimitadas. Imputa-se aos investigados, nesta demanda, a prática de abuso de poder político e econômico, ante o alegado desvio de finalidade dos eventos comemorativos do Bicentenário da Independência – e de toda o aparato estatal utilizado para viabilizá-los –, que, em razão do sequenciamento de atos e da apropriação simbólica, teriam conferido aos atos eleitorais subsequentes “força maior que um comício qualquer teria”.

Ao longo da exposição, a autora menciona que a vislumbrada violação ao art. 73, I e III, da Lei 9.504/97 atingiu gravidade suficiente para configurar as práticas abusivas descritas no art. 22 da LC 64/90, tanto em função da alta reprovabilidade do desvio da máquina pública, quanto em função do elevado número de pessoas impactadas.

Ao refutar a configuração dos ilícitos em comento, os investigados, além de se oporem à ocorrência do desvio de finalidade – por entender que houve exitosa separação fática e jurídica entre os eventos oficiais e os atos de campanha –, afirmam que os fatos não são graves o suficiente para afetar os bens jurídicos tutelados pela AIJE. 

Primeiro, por entenderem que não é reprovável o uso feito pelo primeiro investigado do poder político que amealhou como liderança de bandeiras específicas. Segunda afirmam, este é o fator central do forte engajamento popular verificado em 07/09/2022, a exemplo do que já ocorrera no ano anterior, sendo irrelevante, do ponto de vista eleitoral, a celebração cívica organizada pelo Poder Público.

Segundo, porque foram episódicos os momentos em que a TV Brasil, “de baixa audiência”, transmitiu a entrevista em que “o primeiro investigado teria se exaltado em suas declarações” e a caminhada feita sem a faixa presidencial ao final da cerimônia oficial.

Terceiro, porque a decisão liminar proferida nos autos e seu cumprimento imediato e em “extensão superior” ao determinado teriam impedido que o material audiovisual produzido no dia 7 de setembro fosse usado na propaganda, mantendo a repercussão das manifestações dentro do “raio de influência política natural dos Investigados”.

Assim, tanto a robustez das fronteiras entre os eventos oficiais e os atos de campanha, quanto a gravidade da conduta, sob o ângulo qualitativo (grau de reprovabilidade) e quantitativo (repercussão no contexto do pleito específico) são pontos controvertidos cuja análise deverá ser balizada pelos elementos probatórios coligidos aos autos.”

l) validação da higidez da prova documental apresentada com a petição inicial e com a contestação, com a reserva de posterior análise de seu conteúdo e valor probante;

m) atribuição aos representados, com fundamento no art. 373, § 1º do CPC, do ônus de comprovar, por meio de documentação idônea, a origem dos recursos utilizados para o custeio dos atos de campanha realizados em Brasília em 07/09/2022, inclusive a montagem da estrutura utilizada para o comício;

n) cotejo dos requerimentos de prova formulados pelos investigados com os pontos controvertidos, sob a ótica da pertinência e utilidade, o que conduziu ao:

n.1) deferimento da requisição de documentos aos Governos do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, abrangendo todos os esclarecimentos de circunstâncias fáticas que podiam ser produzidos por documentos em poder de órgãos públicos, aos Comandos das Forças Armadas e à Advocacia-Geral da União, com a necessária adequação do objeto do pedido em relação ao último;

n.2) deferimento da oitiva de Cláudio  Castro, Ibaneis Rocha, Ciro Nogueira Lima Filho, João Henrique Nascimento de Freitas, Paulo Sérgio Nogueira de Carvalho, Flávio Botelho Peregrino, Luiz Cláudio Macedo Santos e Dom Marcony Vinícius Ferreira, testemunhas arroladas pelos réus cuja utilidade restou devidamente justificada, em razão da função que ocupavam à época dos fatos e à participação que tiveram na organização do evento;

n.3) indeferimento da oitiva de Luiz Fernando Bandeira de Mello, José Pedro e Emmanoel Pereira, em razão da não apresentação de justificativa plausível para os depoimentos e de indicação precisa de algum aspecto da controvérsia que tangencie fato de conhecimento dos arrolados;

o) determinação, de ofício, da oitiva de Daniel Lúcio da Silveira, pessoa que, sem ter vínculo com o governo federal, subiu à tribuna de honra do evento oficial realizado no Rio de Janeiro, no Forte de Copacabana;

p) verificação da necessidade de complementação das provas requeridas, com a determinação, de ofício:

p.1) de requisição de documentos à TV Brasil;

p.2) de requisição de documentos e esclarecimentos ao Ministério das Comunicações, ao Ministério da Defesa e à Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro; e

p.3) compartilhamento de prova documental acostada nos autos da RepEsp 0600984-57 e da AIJE 0601002-78;

q) determinação de expedição de ofícios ao Governo do Distrito Federal, ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, ao Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, ao Ministro das Comunicações, ao Ministro da Defesa, aos Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, ao Advogado-Geral da União e à  TV Brasil, para que, no prazo de 5 (cinco) dias, fornecessem os documentos que lhe foram requisitados;

r) determinação de que fossem trasladadas para os presentes autos, cópia dos documentos de IDs 158041647, 158041648, 158041649 e 158041650, juntados aos autos da RepEsp nº 0600984-57; e IDs 158123721 e 158252975, juntados aos autos da AIJE nº 0601002-78; e

s) designação de audiências para oitiva das testemunhas.

Em vista dos autos, a Procuradoria-Geral Eleitoral informou não vislumbrar a necessidade de outras provas (ID 159435122).

Os investigados interpuseram agravo interno contra a decisão de saneamento e organização do processo, sustentando (ID 159407520):

a) ser “necessária reunião processual das ações conexas”, com prolação necessariamente de “decisão única”, alegando que “não há razão legítima para que se acelere o julgamento de uma ou outra ação em detrimento das demais, amesquinhando-se a adequada instrução probatória de todos os feitos, cujas provas, relativas aos MESMOS FATOS, aproveitam-se reciprocamente ao deslinde do alegado abuso de poder”;

b) violação à isonomia e equívoco no não reconhecimento do litisconsórcio necessário com os responsáveis por movimentos cívicos, pois o autor da ação de investigação judicial eleitoral, demanda de ordem pública, não teria “a faculdade de escolher quais, dentre os múltiplos envolvidos, serão eventualmente punidos e quais não se sujeitarão a investigação”;

c) equívoco no não reconhecimento do litisconsórcio passivo necessário com a União, uma vez que existe “a quem competiria trazer, enquanto Estado, importantes informações para o deslinde do feito”;

d) a necessidade de oitiva das testemunhas Luiz Fernando Bandeira de Mello, José Pedro e Emmanoel Pereira, que “compareceram presencialmente ao evento na condição de representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Conselho Nacional de Justiça e da República de Cabo Verde”, pois “pretende-se perquirir das autoridades arroladas até que momento estiveram presentes no evento, se presenciaram a prática de algum ato de campanha na realização dos desfiles cívicos-militares, se podem dizer sobre o momento em que houve a cisão entre a conduta do Presidente e do Candidato”, enfatizando que “dispõem de 12 (doze) testemunhas por dicção legal”.

