index: RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL (11550)-0603975-98.2018.6.16.0000-[Cargo - Deputado Estadual, Abuso - De Poder Político/Autoridade, Abuso - Uso Indevido de Meio de Comunicação Social, Ação de Investigação Judicial Eleitoral]-PARANÁ-CURITIBA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL (11550)  Nº 0603975-98.2018.6.16.0000 (PJe) - CURITIBA - PARANÁ

RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RECORRIDO: FERNANDO DESTITO FRANCISCHINI

Advogados do(a) RECORRIDO: MARILDA DE PAULA SILVEIRA - DF33954-S, ALINE FERNANDA PEREIRA KFOURI - PR40639-A, GUSTAVO SWAIN KFOURI - PR35197-A

 

DECISÃO

Ementa: Direito Eleitoral e Direito Constitucional. Recurso extraordinário. Recurso Ordinário Eleitoral. AIJE. Eleições 2018. Deputado Estadual. Ausência de questão constitucional. Recurso inadmitido.

1. Recurso extraordinário contra acórdão do TSE que deu provimento ao recurso ordinário eleitoral interposto pelo MPE para cassar o diploma do candidato e declarar nulos os votos a ele atribuídos.

2. Hipótese em que a apreciação das alegadas violações aos dispositivos constitucionais suscitados (arts. 14, § 9º; 16; 53 e 220 da CF) depende do prévio exame de legislação infraconstitucional.

3. Com relação às violações dos direitos dos terceiros atingidos pela anulação dos votos atribuídos ao recorrente, não houve manifestação do acórdão sobre essa questão, não tendo sido opostos embargos de declaração. Ausência do devido prequestionamento.

5. Recurso extraordinário inadmitido. Pedido de efeito suspensivo prejudicado.

 

 

1. Trata-se de recurso extraordinário, com pedido de efeito suspensivo, interposto por Fernando Destito Francischini, deputado estadual pelo Estado do Paraná eleito em 2018 (427.749 votos, ou 7,51% do total), e detentor do cargo de Deputado Federal na data do pleito, e por Cassiano Caron Sobral de Jesus, Emerson Bacil, Paulo Rogério do Carmo e Comissão Executiva Provisória do Partido Social Liberal – PSL contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral – TSE que deu provimento ao recurso ordinário eleitoral interposto pelo Ministério Público Eleitoral para cassar o diploma do candidato e declará-lo inelegível pelo prazo de oito anos, em razão do uso indevido dos meios de comunicação e abuso de autoridade, determinando a anulação, para todos os fins, dos votos a ele conferidos.

 

2. Na origem, TRE/PR havia julgado improcedente a ação de investigação judicial eleitoral por impossibilidade de se enquadrar as redes sociais como meio de comunicação social, e, por conseguinte, analisar seu eventual uso indevido na forma do art. 22, da LC 64/1990. O acórdão ora recorrido foi assim ementado (ID 156923622):

 

“RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E DE AUTORIDADE. ART. 22 DA LC 64/90. TRANSMISSÃO AO VIVO. REDE SOCIAL. DIA DO PLEITO. HORÁRIO DE VOTAÇÃO. FATOS NOTORIAMENTE INVERÍDICOS. SISTEMA ELETRÔNICO DE VOTAÇÃO. FRAUDES INEXISTENTES EM URNAS ELETRÔNICAS. AUDIÊNCIA DE MILHARES DE PESSOAS. MILHÕES DE COMPARTILHAMENTOS. PROMOÇÃO PESSOAL. IMUNIDADE PARLAMENTAR COMO ESCUDO PARA ATAQUES À DEMOCRACIA. IMPOSSIBILIDADE. GRAVIDADE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. INELEGIBILIDADE. PROVIMENTO.

1. Recurso ordinário interposto pelo Ministério Público contra acórdão prolatado pelo TRE/PR, que, por maioria de votos, julgou improcedente os pedidos em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta em desfavor de Deputado Estadual eleito pelo Paraná em 2018, afastando o abuso de poder político e o uso indevido dos meios de comunicação social (art. 22 da LC 64/90).

2. Rejeitada a preliminar de inovação recursal aduzida em contrarrazões. Os argumentos contidos no apelo apenas contrapõem a tese da Corte de origem de que a internet e as redes sociais não se enquadram como meios de comunicação.

3. A hipótese cuida de live transmitida ao vivo em rede social, quando em curso a votação no primeiro turno, para mais de 70 mil internautas, e que até 12/11/2018 teve mais de 105 mil comentários, 400 mil compartilhamentos e seis milhões de visualizações. O recorrido – que exercia o cargo de Deputado Federal – noticiou a existência de fraudes em urnas eletrônicas e outros supostos fatos acerca do sistema eletrônico de votação.

4. Sintetizam-se as principais declarações na transmissão: (a) “já identificamos duas urnas que eu digo ou são fraudadas ou adulteradas. [...], eu tô com toda a documentação aqui da própria Justiça Eleitoral”; (b) “nós estamos estourando isso aqui em primeira mão pro Brasil inteiro [...], urnas ou são adulteradas ou fraudadas”; (c) “nosso advogado acabou de confirmar [...], identificou duas urnas que eu digo adulteradas”; (d) “apreensão feita, duas urnas eletrônicas”; (e) “não vamos aceitar que uma empresa da Venezuela, que a tecnologia que a gente não tem acesso, defina a democracia no Brasil”; (f) “só aqui e na Venezuela tem a porcaria da urna eletrônica”; (g) “daqui a pouco nós vamos acompanhar [a apuração dos resultados], sem paradinha técnica, como aconteceu com a Dilma”; (h) “eu uso aqui a minha imunidade parlamentar, que ainda vai até janeiro, independente dessa eleição, pra trazer essa denúncia”. 

5. O teor do vídeo é inequívoco, residindo a controvérsia em questões de direito: legitimidade do pleito, possibilidade de enquadrar a conduta no art. 22 da LC 64/90 e gravidade dos fatos.

6. O sistema eletrônico de votação representa modelo de inegável sucesso implementado nas Eleições 1996 e internacionalmente reconhecido. O propósito dessa verdadeira revolução residiu na segurança e no sigilo do voto, sendo inúmeros os fatores que poderiam comprometer os pleitos realizados com urnas de lona, desde simples erros humanos na etapa de contagem, manipulações em benefício de candidatos e a execrável mercancia do sufrágio. Visou-se, ainda, conferir maior rapidez na apuração, o que possui especial relevância em país de dimensões continentais. 

7. Esta Justiça Especializada não atua de forma sigilosa ou numa espécie de redoma na organização do pleito. Ao contrário, busca sempre soluções construtivas com os atores do processo eleitoral tendo como fim maior aperfeiçoar continuamente as eleições e consolidar o regime democrático.

8. A parceria entre órgãos institucionais de ponta na área de tecnologia, a constante busca por inovação e o contínuo diálogo com a sociedade propiciaram a plena segurança do sistema eletrônico de votação no decorrer dos últimos 25 anos, sem nenhuma prova de fraude de qualquer espécie, conforme inúmeras auditorias internas e externas e testes públicos de segurança diuturnamente noticiados pela Justiça Eleitoral.

9. Hipótese inédita submetida a esta Corte Superior é se ataques ao sistema eletrônico de votação e à democracia, disseminando fatos inverídicos e gerando incertezas acerca da lisura do pleito, em benefício de candidato, podem configurar abuso de poder político ou de autoridade – quando utilizada essa prerrogativa para tal propósito – e/ou uso indevido dos meios de comunicação quando redes sociais são usadas para esse fim.

10. Os arts. 1º, II e parágrafo único, e 14, § 9º, da CF/88, além dos arts. 19 e 22 da LC 64/90 revelam como bens jurídicos tutelados a paridade de armas e a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições. Não há margem para dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair as sanções cabíveis, a promoção de ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à própria democracia, incutindo-se nos eleitores a falsa ideia de fraude em contexto no qual candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática.

11. O abuso de poder político configura-se quando a normalidade e a legitimidade do pleito são comprometidas por atos de agentes públicos que, valendo-se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas em manifesto desvio de finalidade. Precedentes.

12. Inviável afastar o abuso invocando-se a imunidade parlamentar como escudo. No caso de manifestações exteriores à Casa Legislativa a que pertence o parlamentar, “há necessidade de verificar se as declarações foram dadas no exercício, ou em razão do exercício, do mandato parlamentar; ou seja, se o denunciado expressou suas opiniões, sobre questões relacionadas a políticas governamentais; e se essas opiniões se ativeram aos parâmetros constitucionalmente aceitos, ou se teriam extrapolado eventuais parâmetros das imunidades materiais” (voto do Min. Alexandre de Moraes no Inquérito 4.694/DF, DJE de 1º/8/2019).

13. A internet e as redes sociais enquadram-se no conceito de “veículos ou meios de comunicação social” a que alude o art. 22 da LC 64/90. Além de o dispositivo conter tipo aberto, a Justiça Eleitoral não pode ignorar a realidade: é notório que as Eleições 2018 representaram novo marco na forma de realizar campanhas, com claras vantagens no uso da internet pelos atores do processo eleitoral, que podem se comunicar e angariar votos de forma mais econômica, com amplo alcance e de modo personalizado mediante interação direta com os eleitores.

14. No caso, constata-se sem nenhuma dificuldade que todas as declarações do recorrido durante sua live, envolvendo o sistema eletrônico de votação, são absolutamente inverídicas.

15. Quanto às urnas eletrônicas de seções eleitorais do Paraná, o recorrido atribuiu-lhes a pecha de “fraudadas”, “adulteradas” e “apreendidas” e apontou que “eu tô com toda a documentação aqui da própria Justiça Eleitoral”. Todavia, (a) inexistiu apreensão, mas mera substituição por problemas pontuais; (b) além da já enfatizada segurança das urnas eletrônicas, a Corte de origem realizou auditoria antes do segundo turno – na presença de técnicos da legenda do candidato – e nada constatou; (c) é falsa a narrativa de que a suposta fraude estaria comprovada na “documentação aqui da própria Justiça Eleitoral”, não havendo nenhuma menção a esse respeito nas atas das respectivas seções.

16. No tocante à declaração de que “nós não vamos aceitar que uma empresa da Venezuela, que a tecnologia que a gente não tem acesso, defina a democracia no Brasil”, trata-se de inverdades refutadas inúmeras vezes: (a) sendo a Justiça Eleitoral criadora e desenvolvedora da urna eletrônica, seria no mínimo contraditório dizer que não há acesso à tecnologia de sistemas; (b) a empresa que produz as urnas não é venezuelana – o que, aliás, por si só, não representaria qualquer problema se fosse verdade. 

17. É falsa a afirmativa de que apenas Brasil e Venezuela empregam urnas eletrônicas. Segundo o Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Social, 23 países as utilizam em eleições gerais e outros 18 em pleitos regionais, incluídos Canadá, França e algumas localidades nos Estados Unidos, o que também já foi esclarecido pela Justiça Eleitoral.

18. Inexistiu fraude nas Eleições 2014. Para além das inúmeras ocasiões em que a Justiça Eleitoral cumpriu com transparência seu dever de informação, houve auditoria externa conduzida pela grei derrotada naquele pleito, nada se identificando como irregular.

19. Os dividendos angariados pelo recorrido são incontroversos. A live ocorreu quando a votação ainda estava aberta no Paraná, ao passo que o acesso à internet ocorre de qualquer lugar por dispositivos móveis, reiterando-se que a transmissão foi assistida por mais de 70 mil pessoas, afora os compartilhamentos do vídeo.

20. O recorrido valeu-se das falsas denúncias para se promover como uma espécie de paladino da justiça, de modo a representar eleitores inadvertidamente ludibriados que nele encontraram uma voz para ecoar incertezas sobre algo que, em verdade, jamais aconteceu. Também houve autopromoção ao mencionar que era Deputado Federal e que a imunidade parlamentar lhe permitiria expor os hipotéticos fatos.

21. Gravidade configurada pela somatória de aspectos qualitativos e quantitativos (art. 22, XVI, da LC 64/90). O ataque ao sistema eletrônico de votação, noticiando-se fraudes que nunca ocorreram, tem repercussão nefasta na legitimidade do pleito, na estabilidade do Estado Democrático de Direito e na confiança dos eleitores nas urnas eletrônicas, utilizadas há 25 anos sem nenhuma prova de adulterações. Além disso, reitere-se a audiência de mais de 70 mil pessoas e, até 12/11/2018, mais de 400 mil compartilhamentos, 105 mil comentários e seis milhões de visualizações.

22. Na linha do parecer ministerial, “a transmissão ao vivo de conteúdo em rede social, no dia da eleição, contendo divulgação de notícia falsa e ofensiva por parlamentar federal, em prol de seu partido e de candidato, configura abuso de poder de autoridade e uso indevido de meio de comunicação”, sendo grave a afronta à “legitimidade e normalidade do prélio eleitoral”.

23. Recurso ordinário provido para cassar o diploma do recorrido e declará-lo inelegível (art. 22, XIV, da LC 64/90), com imediata execução do aresto, independentemente de publicação, e recálculo dos quocientes eleitoral e partidário”.

 

3. O recurso extraordinário fundamenta-se no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A parte recorrente alega, em síntese, violação: (i) ao art. 16, da CF (princípio da anualidade)[1]e ao Tema nº 564 (RE 637.485-RG)[2] diante da mudança de jurisprudência consolidada, aplicando novo entendimento jurisprudencial, firmado no julgamento do RO-EI nº 0603900-65, à eleição de 2018, e também  no que se refere: a) a inclusão das redes sociais como meios de comunicação para fins de incidência do art. 22,  XIV, da Lei Complementar nº 64/1990[3]; b) a inclusão do período após a eleição para caracterização de abuso de poder, violando também o art. 14, § 9º, CF[4]; c) a anulação dos votos com recálculo do quociente partidário e do resultado da eleição; d) a perda de mandato de parlamentares que nunca integraram a lide (por consequência do recálculo acima mencionado), violando, assim, dispositivos constitucionais referente à legalidade (art. 5, caput), à segurança jurídica (art. 5, XXXVI), ao contraditório e ampla defesa (art. 5, LV)[5]; à manutenção de mandatos democraticamente eleitos (art. 15 e 55)[6], à soberania popular e aos limites da jurisdição eleitoral (art. 14 e 119)[7]; à eleição de parlamentares pelo sistema proporcional (art. 45)[8]; (ii) a liberdade de expressão e ao uso de meios de comunicação social (art. 220, da CF)[9]; (iii) à imunidade parlamentar (art. 53, CF)[10]; (iv) ao art. 5º, IV e XXXIX[11], diante da ausência de configuração do abuso de poder, ofendendo; (v) ao art. 45, da CF, diante da anulação dos votos do partido e do recálculo do quociente partidário com redistribuição de cadeiras, violando a proporcionalidade e a autenticidade das eleições; (vi) ao art. 5º, LV, CF, diante da cassação de parlamentares que não integraram a lide e não exerceram seu direito ao contraditório, por não terem sido chamados ao processo os litisconsortes necessários (ID 157098533).

 

4. Requer, ainda, nos termos do artigo 1.029, §5º, do CPC[12], a concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário para que a determinação de vacância do cargo não seja ultimada até o julgamento final do apelo, bem como seja suspensa a convocação dos suplentes que atualmente ocupam as vagas resultantes da perda de mandato dos demais parlamentares afetados pela decisão do TSE, assim como se restaure todas as prerrogativas próprias de bancadas parlamentares ao partido PSL, principalmente o cargo de Presidência da Comissão de Constituição e Justiça, pela nítida e sabida importância que tal cargo possui.  Alternativamente, requer nos termos do art. 26-C da LC 64/1990[13], a concessão de efeito suspensivo para que se suspendam os efeitos da inelegibilidade decretada nestes autos.

 

5. Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público Eleitoral (ID 157179210).

 

6. É o relatório. Decido.

 

7. De início, verifico que o recurso é tempestivo, tendo em vista a observância do prazo de 3 dias – intimação do acórdão recorrido em 10.12.2021, segunda-feira e a interposição do recurso em 10.12.2021 (ID 157098533). Ademais, há interesse recursal e a preliminar de repercussão geral foi formulada nos termos dos art. 102, § 3º, da Constituição Federal; e art. 1.035, § 2º, do CPC[14].

 

8. O recurso, contudo, não deve ser admitido.

 

9. Em relação às alegadas violações aos princípios da anualidade, da liberdade de manifestação e da imunidade parlamentar, constato que o acórdão decidiu com base na análise dos arts. 19 e 22 da LC 64/1990, conforme se verifica da leitura do seguinte trecho do voto do Relator (ID 156923621):

 

“(...) Na mesma senda, Roberto Moreira de Almeida elenca três dos principais dispositivos norteadores das eleições democráticas. Extraem-se do art. 1º, II e seu respectivo parágrafo único, e do art. 14, § 9º, da Constituição a imperativa observância às garantias de lisura, de cidadania e de paridade

de armas:

(...)

Como se sabe, o art. 14, § 9º foi regulamentado pela Lei de Inelegibilidades, diploma que deu concretude aos referidos princípios, fundamentos e garantias.

Da leitura conjunta dos arts. 19 e 22 da LC 64/90, extrai-se que os atos atentatórios contra a liberdade do voto serão apurados e punidos visando proteger a normalidade e a legitimidade do pleito, coibindo-se o uso desmedido do poder político ou dos meios de comunicação em favor de candidatos. Veja-se:

(...)

Por conseguinte, o candidato que promove ataques descabidos ao sistema eletrônico de votação e à democracia, utilizando-se de seu poder político ou sendo beneficiário da conduta de terceiros, pode vir a ser apenado pela Justiça Eleitoral no exame de caso concreto.

Ainda a respeito do abuso de poder político, na hipótese de sua configuração, é primordial assentar que não cabe afastá-lo invocando-se a imunidade parlamentar como escudo para a prática de ilícitos.

A abrangência e as limitações desse instituto jurídico são relevantes para a solução do caso em análise, uma vez que o recorrido era Deputado Federal à época dos fatos e mais de uma vez declarou ao longo da transmissão que estava se utilizando dessa prerrogativa para denunciar as supostas fraudes.

Principio por rememorar as palavras de Rui Barbosa. A despeito da importância e da essencialidade dessa prerrogativa conferida aos congressistas, imprescindível ao desempenho de suas atribuições institucionais, “[a]s imunidades parlamentares não são apanágio das pessoas, mas propriedade da nação e defesa sua”.

Em nosso ordenamento jurídico, tem-se no art. 53 da CF/88 que “[o]s Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

O c. Supremo Tribunal Federal, interpretando o mencionado dispositivo, possui remansosa jurisprudência reconhecendo que a inviolabilidade só é integral quanto aos pronunciamentos realizados no ambiente da Casa Legislativa a que pertence o parlamentar. E não poderia ser diferente, pois, como se sabe, não há direitos de natureza absoluta em nosso ordenamento jurídico.

Nos demais casos, como bem esclareceu o douto Ministro Alexandre de Moraes em voto proferido no Inquérito 4.694/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 1º/8/2019), “há necessidade de verificar se as declarações foram dadas no exercício, ou em razão do exercício, do mandato parlamentar; ou seja, se o denunciado expressou suas opiniões, sobre questões relacionadas a políticas governamentais; e se essas opiniões se ativeram aos parâmetros constitucionalmente aceitos, ou se teriam extrapolado eventuais parâmetros das imunidades materiais”.

  (...)

Por todas essas razões, a gravidade dos fatos também se encontra presente no caso dos autos, configurando-se assim o uso indevido dos meios de comunicação social e o abuso de poder político e de autoridade.

11. Ainda no tocante à configuração do ilícito, não incide na espécie o princípio da anualidade, invocado em um dos votos na Corte de origem como único fundamento para a improcedência dos pedidos.

Referido princípio encontra-se previsto no art. 16 da CF/88, segundo o qual “[a] lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”, também se aplicando a mudanças repentinas de jurisprudência.

O caso em apreço, contudo, não representa qualquer viragem jurisprudencial e versa sobre tema – seja no plano fático ou jurídico – que ainda não havia sido enfrentado por este Tribunal.

Além disso, conforme ressaltou com maestria o douto Ministro Carlos Horbach no recente julgamento do AgR-REspe 0000634-06/MG em 7/10/2021, descabe invocar a segurança jurídica para suprimir direitos fundamentais.

Aplicando-se essa ratio ao caso concreto, importa dizer que o referido instituto jurídico jamais poderá representar licença para a prática de reprováveis e infundados ataques à democracia e ao sistema eletrônico de votação. Destaco do voto de Sua Excelência (...)”

 

10. Eventual violação aos arts. 14, § 9º, 53, 220, 16 da CF demandaria, portanto, a prévia análise da legislação infraconstitucional, o que inviabiliza a admissão do recurso extraordinário

 

11. Com relação à ofensa aos art. 5º, LV e 45 da CF, em razão da anulação dos votos recebidos pelo deputado estadual eleito Fernando Destito Francischini, a qual atingiu candidatos que não fizeram parte da presente ação, constato que tal violação não foi objeto de discussão no acórdão ora impugnado, nem foram opostos embargos de declaração para que a Corte Eleitoral se manifestasse quanto a tais questões, estando ausente o devido prequestionamento, incidindo as súmulas nº 282 e 356/STF.

 

12.         Diante do exposto, com fundamento no art. 1.030, V, do CPC, deixo de admitir o recurso extraordinário. Julgo prejudicado o pedido de efeito suspensivo.

 

Brasília, 22 de fevereiro de 2022.

 
Ministro Luís Roberto Barroso
                     Presidente

 


[1] Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.         (Redação dada pela Emenda Constitucional 4, de 1993)

[2] (...) (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.

[3]  Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:   

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;       (Redação dada pela Lei Complementar 135, de 2010)

[4]  Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.         (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão 4, de 1994)

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

(...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

 

[6] Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

(...)

 Art. 55. Até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, serão destinados ao setor de saúde.

 

[7] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

Art. 119. O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros, escolhidos:

(...)

 

[8]   Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

 

[9]   Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

 

[10] Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

 

[11] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(...)

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

[12] Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal , serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:

(...)

§ 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido:

III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037 .    

 

[13] Art. 26-C.  O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.     (Incluído pela Lei Complementar 135, de 2010)

 

[14]“Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.

(...)

§ 2º O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal.”

 

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