Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0600853-82.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

 

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugenio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representado: Eduardo Nantes Bolsonaro

Representado: Carlos Nantes Bolsonaro

Representada: Beatriz Kicis Torrents de Sordi

Representado: Flávio Nantes Bolsonaro

Representado: Fábio Salustino Mesquita de Faria

Representado: Daniel Souza dos Santos

Representado: Roger Rocha Moreira

Representado: Márcio Tadeu Anhaia de Lemos

Representado: Otávio Oscar Fakhoury

Representado: Responsável pela página Juntos pela Pátria, no Facebook

Representado: Responsável pela página Supremo é o Povo New, no Facebook

Representado: Responsável pela página Capitalismo, Eu te Amo, no Facebook

Representado: Responsável pela página em Defesa do Brasil, no Facebook

Representado: Responsável pela página República de Curitiba, no Facebook

Representado: Responsável pela página Capitão Gancho, no Facebook

Representado: Responsável pela página Clássicos da Música Católica e Apologética, no Facebook

 

DECISÃO

REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. PRETENSÃO DE REMOÇÃO DE VÍDEO VEICULADO NO FACEBOOK, NO TWITTER E NO INSTAGRAM. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

Relatório

1. Representação, com requerimento liminar, proposta pela Coligação Brasil da Esperança contra Eduardo Nantes Bolsonaro, Carlos Nantes Bolsonaro, Beatriz Kicis Torrents de Sordi, Flávio Nantes Bolsonaro, Fábio Salustino Mesquita de Faria, Daniel Souza dos Santos, Roger Rocha Moreira, Márcio Tadeu Anhaia de Lemos e Otávio Oscar Fakhoury, bem como contra os responsáveis pelas páginas Juntos pela Pátria, Supremo é o Povo New, Capitalismo, Eu Te Amo, Em Defesa do Brasil, República de Curitiba, Capitão Gancho e Clássicos da Música Católica e Apologética, no Facebook, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular na internet, em que veiculada desinformação por meio da descontextualização de vídeos, em ofensa ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

A representante alega que houve a prática de desinformação pelos representados ao veicularem, nas redes sociais Twitter, Facebook e Instagram, trechos descontextualizados de vídeos com o fim de induzir o eleitor a crer que Luiz Inácio Lula da Silva estaria se alcoolizando durante seus eventos de campanha.

 

Afirma ter havido propagação de fake news em difamação à imagem do candidato, uma vez que os representados se valeram de sua rouquidão, consequência de um câncer que o acometeu em 2011, e do ato normal de beber água durante seus discursos para induzir o eleitor a criar a imagem negativa do ex-Presidente.

 

Ressalta ser mentirosa a propaganda, tendo sido objeto de sistema de checagem de informação pelo UOL Confere, o qual reafirmou que os vídeos compartilhados enganam ao insinuar ter a assessora retirado a garrafa do candidato durante discurso de campanha como se fosse de bebida alcoólica.

 

Sustenta que as publicações são compartilhadas em velocidade exponencial, ampliando o impacto negativo.

 

Anotar estar evidenciada a manipulação da opinião pública por meio da propagação de fatos sabidamente inverídicos, em ofensa à honra objetiva do candidato, em afronta ao art. 9º-A, ao inc. X do art. 22 e ao § 1º do art. 27 da Resolução n. 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral.

 

Requer tutela de urgência, para que: “sejam determinadas diligências por este c. TSE, nos termos do art. 17, §§ 1 e 1-B, da Resolução nº 23.608 e art. 319, §1º do CPC/2015, para identificação dos seguintes responsáveis: Responsável pela página ‘Juntos Pela Pátria’, no Facebook; Responsável pela página ‘Supremo é o POVO New’, no Facebook; Responsável pela página ‘Capitalismo, eu te amo’, no Facebook; Responsável pela página ‘Em Defesa do Basil’, no Facebook; Responsável pela página ‘República de Curitiba’, no Facebook; Responsável pela página ‘Capitão Gancho’, no Facebook; Responsável pela página ‘Clássicos da música católica e apologética’, no Facebook; seja determinado aos Representados que removam os conteúdos desinformadores objeto desta ação, sob pena multa a ser arbitrada por esta c. Corte; seja determinado aos Representados que se abstenham de veicular outras publicações que contenham o mesmo teor, sob pena de multa, a ser arbitrada por esta c. Corte; e seja expedido ofício às empresas Twitter, Facebook e Instagram, determinando a imediata retirada das publicações objeto desta ação” (ID. 157955417, p. 44-45).  