Com esses argumentos, requereram a cassação de decisões de saneamento proferidas nas AIJEs conexas, a fim de que seja determinada a “tramitação unificada” e o “saneamento conjunto” ou, ao menos, o sobrestamento das demais ações; o reconhecimento da necessidade de formação de litisconsórcio passivo, “assentando-se, por consequência, a decadência do pedido inicial”; e o deferimento de toda a prova testemunhal requerida.

A Secretaria Judiciária certificou que não realizaria atos de processamento em relação ao agravo interno interposto, “em vista da natureza interlocutória da Decisão ID 158815332 e em observância ao artigo 19 da Resolução-TSE nº 23.478. de 10 de maio de 2016” (ID 159410212).

Os investigados apresentaram nova manifestação, em que questionaram o procedimento da Secretaria Judiciária e requereram “o imediato processamento da petição de ID 159407520 como pedido de reconsideração, com imediato encaminhamento ao il. Relator, diante da urgência que o caso requer” (ID 159415761).

Conheci do agravo interno como pedido de reconsideração, em decisão na qual, de início, atestei o regular procedimento da Secretaria Judiciária e a desnecessidade de “encaminhamento” do feito ao relator, tendo em vista que a ciência e a análise de petições são viabilizadas pelo sistema PJe independentemente de conclusão de autos. Indeferi os requerimentos, tendo em vista constatar a mera discordância com a forma de condução do processo, e que estavam ausentes razões para rever a rejeição das preliminares e o indeferimento da prova testemunhal. Transcrevo trechos da fundamentação (ID 159429604):

“Conforme já consignado, as decisões interlocutórias em AIJE são irrecorríveis de imediato. Por esse motivo, conheço da petição ID 159407520 como pedido de reconsideração e, não obstante inexista obrigação de exame imediato de tal sorte de inconformismo, passo a tecer algumas considerações a seu respeito, em prestígio ao amplo debate processual, sem prejuízo do aprofundamento da matéria, se assim fizer necessário, em momento oportuno.

2.1 Insurgência contra a forma de condução do processo

Da leitura da petição em referência, constata-se haver profunda discordância, por parte dos candidatos investigados, em relação à condução do processo. Em sua leitura, a metodologia aplicada estaria imprimindo “artificial celeridade” à tramitação e violando garantias processuais.

Os argumentos, que desconsideram a analítica exposição sobre o ponto na decisão de organização e saneamento do processo (ID 158815332), não encontram respaldo quer na legislação, quer na natureza e na fundamentação das providências criteriosamente adotadas.

Com efeito, após destacar, com base na jurisprudência do TSE e no recente julgamento da ADI nº 5507 pelo STF, que os efeitos da conexão devem ser avaliados sob a ótica da racionalidade processual, desdobrei a resposta ao requerimento em três aspectos: a reunião dos processos sob mesma relatoria, a instrução conjunta e o julgamento conjunto. Assentei, então, que:

‘a) os feitos já se encontram submetidos à mesma relatoria, à exceção da RepEsp nº 0600991-49, devendo eventual pedido de redistribuição desse processo ser submetido à sua Relatora;

b) no curso da instrução, será pontualmente avaliada a conveniência da adoção de providências comuns, como a produção de prova unificada ou seu compartilhamento, sem prejuízo à atuação autônoma das partes em cada feito e ao exame individualizado de pontos que digam respeito a alguma ação específica; e

c) a possibilidade de julgamento conjunto será oportunamente avaliada, sendo que:

c.1) caso determinada, não prejudicará a solução de questões relacionadas às particularidades de cada caso; e

c.2) mesmo não sendo determinada, conserva-se a diretriz de coerência interdecisória, como comando de solução uniforme nas situações em que idênticos pontos controvertidos venham a ser resolvidos à luz de provas idênticas (julgamento secundum eventum probationis).’

Os argumentos dos candidatos investigados não dialogam com esses fundamentos. A queixa central recai sobre a suposta falta de “razão legítima para que se acelere o julgamento de uma ou outra ação em detrimento das demais, amesquinhando-se a adequada instrução probatória de todos os feitos, cujas provas, relativas aos MESMOS FATOS, aproveitam-se reciprocamente ao deslinde do alegado abuso de poder”.

Não é possível identificar a quê poderia se referir o citado “amesquinhamento da instrução probatória”. As quatro ações conexas contam com três autores, 17 investigados, atuação do MPE, questões fáticas e jurídicas não inteiramente coincidentes e um grande volume de requerimento de provas. Já se determinou a oitiva de dez testemunhas – nove delas a pedido dos candidatos investigados – e a requisição de diversos documentos. Está devidamente assegurado o aproveitamento de provas relativas aos mesmos fatos.

Tudo transcorre de forma organizada, com respeito à iniciativa probatória das partes e à garantia de participação nos atos processuais. Na prática, apenas se evitou que as pontuais particularidades da AIJE nº 0601002-78 se transformassem em injustificável embaraço para a coleta de provas que dizem respeito a questões comuns a todas as ações.

Ao final, sem conseguir descrever qualquer prejuízo decorrente da tramitação independente das demandas, os candidatos requereram uma profunda alteração na forma de condução do processo. Sugeriram que se adotasse uma rígida “tramitação unificada”, com a “reforma das decisões de saneamento já proferidas”, para que o saneamento se dê de forma conjunta, após a apresentação de todas as defesas.

