TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

REFERENDO NA REPRESENTAÇÃO Nº 0600846-90.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
 

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados: Cristiano Zanin Martins – OAB: 172730/SP e outros

Representados: Carla Zambelli Salgado e outro

Advogados: Karina de Paula Kufa – OAB: 245404/SP e outro

Representado: Inácio Florêncio Filho

Advogado: Renato Wanderlei Tavares de Mendonça – OAB: 36213/PE

 

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. MEDIDA LIMINAR REFERENDADA.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em referendar decisão concessiva da medida liminar, nos termos do voto do relator.

 

Brasília, 13 de setembro de 2022.

 

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO – RELATOR

 

 

RELATÓRIO

 

    

O SENHOR MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO: Senhor Presidente, na data de 25.8.2022, o eminente Ministro Raul Araújo deferiu parcialmente medida liminar para determinar a remoção de publicações manifestamente inverídicas divulgadas na Internet. Tendo em vista o término do biênio da Sua Excelência como ministro substituto deste Tribunal e, consequentemente, fim da atuação como ministro auxiliar, os autos foram a mim redistribuídos.

Para melhor compreensão do caso concreto, transcrevo o relatório da decisão proferida (ID 157960576):

Trata-se de representação, com pedido de tutela de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Carla Zambelli Salgado, Dárcio Bracarense Filgueiras e Inácio Florêncio Filho por suposta prática de propaganda eleitoral irregular na Internet, em que veiculada desinformação referente à nova versão do título de eleitor (e-título).  

Na petição inicial, a representante alega em síntese (ID 157955669):

a) os representados, por meio de postagens nas redes sociais, veicularam desinformação acerca da nova versão do e-título ao afirmarem que o QR Code contabilizaria de forma automática votos em benefício do candidato Luiz Inácio Lula da Silva;

b) Raimundo João Marinho Dutra, responsável pelo perfil @marinhodutra, em 17.8.2022, publicou, em sua página no Twitter, que “os novos títulos e transferidos estão vindo com este QR code (LULA 13). Significa que vão enfiar uma fraude por fora da auditoria do código fonte. Alô, FFAA, abram os olhos!” (p. 4);

c) o representado Inácio Florêncio Filho fez a seguinte publicação  em sua página no Instagram: “urgente: esta rodando nas redes sociais denuncia [que] mostra que ao tirar o título de eleitor pela primeira vez ou quem transfere o local de votação, recebe um papel com QR code L de Lula. Alguém pode me explicar. Por isso a campanha pra jovens tirar o título?” (p. 6);

d) as agências de checagem, em razão do potencial danoso, esclareceram imediatamente que a notícia era falsa, com os seguintes dizeres: “é falso que os novos títulos de eleitor impressos pela Justiça Eleitoral possuem um QR Code capaz de contabilizar automaticamente votos para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como dizem postagens nas redes sociais” (p. 10-11), bem como a Justiça Eleitoral publicou na aba “Fato ou Boato” a elucidação do caso para dirimir qualquer desinformação ao eleitor;

e) não obstante as várias tentativas das agências de checagem e  da  Justiça  Eleitoral  em  informarem  corretamente  sobre  o QR code dos novos títulos, a representada Deputada Carla Zambelli divulgou vídeo, em seu canal oficial no Telegram, em que o representado Dárcio Bracarense, candidato ao cargo de deputado federal pelo PL do Espírito Santo afirma que o “sistema da Justiça Eleitoral estaria fazendo ‘campanha antecipada para o Lula”’ (p. 12);

f) a representada Carla Zambelli também veiculou essa notícia no dia 19.8.2022 em seu perfil na plataforma Gettr, que conta com 243.400 seguidores;

g) “a veiculação de desinformação pelos representados constitui verdadeiro ato de divulgação e compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos que atingem a integridade do processo eleitoral” (p. 17), violando o art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019;

Requer a concessão da tutela de urgência para que sejam excluídas da Internet as publicações impugnadas  nos  termos  dos arts. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019 e 38, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, bem como sejam determinadas diligências para a identificação dos responsáveis.

Ao final, postula a procedência da ação, com remoção definitiva do conteúdo propagandístico eleitoral ilícito, abstenção  de veiculá-lo e aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

É o relatório.

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (relator): Senhor Presidente, reproduzo os fundamentos da decisão monocrática que concedeu o provimento liminar (ID 157960576):

A representante pretende – em sede de tutela provisória de urgência – a remoção de diversas publicações realizadas em perfis de rede social, em que veiculada desinformação sobre o candidato ao cargo de presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, bem como sobre a nova versão do título de eleitor (e-título), de modo a prejudicar a integridade do processo eleitoral brasileiro.

Verifica-se, de plano, que as publicações impugnadas – embora em formatos diversos – transmitem o mesmo conteúdo evidentemente falso, de que os novos títulos de eleitores possuem QR Code com o nome ou sigla em referência ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, direcionando a este o voto. Transcrevo algumas publicações a título demonstrativo (ID 157955669):

“Alô alô Brasil

Alerta alerta

Ministério público atenção

Os novos títulos de eleitor, está com um código QR-code que já vem com Lula 13, esse código quando aberto já declara o voto em Lula/13..por isso a grande propaganda para que os jovens tirassem bom título ver eleitor, e que transfere o título também sai dessa maneira, cuidado estamos sendo enganados, é BB por isso que eles dizem que o x-presidiário Lula (solto na canetada) venha a ser eleito, o problema não é só nas urnas, os títulos já estão com a marca da Besta,/lula...”. (p. 8)