 

Pede a procedência da ação, com “a confirmação da medida liminar, de modo a determinar que as publicações sejam removidas e que os Representados se abstenham de veicular outras com o mesmo teor”; e “a condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme previsto no art. 36 da Lei n. 9.504/97, a cada um dos Representados.” (ID. 157955417, p. 46).

2. Os representados Flávio Bolsonaro e Fábio Salustino Mesquita de Faria apresentaram contestação (IDs 158019090 e 158015113).

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

 

3. Para efeito de liminar, e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, conforme previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

 

O direito brasileiro não autoriza tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, consoante previsto no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil.

 

4. A solução desta controvérsia jurídica, em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República.

 

No voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei (p. 293 do acórdão):

"A Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (inc. IV, IX e XIV do art. 5º e art. 220 da Constituição da República). 

A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas."

Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam-se da instabilidade das fake news (p. 294, 297 do acórdão):

"Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). (...)

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens.

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news."

Não se cogita, assim, do exercício sem limite ou de sentido absolutoda expressão manifestada. A expressão como manifestação da liberdade é constitucionalmente assegurada, nao podendo ser exercida em detrimento do direito à honra, à imagem e à dignidade de outrem. Por isso, é juridicamente aceito, nos sistemas constitucionais democráticos, a limitação do exercício desse direito fundamental quando constatada eventual ilicitude no seu exercício.

 

5. A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de diversas publicações, em redes sociais, com vídeos descontextualizados que teriam o fim de induzir o eleitor a crer que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva estaria se alcoolizando em eventos de  sua campanha.

 

O exame dos dados constantes dos autos conduz à conclusão de assistir razão à representante.

 

6. As postagens nas redes sociais dos representados apresentam conteúdo com o fim de desinformar. A mensagem transmitida, como exposto e demonstrado na inicial e confirmado pelas agências de checagem e de imprensa, não tem respaldo nos dados fáticos (ID. 157955417, p. 26-27).

 

Na espécie, os representados publicaram em suas redes sociais, na data de 23.8.2022, uma foto do candidato Luiz Inácio Lula da Silva em evento pela democracia com as seguintes frases:

"(i) primeiro representado: “você deixaria um bêbado dirigir seu carro? E o Brasil? Com o passar dos anos, Lula aumenta sua idade, maldade e dependência do álcool” (ID. 157955417, p. 6),

(ii) segundo representado: “Por que tirar água de quem está com sede?” (ID. 157955417, p.8),

(iii) terceira representada: “o desespero do guardião da cachaça” (ID. 157955417, p.11),

(iv) quarto representado: “você deixaria um bêbado dirigir sua Ferrari? Então por que quer colocar um ladrão para tomar conta do Brasil” (ID. 157955417, p. 12),

(v) quinto representado: “Deprimente!!!#51” (ID. 157955417, p. 14),

(vi) sexto representado: “Lula cachaceiro e sua inseparável garrafinha d’água!#lulacachaceiro#lulanacadeia” (ID. 157955417, p. 16),

(vii) sétimo representado: “cachaceiro pinguço maldito, vigarista (...)” (ID. 157955417, p. 17),

(viii) oitavo representado: “Lula bêbado confessa!!#coronelTadeu#SP#Brasil” (ID.  157955417, p. 19)."

As mesmas postagens foram publicadas em mais oito diferentes perfis.

 

7. É incontestável nao se cuidar de postagem isolada ou de fala espontânea (em que se tolera algum grau de descuido próprio da oralidade), mas de diversas postagens feitas por apoiadores da campanha e pessoas do círculo íntimo do presidente da República e candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro, que, em conjunto, propagam e reiteram a ideia de que o candidato da coligação representante estaria embriagado e consumiria bebidas alcoólicas em garrafas de água em diversas aparições públicas.

 

8.  O preceito normativo previsto no § 1º do art. 27 da Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior é expresso ao dispor que a manifestação do pensamento deve ser limitada no caso de ofensa à honra de terceiros ou de divulgação de fatos sabidamente inverídicos. A norma busca evitar a proliferação de notícias falsas ou desinformação que, de algum modo, possam afetar a higidez do processo eleitoral.

