TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) - 0608556-41.2022.6.26.0000 - São Paulo - SÃO PAULO
RELATOR(A): ENCINAS MANFRÉ
AUTORA: SAMIA DE SOUZA BOMFIM
Advogados do(a) AUTORA: GLORIA REGINA FELIX DUTRA - RJ81959, LUIZ PAULO DE BARROS CORREIA VIVEIROS DE CASTRO - RJ073146, ALINE MOREIRA SANTOS - RJ228242
RÉ: CARLA ZAMBELLI SALGADO DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RÉ: TAYANA CASTRO DE BARROS - DF67584, FLAVIA CARDOSO CAMPOS GUTH - DF20487
Sustentaram oralmente o Dr. Luiz Paulo de Barros Correia Viveiros de Castro, pela autora Samia de Souza Bomfim; a Dra. Flavia Cardoso Campos Guth, pela ré Carla Zambelli Salgado de Oliveira; e o Dr. Paulo Taubemblatt, Procurador Regional Eleitoral.
EMENTA
DIREITO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. CASSAÇÃO DE DIPLOMA E INELEGIBILIDADE.
I. Caso em exame
Ação de investigação judicial eleitoral promovida para apurar-se abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social.
Autora que alega ter a representada exercido papel relevante num “ecossistema de desinformação” por meio de redes sociais para disseminar notícias falsas sobre o sistema eleitoral, configurado, assim, abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Representada, por sua vez, que sustenta o seguinte: inépcia da petição inicial; conexão com ação em trâmite no Tribunal Superior Eleitoral; e ausência de provas de abuso de poder ou uso indevido dos meios de comunicação. Logo, requerera a improcedência do pedido da parte contrária.
II. Questões em discussão
Verificar se a petição inicial é inepta; existência de conexão com outra ação; e se a representada cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
III. Razões de decidir
Rejeição de inépcia da petição inicial, pois os fatos foram descritos com clareza, permitidos, assim, os exercícios do contraditório e da ampla defesa.
Conexão que não se reconhece, porque decidira o eminente Corregedor-Geral Eleitoral (10.7.2023) ser absoluta a competência deste Tribunal Regional, para cuja Corregedoria determinou a restituição dos autos a fim de ser imprimido seguimento ao processo, adotadas as medidas que considerar cabíveis.
Em relação ao mérito, conjunto probatório que impõe se reconhecer tenha a representada utilizado redes sociais para disseminar informações falsas, incitando animosidade contra o sistema eleitoral e o Poder Judiciário, com o escopo de comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições.
Propagação dessa desinformação que que representou demasia em relação à liberdade de expressão, a bem ver, abuso de poder político e indevido uso dos meios de comunicação.
Condutas motivadoras de repercussão e gravidade suficientes para atingir a vontade livre e consciente do eleitor e, assim, gerar desequilíbrio na disputa eleitoral, realidades justificadoras da cassação do diploma e da declaração de inelegibilidade por prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, conforme o artigo 22, XIV, da Lei Complementar 64/1990.
IV. Dispositivo
Rejeitada a arguição preliminar, julga-se procedente o pedido para cassar o diploma da representada e aplicar a essa interessada a sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes às eleições gerais de 2022.
Legislação e jurisprudência relevantes citadas:
Legislação: Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, XIV.
Jurisprudência: STJ, AgInt nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 1.837.202/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 14.2.2022, DJe de 16/2/2022; TSE, Investigação Judicial Eleitoral 0603975-98.2018.6.16.0000, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 10.12.2021; TSE, Representação 060136565, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2/10/2023; Representação 060084690, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJe de 14.6.2024; TSE, Recurso Ordinário Eleitoral 060293606, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe de 3.5.2024.
Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM, os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, por votação unânime, em rejeitar as arguições preliminares.
ACORDAM, por maioria de votos, em julgar procedente a ação para cassar o diploma da representada Carla Zambelli Salgado de Oliveira e aplicar a ela a sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito (8) anos subsequentes às eleições gerais de 2022, contra os votos da Juíza Maria Cláudia Bedotti e do Juiz Regis de Castilho, que julgam improcedente a ação de investigação judicial eleitoral.
Votou o Desembargador Presidente.
Declara o voto a Juíza Maria Cláudia Bedotti.
