index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600774-06.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Extemporânea/Antecipada]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0600774-06.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO

REPRESENTANTE: FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA (FE BRASIL) - NACIONAL
Advogados do(a) REPRESENTANTE:  CRISTIANO ZANIN MARTINS E OUTROS
REPRESENTADA: DAMARES REGINA ALVES
 

 

DECISÃO
 

Trata-se de representação, com pedido de tutela de urgência, ajuizada pela Federação Brasil da Esperança (Fé Brasil) em desfavor de Damares Regina Alves, por suposta prática de propaganda eleitoral antecipada negativa.

Na petição inicial, a representante alega em síntese (ID 157919706):

a) no dia 2.8.2022, a representada, que é fiel apoiadora do atual presidente da República, publicou vídeo em suas redes sociais com o título “Cartilha do Governo Lula ensinava jovens a usar crack”(p. 2);

b) “de forma nada lúcida e sem qualquer lealdade, a representada passou a descrever o conteúdo de uma cartilha supostamente produzida pelo Governo Federal, que teria sido distribuída durante a gestão do ex-presidente Lula. Referido material teria a alegada finalidade de ensinar e motivar o uso de drogas ilícitas” (p. 3);

c) ao contrário do afirmado pela representada, a alegada cartilha não trazia orientações destinadas a incentivar o uso de drogas, mas sim medidas voltadas a reduzir danos à saúde de pessoas que não querem ou não conseguem deixar de usá-las;

d) “após apresentar algumas ilustrações da cartilha, a representada novamente utilizou uma fotografia do ex-presidente Lula para afirmar, sem qualquer prova – até porque completamente dissonante do material –, que ele está mandando o menino, a menina, o adolescente conhecer o traficante, conhecer o fornecedor, imputando-lhe, ainda, a prática de associação ao crime organizado” (p. 5);

e) “esse vídeo absurdo, fruto de verdadeira estratégia de desinformação e deslegitimação, alcançou cerca de: 10 mil visualizações no Youtube; 305,8 mil visualizações no Twitter; 21 mil visualizações no Facebook; e 83 mil curtidas no Instagram” (p. 6);

f) em 9.8.2022 a representada fez uma nova publicação em seu perfil no Twitter, com o seguinte texto: “E AI PT, EU AINDA NEM FALEI DESTE FOLHETO!! O pai do dependente químico orando para o filho deixar de usar drogas, e o Ministério da Saúde na gestão do PT, ensinado os jovens onde é melhor injetar heroína LAMENTÁVEL! #TrevasNuncaMais” (p. 7);

g) no dia 12.8.2022, a representada renovou os ataques e publicou, em seu perfil no Twitter, novo vídeo, denunciando supostamente uma “erotização” de crianças que teria sido promovida durante a gestão do ex-presidente Lula;

h) a representada vem empregando uma verdadeira estratégia de desinformação, a fim de macular a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com nítido caráter eleitoral, em período vedado pela legislação, de modo a configurar propaganda eleitoral antecipada negativa.

Requer a concessão de tutela de urgência para que sejam removidos os vídeos localizados nas URLs a seguir indicadas, e que a representada se abstenha de veicular outras publicações com o mesmo conteúdo (p. 20):

 

(i) https://www.youtube.com/watch?v=QGRuxr9g5Wg;

(ii)https://twitter.com/DamaresAlves/status/1554575526253281281?cxt=HHwWgoC-rYyN-5IrAAAA;

(iii) https://www.facebook.com/dradamaresalves/videos/548322626 8434780/;

(iv) https://www.instagram.com/reel/CgxWZqjllz3/?igshid=YmMy MTA2M2Y=.

Ao final, pleiteia o reconhecimento da prática do ilícito de propaganda eleitoral irregular, aplicando-se a sanção de multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Em petição (ID 157922731), a representante requer o aditamento da inicial para que seja regularizado o polo ativo da demanda, a fim de constar a Coligação Brasil da Esperança (Federação Brasil da Esperança/Federação PSOL-REDE/PSB/SOLIDARIEDADE/AVANTE/PARTIDO AGIR) como autora desta representação.

