RA 10/20

 

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL (11550) Nº 0600100-92.2022.6.12.0000 (PJe) – PONTA PORÃ – MATO GROSSO DO SUL

 

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Mauro Ortiz Neves

Advogado: Andre Luiz Gomes Antonio – OAB/MS 16346

Recorrido: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – Municipal

Advogado: Rafael Fração de Oliveira – OAB/MS 17537

 

 

DECISÃO

 

 

Eleições 2020. Vereador. Recurso ordinário eleitoral. Ação de decretação de perda de mandato eletivo. Procedência na instância ordinária. Manejo de recurso ordinário para atacar acórdão regional que trata de perda de mandato eletivo municipal. Não cabimento. Erro grosseiro. Inaplicabilidade do princípio da fungibilidade. Precedentes. Negado seguimento ao recurso.

 

 

Na origem, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – Municipal ajuizou ação com pedido de decretação de perda do cargo eletivo por infidelidade partidária em desfavor de Mauro Ortiz Neves, eleito vereador pelo Município de Ponta Porã/MS no pleito de 2020, ao argumento de que ele teria se desfiliado sem justa causa da referida agremiação, pela qual concorreu naquela eleição.

O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul julgou procedente o pedido para decretar a perda do cargo eletivo de vereador, determinando-se que fosse empossado o suplente legitimado do aludido cargo, nos termos da seguinte ementa (ID 157999799):

EMENTA – PETIÇÃO. AÇÃO DE PERDA DO MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. ART. 22-A, II, DA LEI N.º 9.096/97 E RESOLUÇÃO TSE N.º 22.610/07. ALEGAÇÃO DE GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA PESSOAL. NÃO COMPROVADA. PERDA DO MANDATO ELETIVO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.

O tema da fidelidade partidária se relaciona com o direito de o partido político manter a vaga conquistada na eleição proporcional, nos casos de mudança injustificada de partido por candidato eleito.

O artigo 22-A da Lei n.º 9.096/95, incluído pela minirreforma eleitoral trazida pela Lei n.º 13.165/2015, e o artigo 1º, § 1°, da Resolução TSE n.º 22.610/07, que regulamentam tanto o processo de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária quanto a ação declaratória de justa causa para a desfiliação, enumeram, numerus clausus, as hipóteses consideradas como justa causa para a referida desfiliação, sem que esta se configure em ato de infidelidade partidária.

Levando-se em consideração o teor dos depoimentos dos informantes e os vídeos juntados pelo próprio demandado, constata-se que as alegações de grave discriminação invocadas para justificar sua desfiliação partidária não restaram comprovadas.

Ao contrário do alegado, verifica-se que a moldura fática dos autos não caracteriza a justa causa de desfiliação partidária por grave discriminação política pessoal, mas tão só o seu anseio em concorrer ao cargo de Deputado Estadual.

Pedido julgado procedente para determinar a perda do mandato eletivo do demandado.

O PSDB requereu a imediata intimação do presidente da Câmara Municipal de Ponta Porã/MS, a fim de se empossar o suplente da agremiação partidária (ID 157999805).

Contra o supramencionado acórdão regional, Mauro Ortiz Neves interpôs, então, o presente recurso ordinário (ID 157999807), com pedido de efeito suspensivo, fundamentado no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, pleiteando, ao final (ID 157999807, fl, 15):

a) Que seja conhecido o presente Recurso Ordinário bem como a sua remessa ao Superior Tribunal Eleitoral – TSE, pois é tempestivo e estão presentes todos os requisitos legais ensejadores;

b) Que ao presente Recurso Ordinário seja concedido ainda o devido Efeito Suspensivo de acordo com o Art. 257. [...] § 2º do Código Eleitoral, haja vista a demonstrada probabilidade de provimento do recurso, a relevante fundamentação apresentada, bem como o risco de dano grave ou de difícil reparação ao se manter os efeitos da decisão embargada;

c) Que, no mérito, seja provido o presente Recurso Ordinário, já que resta demonstrada a necessidade de reforma da decisão proferida, com a TOTAL IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS, a fim de que SEJA DECLARADA A JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA do Recorrido, garantindo assim a manutenção do mandato de vereador da cidade de Ponta Porã/MS, conquistado em 2020, pelo Recorrente.

O presidente da Corte regional determinou à Secretaria Judiciária do TRE/MS que encaminhasse ofício à Câmara Municipal de Ponta Porã/MS, para adoção das providências cabíveis para o afastamento do recorrente do cargo eletivo e a posse do suplente, dando-se imediato cumprimento ao acórdão daquele Tribunal (ID 157999809).

O PSDB Municipal apresentou contrarrazões ao recurso ordinário (ID 157999815), nas quais requer, preliminarmente:

a) ante a existência de erro grosseiro, a inadmissão do recurso ordinário, visto que a hipótese seria de interposição de recurso especial (cassação de mandato eletivo municipal), e, ainda, a não concessão do efeito suspensivo do art. 257, § 2º, do Código Eleitoral;

b) a inadmissão do recurso ordinário como especial, haja vista a ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida, a mera transcrição de ementas, a falta do cotejo analítico que evidencie o dissídio jurisprudencial (Verbete Sumular nº 26 do TSE) e a não indicação dos dispositivos violados pelo acórdão combatido;

c) a inadmissão do recurso ordinário como especial, tendo em conta a pretensão de revolvimento de matéria fático-probatória e a incidência do Verbete Sumular nº 24 do TSE; e

d) no mérito, o desprovimento do errôneo recurso ordinário e a manutenção do acórdão recorrido pelos próprios fundamentos.

Considerada a inexistência de fumaça do bom direito, foi indeferida a tutela provisória pleiteada (ID 158015561).

A Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pelo não conhecimento do recurso ordinário (ID 158353070).

É o relatório. Passo a decidir.

Conforme relatado, o acórdão regional versa sobre perda de mandato eletivo por desfiliação partidária de vereador e foi atacado por meio de recurso ordinário.

Contudo, nos termos do inciso IV do § 4º do art. 121 da CF e da alínea a do inciso II do art. 276 do CE, o recurso ordinário somente é cabível quando o acórdão regional tratar da perda de mandatos eletivos nas eleições federais ou estaduais, o que, todavia, não é a hipótese dos autos, que trata de perda de mandato eletivo municipal (cargo de vereador), que desafia a interposição de recurso especial.

Destaca-se, quanto ao tema, a jurisprudência desta Corte:

[...] Nos termos do art. 121, § 4º, IV, da Constituição Federal, o recurso ordinário dirigido a esta Corte Superior somente é cabível nas hipóteses em que se “(...) anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais”.

2. Em face dessa disposição constitucional, cuidando-se de perda de mandato eletivo municipal, a hipótese cabível é de recurso especial.

[...]

(AgRgMC nº 2.323/PA, rel. Min. Caputo Bastos, julgado em 8.5.2008, DJ de 6.6.2008 – grifos acrescidos)

Como bem se pronunciou o vice-procurador-geral eleitoral, não se aplica o princípio da fungibilidade para conhecer do recurso ordinário como se recurso especial fosse, ante a clareza do texto normativo, que consigna, expressamente, qual é o recurso cabível. Confira-se (ID 158353070, fl. 3):

O Tribunal Superior Eleitoral tem jurisprudência consolidada no sentido de que o recurso ordinário é cabível tão somente nas hipóteses em que se discute causas de inelegibilidade, expedição ou anulação de diploma ou perda de mandato eletivo nas eleições federais ou estaduais. A Súmula n. 36/TSE bem sintetiza o entendimento:

Cabe recurso ordinário de acórdão de Tribunal Regional Eleitoral que decida sobre inelegibilidade, expedição ou anulação de diploma ou perda de mandato eletivo nas eleições federais ou estaduais (art. 121, § 4º, incisos III e IV, da Constituição Federal).

A objetividade e a clareza do texto normativo e da referida súmula impedem que a interposição equivocada do recurso ordinário seja qualificada como razoável ou escusável, elidindo a aplicação do princípio da fungibilidade.

Assim, a interposição do presente recurso ordinário configura erro grosseiro, haja vista a ausência de dúvida razoável a respeito do recurso cabível, o que impede, inclusive, a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

Nessa linha, citam-se ainda os seguintes precedentes acerca do tema:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. ARTS. 121, § 4º, I A IV, DA CF/88 E 276, I E II, DO CÓDIGO ELEITORAL. SÚMULA 36/TSE. AUSÊNCIA. DÚVIDA OBJETIVA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. Embargos opostos contra decisum monocrático e com pretensão infringente são recebidos como agravo interno. Precedentes.

2. No decisum monocrático, negou-se seguimento ao recurso ordinário interposto pelo ora agravante por se tratar de espécie recursal incabível no caso, nos termos da Súmula 36/TSE e dos arts. 121, § 4º, I a V, da CF/88 e 276, I e II, do Código Eleitoral.

3. De acordo com a Súmula 36/TSE, "[c]abe recurso ordinário de acórdão de Tribunal Regional Eleitoral que decida sobre inelegibilidade, expedição ou anulação de diploma ou perda de mandato eletivo nas eleições federais ou estaduais (art. 121, § 4º, incisos III e IV, da Constituição Federal)".

4. Consoante tese firmada por esta Corte Superior, não se aplica o princípio da fungibilidade para receber recurso ordinário como especial e vice-versa, haja vista a disciplina expressa do referido enunciado sumular e dos arts. 121, § 4º, I a V, da CF/88 e 276, I e II, do Código Eleitoral, entendendo-se que inexiste dúvida objetiva acerca da espécie cabível (RO-El 0600086-80/SC, redator para acórdão Min. Edson Fachin, DJE de 20/10/2020).

5. No caso dos autos, configura inequívoco erro grosseiro o manejo de recurso ordinário no lugar de especial em face de aresto do TRE/MG proferido em sede de Recurso Contra a Expedição de Diploma relativo às eleições municipais, não se aplicando o princípio da fungibilidade. Precedentes.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgR-RO-El nº 0601335-24/MG, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 31.3.2022, DJe de 22.4.2022 – grifos acrescidos)

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA (RRC). PREFEITO. DEFERIMENTO NA ORIGEM. CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA. ERRO GROSSEIRO CONFIGURADO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. ALEGADA INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 64/TSE. INAPLICABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O sistema normativo específico que disciplina e distingue as hipóteses de recurso especial eleitoral e de recurso ordinário nesta Justiça Especializada, extraído da leitura conjunta dos arts. 121, § 4º, I a V, da Constituição da República e 276, I e II, do Código Eleitoral, afasta a dúvida objetiva para as hipóteses nele contidas e obsta a utilização do princípio da fungibilidade recursal.

2. A inobservância do mencionado sistema, que disciplina o acesso a esta Corte Superior pela via recursal, descortina inescusável erro grosseiro, também impeditivo da aplicação do referido postulado.

3. É inadmissível a interposição de recurso ordinário eleitoral em processo de registro de candidatura que discute sobre incidência de causa de inelegibilidade em eleições municipais, porquanto essa hipótese não se encontra nas exceções descritas no art. 121, § 4º, III, IV ou V, da Constituição Federal.

4. O enunciado da Súmula nº 64/TSE aplica-se tão somente às eleições federais e estaduais, uma vez que, contra acórdão do TRE proferido em eleição municipal é cabível recurso especial eleitoral. Doutrina.

5. Nesse diapasão, tendo em consideração a inexistência de dúvida sobre o cabimento do recurso especial eleitoral, não se afigura viável a aplicação do princípio da fungibilidade recursal diante da interposição do ordinário eleitoral, de maneira a admitir como especial o recurso ordinário indevidamente protocolado. O erro da parte, em tal caso, afigura-se grosseiro. Precedentes.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgR-REspEl nº 0600315-87/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 4.6.2021, DJe de 15.6.2021)

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ORDINÁRIO. AIRC. VEREADOR. INDEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INELEGIBILIDADE. ANTERIOR REJEIÇÃO DAS CONTAS PELO TCE (ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/1990). FALTA DE CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. CONTAS RELATIVAS ÀS ELEIÇÕES DE 2018 JULGADAS COMO NÃO PRESTADAS (ART. 11, § 1º, VI, E § 7º, DA LEI Nº 9.504/1997). INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO NO LUGAR DE RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA QUANTO AO RECURSO CABÍVEL. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. PRECEDENTE. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

1. Na espécie, da decisão do TRE/PE que negou provimento ao recurso eleitoral interposto e manteve o indeferimento do registro de candidatura, o recorrente interpôs recurso ordinário.

2. O recurso cabível, no presente caso, é o recurso especial, e não o recurso ordinário, nos termos do art. 67 da Res.-TSE nº 23.609/2019.

3. Não se aplica o princípio da fungibilidade para conhecer do recurso ordinário como se recurso especial fosse, ante a clareza do texto normativo que consigna, expressamente, qual é o recurso cabível. Precedente.

4. Recurso ordinário não conhecido.

(RO-El nº 0600354-02/PE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, PSESS de 18.12.2020)

Nesse contexto, tal como salientado pelo recorrido e também pelo Parquet, é inviável o conhecimento do recurso ordinário.

Ante o exposto, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, nega-se seguimento ao recurso ordinário.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 17 de novembro de 2022.


 

 

Ministro Raul Araújo

Relator