Tal proposta, indubitavelmente, pretende transformar a legitimidade ativa concorrente da AIJE, que a lei concebeu com vistas a melhor proteger os bens jurídicos, em fonte de riscos lotéricos. Com efeito, bastaria uma intercorrência – como, no caso, a não localização de uma coinvestigada em ação conexa a outras três – para que a função judicante da Corregedoria se visse completamente paralisada.

Em síntese, produzir provas ao tempo em que já se tem evidenciada sua utilidade para um conjunto de ações conexas, das quais três estão saneadas, mediante criteriosa análise das questões fáticas controvertidas comuns que poderão ser elucidadas em audiências que concentrarão todas as inquirições dirigidas a essas testemunhas não é uma “aceleração artificial do processo”. É condução racional, atenta à economia processual, ao contraditório substancial, ao tempo disponibilizado pelas testemunhas e aos recursos públicos – humanos e financeiros – envolvidos nas diversas providências para a preparação dos atos.

Assim, descabe atender ao método de condução do processo sugerido pelos candidatos investigados.

2.2 Insurgência contra a rejeição das preliminares de ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União e com os responsáveis por movimentos cívicos

Os investigados reiteram preliminares rejeitadas na decisão de saneamento. No que diz respeito à União, vislumbram que caberia ao ente público “trazer informações” ao processo, na qualidade de investigada. Quanto aos representantes de movimentos cívicos, reputam que se adotou “equivocada acepção de litisconsórcio passivo facultativo”, ao permitir que a ação prossiga somente contra os candidatos.

Quanto ao ponto, constei, ao final da decisão ID 158815332, em que rejeitadas as preliminares, que “tendo em vista a patente rejeição das preliminares suscitadas pelos investigados, já havendo a Corte, inclusive, se pronunciado por duas vezes na AIJE nº 0600814-85 quanto à inexistência de litisconsórcio necessário nos moldes alegados, deixo de submeter a questão de imediato ao Plenário.”

Rememoro, ainda, que, mesmo com o referendo em Plenário da rejeição das preliminares – o que se fez antecipando o exame colegiado, inclusive com sustentações orais – , os ora investigados entenderam, naquele caso, que caberia reiterar uma das alegações já rejeitadas, a saber, incompetência da Justiça Eleitoral. A Corte, deixou de conhecer a alegação, ante a ocorrência de preclusão pro iudicato, mas é de se notar que, na prática, o mesmo ponto teve que ser debatido em três decisões no âmbito do tribunal (decisão de saneamento, referendo, e julgamento final).

Agora, verifica-se a persistência em sustentar que a União deva compor o polo passivo de ação eleitoral, mesmo sem que qualquer iniciativa do ente federado neste sentido, porque lhe competiria trazer informações importantes ao deslinde do feito. Confunde-se, aqui, o papel de parte e de órgão público ao qual podem ser – como foram – requisitadas informações. Nada mais se sustenta em contraponto aos fundamentos já minudentemente expostos sobre o tema.

Além disso, sem concordar que a facultatividade do litisconsórcio significa, exatamente, que a ação possa prosseguir sem a inclusão de responsáveis pelo abuso de poder, afirmam que houve quebra de isonomia, e que seria obrigatório incluir todos os representantes de movimentos cívicos – que estariam, ainda, por ser identificados, a partir de notícia jornalística juntada pelos candidatos. Uma vez que isso não foi feito até diplomação, agregam requerimento de que seja reconhecida a decadência.

O argumento discrepa da jurisprudência já exposta na decisão saneadora, invocando, inclusive, voto vencido do Ministro Luís Roberto Barroso no paradigma do RO-El nº 0603030-63, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 03/08/2021. Saliente-se que o caso julgado versava sobre abuso de poder político e, não, sobre abuso de poder econômico, que é a hipótese em cogitação no que diz respeito à conduta de membros de movimentos cívicos. O então Presidente do TSE, no brilhante distinguishing que fez, expressamente defendeu que o litisconsórcio em abuso de poder econômico era facultativo. Transcrevo trecho do voto do Ministro Luís Roberto Barroso que imediatamente antecede à passagem selecionada pelos investigados em sua petição:

10. Como se sabe, a jurisprudência do TSE, para as Eleições 2016, fixou-se no sentido da obrigatoriedade de formação de litisconsórcio passivo entre os responsáveis pela prática de atos abusivos e os candidatos beneficiados. O entendimento foi aplicado a  todas as modalidades de abuso de poder, após vencida proposta por mim apresentada no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 325-03/MG (de minha relatoria, j. em 22.10.2019), para que fosse afastada essa exigência no caso do abuso do poder econômico. Mas é fato que a maioria do Colegiado reconheceu que o tema merecia reanálise a partir das Eleições 2018.

11. Ocorre que, a partir das reflexões que conduzi sobre a matéria, estou seguro de que a revisão do entendimento deve ser adstrita ao abuso do poder econômico e ao uso indevido dos meios de comunicação. Isso porque, conforme voto por mim proferido no REspe nº 325-03/MG, a cadeia de precedentes que se formou desde as Eleições 2010 contém sólido fundamento para justificar a exigência de que o agente público responsável pelo abuso de poder político integre, necessariamente, o polo passivo da ação.

[...]

16. Chego, então, ao julgamento presente, dizendo que compartilho da preocupação do Ministro Relator com os efeitos deletérios de uma excessiva e injustificada generalização da exigência de formação de litisconsórcio passivo nas ações que apuram abuso de poder. Por isso mesmo é que, no julgamento do REspe nº 325-03/MG, alertei para o fato de que:

“em função das características do abuso de poder econômico em sentido estrito, a extensão da exigência de litisconsórcio passivo necessário à AIJE a em virtude desse ilícito viria a ter por efeito único a inviabilização de sua apuração. Imagine-se exigir, como pretendem os recorrentes, que terceiros que, de qualquer modo, tenham participado dos fatos reputados abusivos sejam elevados a litisconsortes passivos necessários. Até que ponto se estenderia a noção de “responsabilidade” quanto a condutas situadas na cadeia fática que culminou no abuso? Quão analítica precisaria ser a narrativa da petição inicial para que fosse viável? Se não identificados todos os sujeitos que, de um modo ou de outro, tenham praticado atos de expressão econômica, acaso estaria inviabilizada a apuração do abuso em seu conjunto?”.

(sem destaques no original)

Percebe-se então que, no que diz respeito ao abuso de poder econômico, os argumentos expostos pelo Min. Luís Roberto Barroso no julgado citado pelos investigados corroboram a conclusão pela facultatividade do litisconsórcio com eventuais responsáveis pela prática de abuso de poder econômico.