 

É o relatório. Decido. 

 

De plano, defiro o pedido para aditar a inicial e regularizar o polo ativo da representação, a fim de constar como autora a Coligação Brasil da Esperança.

A representante pretende – em sede de tutela provisória de urgência – a remoção de vídeo publicado nos perfis de rede social pertencente à representada (Twitter, Facebook, Instagram e YouTube), haja vista o conteúdo inverídico que resulta em desinformação, o que configura propaganda eleitoral antecipada negativa.  

Antes, porém, de resolver o pedido de tutela de urgência, verifica-se que o conteúdo impugnado no endereço eletrônico https://twitter.com/DamaresAlves/status/1557882900925878276 – em que a representante alega que o vídeo associa a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a suposta “erotização” de crianças – não se encontra mais disponível para visualização, razão pela qual não será objeto de apreciação neste juízo preliminar.

Ressalta-se também que não consta do pedido de tutela de urgência pretensão voltada à remoção da publicação realizada no Twitter e impugnada à folha 7 da petição inicial, pela qual a representante alega existir afirmação sabidamente inverídica ao relacionar a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma distribuição equivocada de um folheto em 2011, pela prefeitura de Sorocaba/SP.

Com efeito, nessa fase processual de juízo preliminar, a apreciação do pedido de tutela de urgência se limitará ao conteúdo impugnado à folha 2, publicado nos perfis pessoal da representada com a legenda “Cartilha do Governo Lula ensinava jovens a usar crack”.

A representante sustenta que o vídeo publicado no dia 2.8.2022 no YouTube, Twitter, Facebook e Instagram, com a legenda “Cartilha do Governo Lula ensinava jovens a usar crack”, contém afirmações falsas consistentes em verdadeira estratégia de desinformação, uma vez que descontextualiza determinada cartilha produzida pelo Ministério da Saúde durante o governo Lula que, na verdade, não trazia nenhuma orientação destinada ao incentivo do uso de drogas, mas sim medidas voltadas a reduzir danos à saúde de pessoas que pretendem deixar o uso dessas substâncias.   

Transcrevo o trecho do vídeo impugnado, conforme a petição inicial (ID 157919706):

00:10–01:47: [...] Eles usavam muitas cartilhas e as cartilhas eram absurdas, por exemplo, essa daqui. Ela começa o seguinte, dizendo: “redução de danos respeita a liberdade de escolha”.

Na verdade, as cartilhas ensinavam como usar drogas, elas na verdade mais motivavam a usar drogas, por exemplo, essa cartilha, quanto traz orientações gerais sobre o uso de drogas. Leiam alguma das orientações gerais: “alimente-se antes”; “evite misturar tipos de drogas e tipos de bebidas”; “evite usar sozinho” “beba água, antes, durante e depois”. Essas eram as orientações gerais. Mas vejam como eles falavam sobre o uso de crack. Eles ensinavam a usar crack. Vejam as imagens, diziam o seguinte: “evite usar latas prefira copos de plástico”; “procure usar protetor labial”; “evite compartilhar piteiras e cachimbos”. Ah, e quando chegava na parte dos cachimbos, dizia o seguinte: se usar piteiras e cachimbos, previra os de madeira ou de vidro”. A cartilha também falava sobre drogas aspiradas, e quando chegava na parte das drogas inspiradas, dizia o seguinte: “evite compartilhar canudos”; “evite usar notas de dinheiro”; “coloque a droga sobre superfícies limpas”; e dizia o seguinte, “não coloque oi canudo dentro do nariz”; “lave as narinas após o uso”.

[...]

Mas essa cartilha aqui vai além, quando ele ensina a usar o ecstasy. Verdade. Olha o que está escrito na parte da cartilha sobre ecstasy: “beba muita água”; “conheça o fornecedor para não comprar gato por lebre”. Ele está mandando o menino, a menina, o adolescente conhecer o traficante, conhecer o fornecedor. Isto sabe o que é? Associação ao crime organizado (p. 3-5, destaquei).

