TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

REFERENDO NA REPRESENTAÇÃO Nº 0600855-52.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados: Cristiano Zanin Martins – OAB: 172730/SP e outros

Representado: Eduardo Nantes Bolsonaro

Advogados: Karina de Paula Kufa – OAB: 245404/SP e outro

Representada: Mare Clausum Publicações Ltda.

Representado: José Fernandes Linhares Júnior

Representada: Editora Tipuana – Eireli

Advogados: Alexandre Fidalgo – OAB: 172650/SP e outra

Representado: Responsável pelo site 7 Minutos

 

REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. MEDIDA LIMINAR REFERENDADA.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em referendar a decisão que concedeu, em parte, a medida liminar, nos termos do voto da relatora. 

 

Brasília, 5 de setembro de 2022.

 

MINISTRA MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI –  RELATORA

 

RELATÓRIO

    

A SENHORA MINISTRA MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI: Senhor Presidente, na data de 28.8.2022, deferi parcialmente medida liminar para determinar a remoção imediata das publicações localizadas nos links indicados na petição inicial (ID 157956993).

Para melhor compreensão do caso concreto, transcrevo o relatório da decisão proferida (ID 157970740):

Trata-se de representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança – composta pelas federações Brasil da Esperança (FE Brasil) e PSOL-REDE, e pelos partidos Solidariedade, Avante, Partido Agir, Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Republicano da Ordem Social (PROS) – em desfavor de Eduardo Nantes Bolsonaro, José Fernandes Linhares Junior, Mare Clausum Publicações Ltda. (“O Antagonista”), Editora Tipuana Eireli (Revista Oeste) e do responsável pelo site “7 Minutos” (https://7minutos.com.br/), por suposta prática de propaganda eleitoral mediante desinformação.

Na petição inicial, a representante alega, em síntese, que (ID 157956993):

a) as publicações divulgadas pelos representados em suas redes sociais e sítios eletrônicos conteriam desinformação e propagariam fake News ao divulgarem conteúdo em que o candidato à presidência pela Coligação Brasil da Esperança, Luiz Inácio Lula da Silva, teria dito que “quer acabar com os empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares” (p. 3);

b) em 11.5.2022, o site “O Antagonista” – mantido pela Mare Clausum Publicações Ltda. – teria publicado reportagem afirmando expressamente que “o ex-Presidente da República teria ido ao Twitter criticar o trabalho sob demanda via aplicativos como Uber e Ifood e outras plataformas” (p. 3) e que Lula seria contra os mencionados aplicativos;

c) em 12.5.2022, José Fernandes Linhares Junior teria publicado, em seu blog (URL: https://linharesjr.com/2022/05/lula-ataca-trabalho-por-aplicativo-e-promete-acabar-com-modalidade/), que Lula tentou demonizar aplicativos que criam empregos e respondem pelo sustento de milhões de famílias no país, além de afirmar que o ex-Presidente iria acabar com os chamados “empregos de aplicativos”, caso fosse eleito;

d) a fake news, publicada por José Fernandes Linhares Junior, teria sido compartilhada na íntegra pelo portal “7 minutos”;

e) em 12.5.2022, a Revista Oeste, valendo-se de manchete sensacionalista e com desinformação, teria publicado que Lula haveria criticado “empregos de aplicativos” e teria voltado a atacar modelos modernos de trabalho;

f) em 16.5.2022, Eduardo Bolsonaro, por meio de seu perfil, Revista Oesteno Twitter, teria compartilhado o conteúdo produzido pela quer acabar commediante o seguinte comentário “o ex-presidiário empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares” (p. 6);

g) ao contrário do que as postagens informam, o ex-Presidente Lula não teria atacado o trabalho por aplicativos como Uber, iFood, 99 e similares ou prometido acabar com a referida modalidade, apenas teria feito comentários apontando a ausência de direitos trabalhistas e, inclusive, elogiado expressamente um aplicativo de transporte criado pela prefeitura de Araraquara/SP que permite ao motorista ficar com cerca de 95% do valor da corrida, a demonstrar que o candidato da coligação representante não seria e nunca teria sido contrário a qualquer aplicativo, seja de transporte ou de entregas de comidas;