Os candidatos investigados também revolveram argumentos que já haviam sido refutados na decisão saneadora. Descabe aprofundá-los neste pedido de reconsideração, o que fica reservado ao eventual exame pelo colegiado, caso provocado pelos meios próprios.

2.3 Insurgência contra o indeferimento de oitiva de testemunhas

Os candidatos investigados insistiram na oitiva de Luiz Fernando Bandeira de Mello, José Pedro e Emmanoel Pereira, argumentando que essas autoridades “compareceram presencialmente ao evento na condição de representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Conselho Nacional de Justiça e da República de Cabo Verde”. Também disseram que pretendem “perquirir das autoridades arroladas até que momento estiveram presentes no evento, se presenciaram a prática de algum ato de campanha na realização dos desfiles cívicos-militares, se podem dizer sobre o momento em que houve a cisão entre a conduta do Presidente e do Candidato”.

O indeferimento da prova havia ocorrido porque os candidatos não indicaram “um único aspecto da controvérsia que tangencie fato de conhecimento dessas autoridades capaz de particularizá-las em relação aos milhares de espectadores presentes ou, ainda, em relação a outras autoridades e servidores já arrolados, especialmente porque não está em questão reconstituir as minúcias dos fatos havidos em 07/09/2022, mas, sim, escrutinar circunstâncias relevantes já elencadas nesta decisão com base no debate entre as partes”.

A conclusão não se altera diante da nova manifestação dos candidatos investigados. Colocou-se mais ênfase nas autoridades e no limite legal de testemunhas do que nos pontos controversos específicos que demandariam ouvir um Ministro do TST, um Conselheiro do CNJ e o Embaixador de Cabo Verde. Conforme se assinalou ao indeferir as três oitivas, os incisos do art. 454 do CPC não podem se transformar em um catálogo de opções utilizado, intencionalmente ou não, para retardar o trâmite da ação, à míngua de justificativa razoável e proporcional que demonstre a necessidade da oitiva.”

(Destaques no original)

Os investigados apresentaram documentos relativos a gastos realizados com os eventos de campanha realizados em 07/09/2022, desincumbindo-se do ônus que lhe foi atribuído na decisão de saneamento e organização do processo (ID  159407620 a 159407626).

Durante a instrução foram realizadas seis audiências, nas quais foram ouvidas as seguintes testemunhas: Ibaneis Rocha (ID 159448338); Cláudio Castro (ID 159453108); Eduardo Maragna Guimarães Lessa (ID 159478013); Luiz Claudio Macedo dos Santos (ID 159494268), Daniel Lúcio Silveira (ID  159504055) e Ciro Nogueira Lima Filho (ID 159592637).

Os investigados desistiram da oitiva de três testemunhas, já deferidas: João Henrique Freitas (ID 159407627), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (ID 159478012) e Flávio Botelho Peregrino (ID 159484207).

As desistências foram homologadas, ficando, no caso da testemunha Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, reservada nova avaliação para fins de instrução da AIJE 0601002-78 (ID 159429604 e 159577436).

Dom Marcony Vinícius Ferreira não foi ouvido por não ter comparecido à audiência designada para 29/09/2023. Uma vez que não se aplicava à referida testemunha a prerrogativa de intimação pelo juízo, a prova foi declarada preclusa (ID 159577436).

Na sequência, determinei a requisição de documentos à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, tendo em vista anterior remessa limitidamente ao Ministério das Comunicações, e reiterei a requisição dirigida ao Governo do Distrito Federal, diante de aparente incompletude da documentação recebida (ID 159515556).

As requisições e solicitações de documentos, pelos investigados e pelo juízo, foram integralmente cumpridas, constando dos autos:

a) documentos extraídos da RepEsp 984-57 e da AIJE 1002-78 (IDs 159390078 a 159390082);

b) prova documental requisitada ao Governo do Distrito Federal (IDs 159425754 a 159425764 e 159589919 a 159589946);

c) prova documental requisitada ao Governo do Rio de Janeiro (ID 159432377);

d) prova documental requisitada à Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (ID 159444311);

e) prova documental requisitada ao Ministério das Comunicações (IDs 159426402 a 159426421, 159425950 e 159425951);

f) prova documental requisitada ao Ministério da Defesa (IDs 159432358 a 159432361);

g) prova documental requisitada aos Comandos do Exército (IDs 159504064 e 159504066), da Marinha (ID  159423060) e da Aeronáutica (IDs 159507661 a 159507674);

h) prova documental requisitada da Advocacia-Geral da União (IDs 159426477 e 159426478 e 159430042 a 159430044);

i) prova documental requisitada da TV Brasil (ID 159448317);

j) prova documental requisitada da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (IDs 159593936 a 159593952).

Concluída a colheita de todas as provas, a instrução foi encerrada, expedindo-se intimações: a) às partes, para apresentarem alegações finais no prazo comum de dois dias, e b) ao Ministério Público Eleitoral, para apresentar parecer nos dois dias imediatamente subsequentes ao término do prazo de alegações finais, independentemente de nova intimação (ID 159595693).

Determinou-se, ainda, a juntada imediata da transcrição dos depoimentos, o que foi cumprido em 04/10/2023 (IDs 159601555 a 159601561).

As partes foram intimadas pelo DJE em 05/10/2023.

Os investigados apresentaram alegações finais, comum a esta AIJE, à Rep. Esp. 0600984-27 e à AIJE 0600972-43, requerendo, sucessivamente: a) a extinção do processo sem resolução de mérito, em razão da decadência; b) a reunião de todas as ações conexas para julgamento conjunto; c) a retomada da fase instrutória, com a oitiva da integralidade das testemunhas arroladas pela defesa; d) o julgamento de improcedência do pedido; e e) na hipótese de se entender configurada a conduta vedada pelo art. 73 da Lei das Eleições, a aplicação apenas da sanção de caráter pecuniário (ID 159608585).