Assim decidem nos termos do voto do(a) Relator(a), que adotam como parte integrante da presente decisão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Silmar Fernandes (Presidente), Encinas Manfré e Cotrim Guimarães; e dos Juízes Maria Cláudia Bedotti, Regis de Castilho, Rogério Cury e Claudio Langroiva Pereira.
São Paulo, 30/01/2025
ENCINAS MANFRÉ
Relator(a)
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RELATÓRIO
Vistos.
Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral promovida por SAMIA DE SOUZA BOMFIM contra CARLA ZAMBELLI SALGADO DE OLIVEIRA, ambas eleitas deputadas federais na eleição geral de 2022.
Essa autora alegou, em resumo, o seguinte: a) ter a representada exercido papel de relevo em “ecossistema de desinformação” criado para conquistar apoio político por meio da divulgação de notícias sabidamente inverídicas acerca do sistema eleitoral brasileiro; b) haver se prevalecido do expressivo alcance de perfis em redes sociais para veicular muitos conteúdos digitais com o fim de atingir instituições democráticas em troca de protagonismo político; c) consistirem essas condutas abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, afetando a normalidade das eleições com comprometimento do livre exercício livre e consciente da soberania popular; d) logo, requerer a procedência da representação.
A representada respondeu sustentando, em resumo, na seguinte conformidade: 1. preliminarmente, inépcia da petição inicial; 2. ser caso de modificação da competência para o processo e o julgamento, haja vista conexão desta ação com a AIJE 0601522-38.2022.6.00.0000, sob trâmite no colendo Tribunal Superior Eleitoral; 3. dado os fatos narrados na petição inicial terem sido praticados em momento posterior às eleições para o Congresso Nacional, não ter cabimento a propositura da ação de investigação judicial eleitoral 4. em relação ao mérito, ausência de provas da prática por ela de abuso de poder ou uso indevido dos meios de comunicação; 5. não haver promovido ataque à Justiça Eleitoral ou ao sistema eleitoral com o vídeo apontado nessa postulação vestibular; 6. assim, objetivar seja julgado improcedente o pedido da parte contrária.
A representante revelou não se opor ao julgamento conjunto dessas ações em superior instância (ID 65160592).
A douta Procuradoria Regional Eleitoral opinara para o acolhimento dessa arguição preliminar de conexão. Atendido esse parecer, fez-se remessa dos autos ao colendo Tribunal Superior Eleitoral (ID 65129335 e ID 65162703).
O eminente Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral decidiu (ID 65329994) ser absoluta a competência desta Corregedoria-Regional para conhecer da presente ação de investigação judicial eleitoral, dado ter por objeto eleição ocorrida na circunscrição estadual de São Paulo.
Com o retorno dos autos a este Tribunal Regional, foram ouvidos Jean Hernani Guimarães Vilela (ID 65549492), indicado pela representada, e Cristiane de Brum Nunes Marin, essa última na condição de informante, pois revelou ter amizade íntima com a ré (65601102 e ID 65601103).
A Procuradoria Regional Eleitoral requereu expedição de ofícios às plataformas de redes sociais Twitter, Facebook, Instagram, YouTube (Google) e Gettr para diligências complementares (ID 65669305). Deferido esse pedido (ID 65694893), houve respectivos atendimentos (IDs 65822286, 65823694, 65826311, 65834900, 65826630, 65841324).
Mediante alegação final, a autora reiterou os argumentos contidos na petição inicial e requereu aplicação de sanções à ré por uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político (IDs 65651850 e 65879538).
A representada, em síntese, ratificou a argumentação de que a conduta imputada a ela se compreende no direito de liberdade de expressão. Desse modo, reiterou ser caso de improcedência do pedido da parte contrária (ID 65651675 e ID 65877309).
Sobreveio parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral para a procedência do pedido da autora (ID 65918938).
Vistos também o ID 65918938.
É o relatório.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO RELATOR ENCINAS MANFRÉ
| AIJE | : 0608556-41.2022.6.26.0000 |
| PROCEDÊNCIA | : São Paulo - SÃO PAULO |
| RELATOR(A) | : ENCINAS MANFRÉ |
AUTORA: SAMIA DE SOUZA BOMFIM
RÉ: CARLA ZAMBELLI SALGADO DE OLIVEIRA
VOTO 39.693
Impõe-se a procedência do pedido, pois comprovado uso indevido de meios de comunicação social e abuso de poder político.
Antes da exposição das razões desse deslinde, se desacolhe a arguição preliminar de inépcia da petição inicial, pois, com essa postulação vestibular, estão com clareza descritos os fatos caracterizadores da prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, possibilitado, assim, à representada os exercícios do contraditório e da ampla defesa. Por sinal, a causa de pedir está delimitada nessa petição inicial, assim ser certo e determinado o pedido.
Também rejeita-se a arguição preliminar de conexão, haja vista a ocorrência de preclusão consumativa, nos termos do artigo 507 do Código de Processo Civil.
É que, remetidos os autos ao colendo Tribunal Superior Eleitoral, o eminente Corregedor-Geral Eleitoral decidira ser absoluta a competência deste Tribunal Regional para o seguimento do processo, adotadas por esse último as providências que entender cabíveis (ID 65329994).
Ainda em contrário ao alegado pela representada, dada a similitude parcial em relação a esse ponto do caso ora sob reexame, se considera acórdão do colendo Superior Tribunal de Justiça cuja ementa é a seguinte:
“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ART. 942, CAPUT, DO CPC/2015. APELAÇÃO. DECISÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. NÃO CABIMENTO.
1. Diante da ocorrência de unanimidade no julgamento da apelação, não há se falar em aplicação da técnica prevista no art. 942 do CPC/2015, a fim de ampliar o colegiado com a convocação de outros desembargadores.
2. As matérias de ordem pública não estão sujeitas à preclusão temporal, porém, uma vez arguidas e apreciadas, submetem-se à preclusão consumativa, não podendo ser reapreciadas.
3. Não apresentação de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada.
4. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO.” AgInt nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 1.837.202/RS, relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgamento em 14 de fevereiro de 2022, DJe de 16.2.2022.
Portanto, reitera-se rejeitar essas arguições preliminares.
No que respeita ao mérito, o objeto da ação consiste em ter a deputada federal Carla Zambelli veiculado informações falsas ou gravemente descontextualizadas, via internet, acerca do processo eleitoral.
Nesse ponto, inicialmente, considera-se a seguinte lição de Rodrigo López Zilio:
“A AIJE visa proteger a normalidade e legitimidade do pleito, na forma prevista pelo art. 14, § 9º, da CF. Por conseguinte, para a procedência da AIJE é necessária a incidência de uma das hipóteses de cabimento (abuso de poder econômico, abuso de poder de autoridade ou político, utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e transgressão de valores pecuniários), além da prova de que o ato abusivo rompeu o bem jurídico tutelado, isto é, teve potencialidade de influência na lisura do pleito (...)” Direito Eleitoral, 9ª edição, JusPodivm, 2023, p. 706.
A utilização da internet, para efeitos de investigação judicial, é equiparada aos de meios de comunicação social, em conformidade ao artigo 22 da Lei Complementar 64/1990, consoante decidiu o colendo Tribunal Superior Eleitoral em relação à Ação de Investigação Judicial Eleitoral 0603975-98.2018.6.16.0000, de cuja motivação se transcreve a seguinte parte:
“Os arts. 1º, II e parágrafo único, e 14, § 9º, da CF/88, além dos arts. 19 e 22 da LC 64/90 revelam como bens jurídicos tutelados a paridade de armas e a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições. Não há margem para dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair as sanções cabíveis, a promoção de ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à própria democracia, incutindo–se nos eleitores a falsa ideia de fraude em contexto no qual candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática.
(...) A internet e as redes sociais enquadram–se no conceito de ‘veículos ou meios de comunicação social’ a que alude o art. 22 da LC 64/90. Além de o dispositivo conter tipo aberto, a Justiça Eleitoral não pode ignorar a realidade: é notório que as Eleições 2018 representaram novo marco na forma de realizar campanhas, com claras vantagens no uso da internet pelos atores do processo eleitoral, que podem se comunicar e angariar votos de forma mais econômica, com amplo alcance e de modo personalizado mediante interação direta com os eleitores.” Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, publicação no Diário da Justiça Eletrônico de 10 de dezembro de 2021.
Nesse ponto, o teor das publicações impugnadas por essa representante revela ter ela constantemente alimentado páginas mantidas em redes sociais com informações falsas ou gravemente descontextualizadas, sempre enfatizando incitação de animosidade e hostilidade contra o sistema eleitoral e a membros do Poder Judiciário.
Acerca das eleições gerais de 2022, essa ré, conscientemente, buscou difundir informações fraudulentas durante todo o período eleitoral.
Com efeito, no dia 19 de fevereiro de 2022, publicou ela a seguinte manchete: “Barroso, Fachin e Alexandre comandam no STF o mais feroz partido de oposição a Bolsonaro” (ID 65019307, folhas 5). Logo, essa representada externou tentativa de deslegitimar a atuação desses ministros do colendo Supremo Tribunal Federal, aos quais, então, imputara atuação tendenciosa e partidarizada.
Externando prática semelhante, conforme publicação no Facebook em 10 de abril de 2022, essa interessada, reiterando ataques infundados contra o sistema eleitoral, afirmou nos seguintes termos: “A verdade: TSE confessa que as eleições de 2018 ocorreram com ‘712 riscos’. - Desde então, nada fizeram para zerar esses riscos. Imaginem a confiabilidade das eleições anteriores” (ID 65019307, folhas 5).
Essa representada também compartilhou vídeo em 27 de setembro de 2022, pelo qual insinuou a existência de irregularidades, sabidamente inverídicas relacionadas a procedimento de carga e lacração de urnas eletrônicas no município paulista de Itapeva (ID 65019307, folhas 10).
A propósito, no dia anterior, ou seja, em 26 de setembro de 2022, este Tribunal Regional Eleitoral esclarecera que o cartório da 53ª Zona Eleitoral (Itapeva-SP), por falta de espaço físico nas respectivas dependências, realizava a carga e lacração de urnas eletrônicas, desde o ano de 2014, de forma oficial e transparente na sede do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção, do Mobiliário, Cimento, Cal, Gesso e Montagem Industrial (Sinticom), localizado ao lado dessa unidade eleitoral.
Porém, essa interessada fizera propaganda eleitoral irregular mediante vídeo no YouTube contendo falsa notícia de suposta manipulação de urnas.
Essa publicação fora removida das plataformas de redes sociais por força de decisão do colendo Tribunal Superior Eleitoral, condenada então a representada a pagar multa, consoante julgamento, em parte, assim ementado:
“REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET.1. Representação ajuizada por coligação em desfavor de candidata ao cargo de deputado federal por São Paulo nas Eleições 2022, por propaganda irregular consubstanciada em vídeo de sua autoria, na plataforma YouTube, em que veiculou notícias falsas a respeito de suposta manipulação de urnas eletrônicas no Município de Itapeva/SP.
(...)
TEMA DE FUNDO. CONTEÚDO FALSO E ATENTATÓRIO À LISURA DO PROCESSO ELEITORAL. ART. 57-D, § 2º, DA LEI 9.504/97.5. Lê-se no art. 27, § 1º, da Res.-TSE 23.610/2019 que ‘[a] livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos [...]’.
6. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível aplicar-se a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97 na hipótese de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada na internet - como ocorre na divulgação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, e de informações injuriosas, difamantes ou mentirosas. Nesse sentido, a decisão proferida na Rp 0601754-50/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, sessão de 28/3/2023.
7. No caso, são inequívocos o conteúdo do vídeo impugnado e sua veiculação em 27/9/2022 na plataforma YouTube. Nele, a representada apresenta-se como Deputada Federal e afirma que estaria buscando esclarecimentos sobre suposta manipulação de urnas eletrônicas no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção, do Mobiliário, Cimento, Cal, Gesso e Montagem Industrial de Itapeva/SP. Ademais, relata seu assombro com o fato de haver pessoas "manipulando" urnas eletrônicas em local irregular, sugerindo que estaria acontecendo algo grave na preparação do pleito, o que precisaria ser apurado. Consta, por fim, do vídeo: "Carla Zambelli Deputada Federal 2210".
8. Tal como assentou esta Corte ao referendar a liminar deferida neste feito, o conteúdo transmite desinformação e apresenta situações gravemente descontextualizadas. Ressalte-se que, antes mesmo do vídeo, o TRE/SP veiculou nota em 25/9/2022 esclarecendo os fatos e, mesmo assim, a representada divulgou suspeita manifestamente infundada, além de omitir a resposta da autoridade competente, em ato de evidente má-fé.
9. O sistema eletrônico de votação brasileiro, internacionalmente reconhecido, foi implementado nas Eleições 1996 e atendeu de forma inequívoca aos propósitos de segurança dos dados, de sigilo do voto e de celeridade na apuração, em contraposição a inúmeros os fatores que poderiam comprometer os pleitos em urnas de lona, tais como erros humanos na fase de contagem e manipulações em benefício de candidatos e legendas.
10. A parceria entre órgãos institucionais de ponta na área de tecnologia, a constante busca por inovação e o contínuo diálogo propiciaram a plena segurança do sistema eletrônico de votação nos seus 27 anos, sem nenhuma prova de fraude de qualquer espécie, conforme inúmeras auditorias internas e externas e testes públicos de segurança promovidos pela Justiça Eleitoral.
(...) Assim, tem-se que os efeitos nefastos da conduta perpetuam-se para depois do término do período eleitoral e que o conteúdo do vídeo pode vir a ser usado para novas e descabidas agressões em pleitos futuros, o que justifica sua remoção.
CONCLUSÃO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.15. Pedidos julgados procedentes para aplicar à representada Carla Zambelli Salgado de Oliveira multa pecuniária no valor de R$ 30.000,00 e, ainda, determinar a remoção dos conteúdos indicados nos links contidos às fls. 33-34 da petição inicial.” Representação 060136565, relator o ministro Benedito Gonçalves, publicação no Diário de Justiça Eletrônico de 2 de outubro de 2023. Esses destaques não constam no texto original.
Ainda, no dia 28 de setembro de 2022, essa investigada divulgou documento intitulado “Resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE”, contendo as várias e seguintes afirmações sabidamente inverídicas acerca do processo de apuração das eleições: “Somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais. Sem qualquer controle externo, isto cria, nas mãos de alguns técnicos, um poder absoluto de manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro (...)”.
Ressalta-se ter sido essa desinformação passível de esclarecimento pelo Tribunal Superior Eleitoral, na seguinte conformidade: “(...) “são falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral” (https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Setembro/nota-a-imprensa, último acesso em 26 de novembro de 2024).
Outrossim, recentemente - autos da Representação 060084690, sob trâmite no colendo Tribunal Superior Eleitoral -, a representada, outra vez, fora condenada em multa por propagação de desinformação à época das eleições de 2022, dado publicar conteúdo falso em redes sociais consistente na afirmação de que o Código QR, contido na versão eletrônica do título de eleitor (e-Título), contabilizaria, de forma automática, votos em benefício de candidato de coligação adversária.
Essa informação é falsa, porque esse código destina-se apenas a identificar o eleitor perante a Justiça Eleitoral, portanto, sem ter aptidão para interferir em votação, consoante esclarecido mediante julgado desse colendo Tribunal Superior, cuja ementa, em parte, é de seguintes termos:
“ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PUBLICAÇÕES EM REDES SOCIAIS. AFIRMAÇÕES SABIDAMENTE INVERÍDICAS. CARÁTER DESINFORMATIVO. INFRAÇÃO AO ART. 9º-A DA RES.-TSE 23.610. PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. CONFIRMAÇÃO. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. ART. 57-D, § 2º, DA LEI 9.504/97. MULTA. APLICAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL.SÍNTESE DO CASO
1. Trata-se de representação ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Dárcio Bracarense Filgueiras, Carla Zambelli Salgado de Oliveira e Inácio Florêncio Filho, sob a alegação de que os representados veicularam propaganda eleitoral irregular nas Eleições de 2022, por meio de postagens em redes sociais, nas quais afirmavam que o QR CODE contido na nova versão do título de eleitor (e-Título) contabilizaria de forma automática votos em benefício do candidato da coligação investigante.
(...)
10. Na espécie, considerando a chamada desinformativa, a publicação de conteúdo que confunde o eleitorado e falseia ideia a respeito da nova versão do título de eleitor (e-Título) e o alcance do conteúdo impugnado, justifica-se a fixação da multa em patamar acima do mínimo previsto em lei. Além disso, a propaganda irregular se reveste de maior gravidade porque afeta a credibilidade do eleitorado na Justiça Eleitoral, causando desconfiança na legitimidade do processo eleitoral, de tal sorte que se afigura razoável e proporcional a aplicação, aos representados, de multa individual, com fundamento no § 2º do art. 57-D da Lei 9.504/97, da seguinte forma: a) Dárcio Bracarense Filgueiras e Inácio Florêncio Filho ao pagamento de multa individual na quantia R$ 15.000,00, em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular, com base no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97; e b) Carla Zambelli Salgado de Oliveira, ao pagamento de multa individual na quantia R$ 30.000,00, em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular, com base no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97.PROCEDÊNCIA PARCIAL FUNDAMENTO
11. Tal como sucedido no pedido de liminar, a procedência parcial da representação se justifica unicamente pela não identificação, pela representante, dos responsáveis por alguns perfis representados que haviam sido indicados na exordial. Procedência total dos pedidos em relação às partes citadas. CONCLUSÃO Representação julgada parcialmente procedente. Embargos de declaração julgados prejudicados.” Representação nº 060084690, relator o ministro Floriano De Azevedo Marques, publicação no Diário de Justiça Eletrônico de 14 de junho de 2024. Esses destaques não constam no texto original.