h) diversas agências de checagem – como “Lupa”, “Aos fatos” e “Polígrafo” – já teriam atestado que a fala foi descontextualizada e que não houve promessa de “acabar com os empregos de aplicativo”;

i) a conduta dos representados de veicular fatos gravemente descontextualizados e sabidamente inverídicos atinge a integridade do processo eleitoral, nos termos do art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019, com possível impacto na vida de 945 mil motoristas de aplicativos e taxistas, 322 mil motociclistas que fazem entregas, 222 mil mototaxistas e 55 mil trabalhadores que usam outro meio de transporte para a entrega de produtos, segundo dados de 2021;

j) o episódio seria agravado pelo fato de os representados “O Antagonista”, Revista Oeste, “7 minutos” e o “Blog do Linhares” se autointitularem portal de notícias, porquanto, ao cidadão comum, os conteúdos veiculados por essas mídias seriam tidos como verdadeiros, influenciando na opinião e na liberdade de pensamento do receptor da notícia;

k) diante do expressivo número de seguidores do representado Eduardo Bolsonaro, a publicação em sua rede social possuiria enorme alcance;

l) a propagação do conteúdo impugnado seria também ampliada por atingir diversos tipos de público, em diversas plataformas; e

m) em outros casos, os ministros deste Tribunal teriam deferido o pedido liminar de imediata exclusão de conteúdos com aparente desinformação, a exemplo das Rps nos 0600543-76.2022.6.00.0000; 0600774-06.2022.6.00.0000; e 0600797-49.2022.6.00.0000.

Requer, em liminar, sejam determinadas diligências para identificação do responsável pelo site “7 Minutos” (URL: https://7minutos.com.br), nos termos do art. 17, §§ 1º e 1º-B, da Res.-TSE 23.608/2019 e do art. 319, § 1º, do CPC, bem assim a remoção imediata dos conteúdos desinformativos objeto desta ação. 

Ao fim, pugna pela condenação dos representados por propaganda eleitoral negativa, com aplicação da multa prevista no art. 36 da Lei nº 9.504/1997, no valor individual de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), e pela determinação de abstenção de novas práticas de igual natureza.

(...)

Concedida parcialmente a medida liminar, submeto-a a referendo do Plenário deste Tribunal, nos termos do art. 2º da Portaria-TSE nº 791/2022.

É o relatório.

 

VOTO

 

A SENHORA MINISTRA MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI (relatora): Senhor Presidente, reproduzo os fundamentos adotados para o parcial provimento do pedido liminar (ID 157970740):

Passo a apreciar o pedido de medida liminar.

E, ao fazê-lo, registro que, consoante já tive a oportunidade de enfatizar em decisões anteriores (Rp nº 0600229-33/DF), tenho para mim que a intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso  capazes de  vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais.

O caso em exame envolve suposta propagação de desinformação, comportamento que vulnera a higidez e a integridade do ambiente informativo, valores que justificam e legitimam a intervenção corretiva da Justiça Eleitoral.

Isso porque, embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré-campanha e no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem-se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configuram prática desviante, que gera verdadeira falha no livre mercado de ideias políticas, deliberadamente forjada para induzir o eleitor a erro no momento de formação de sua escolha.

Daí as preciosas observações de Elder Maia Goltzman, na preciosa obra “Liberdade de Expressão e Desinformação em Contextos Eleitorais” (Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2022, p. 54), no sentido de que “é preciso empoderar o cidadão para que possa tomar suas decisões relativas à esfera pública de maneira consciente e ancorado em informação de qualidade, não em narrativas fabricadas ou versões construídas e distribuídas para ludibriá-lo”.

Em resumo: não há a menor dúvida de que a desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem, como dito, verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor a erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã.

identificação, no entanto, daquilo que possa ser enquadrado como conteúdo desinformativo traz significativos desafios.

Reconheço que a desinformação se limita à difusão de mentiras propriamente ditas, compreendendo, por igual, o compartilhamento de conteúdos com elementos verdadeiros, porém gravemente descontextualizados, editados ou manipulados, com o especial intento de desvirtuamento da mensagem difundida, com a indução dos seus destinatários a erro.

É o que se extrai da mesma obra doutrinária de Elder Goltzman acima mencionada:

A falsidade, no contexto da desinformação, não se refere apenas a informações mentirosas ou irreais. Pode ser que o agente se valha de manipulações, contextos falsos, conteúdo fabricado ou outras estratégias (WARDLE; DERAKSHAN, 2017) para chegar ao fim de causar dano.

Por isso, deve-se ter em mente que a desinformação também se vale de elementos reais.

Quando alguém utiliza uma notícia verdadeira, mas antiga, como se fosse atual, para manipular quem a lê, pode-se dizer que está fazendo uso da desinformação. Há elementos verdadeiros envolvidos e pode ser que o autor da reportagem original nem mesmo saiba que ela circula como se fosse atual. Todavia, havendo intenção de prejudicar pessoas ou instituições, há desinformação.

Quando uma autoridade pública concede uma entrevista e alguém, com o dolo de prejudicar, faz cortes que tiram a mensagem do contexto inicial dando uma outra ideia do discurso, há desinformação.

A despeito da complexidade do fenômeno, a atuação da Justiça Eleitoral no combate à desinformação na propaganda eleitoral – atuação a envolver, sempre, delicada ponderação concreta entre a preservação da liberdade qualificada de expressão no ambiente político eleitoral e a proteção da liberdade de escolha material do eleitor, sem artificiais induções a erro – deve pautar-se objetivamente em um parâmetro: a vedação ao “compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” (art. 9-A da Res.-TSE no 23.610/2019 e art. 58 da Lei nº 9.504/1997).

É dizer: para que o conteúdo possa ser qualificado como propaganda eleitoral desinformativa, imprescindível a demonstração de que envolve fato sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”, ônus que compete ao autor representante, por ser verdadeiro elemento constitutivo do direito de excepcional restrição discursiva por si buscado.

A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de diversas publicações realizadas na Internet, sob alegação de que os conteúdos seriam inverídicos, pois transmitem a mensagem manifestamente inverídica e derivada de grave descontextualização discursiva de que o candidato ao cargo de presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva acabaria com os empregos vinculados a aplicativos de entrega, como Uber, Ifood e similares, informação que atingiria severamente um público específico de eleitores, precisamente aqueles que se vinculam a essas atividades.

De saída, destaco que a representante não trouxe mídia com a íntegra da fala do candidato Luiz Inácio Lula da Silva supostamente descontextualizada e nem eventual postagem sua sobre essa temática.

No entanto, link indicado na própria inicial, URL: https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2022/05/24/verificamos-lula aplicativos, e relativo ao site da agência de notícia “Lupa”, que teria feito análise desse conteúdo, traz uma fala do candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio Passos FM, acompanhada do respectivo vídeo, assim, descrita pela referida agência de checagem (ID 157956993, p. 7):

O ex-presidente Lula não afirmou que irá acabar com aplicativos de serviços como Uber e iFood, caso seja eleito no próximo pleito. A fala do petista em entrevista concedida à Rádio Passos FM em fevereiro deste ano foi distorcida. Na realidade, Lula criticou as empresas que criaram os aplicativos, pela ausência de direitos trabalhistas, mas não prometeu que iria acabar com esses serviços. A assessoria de imprensa de Lula disse que o ex-presidente “nunca falou em acabar com os aplicativos”.

“A gente vai criar emprego desses intermitentes que o trabalhador não tenha direito? A gente vai ficar fazendo o trabalhador trabalhar nesses aplicativos sem nenhum direito? É preciso dar garantia, dar seguridade social para as pessoas, é preciso que as pessoas tenham um descanso, é preciso que as pessoas tenham férias, é preciso que as pessoas ganhem um salário minimamente digno para comer. É isso que nós precisamos fazer e é isso que nós vamos construir nesse país outra vez”, afirmou.

Da análise da mídia extraída do site da agência “Lupa” constato, de fato, fala do candidato no sentido de criticar a informalidade e a falta de direitos trabalhistas inerentes a essas contratações, MAS SEM JAMAIS PROIBIR OU ACABAR com tais postos de trabalho. Muito antes pelo contrário, sua fala foi no sentido de revestir tal modalidade de contratação de algumas garantias.

Assentado esse sentido discursivo, passo a analisar cada uma das postagens questionadas, para avaliar se elas o desnaturam gravemente, a ponto de fazer com que ele adquira significação diversa, em razão de profunda descontextualização.

A primeira postagem questionada é do site “O Antagonista”, URL: https://oantagonista.uol.com.br/brasil/lula-contra-os-aplicativos/, e tem o seguinte conteúdo (p. 3):

Lula contra os aplicativos.

O ex-presidente da República foi ao Twitter criticar o trabalho sob demanda via aplicativos como Uber e iFood, entre outras plataformas.

Em manifestação na rede social, o ex-presidente disse que, em um eventual mandato, o povo “vai voltar a trabalhar e ter carteira assinada”.

Aqui, com todo o respeito e em juízo de mera delibação, não vislumbro grave descontextualização das falas do candidatomuito embora, insisto, o tweet originário do candidato a que alude a referida matéria não tenha sido trazido pela federação autora.

De fato, consoante atesta a agência “Lupa”, “Lula criticou as empresas que criaram os aplicativos, pela ausência de direitos trabalhistas” e defendeu conferir mais direitos e garantias aos que ocupam esses postos (p. 8).

Quer me parecer que o sentido da postagem de “O Antagonista” não revela grave deturpação de mensagem, desnaturando-lhe o sentido, tendo sido destacada a “crítica” feita aos aplicativos e à forma como contratam seus colaboradores, com o aceno de que o candidato, se eleito, pretende conferir maiores direitos aos trabalhadores (“ter carteira assinada”).

Nada se diz, em tal postagem, sobre proibir esse tipo de trabalho ou sobre encerrar tais postos de serviço, inexistindo, segundo entendo nesse primeiro juízo, grave descontextualização que altere significativamente o conteúdo da mensagem.

mesmo se pode dizer da matéria jornalística veiculada pela Revista Oeste, URL: https://revistaoeste.com/politica/lula-critica-empregos-de-aplicativos/, com o seguinte conteúdo (p. 5):

Lula critica ‘empregos de aplicativos’

Pré-candidato do PT volta a atacar modelos modernos de trabalho e promete defesa da carteira assinada.

Luiz Inácio Lula da Silva usou as redes sociais para reforçar um dos pontos de seu discurso como pré-candidato à Presidência da República. O nome do Partido dos Trabalhadores (PT) para as eleições prometeu combater o que chama de ‘empregos de aplicativos’, em defesa do velho modelo trabalhista de carteira assinada.

“Nosso povo vai voltar a trabalhar, voltar a ter carteira de trabalho assinada”, manifestou Lula, por meio de sua conta no Twitter.

“Se quiser ser empreendedor, vai ganhar crédito para montar seu negócio. Esse país não quer eternizar empregos de aplicativos que as pessoas não conhecem o patrão, não tem direito à férias.”

Também aqui não vislumbro nenhuma deturpação informativa ou grave descontextualização da fala do candidato Luiz Inácio Lula da Silva capaz de gerar no eleitor percepção absolutamente mentirosa sobre os seus projetos e as suas propostas.

Tratamento absolutamente distinto deve merecer, segundo entendo, a matéria de José Fernandes Linhares Júnior em seu blog (https://linharesjr.com/2022/05/lula-ataca-trabalho-por-aplicativo-e-promete-acabar-commodalidade/), replicada pelo portal “7 Minutos” (https://7minutos.com.br/noticias/politica/ultimasdepolitica/lula-ataca-trabalho-por-aplicativo-e-promete-acabar-com-modalidade/), bem assim a postagem, no Twitter, em 16.5.2022, de Eduardo Bolsonaro.

Em todos esses links, ao contrário dos dois primeiros, o que se afirma é que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva iria “acabar com o emprego dos motoboys” ou “acabar com a modalidade” de “trabalho por aplicativo”, o que jamais aconteceu, revelando grave descontextualização do quanto foi dito.

Em verdade, jamais houve qualquer afirmação no sentido de “encerramento” dessas funções ou de proibição do trabalho por aplicativo, mas, apenas, a intenção de revestir tais postos de trabalho de mais direitos e garantias.

Daí as corretas verificações feitas pelas agências de checagem, ao enquadrarem tais afirmações como “deturpadas”, já que “acabar com trabalho por aplicativos” não foi jamais sustentado por quem quer que fosse.

O caso, portanto, é de grave descontextualização discursiva que subverteu e desvirtuou por completo o conteúdo da mensagem divulgada, com aptidão para induzir os eleitores e as eleitoras a erro, em especial os que são vinculados a esse setor, a respeito do real pensamento de determinado candidato sobre assunto de relevante interesse público.

A descontextualização de falas, no caso concreto, descambou na criação de um conteúdo discursivo jamais dito, a autorizar a intervenção corretiva da Justiça Eleitoral, como forma de assegurar mínima higidez do ambiente informativo, em cujo contexto o cidadão eleitor deve formar sua escolha.

Pois bem, o art. 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 é claríssimo ao estabelecer que a “livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando (...) divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.

Já o art. 9º-A da referida resolução estabelece que:

É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.

Consoante entendimento desta Casa, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei).

Essa parece ser, apenas quanto aos três conteúdos acima indicados, a hipótese do caso concreto, a legitimar a excepcional intervenção deste Tribunal, na condição de garantidor da integridade do ambiente informativo político-eleitoral.

Ante o exposto, nos termos do art. 38, § 4º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de medida liminar, para determinar a remoção imediata das publicações localizadas nos links a seguir indicados:

1.https://linharesjr.com/2022/05/lula-ataca-trabalho-por-aplicativo-e-promete-acabar-commodalidade/;

2. https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1526298405185769472.

Intime-se a representante para fornecer os elementos mínimos indispensáveis para a obtenção dos dados do responsável pelo site “7 Minutos”, 7minutos.com.br, nos termos do § 1º do art. 17 da Res.-TSE no 23.608/2019, no prazo de 48h.

Proceda-se à citação dos representados adequadamente identificados na petição inicial: (i) Eduardo Nantes Bolsonaro, (ii) José Fernandes Linhares Junior, (iii) Mare Clausum Publicações Ltda. (“O Antagonista”), (iv) Editora Tipuana Eireli (Revista Oeste).

Nos termos do art. 2º da Portaria nº 791/2022, encaminhem-se os autos à presidência desta Corte, para submissão desta decisão ao referendo do E. Plenário desta Casa.

Em juízo preliminar, ratifico a compreensão delineada na decisão monocrática e, assim, voto pelo referendo da liminar.

É o voto. 

 

EXTRATO DA ATA

 

Ref-Rp nº 0600855-52.2022.6.00.0000/DF. Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri. Representante: Coligação Brasil da Esperança (Advogados: Cristiano Zanin Martins – OAB: 172730/SP e outros). Representado: Eduardo Nantes Bolsonaro (Advogados: Karina de Paula Kufa – OAB: 245404/SP e outro). Representada: Mare Clausum Publicações Ltda. Representado: José Fernandes Linhares Júnior. Representada: Editora Tipuana – Eireli. Representado (Advogados: Alexandre Fidalgo – OAB: 172650/SP e outra). Responsável pelo site 7 Minutos.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, referendou a decisão que concedeu, em parte, a medida liminar, nos termos do voto da relatora.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino, Sérgio Banhos e Maria Claudia Bucchianeri.

Acórdão publicado em sessão.

Não participou, justificadamente, o Senhor Ministro Carlos Horbach, por se tratar de matéria de relatoria de Ministro Auxiliar, nos termos do que dispõe o art. 2º, II, da Res. TSE nº 23.608/2019.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.

SESSÃO DE 5.9.2022.