Primeiramente, com base no art. 48 da Res.-TSE nº 23.608/2019, renovam questões processuais já enfrentadas na decisão de saneamento e organização do processo (ID 158815332) e na decisão de indeferimento do pedido de retratação (ID 159429604). Com isso reiteram:

a) a preliminar de exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União e com os responsáveis por movimentos cívicos que apoiavam o primeiro investigado, afirmando que a liminar deferida implicou em inequívoca restrição ao patrimônio público da União e que “não se pode desconsiderar a incindibilidade da relação jurídica da União e dos Movimentos organizados (ora indicados) com os eventos descritos na petição inicial”;

b) a discussão acerca sistemática aplicada para o processamento desta AIJE e das demais ações que lhe são conexas, insurgindo-se contra o fato de que houve o encerramento da instrução apenas das AIJEs 0600986-27 e 0600972-43 e da RepEsp 0600984-57, ao argumento de que, nos termos dos arts. 55, §1º, CPC e 96-B da Lei nº 9.504/97, o julgamento conjunto das ações conexas é impositivo e visa “permitir a formação de ‘convicção única’ do julgador”, o que não será possível caso as demandas tenham seu processamento e julgamento acelerado em detrimento da AIJE 0601002-78, que trata dos mesmos fatos;

c) a insurgência contra o indeferimento da oitiva de três das testemunhas por eles arroladas, afirmando que:

c.1) a produção da prova, requerida em observância ao limite legal, foi suficientemente justificada e o seu indeferimento implicou em “verdadeira antecipação de juízo de valor sobre um testemunho que sequer chegou a ocorrer”;

c.2) a oitiva das testemunhas  interessa às teses da defesa e tem como foco demonstrar que houve atenção na cisão dos evento oficiais e políticos e que o segundo investigado teve participação episódica e na simples condição de General do Exército Brasileiro;

c.3) as informações a serem fornecidas pelas testemunhas, que compareceram aos eventos em discussão e tem conhecimento dos fatos, são indispensáveis para fortalecer as teses da defesa;

c.4) a produção da prova é indispensável para assegurar as garantias do contraditório, da motivação e fundamentação das decisões, do devido processo legal e do acesso à justiça; e

c.5) o fato de ter sido inquirida uma testemunha do juízo não agrega à estratégia da defesa e demonstra que houve uma indevida inversão, privilegiando-se a instrução pelo Corregedor em detrimento do interesse probatório dos investigados.

Quanto ao mérito, sustentam que:

a) a prova produzida corroborou a tese defensiva, demonstrando que no dia 07 de setembro de 2022 ocorreram eventos oficiais em comemoração ao Bicentenário da Independência, aos quais quais o primeiro investigado compareceu na qualidade de Presidente da República, sem proferir discursos ou adotar comportamentos político-eleitorais típicos de campanhas, e, na sequência, atos político-eleitorais, apartados fisica e temporalmente dos eventos oficiais, aos quais o primeiro investigado se dirigiu após o encerramento do evento público, a pé e sem faixa presidencial, para discursar em veículos particulares àqueles que se dispuseram a ouvi-lo;

b) os depoimentos prestados por Ibaneis Rocha Barros Júnior, Cláudio Bomfim de Castro e Silva e Ciro Lima Nogueira Filho confirmam que “os Investigados fizeram clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas, entre os atos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência”, separação que também se evidencia a partir da leitura atenta das matérias jornalísticas que repercutiram os fatos;

c) os fatos devem ser analisados segundo a efetiva percepção das milhares de pessoas que compareceram aos eventos e não “com os olhos da imprensa”;

d) ao fim do desfile cívico-militar, os cidadãos que se dispuseram a descer das arquibancadas e acompanhar o discurso proferido pelo primeiro investigado o fizeram em razão de seu interesse político, e não cívico, pois: “(i) o púlpito de honra foi desfeito e as autoridades e os convidados presentes deixaram o local pela região dos anexos dos Ministérios; (ii) foram esvaziadas as arquibancadas, todas elas, sem exceção, postadas para a pista de asfalto onde houve o desfile foram esvaziadas pela parte de trás; e (iii) os telões, voltados para o gramado, foram efetivamente desligados”;

e) a maciça participação popular na comemoração do Bicentenário da Independência deu-se, em certa medida, em razão do prestígio pessoal do primeiro investigado e da base política construída ao longo de seu governo, tanto que o número de pessoas que se dispuseram a ouvir o seu discurso em 2021 foi próximo, se não maior, do que o número de espectadores em 2022;

f) a separação e a distinção entre o evento oficial e o ato político-eleitoral também restaram demonstradas na cobertura realizada pela TV Brasil, interrompida no exato momento do encerramento do primeiro;

g) não restaram demonstradas a apropriação simbólica da comemoração do Bicentenário da Independência para fins eleitorais ou o uso efetivo de bens públicos em proveito real e concreto da candidatura, tendo o primeiro investigado exercido seu papel de Chefe de Estado, nos estritos limites da Constituição Federal;

h) os depoimentos prestados por Eduardo Maragna Guimarães Lessa, Luiz Cláudio Macedo dos Santos, Ibaneis Rocha Barros Júnior e Cláudio Bomfim de Castro e Silva, assim como a prova documental encaminhada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, comprovaram que a organização dos eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência transcorreram de forma normal, sem qualquer participação do primeiro investigado, que “jamais interferiu politicamente ou utilizou-se do cargo para obter dividendos eleitorais ou desvirtuar o evento comemorativo”;

i) “as provas coligidas aos autos ao longo da instrução densificam a tese defensiva, ao evidenciar que nenhum recurso público, seja material ou humano, foi utilizado em prol de qualquer candidatura, fosse a dos Investigados ou de seus correligionários”;

j) a separação dos eventos também foi observada do ponto de vista econômico, já que a contratação da estrutura necessária para a realização do desfile cívico militar foi realizada pelo Ministério das Comunicações, com o preço total de R$ 3.718.268,45, enquanto “todos os gastos com locação e montagem das grades de proteção de onde partiu a motociata no Rio de Janeiro (ID. 159407634 - R$ 7.920,00); aluguel de uma motocicleta - utilizada pelo primeiro Investigado no evento político-eleitoral (ID.159407635); locação dos veículos de suporte utilizados nos dias 07 e 08 de setembro (R$ 6.473,00) e voo (R$ 18.417,11), foram custeados pela campanha”;

k) a improcedência da ação também se evidencia porque “não [foi] verificada a assunção de uma posição favorável aos Investigados pela TV BRASIL e, muito menos, a conversão de seus aparatos instrumentais em ferramentas eleitorais”;

l) a comemoração da Independência é data de forte conotação política, a exemplo da realização do “Grito dos Excluídos”, promovido pela CNBB desde 1995, surpreendendo a atitude passiva dos demais candidatos, que optaram por distanciar-se do povo nesta data para depois socorrerem-se do Poder Judiciário, ao argumento de abuso de poder político;

m) antes mesmo de serem intimados do deferimento de medida liminar, os investigados cessaram imediatamente a utilização de imagens dos eventos, “independentemente da (a) natureza jurídica das imagens (se relativas à fase oficial do evento, com Bolsonaro enquanto Presidente da República, ou alusivas à etapa privada daquela jornada diária, com Bolsonaro enquanto candidato à reeleição) e pouco importando se (b) as imagens foram capturadas não só em Brasília ou Rio, mas também em São Paulo, Curitiba, Campo Grande e Porto Alegre”, ressaltando que eventos assemelhados aos de Brasília e do Rio de Janeiro ocorreram em outras 19 cidades brasileiras;

n) o cumprimento expandido da liminar concedida “evitou que os Investigados irradiassem em sua propaganda eleitoral os apoios recebidos no 7 de setembro, que vieram de quase todas as Capitais do Brasil, cessando qualquer gravidade eleitoral que, mesmo em tese, as imagens dos eventos pudessem assumir”;

o) os atos político-eleitorais realizados em todo o Brasil, em atendimento à “convocação [realizada pelos investigados] de sua base política para que fossem às ruas no 7 de setembro, representaram o “pleno e sadio exercício da liberdade de expressão de uma parcela considerável da cidadania brasileira”, sem reverberar propaganda eleitoral dos investigados, razão pela qual não se pode cogitar de abuso de poder político;

p) os fatos tratados na demanda não ostentam gravidade suficiente para a atrair a sanção de inelegibilidade e, em atendimento ao princípio da proporcionalidade, eventual procedência da ação somente poderá acarretar a aplicação de multa, na medida em que:

p.1) “[a] entrevista episódica para TV BRASIL, de baixa audiência, tratando de temas de interesses sociais” e a separação os momentos de suas atuações institucionais e políticas demonstram que o primeiro investigado não teve o “dolo de conspurcar a vontade do eleitorado”;

p.2) restou demonstrada “a moderação de todos os discursos de que se tem conhecimento, com destaque para a simples mobilização da base de apoio dos Investigados acerca das bandeiras normalmente defendidas pelo candidato Bolsonaro”;

p.3) os recursos despendidos com a montagem da estrutura de palcos e arquibancadas eram necessários para a realização do desfile-cívico militar e não exorbitaram os gastos realizados nas comemorações de 2019, devendo-se considerar “a própria magnitude do evento do bicentenário da Independência – e não de um 7 de setembro cotidiano - e a ausência de comemorações nos anos anteriores por conta da Pandemia do COVID-19”;

p.4) “em nenhum momento, os Investigados se utilizaram dessas estruturas para realizarem discursos, tampouco para pedir votos”.

Na sequência, vieram aos autos as alegações finais da autora (ID 159614701), manifestação que se conclui com o requerimento de que os investigados sejam condenados pela prática de abuso de poder político e econômico, com a decretação de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos e remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de investigação para apuração de improbidade administrativa e de ação penal. Colhem-se os seguintes argumentos:

a) a demanda não pretendeu questionar a importância e a legalidade da realização dos já tradicionais eventos em comemoração à Independência, mormente em seu bicentenário, tampouco opor-se à vantagem inerente à reeleição, mas sim impugnar o uso das referidas festividades, com evidente desvio de finalidade, para favorecer a campanha eleitoral dos representados;

b) não se questiona as premissas da defesa de que no palanque oficial não se realizou nenhum discurso e de que não houve gasto direto de recursos públicos para financiar as estruturas dos eventos eleitorais ocorridos após as comemorações oficiais, assim como na captação de imagens e ações de marketing, as quais foram integralmente custeadas com verbas da campanha;

c) o fundamento da ação é a tese de que “a evidente finalidade desses atos [oficiais] foi promover essa mistura do público com o privado com o objetivo de transmitir ao eleitor uma imagem de força, apoio e poder em dimensão que não é do candidato, mas, sim do Estado Brasileiro” e que, ao organizarem eventos sequenciados, a poucos metros de distância, os representados pretenderam utilizar a “ estrutura dimensionada para o maior e mais importante evento nacional, com o claro objetivo de impulsionar sua campanha”;

d) o Governo Federal organizou, além dos tradicionais desfiles em comemoração ao Dia da Independência, outros eventos relacionados ao seu Bicentenário, como a chamada “Cerimônia Cívico-Militar” no Rio de Janeiro e uma “apresentação piromusical que, cobrindo os céus da esplanada, unirá à queima de fogos o entoar do Hino da Independência”, à meia-noite do dia 07/09/2022, na Torre de TV, em Brasília;

e) são fatos incontroversos que ao término do desfile cívico-militar realizado em Brasília, o primeiro representado, no exato instante em que encerra o evento oficial - e, de forma abrupta e constrangida sua transmissão pela TV Brasil - desceu da tribuna de honra, acompanhado da ex-primeira-dama e de apoiadores, e se dirigiu a um trio elétrico estrategicamente colocado ao lado do desfile - que fora custeado por seu apoiador, Silas Malafaia -, no qual proferiu discurso de caráter eminentemente eleitoral para o mesmo público que comparecera ao evento oficial;

f) tal como afirmado pela defesa, “as bordas que dividiram o evento público do evento privado são mesmo cirúrgicas de tão milimétricas”, contudo, “é exatamente essa linha milimétrica que acaba por permitir o entrecruzamento do interesse público com o interesse privado, revelando a pretensão de atingir finalidade diversa daquela permitida. Foi essa cirurgia que teve a pretensão de ser limpa que se deu vazão ao desvio revelador de finalidade claramente diversa da permitida pela lei”;

g) no Rio de Janeiro “ a situação foi ainda mais grave: ao argumento de que se estaria comemorando o Bicentenário, o local do evento foi alterado – em que pese sua locação sempre tenha sido a mesma há anos – de modo a coincidir com o comício também sequenciado por minutos e pouquíssima distância”;

h) ao contrário de demonstrar cautela, o fato de que nos atos oficiais não foram proferidos discursos evidencia a estratégia de “reter a atenção do público e da imprensa no evento de campanha, esvaziando qualquer interesse do evento oficial” e com isso se utilizar de toda a estrutura montada pelo Estado para a tradicional comemoração para, fazendo um discurso eleitoral a alguns metros dali, transformar o evento oficial e um comício;

i) “quando o ex-Presidente assume o risco de realizar um Comício tão próximo, com o mesmo público e, praticamente, ao mesmo tempo de um evento incontestavelmente público, atrai para si o ônus de comprovar que não se beneficiou dessa confusão do público com o privado. E, a verdade, é que, em momento algum se desfez deste ônus. Ao contrário, pretende insistir que metros e minutos são suficientes para separar o que ninguém dividiu”;

j) a confusão entre o evento oficial realizado em Brasília e o ato político que se seguiu na Esplanada dos Ministérios restou evidenciada pela seguinte fala da apresentadora do comício: “Presidente da República é Jair Bolsonaro. É a comemoração de 200 anos com o capitão do povo. Ele é de Deus, ele é do povo. Vamos lá.”, seguida do jingle de campanha. “Presidente, um abraço continue com o carinho do povo brasileiro. Mito. Mito”;

k) tal como anunciado pelo primeiro representado ao final do discurso proferido em Brasília, no Rio de Janeiro a mesma estratégia foi repetida no período da tarde: após ter participado de evento oficial - que, embora tradicionalmente se realize no centro da cidade, no período matutino, no ano de 2022 foi transferido para o Forte de Copacabana e se realizou no período vespertino -, para o qual previamente convocou seus apoiadores, para que lá comparecessem como forma de “demonstrar a força de sua plataforma político-eleitoral”, dirigiu-se a um trio elétrico estacionado a poucos metros de distância e de lá proferiu discurso eleitoreiro; e

l) a instrução demonstrou que os investigados, ademais de violarem o art. 73, I e III, da Lei nº 9.504/97, incorreram na prática de abuso de poder político e econômico, pois, além da “probabilidade dos fatos interferirem no resultado do pleito, mas as milhões de pessoas atingidas pelo ato ilícito – não apenas presencialmente, mas pela cobertura midiática e pelas redes sociais que tinham foco também no bicentenário”, as circunstâncias de revelaram graves;

m) do ponto de vista qualitativo, a gravidade restou demonstrada “pois os requeridos estruturaram o evento de modo a viabilizar a realização dos atos de campanha. E mais: potencializá-los com o maior alcance possível, a fim de demonstrar força maior que um comício qualquer teria”, enquanto o critério quantitativo se evidencia “[d]as imagens e o que os próprios representados relatam do evento falam por si: milhões de pessoas atingidas. Vídeos na imprensa tradicional e na internet”;

n) destaca-se, em relação ao critério qualitativo, que “[o]s requeridos fizeram o que de mais grave um presidente da república que concorre à reeleição pode fazer: explorar sua atuação como Chefe de Estado, em ocasião inacessível a qualquer dos demais competidores, para fazer crer que a presença de milhares de pessoas na Esplanada dos Ministérios e no Rio de Janeiro, com a finalidade de comemorar uma data cívica, seria fruto de mobilização eleitoral em apoio à sua candidatura” e que o potencial dos eventos não passou despercebido pelos investigados, tanto que o Governo Federal constituiu Grupo de Trabalho para organizar o evento e a SECOM expressamente reconheceu, no documento juntado no ID 159426403, que eventos como o desfile cívico-militar “são considerados como ação de divulgação institucional governamental”, nos quais “os canais próprios de comunicação do Governo Federal, a integração de ferramentas (publicidade, comunicação digital, imprensa e relações públicas), bem como a atuação da mídia espontânea, contribuem para sua divulgação em massa, potencializando a cadeia de eventos da mesma natureza realizados por todo o País”; e

o) o aproveitamento da estrutura estatal estaria evidenciada também pela licitação levada a cabo pela SECOM, que tinha como objeto “Planejamento, coordenação, supervisão e execução das ações para a realização do Desfile de 07 de setembro de 2022, no período pré-evento, durante e pós-evento conforme especificações do Termo de Referência e seus anexos”; assim como do aditivo contratual firmado sob a justificativa de “atender a previsão de aumento da participação da população no Desfile Cívico-Militar de 7 de setembro, concernente às comemorações alusivas ao Bicentenário da Independência do Brasil” ID 159426406.

A Procuradoria-Geral Eleitoral ofereceu parecer no qual opina pela rejeição da preliminar de ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário e das questões processuais suscitadas pelos investigados e, no mérito, pela parcial procedência dos pedidos, a fim de que, reconhecida a prática de abuso de poder político pelo primeiro investigado, Jair Messias Bolsonaro, seja declarada sua inelegibilidade.

Embasa a manifestação nos seguintes pontos (ID 159629458):

a) não há controvérsia quanto a realização de atos de campanha eleitoral dos investigados, que se seguiram aos eventos oficiais de comemoração ao Bicentenário da Independência nas cidades de Brasília e do Rio de Janeiro;

b) a prova produzida demonstrou que os eventos oficiais foram organizados e custeados pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Defesa e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, que contou com orçamento de R$ 8.495.463,00 (oito milhões, quatrocentos e noventa e cinco mil, quatrocentos e sessenta e três reais) para fazer frente à participação das Forças Armadas, e que o desfile cívico-militar realizado em Brasília foi transmitido ao vivo pela Empresa Brasileira de Comunicação – EBC, cobertura que contou com entrevista do primeiro investigado e comentários jornalísticos;

c) os elementos coligidos aos autos comprovam que, ao contrário do afirmado pelos investigados, não houve uma separação efetiva e uma diferenciação nítida entre os eventos oficiais e os atos de campanha que se seguiram;

d) a “intencional hibridação dos eventos oficiais, custeados pelo Governo, com os atos de campanha do candidato à reeleição” pode ser percebida a partir da análise de fatos ocorridos antes, durante e depois dos atos oficiais realizados em comemoração ao Bicentenário da Independência;

e) as peculiaridades na organização dos eventos e a participação de entidades e pessoas estranhas ao Governo Federal indicam “um nível organizacional atípico para um ato de caráter exclusivamente oficial”, especialmente em relação:

e.1) a ampla divulgação dada aos eventos oficiais do Bicentenário da Independência, em uma “conjugação de esforços institucionais” que contou, de um lado, com a divulgação de publicidade institucional pelo Ministério do Turismo, e, por outro, com a atuação pessoal do primeiro investigado, candidato à reeleição, que se utilizou “de entrevistas nos meios de comunicação social, de discurso na convenção partidária do Partido Liberal (como mostram as postagens em rede social feitas pelo pré-candidato à Deputado Federal Delegado Ramagem e pelo Deputado Federal Carlos Jordy), bem como por intermédio de inserções no horário eleitoral gratuito” e de entrevista concedida à EBC na manhã do dia 7 de setembro, nas dependências do Palácio da Alvorada, para conclamar a população a comparecer aos “festejos programados pelo Governo”;

e.2) o envolvimento de grupos sociais que apoiavam a campanha à reeleição do primeiro investigado, evidenciado pelo custeio de outdoors convocando a população a participar dos eventos alusivos ao Bicentenário da Independência e pelos contatos entre o Movimento Brasil Verde e Amarelo e o Comando Militar do Planalto “ com vistas a viabilizar a participação de tratores no desfile oficial, a denotar a finalidade político-eleitoral que se pretendia colar às celebrações oficiais”, posteriormente formalizados em ofício encaminhado ao Ministério da Defesa, por meio do qual a referida organização solicitou “autorização para ‘a inclusão de 27 tratores para participarem do desfile oficial cívico-militar de 7 de setembro, sendo que cada trator representará, simbolicamente, um estado da Federação, com a fixação das bandeiras dos respectivos Estados seguindo a ordem de criação de cada um deles’”;

e.3) o abandono do tradicional desfile realizado na Av. Presidente Vargas e a escolha da orla de Copacabana para sediar a comemoração do Bicentenário da Independência na cidade do Rio de Janeiro, escolha essa realizada pelo Governo Federal - e informada aos governos locais pelo Comando Militar do Leste -, apesar da inusitada e “nada inadvertida coincidência de ser a famosa praia espaço regularmente ocupado por atos de apoio político ao investigado Jair Bolsonaro”;

f) fatos ocorridos durante a realização dos eventos oficiais também demonstram a “estratégia de fusão dos eventos oficiais de desfiles militares e de ritos institucionais com os atos de campanha do primeiro investigado”, destacando-se:

f.1) a efetiva participação de tratores no desfile cívico-militar, “dirigidos por pessoas que envergavam camisas com dizeres de apoio ao candidato à reeleição”, o que “trouxe ao evento de caráter institucional a presença de parcela do setor do agronegócio, tradicionais apoiadores políticos do Presidente da República”;

f.2) “o fato de os palanques oficiais estarem também compostos por notórios partidários políticos do candidato, provindos do mundo econômico, como se deu com a presença ali, e em posição de realce, do empresário Luciano Hang”;

g) o sucesso dessas estratégias, em especial do esforço conjugado na convocação da população, fez com que o grande público que compareceu aos eventos em Brasília e no Rio de Janeiro tenha contribuído para “a absorção daquelas cerimônias cívicas pela campanha eleitoral, num movimento à toda evidência previamente desejado e arquitetado”, o que se demonstra:

g.1) pelo “entroncamento dos atos oficiais com os eleitorais [que] formou um único campo visual para o público presente e para os que assistiram a reportagens a respeito”;

g.2) pela extrema e estratégica proximidade entre os eventos, que permitiu uma transição rápida entre a estrutura montada pelo poder público e as estruturas autônomas montadas pela campanha, nas quais foram proferidos discursos eleitorais a cerca de 300 metros de distância dos eventos oficiais, ressaltando que “[a] percepção de um só cenário não absorveria as diferenciações ‘cirúrgicas’ que teriam sido traçadas entre o espaço oficial e o da campanha”;

g.3) pela “coincidência das festividades patriotas com o discurso de preservação da mesma pátria, que estaria, segundo o seu autor, em risco nas eleições do mês seguinte”, pois, não apenas para os presentes, mas também para aqueles que acompanhavam a cobertura jornalística dos eventos “[c]elebrar a pátria, a independência do país e reverenciar a sua potência militar era também festejar o candidato à reeleição, a sua vinculação com as forças armadas e o seu compromisso com os valores enaltecidos na comemoração oficial”;

h) o desvio de finalidade e o abuso do poder político teriam ficado ainda mais evidente no episódio “[da] retirada da faixa presidencial quando do breve deslocamento do palanque oficial para o eleitoral, em Brasília [que], nessas circunstâncias, assume medidas de aparatosa audácia”, gesto que “diz mais do que se queria fazer crer do que daquilo que se estava a realizar”, pois:

h.1) “[a] ênfase no gesto mostra que o candidato sabia que não poderia estar na condição de Presidente da República no palanque de finalidade eleitoral”; e

h.2) “[o] gesto, afinal, se desvaneceu, diante do conjunto dos comportamentos e dos fatos ocorridos no mesmo dia”, em vista dos quais se constata que “procurou-se, de modo nem sempre sutil e por meio de ações de pouca relevância prática, encobrir a indubitável absorção do evento cívico”; i) as medidas adotadas pelos investigados para supostamente delimitar os eventos, embora ostensivas, não eram  dotadas “de nenhum efeito prático para evitar o que a lei proíbe”, o que caracteriza, nos termos de recentes julgados deste TSE, fraude à lei, que, no presente caso, é capaz de caracterizar o abuso do poder político pelo uso da máquina administrativa em favor de candidatura;

j) a gravidade da conduta está demonstrada pela “apropriação de segmentos da estrutura administrativa do Estado com desvirtuamento de atos oficiais comemorativos de data de singular relevância simbólica no calendário cívico”, pela proximidade dos fatos com a eleição, que se realizaria em menos de um mês, e da magnitude dos eventos, que atingiram “[a]s multidões em Brasília e no Rio de Janeiro que participaram dos atos e os tantos que deles tiveram notícia”, o que evidencia a inequívoca influência dos atos sobre a lisura do pleito; e

k) a responsabilidade do primeiro investigado pela prática ilícita está devidamente demonstrada, não se comprovando, de outro lado, participação ou anuência do segundo investigado.

É o relatório.

Remeta-se o feito à Presidência,  solicitando-se que sejam incluídas em pauta, para julgamento conjunto, as AIJEs 0600972-4 e 0600986-27 e a RepEsp 0600984-57.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília/DF, 15 de outubro de 2023.

 

MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral.