index: AÇÃO RESCISÓRIA ELEITORAL (12627)-0601505-02.2022.6.00.0000-[Inelegibilidade - Representação ou Ação de Investigação Judicial Eleitoral Jugada Procedente pela Justiça Eleitoral, Impugnação ao Registro de Candidatura, Cargo - Governador]-SERGIPE-ARACAJU

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

AÇÃO RESCISÓRIA (12627) Nº 0601505-02.2022.6.00.0000 (PJE) – ARACAJU – SERGIPE

 

RELATOR: MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

AUTORES: VALMIR DOS SANTOS COSTA E OUTRA

ADVOGADOS: FÁBIO BRITO FRAGA (OAB/SE 4.177) E OUTROS

 

DECISÃO

 

Trata-se de ação rescisória, com pedido de liminar, ajuizada por por Valmir dos Santos Costa - candidato a Governador de Sergipe, nas Eleições 2022 - e pela Coligação o Povo Quer, com base no art. 966, VII, do Código de Processo Civil, visando a desconstituir acórdão transitado em julgado proferido nos autos do RO-El 0600768-03.2020.6.25.0000, no qual esta Corte Superior manteve o indeferimento do registro de candidatura do primeiro autor, ante a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, d, da Lei Complementar 64/1990, decorrente de condenação, por órgão colegiado, em Ação de Investigação Judicial Eleitoral, por abuso de poder econômico e político.

 

Na inicial, os autores narram que:

i) o referido recurso ordinário foi julgado por esta Corte Eleitoral na sessão do dia 29/9/2022, ou seja, 3 (três) dias antes do pleito realizado em 2/10/222;

ii) em sede de Questão de Ordem, requereram “o adiamento do julgamento, apontando Questão Prejudicial”, com base no art. 313, inciso V, a, do CPC, tendo em conta que “eventual julgamento favorável dos Embargos de Declaração na AIJE afastando a inelegibilidade anteriormente imposta, teria o condão de alterar o indeferimento do Registro de Candidatura” e que, embora tal pedido tenha obtido manifestação favorável do relator, “a Questão de Ordem fora rejeitada, por maioria, sendo mantido o julgamento no último dia 29.09.2022, denegando-se o registro de candidatura” (pág. 7 do ID 158244450);

iii) diante proximidade do pleito, o nome e a foto do primeiro autor foram mantidos nas urnas, o qual obteve “a quantidade de 457.922 votos, sendo referidos votos computados como “Nulo Técnico”, conforme atesta a Informação nº. 01/2022 expedida pelo TRE/SE – “maior votação dentre todos os candidatos que disputaram o cargo de governador do estado de Sergipe” (pág. 7 do ID 158244450), considerando que o segundo colocado, Rogério Carvalho obteve 338.796 votos e o terceiro colocado, Fábio Mitidieri, 294.936 votos;

iv) o Tribunal Regional divulgou apenas os votos válidos, convocando, portanto, “os candidatos Rogério Carvalho e Fábio Mitidieri para disputarem o segundo turno a ser realizado no próximo dia 30.10.2022” (pág. 8 do ID 158244450); e

v) no dia 13/10/2022, o TSE, julgou os embargos de declaração do RO-El 0601568-70.2018.6.25.0000 e, conferindo-lhes efeitos infringentes, 'deu provimento ao recurso ordinário para julgar improcedente a AIJE.

Alegam que o entendimento desta Corte Superior no sentido de “denegar pedido liminar formulado em Tutela Cautelar Antecedente (Processo nº. 0601247-89.2022.6.00.0000, Rel. Min. Raul Araújo) e indeferir Questão de Ordem suscitada no âmbito do Registro de Candidatura” (pág. 10 do ID 158244450), configurou error in procedendo e error in judicando, notadamente pelo fato de que o resultado dos aclaratórios poderia interferir diretamente no registro do candidato.

 

Afirmam, mais, que, como a inelegibilidade, a qual fundamentou o indeferimento do registro de candidatura em questão foi afastada com o julgamento dos Embargos de Declaração, no RO-El nº 0601568-70.2018.6.25.0000, ocorrido em 13/10/2022, os direitos políticos do candidato foram restabelecidos em decorrência desse fato superveniente.

 

Ressaltam, também, que, apesar do prejuízo suportado pelo candidato, porque “não participou da propaganda eleitoral do segundo turno iniciada em 07.10.2022 e atualmente em curso, permitir-lhe a participação no pleito eleitoral a ser realizado em 30.10.2022 é a forma adequada de corrigir o equívoco do julgamento deste TSE” (pág. 18 do ID 1582444450) e de prestigiar a vontade popular, considerando os 457.922 votos por ele obtidos, conforme atesta a certidão expedida pelo Tribunal a quo.

 

Sustentam, portanto, que o perigo do dano é incontroverso, uma vez que a denegação da liminar significa impedir “alguém que não possui mácula em seu jus honorum” de participar da disputa eleitoral, “além de desprestigiar completamente 457.922 eleitores que democraticamente e de forma espontânea sufragaram em favor do requestante - sic” (pág. 18 do ID 158244450).

 

Aduzem, ainda, que o fumus boni juris para a concessão da liminar decorre do direito líquido e certo do candidato de participar do pleito que será ralizado no dia 30/10/2022, tendo em vista a improcedência da AIJE reconhecida na decisão do TSE proferida por ocasião do julgamento dos ED-RO-El 0601568-70.2018.6.25.0000, ocorrido em 13/10/2022, a qual afastou a condenação por abuso de poder econômico e, por conseguinte, a inelegibilidade que embasou o pedido de impugnação do registro de candidatura em questão.

 

Pugnam, ao final:

“A) Pelo recebimento da presente Ação Rescisória, posto que preenchidos todos os requisitos de admissibilidade previstos em lei, restando cumpridas as existências estampadas no art. art. 22, I, “j”, do Código Eleitoral, na Súmula nº. 33 do TSE e nos arts. 966 e seguintes do Código de Processo Civil;
B) Que seja concedida a antecipação de tutela para suspender os efeitos da decisão rescindenda que indeferiu o registro de candidatura, nos moldes previstos no art. 969 do CPC, considerando o afastamento da inelegibilidade promovida no bojo do julgamento dos Embargos de Declaração na AIJE nº. 0601568-70.2018.6.25.0000 realizado em 13.10.2022, validando os 457.922 VOTOS atribuídos ao primeiro autor da presente Ação Rescisória no primeiro turno realizado em 02.10.2022, permitindo que o postulante venha a disputar o segundo turno da eleição que se encontra em curso e cujo pleito será definido no próximo dia 30.10.2022, notadamente em razão do evidente perigo de dano irreparável e notável probabilidade de procedência da presente ação autônoma de impugnação;
C) Alternativamente: acaso não seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela para permitir que o autor da presente actio civilis dispute o segundo turno das eleições que estão em curso, roga o postulante que seja concedida medida liminar para suspender o pleito eleitoral a ser realizado no próximo dia 30.10.2022 (eleição em segundo turno para o cargo de governador do estado de Sergipe) até o julgamento do meritum causae desta Ação Rescisória;
D) Alternativamente: acaso não seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela para permitir que o primeiro requerente da presente actio civilis disputeo segundo turno das eleições ou não se suspenda o pleito eleitoral a ser realizado no próximo dia 30.10.2022 (eleição em segundo turno para o cargo de governador do estado de Sergipe), suplica-se pela suspensão da eleição em segundo turno para o cargo de governador do estado de Sergipe e que quando julgamento da presente ação rescisória promova-se a ANULAÇÃO das eleições 2022, realizando novo pleito apenas para ao cargo de governador de estado;
E) Que seja colhida manifestação do Ministério Público Eleitoral na pessoa do Procurador-Geral Eleitoral, para apresentar resposta a esta exordial;
F) A rescisão da decisão de mérito proferida quando do julgamento do Registro de Candidatura n.º 0600768-03.2022.6.25.00001, em razão da existência de fato superveniente (julgamento dos Embargos de Declaração na AIJE nº. 0601568-70.2018.6.25.0000) afastando a inelegibilidade apontada, sendo restituídos os direitos políticos do primeiro autor (jus honorum), estando o mesmo apto a disputar o cargo de governador do estado de Sergipe;
G) Sendo rescindida a decisão atacada, realize-se novo julgamento do Registro de Candidatura promovendo o seu deferimento e, consequentemente, validando os 457.922 VOTOS que foram atribuídos ao primeiro autor da presente Ação Rescisória no primeiro turno das Eleições 2022, permitindo a participação do requerente no segundo turno do pleito eleitoral;
H) Protesta, ainda, provar por todos os meios de prova legalmente permitidos, mormente a prova documental carreada à presente exordial.” (págs. 20-22 do ID 158244450; grifos no original)

É o relatório. Decido.

 

De saída, assento que a presente ação rescisória não merece seguimento. Sim, porque  a matéria controvertida nestes autos consiste em saber se o acórdão proferido no RO-El 0601568-70.2018.6.25.0000, que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral e afastou a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, d, da LC 64/1990, constitui prova nova, para fins do art. 966, VII, da lei processual.

 

Ora, como é de todos sabido, a ação rescisória possui fundamentação vinculada, cujo cabimento é previsto de forma taxativa no aludido dispositivo legal, cuja interpretação, por isso mesmo, deve ser restritiva. Confira-se:

"Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos." (grifei).

Pois bem. No caso concreto, Valmir dos Santos Costa foi condenado, em ação de investigação judicial eleitoral, por decisão colegiada proferida no dia 23/6/2022, pela prática de abuso de poder econômico e político, com declaração de inelegibilidade de 8 anos. Por consequência, o aludido requerente teve seu pedido de registro de candidatura indeferido, por meio de acórdão que transitou em julgado em 3/10/2022.

 

Ocorre que, na sessão de 13.9.2022, este Tribunal Superior, ao acolher os embargos declaratórios opostos no RO-El 0601568-70.2018.6.25.0000, conferiu efeitos infringentes e julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral que deu causa à inelegibilidade de Valmir.

 

Como se vê, o acórdão que, segundo este autor, afastaria a coisa julgada formada em seu processo de registro (RO-El 0600768-03.2020.6.25.0000), é posterior ao julgamento do seu RCand pelo TSE.

 

Como pode ser facilmente apreendido, a alegada prova nova, ou seja, o acórdão proferido na AIJE (RO-El 0601568-70.2018.6.25.0000) – que afastou a inelegibilidade do então candidato –, inexistia, por completo, por ocasião do julgamento de seu registro.

 

Anoto que, de há muito, a jurisprudência e doutrina pátrias entendem, de forma praticamente uníssona, que fato novo não dá ensejo à propositura de ação rescisória. Precisamente por isso, a “caracterização do documento novo reclama a sua preexistência quando em cotejo com a sentença rescindenda[1]”. Veja-se, a próposito, o seguinte julgado:

“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 14, § 8º, I, DA CF. POLICIAL MILITAR COM MENOS DE DEZ ANOS DE EFETIVO EXERCÍCIO. CANDIDATURA A CARGO ELETIVO. AFASTAMENTO DEFINITIVO DE SUAS ATIVIDADES. DECISÃO RESCINDENDA PROFERIDA EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO AMPARADA EM PRECEDENTE DO PLENÁRIO: RE 279.469. COMPREENSÃO JURISPRUDENCIAL À ÉPOCA DO JULGAMENTO DA DECISÃO RESCINDENDA. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 966, § 1º E VII DO CPC. PRECEDENTES.
1. A decisão rescindenda proferida nos autos do RE 974.458 aplicou o entendimento firmado em precedente do Plenário do STF (RE 279.469, Redator para o acórdão Min. Cezar Peluso, julgado em 16.03.2011), segundo o qual o art. 14, § 8º , I, do Texto Constitucional estabelece a necessidade de afastamento definitivo do militar que, com menos de dez anos de efetivo serviço, deseje se candidatar a cargo eletivo.
2. Ausência de preenchimento dos requisitos constantes do artigo 966, § 1º e VII, do CPC, visto que o erro de fato deve corresponder à equivocada percepção da situação fática, representada nos autos pelos elementos probatórios, o que levaria o julgador a erroneamente admitir um fato inexistente ou considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, ‘por documento novo não se deve entender aquele que, só posteriormente à sentença, veio a formar-se, mas o documento já constituído cuja existência o autor da ação rescisória ignorava ou do qual não pôde fazer uso, no curso do processo de que resultou o aresto rescindendo’(AR 1063, Rel. Min. Néri da Silveira, Tribunal Pleno, DJ 25.08.1995).
4. Ademais, a prova nova idônea a possibilitar a rescisão do julgado impugnado é apenas aquela cujo alcance seja capaz de infirmar as premissas sobre as quais se fundou a decisão rescindenda.
5. Agravo regimental a que se nega provimento. Fixados os honorários advocatícios em 10% do valor atualizado da causa com base no art. 85, §§ 2º e 3º do CPC, observada a concessão da justiça gratuita (art. 98, §§ 2º e 3º)” (STF - AR 2741 ED-AgR /PR, Rel. Min. Edson Fachin – grifei).

Em resumo, prova nova “é aquela que já existia antes do trânsito em julgado, mas não foi apresentada ou produzida oportunamente no processo originário”[2].

 

Corrobora tal exegese o art. 975, § 2º do CPC/2015, segundo o qual,  “se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova”. Não há falar, assim, em produção ou constituição de elemento probatório inédito, o que, a toda evidência, é precisamente a hipótese destes autos.

 

Na realidade, ante a ausência de elementos suficientes para desconstituir o acórdão proferido por esta Corte Especializada no RO 0600768-03.2022.6.25.0000, de relatoria do Ministro Raul Araújo, buscam os autores o mero rejulgamento da causa, em afronta à coisa julgada e à segurança jurídica. 

 

Cumpre ressaltar, por oportuno, a circunstância de que os autores conformaram-se com a decisão de indeferimento do registro de candidatura, deixando transcorrer in albis o prazo para a interposição do recurso competente.

 

Finalmente, sublinho que o segundo turno das eleições no Estado de Sergipe encontra-se em pleno andamento, por força da aplicação do art. 17, da Res.-TSE n° 23.677/2021, não se podendo cogitar, a esta altura do pleito, de alteração do quadro da disputa, já consolidado quanto aos candidatos legalmente aptos a disputar a Governança daquela unidade da Federação. Por sua relevância, transcrevo o citado dispositivo regulamentar:

“Art. 17. Serão computados como nulos os votos dados à chapa que, embora constando da urna eletrônica, dela deva ser considerada excluída, por possuir candidata ou candidato cujo registro, entre o fechamento do Sistema de Candidatura (CAND) e o dia da eleição, encontre-se em uma das seguintes situações:
I - indeferido, cancelado, ou não conhecido por decisão transitada em julgado ou por decisão colegiada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ainda que objeto de recurso;
[…]
§ 2º A nulidade tratada neste artigo impede a convocação da chapa para eventual segundo turno da eleição, mas não prejudica as demais votações.”

Diante do exposto, nego seguimento à presente ação rescisória, prejudicado o pedido de medida liminar, nos termos do art. 36, § 6º, do RITSE.

 

Publique-se.

 

Brasília, 16 de outubro de 2022.

 

Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

Relator

 

[1] FUX, Luiz e FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2016. p. 323.

[2] DIDIER Jr, Fred. Curso de direito processual civil. 15. Ed. Salvador: Ed. JusPodvm, 2018. p. 589.