“OLHA O GOLPE!!! COMPARTILHEM ATÉ CHEGAR AO PRESIDENTE! Títulos que foram transferidos ou títulos novos feitos este ano todos vem com QR code Já com o nome de Lula”. (p. 9)

“(...) esse código é verdadeiro? Porque, se ele for verdadeiro, cabe investigação. Porque um algoritmo desse, ele tem que ser filiado ao PT desde 1980, porque vai ser aleatório assim lá em casa, hein. Alguém aí tem algum código desse em seu titulo eleitoral escrito B 22, PL 22, alguma coisa do tipo? Não né. Agora L 13 Lula Lá, Lula PT, tá cheio. A pergunta que eu faço é: o código é verdadeiro? Se é verdadeiro, alguém tá fazendo alguma investigação pra poder entender qual é a razão de um sistema tá fazendo campanha antecipada para o Lula? Porque afinal de contas esses códigos já estão surgindo aí na internet já tem um tempão. Respondam, agências de checagem. Respondam.” (p. 12)

O preceito normativo previsto no art. 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 é categórico ao dispor que a manifestação do pensamento deve ser limitada no caso de ofensa à honra de terceiros ou de divulgação de fatos sabidamente inverídicos. A norma busca evitar a proliferação de notícias falsas ou desinformação que, de algum modo, possam afetar a higidez do processo eleitoral.

A legislação eleitoral, no art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019, estabelece que:

É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.

O QR Code no título de eleitor é uma função incorporada em virtude das atualizações tecnológicas, como ocorreu com a Carteira Nacional de Habilitação, por exemplo. Esse código serve apenas para autenticar o documento na Justiça Eleitoral. Assim, ao ler o QR Code tanto no aplicativo e-Título como no título impresso, o que vão aparecer são os dados pessoais do eleitor e as informações sobre local de votaçãoA ferramenta não substitui a urna eletrônica, não é usada para contabilizar votos e não interfere na votação em si.

As publicações impugnadas, de fato, são manifestamente inverídicas, resultando, em alguma medida, repercussão ou interferência negativa no pleito, o que é objeto de preocupação da Justiça Eleitoral. Não obstante o princípio da interferência mínima desta Justiça Especializada, a proteção ao direito da veracidade da informação e da honra dos atores do processo eleitoral é uma diretriz para que a Justiça Eleitoral exerça seu papel de reguladora pontual do certame.

Consoante entendimento deste Tribunal Superior, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe nº 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei).

Nesse contexto, é plausível a tese da representante de que as publicações impugnadas acabam por gerar desinformação. Portanto, preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência. 

Diante do exposto, nos termos do art. 38, § 4º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, concedo parcialmente a tutela provisória de urgência para determinar a remoção imediata das publicações localizadas nos endereços eletrônicos a seguir indicados:

(i) https://twitter.com/marinhodutra/status/1559925893472165888;

(ii)https://twitter.com/inacioaddre/status/1559866353242218496/photo/1;

(iii) https://gettr.com/post/p1nbqhv6880;

(iv) https://twitter.com/marinhodutra/status/1559925893472165888;

(v) https://twitter.com/inacioaddre/status/1559866353242218496;

(vi)https://www.facebook.com/photo/?fbid=5781303708569481&set=basw.AboXOPKRpzaxs9aZZNj.

Oficiem-se os provedores de aplicação Twitter, Facebook e Gettr para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Proceda-se à citação dos representados adequadamente identificados na petição inicial: (i) Carla Zambelli Salgado; (ii) Dárcio Bracarense Filgueiras; (iii) Inácio Florêncio Filho (p. 2).

Indefiro o pedido de diligências em relação aos perfis não identificados. As representações possuem rito célere e a identificação do usuário ofensor é matéria destinada ao momento da propositura da ação. Nesse sentido: AgR-AC nº 1384-43/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.8.2010; Rp nº 0601686-42/DF, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 3.11.2020.

Ademais, o pedido de diligências para identificação de usuário responsável deve conter fundados indícios da ocorrência do ilícito de natureza eleitoral; justificativa motivada da utilidade dos dados solicitados; bem como período ao qual se referem os registros (art. 40, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019). Na hipótese dos autos, estes requisitos, que são indispensáveis, não foram cumpridos pela representante.

Determina-se à Secretaria Judiciária a retificação das partes constantes do polo passivo desta representação, a fim de excluir do sistema PJe as seguintes informações: a) responsável pelo perfil Jorge Carlos de Barros no Facebook; b) responsável pelo perfil Sonia Maria Furtado Ancora da Cruz no Facebook; Raimundo João Marinho Dutra; responsável pelo perfil Ana Patriota Vieira no Facebook.

Após, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste na forma do art. 19 da referida resolução.

Em juízo preliminar, ratifico a compreensão delineada pelo Ministro Raul Araújo na decisão monocrática e, assim, voto pelo referendo da decisão concessiva da medida liminar.

É o voto. 

 

 

EXTRATO DA ATA

 

 

Ref-Rp nº 0600846-90.2022.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Representante: Coligação Brasil da Esperança (Advogados: Cristiano Zanin Martins – OAB: 172730/SP e outros). Representados: Carla Zambelli Salgado e outro (Advogados: Karina de Paula Kufa – OAB: 245404/SP e outro). Representado: Inácio Florêncio Filho (Advogado: Renato Wanderlei Tavares de Mendonça – OAB: 36213/PE).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, referendou decisão concessiva da medida liminar, nos termos do voto do relator.

Não participou, justificadamente, o Senhor Ministro Raul Araújo, por se tratar de matéria de relatoria de Ministro Auxiliar, nos termos do que dispõe o art. 2º, II, da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Acórdão publicado em sessão.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco. 

SESSÃO DE  13.9.2022.