 

Na espécie em análise, as publicidades não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a veiculação de mensagem mentirosa, ofensiva à honra e à imagem de candidato à Presidência da República, o que leva à repercussão ou interferência negativa no pleito e evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação.

 

9. Este Tribunal Superior assentou que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe 0600396-74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 21.3.2022).

 

Ainda conforme a jurisprudência deste Tribunal Superior, “as ordens de remoção de propaganda irregular, como restrições ao direito à liberdade de expressão, somente se legitimam quando visem à preservação da higidez do processo eleitoral, à igualdade de chances entre candidatos e à proteção da honra e da imagem dos envolvidos na disputa” (REspEL n. 529-56/RJ, Relator o Ministro Admar Gonzaga, DJe de 20.3.2018).

 

10. A veiculação de mensagem mentirosa evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação.

 

O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso às postagens por número cada vez maior de pessoas, acarretando propagação de ofensa à honra e à imagem do pré-candidato.

 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil).

 

11. Pelo exposto, reservando-me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, concedo o pedido de tutela provisória de urgência para que sejam removidos, no prazo de 24 horas, os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos:

 

https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1560229828858679296?t=ednfQBZ dT_BXdzdxh8M_hA&s=08

https://www.instagram.com/p/ChZj9iug6dL/

https://twitter.com/CarlosBolsonaro/status/1560701201347485696

https://twitter.com/CarlosBolsonaro/status/1560376891789516801

https://twitter.com/CarlosBolsonaro/status/1555654224792489985

https://www.facebook.com/watch/?v=1431800307284194

https://www.facebook.com/watch/?v=1431800307284194

https://www.instagram.com/p/Cham9oAgYqV/

https://twitter.com/Biakicis/status/1561102578359963649

https://twitter.com/FlavioBolsonaro/status/1560732295883268096

https://www.instagram.com/p/ChdIkW5AKrK/

https://twitter.com/fabiofaria/status/1561083360553975808

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=1400122330460729&external_log_id=562264ab-25ac-422b-ab12-dccd5df0d742&q=lula%20cachaceiro

https://twitter.com/roxmo/status/1560263746542772227

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=837048811033667&external_log_id=1b17f2f8-8554-4bce-9451-d721d940a0ec&q=lula%20bebado

https://twitter.com/opropriofaka/status/1560230876226768905

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=846022249616638&external_log_id=1b17f2f8-8554-4bce-9451-d721d940a0ec&q=lula%20bebado

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=178499469901348&external_log_id=1b17f2f8-8554-4bce-9451-d721d940a0ec&q=lula%20bebado

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=1524931331139769&external_log_id=1b17f2f8-8554-4bce-9451-d721d940a0ec&q=lula%20bebado

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=2091103214468919&external_log_id=16134bb6-a760-41e0-8d03- c3e25ff66fe6&q=lula%20cacha%C3%A7a

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=505747379821396&external_log_id=562264ab-25ac-422b-ab12-dccd5df0d742&q=lula%20cachaceiro

https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=2077533285836341&external_log_id=16134bb6-a760-41e0-8d03- c3e25ff66fe6&q=lula%20cacha%C3%A7a

 

Oficiem-se os provedores de aplicação Twitter, Facebook e Instagram para a imediata retirada das publicações e para a identificação dos responsáveis dos seguintes perfis, nos termos dos §§ 1º e 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019: Responsável pela página Juntos Pela Pátria, no Facebook; Responsável pela página Supremo é o POVO New, no Facebook; Responsável pela página Capitalismo, Eu te Amo, no Facebook; Responsável pela página Em Defesa do Brasil, no Facebook; Responsável pela página República de Curitiba, no Facebook; Responsável pela página Capitão Gancho, no Facebook; Responsável pela página Clássicos da Música Católica e Apologética, no Facebook.

 

Intimem-se os representados para que se abstenham de veicular mensagens que contenham o mesmo teor, sob pena de multa diária de R$2.000,00 por postagem, observado o limite máximo de R$30.000,00, em aplicação analógica do §5º do art. 57-B da Lei 9.504/1997.

 

Proceda-se à citação dos representados para que apresentem defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior.

 

Na sequência, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral – MPE para que se manifeste no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da Resolução.

 

Publique-se e intime-se.

 

Brasília, 17 de setembro de 2022.

 

Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora