index: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549)-0600136-48.2020.6.21.0035-[Inelegibilidade - Condenação Criminal por órgão colegiado ou Transitada em Julgado, Impugnação ao Registro de Candidatura, Cargo - Prefeito, Eleições - Eleição Majoritária]-RIO GRANDE DO SUL-PINHEIRO MACHADO

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549)  Nº 0600136-48.2020.6.21.0035 (PJe) - PINHEIRO MACHADO - RIO GRANDE DO SUL

RELATOR: MINISTRO LUIZ EDSON FACHIN
RECORRENTE: CARLOS ERNESTO BETIOLLO
ADVOGADOS DO RECORRENTE: VINICIUS MONTAGNER PEREIRA MESKO - RS102789, LUCEL JUSSARA ARAUJO BRUM BETIOLLO - RS0026141, ANDRE LUIS DOS SANTOS BARBOSA - RS0050031, ANDERSON DE OLIVEIRA ALARCON - DF0037270, GUILHERME RODRIGUES CARVALHO BARCELOS - RS0085529, LUIZ GUILHERME CARDIA - PR0095293, VALERIA MANGANOTTI OLIVEIRA - PR0061582, VICTOR NEGRINI GOLDANI - SC0052935
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
 

 

DECISÃO:

 


Ementa: Direito Eleitoral e Processual Civil. Tutela de Urgência. Eleições 2020. Prefeito eleito. Registro indeferido. Pedido de efeito suspensivo. Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral. Recesso Forense. Ausência de Probabilidade de provimento recursal. Indeferimento. Encaminhamento dos autos ao relator.
1. Pedido de tutela de urgência que tem por objetivo a atribuição de efeito suspensivo a embargos de declaração opostos contra acórdão do TSE, que negou provimento a recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/RS, que manteve o indeferimento do pedido de registro de candidatura do requerente ao cargo de prefeito no município de Pinheiro Machado/RS, nas Eleições 2020.
2. Hipótese em que o requerente teve sua candidatura impugnada com fundamento na incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC nº 64/1990, em razão de decisão condenatória proferida em 29.01.2020 por órgão colegiado pelo crime de resistência qualificada (art. 329, § 1º, do Código Penal).
3. A concessão de efeito suspensivo a recurso é medida excepcional, que pressupõe: (i) a probabilidade de seu provimento e (ii) a existência de risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação.
4. Durante o período de férias forenses, compete ao Presidente decidir apenas os processos que reclamam solução urgente.
5. Apesar de demonstrada a urgência da medida requerida, não se verifica, ao menos em juízo de cognição sumária, típico das tutelas cautelares, a probabilidade de provimento do recurso.
6. No caso, o TSE concluiu incidir na espécie a causa de inelegibilidade prevista na alínea e do art. 1º, I, da LC nº 64/1990, em razão de a resistência qualificada caracterizar delito contra a Administração Pública, e não estar enquadrada como de menor potencial ofensivo.
7. Em análise preliminar, observa-se não haver vícios no acórdão do TSE a ensejar o acolhimento dos embargos de declaração, uma vez que as questões suscitadas pela parte foram devidamente analisadas por este Tribunal Superior.
8. O Tribunal Superior Eleitoral fixou o entendimento de que não cabem embargos de declaração quando, a pretexto de esclarecer inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição, vêm a ser opostos com o objetivo de infringir o julgado, para viabilizar indevido reexame do caso. Precedentes.
9. Tutela de urgência indeferida. Encaminhamento dos autos ao relator.

 

1. Trata-se de pedido de tutela de urgência incidental protocolizado por Carlos Ernesto Betiollo, candidato eleito ao cargo de prefeito no município de Pinheiro Machado/RS, nas Eleições 2020, que tem por objetivo a atribuição de efeito suspensivo ativo aos embargos de declaração opostos contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que manteve o indeferimento de seu pedido de registro de candidatura, em razão da incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC nº 64/1990. O acórdão do TSE contou com a seguinte ementa (ID 65040388):


“ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO ELEITO. INDEFERIMENTO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, e, 1, DA LC Nº 64/1990. PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E INCONVENCIONALIDADE DO ARTIGO. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA ANTE O RECONHECIMENTO DE INOVAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 72/TSE. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESISTÊNCIA QUALIFICADA. CONDENAÇÃO POR ÓRGÃO JUDICIAL COLEGIADO. DESNECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO. PRECEDENTES. NÃO INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 1º, § 4º, DA LC Nº 64/1990. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. As alegações preliminares atinentes à inconstitucionalidade formal do art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990, à inconvencionalidade material da referida norma e à incompatibilidade da compreensão adotada no caso com as normas da Convenção Interamericana de Direito Humanos (CIDH) e com a jurisprudência da Corte Interamericana não foram debatidas na instância de origem, porquanto somente suscitadas em sede de embargos de declaração, o que levou o Tribunal a quo a assentar inovação recursal. Incide, no ponto, o enunciado da Súmula nº 72/TSE, ante a ausência do indispensável prequestionamento.
2. A condenação do candidato, por órgão colegiado do Poder Judiciário, por crime contra a Administração Pública é apta a atrair a incidência da causa de inelegibilidade objeto do art. 1º, inciso I, alínea e, da LC nº 64/1990. Precedentes.
3. No caso, as premissas fáticas delineadas no aresto regional permitem aferir a subsunção do caso à hipótese de restrição do ius honorum descrita no art. 1º, I, e, 1, da LC nº 64/1990, visto que a condenação em liça decorre da prática de crime contra a Administração Pública e se deu por decisão de órgão judicial colegiado em 29.1.2020.
4. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, para fins de incidência da exceção prevista no art. 1º, § 4º, da LC nº 64/1990, considera-se crime de menor potencial ofensivo aquele cujo quantum máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada não seja superior a dois anos (RO nº 0600584-43/RR, Rel. Min. Og Fernandes, PSESS de 6.12.2018).
5. A conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos não afasta a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC nº 64/1990. Precedentes. Nesse sentido também a Súmula nº 61/TSE.
6. Na espécie, em que pese a pena cominada seja inferior a dois anos, o quantum máximo da sanção prevista para o crime tipificado no art. 326, § 1º, do CP é de três anos de reclusão, o que inviabiliza o afastamento da inelegibilidade com esteio no art. 1º, § 4º, da LC nº 64/1990, como pretende o recorrente.
7. Recurso especial desprovido”.

 

2. O requerente afirma a existência de fumus boni juris, ao argumento de: (i) ofensa aos arts. 2-A, 2-B e 6º da Res.-TSE nº 23.598/200191 e ao princípio da ampla defesa, uma vez que a inclusão do recurso especial eleitoral em pauta de julgamento virtual sem a antecedência prevista na norma, inviabilizou o envio de sustentação oral por vídeo; (ii) omissão do acórdão do TSE quanto às arguições de inconstitucionalidade e de “inconvencionalidade”, pois o art. 1º, I, e, 1, da LC nº 64/1990, ao prever a inelegibilidade do candidato condenado por crime em decisão de órgão colegiado, antes do trânsito em julgado do processo, viola a Constituição Federal e a Convenção Interamericana de Direito Humanos; (iii) afronta ao art. 14, § 9º, da CF, uma vez que o crime que praticou não atenta contra a probidade administrativa, nem contra o patrimônio público, sendo indevido enquadrá-lo como delito apto a gerar inelegibilidade; (iv) necessidade de superação da jurisprudência do TSE quanto ao conceito de crime de menor potencial ofensivo, tendo em vista o surgimento de novos institutos, como o acordo de não persecução penal; e (v) a possibilidade de aplicação do art. 28-A do CPP (inserido pela Lei nº 13.964/2019) – que previu o denominado acordo de não persecução penal – a processos em curso tem sido objeto de debate doutrinário e jurisprudencial no que diz respeito à sua natureza e à retroatividade da lei mais benéfica, devendo-se  aguardar o julgamento do HC nº 85.913/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, pelo Supremo Tribunal Federal, no qual a matéria será apreciada.

 

3. Quanto ao periculum in mora, sustenta que está impedido de ser diplomado e de tomar posse no cargo de prefeito no município de Pinheiro Machado/RS, para o qual foi eleito com 50,46% dos votos válidos, em razão de sua candidatura estar sub judice, o que ofende a soberania popular.

 

4. Assim, requer: (i) a concessão de efeito suspensivo aos embargos de declaração, até o julgamento do HC nº 185.913/DF pelo STF, no qual se decidirá sobre a aplicabilidade do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, o que repercutirá na inelegibilidade suscitada nestes autos, a fim de que se determine sua diplomação e posse no cargo de prefeito; (ii) subsidiariamente, que o efeito suspensivo perdure até o julgamento dos embargos de declaração pelo TSE, ou, ainda, (iii) a concessão parcial de efeito suspensivo para que não sejam convocadas novas eleições.

 

5. Os autos vieram-me conclusos, em razão do pedido de tutela de urgência, nos termos do art. 17 do RITSE2.

 

6. É o relatório. Decido.

 

7. Nos termos do art. 257 do Código Eleitoral c/c o art. 995, parágrafo único, do CPC, a concessão de efeito suspensivo aos recursos é medida excepcional, que pressupõe: (i) a probabilidade de seu provimento; e (ii) a existência de risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação.

 

8. Durante o período de férias forenses, compete ao Presidente decidir apenas os processos que reclamam solução urgente.

 

9. No caso, apesar da alegada urgência em razão de o requerente estar impedido de ser diplomado e de tomar posse no cargo para o qual foi eleito, não se verifica evidente equívoco no acórdão do TSE a indicar a plausibilidade do direito alegado pela parte requerente.

 

10. O TSE manteve o acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE/RS), que reconheceu a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea “e” do art. 1º, I, da LC nº 64/19903 e indeferiu o pedido de registro de candidatura do ora requerente. O acórdão embargado fundamentou-se na existência de decisão condenatória proferida, por órgão colegiado, em 29.01.2020, pela prática do delito de resistência qualificada, tipificado no art. 329, § 1º, do Código Penal, o qual configura crime contra a Administração Pública.

 

11. Ficou assentado, ainda, não se tratar de delito de menor potencial ofensivo –i.e., aqueles cuja pena máxima, em abstrato, não é superior a 2 (dois) anos, conforme dispõe o art. 61 da Lei nº 9.099/1995 –, pois a sanção máxima prevista para o mencionado crime é de três anos de reclusão, o que atrai a incidência de inelegibilidade.

 

12. Em análise preliminar, entendo não haver vícios no acórdão do TSE a ensejarem o acolhimento dos embargos de declaração, uma vez que as questões suscitadas pela parte foram devidamente analisadas por este Tribunal Superior. Destaco o seguinte trecho do voto condutor do acórdão (ID 65040638):


“A controvérsia da demanda versa sobre a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC nº 64/1990.
De pronto, registra-se que as questões trazidas pelo recorrente em sede de preliminar carecem do indispensável requisito do prequestionamento.
Isso porque as alegações atinentes à inconstitucionalidade formal do art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990, à inconvencionalidade material da referida norma e à incompatibilidade da compreensão adotada no caso com as normas da Convenção Interamericana de Direito Humanos (CIDH) e com a jurisprudência da Corte Interamericana não foram debatidas na instância de origem, porquanto somente suscitadas em sede de embargos de declaração, o que levou o Tribunal a quo a assentar inovação recursal. (...)
Incide, assim, quanto às aludidas matérias, o enunciado da Súmula nº 72/TSE: é inadmissível o recurso especial eleitoral quando a questão suscitada não foi debatida na decisão recorrida e não foi objeto de embargos de declaração”.

 

13. Em primeiro lugar, quanto à alegação de ofensa à Res.-TSE nº 23.598/20019 e ao princípio da ampla defesa, ao argumento de que a inclusão do recurso especial eleitoral em pauta de julgamento virtual inviabilizou a sustentação oral, observo que o pedido de inclusão do feito na pauta por videoconferência foi indeferido pelo relator, em razão da proximidade do período de recesso forense, o que impediria a prestação jurisdicional pelo TSE ainda em 2020. Ficou ainda consignada na decisão a possibilidade de sustentação oral no plenário virtual. Assim, não se vislumbra, preliminarmente, efetivo prejuízo à defesa.

 

14. Em segundo lugar, como se observa do trecho transcrito, no acórdão embargado ficou claro que a alegada inconstitucionalidade do art. 1º, I, e, 1, da LC nº 64/1990 não foi analisada pelo TSE em razão da ausência de prequestionamento da matéria (incidência da Súmula nº 72/TSE). Ademais, destacou-se, em obiter dictum, que a constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidades previstas na LC nº 64/1990, alterada pela LC nº 135/2010, entre elas a prevista na alínea e, foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADCs nos 29 e 30 e da ADI nº 4.578.

 

15. Em terceiro lugar, as alegações de afronta ao art. 14, § 9º, da CF e de necessidade de superação da jurisprudência do TSE quanto ao conceito de crime de menor potencial ofensivo demonstram pretensão meramente infringente, objetivando tão somente o reexame de fundamentos já rejeitados por este Tribunal.

 

16. Em quarto lugar, no que se refere à possibilidade de realização de acordo de não persecução penal na hipótese dos autos, com base no que for definido pelo STF no julgamento do HC nº 185.913, constato que a questão não foi debatida no processo sob este viés, caracterizando-se, assim, indevida inovação recursal, o que impede seu conhecimento em embargos de declaração.

 

17. Por fim, ressalto que eventual convocação de novas eleições não gera risco de dano iminente ao embargante, tendo em vista que, nos termos do calendário estabelecido por este Tribunal Superior4, elas só poderão ocorrer a partir de março de 2021.

 

18. O Tribunal Superior Eleitoral fixou o entendimento de que não cabem embargos de declaração quando, a pretexto de esclarecer inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição, vêm a ser opostos com o objetivo de infringir o julgado, para viabilizar indevido reexame do caso. Confira-se: ED-AgR-AI nº 609-07/MG, Rel. Min. Rosa Weber, j. em 17.05.2018; ED-AgR-REspe nº 148-38/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 19.12.2017; e ED-AgR-REspe nº 668-49/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 07.03.2017.

 

19. Assim, em análise preliminar, uma vez que não se verifica a probabilidade de êxito do recurso, é inviável o deferimento do pedido de tutela de urgência.

 

20. Diante do exposto, com fundamento no art. 17 do RITSE, indefiro a tutela de urgência. Encaminhem-se os autos ao relator, a quem caberá a apreciação de eventual recurso.

 

Publique-se.

 
 
 
Brasília, 14 de janeiro de 2021.
 
Ministro Luís Roberto Barroso
Relator
 

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1 Art. 2º-A Também poderão ser incluídos em sessão de julgamento por meio eletrônico, a critério do relator, processos que se enquadrarem em outras classes processuais além daquelas a que se refere o art. 2º desta Resolução.

"Art. 2º-B Quando cabível a sustentação oral, fica facultado aos advogados habilitados e ao membro do Ministério Público Eleitoral encaminhá-la por meio de documento eletrônico, em qualquer dos formatos admitidos na Portaria nº 886/2017 da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, até 2 (dois) dias antes do início da sessão.

Art. 6º A pauta da sessão de julgamento por meio eletrônico será publicada com antecedência mínima de 5 (cinco) dias da data programada para o seu início.

2 Art. 17 - Durante o período de férias forenses, compete ao Presidente e, em sua ausência ou impedimento, ao Vice-Presidente, decidir os processos que reclamam solução urgente; na ausência de ambos, observar-se-á a ordem de antigüidade.

3 Lei Complementar nº 64/1990

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

4 Portaria TSE nº 875, de 06.12.2020, que estabeleceu o calendário de realização de eleições suplementares em 2021.