 

A referida cartilha apresentada no vídeo possuía orientações direcionadas às pessoas dependentes de substâncias entorpecentes cujo objetivo era informativo no sentido de redução de danos, e não o incentivo motivacional ao uso de drogas ilícitas. Com efeito, verifica-se que o vídeo impugnado apresenta conteúdo produzido para desinformar, pois a mensagem transmitida está totalmente desconectada de seu contexto embrionário.

Inegável que as seguintes expressões utilizadas pela representada – (i) “cartilha do Governo Lula ensinava jovens a usar crack”; (ii) “na verdade, as cartilhas ensinavam como usar drogas, elas na verdade mais motivavam a usar drogas”; (iii) “Eles ensinavam a usar crack”; (iv) “Ele está mandando o menino, a menina, o adolescente conhecer o traficante, conhecer o fornecedor. Isto sabe o que é? Associação ao crime organizado” – apresentam descontextualização que transmite mensagem inverídica à sociedade e são capazes de causar dano ao candidato da coligação representante.

Na doutrina de Diogo Rais, a definição de fake news abrange o falso com estética de verdadeiro, compreendendo-se esse falso como o conteúdo falso em um contexto verdadeiro, ou um conteúdo verdadeiro em um contexto falso (RAIS, Diogo. Fake News. In Dicionário das eleições. Curitiba: Editora Juruá, 2020. p. 319-320 – destaquei).

Na espécie, a edição toda descontextualizada do vídeo impugnado, com referência direta e expressa a determinado candidato, resulta, em alguma medida, repercussão ou interferência negativa no pleito, o que é objeto de preocupação da Justiça Eleitoral. Não obstante o princípio da interferência mínima desta Justiça Especializada, a proteção ao direito da veracidade da informação e da honra dos atores do processo eleitoral é uma diretriz para que a Justiça Eleitoral exerça seu papel de reguladora pontual do certame.

Com efeito, o preceito normativo previsto no art. 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 é categórico ao dispor que a manifestação do pensamento deve ser limitada no caso de ofensa à honra de terceiros ou de divulgação de fatos sabidamente inverídicos. A norma busca evitar a proliferação de notícias falsas ou desinformação que, de algum modo, possam afetar a higidez do processo eleitoral.

Consoante entendimento deste Tribunal Superior, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei)

Destaca-se, ainda, que a jurisprudência desta Corte Superior já firmou entendimento de que “as ordens de remoção de propaganda irregular, como restrições ao direito à liberdade de expressão, somente se legitimam quando visem à preservação da higidez do processo eleitoral, à igualdade de chances entre candidatos e à proteção da honra e da imagem dos envolvidos na disputa” (REspe nº 52956, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 20.3.2018 – destaquei).

Assim, é plausível a tese da representante de que o vídeo editado divulga fato sabidamente inverídico em que o conteúdo da publicação acaba por gerar desinformação. Portanto, preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência. 

Diante do exposto, nos termos do art. 38, § 4º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, concedo parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência para que sejam removidos os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos:

  1. https://www.youtube.com/watch?v=QGRuxr9g5Wg

  2. https://twitter.com/DamaresAlves/status/1554575526253281281?cxt=HHwWgoC-rYyN-5IrAAAA;

  3. https://www.facebook.com/dradamaresalves/videos/548322626 8434780/;

  4. https://www.instagram.com/reel/CgxWZqjllz3/?igshid=YmMy MTA2M2Y=.

 

Oficie-se os provedores de aplicação YouTube, Twitter, Facebook e Instagram para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Proceda-se à citação da representada para que apresente defesa, no prazo de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Determina-se à Secretaria Judiciária regularização do polo ativo da presente representação, a fim de constar como autora a Coligação Brasil da Esperança.  

 Após, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste, no prazo de 1 (um) dia, nos termos do art. 19 da referida resolução.

 

Publique-se.

Brasília, 17 de agosto de 2022.

 

 
Ministro RAUL ARAÚJO
Relator