Consequentemente, a investigada beneficiou-se da animosidade que incitou contra os sistemas judiciário e eleitoral mediante desordem informativa engendrada para minar a confiabilidade da população no processo eleitoral brasileiro, e, assim, obter novo mandato na Câmara dos Deputados por meios ilegítimos.
O alcance das redes sociais dessa representada, que conta com milhões de seguidores, foi essencial para a disseminação massificada de conteúdos falsos ou gravemente descontextualizados.
Nesse ponto, também, é de consideração o bem-lançado parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 65918938), do qual se transcreve a seguinte parte:
“As condutas imputadas pela Investigante à Investigada são graves. Os constantes ataques à higidez das urnas eletrônicas e ao processo eleitoral brasileiro, já presentes nas eleições gerais de 2018 e agravados nas eleições de 2022, merecem análise atenta da justiça eleitoral uma vez que esta permanente peroração tem por finalidade desmerecer e retirar a credibilidade do conjunto de instituições responsáveis pela condução e organização do processo eleitoral. Esse comportamento tem por consequência fazer brotar na consciência de seus apoiadores a ideia de que o processo democrático não se aperfeiçoou com a escolha livre pelos eleitores, mas, sim, que os vencedores foram ilegitimamente catapultados ao poder pela via de ação inidônea do sistema de justiça. A consequência de tais ações é o não apaziguamento das relações sociais após o resultado eleitoral proclamado (...)”
Logo, a imputação da autora da ação a respeito dessa investigada haver integrado “ecossistema de desinformação” está comprovada, pois ela (ré) atuou em conjunto e para benefício de diversos outros aliados políticos, compondo verdadeira rede de disseminação de desinformação em prejuízo do processo eleitoral e de candidatos adversários.
Portanto, o conjunto da prova contida nos autos demonstra que essa representada utilizou-se indevidamente de redes sociais com o fim de influenciar no resultado das eleições gerais de 2022, em benefício próprio e de aliados políticos.
Salienta-se, contrariamente ainda ao sustentado por essa representada - Carla Zambelli -, que as condutas por ela externadas não estão sob o pálio ou a abrangência da liberdade de expressão, porque esse direito fundamental não se compatibiliza à propagação de informações falsas e discursos que incitem o ódio e o desprezo ao Estado democrático de Direito.
Ao compartilhar, constantemente, conteúdo de desinformação, abusivamente, se utilizara ela do poder político que detém por ocupar o cargo de deputada federal, mediante desvio na finalidade dessa posição relevante que ocupa para tentar conferir credibilidade à propagação de informações falsas e ofensas na rede mundial de computadores.
Reconhece-se, assim, a prática de abuso de poder político, por sinal, também, consoante julgado do colendo Tribunal Superior Eleitoral em parte semelhante à hipótese ora sob exame, do qual se transcreve a seguinte ementa:
“ELEIÇÕES 2022. RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. PROCEDÊNCIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. DETENTOR DE MANDATO ELETIVO DE DEPUTADO ESTADUAL. INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA. DESCRÉDITO AO SISTEMA ELEITORAL. DISCURSO DE ÓDIO DURANTE COMÍCIO. COMPARTILHAMENTO EM REDE SOCIAL. GRAVIDADE E REPROVABILIDADE DA CONDUTA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1 - Discurso em evento público custeado por partido político, divulgado e compartilhado por diversas páginas e perfis de redes sociais, o que expandiu o alcance do conteúdo, sendo noticiado, também, na televisão e em jornais locais. Fala que apresenta nítido teor de ataque e descrédito ao sistema eletrônico de votação e à democracia, com promoção de ódio e disseminação de fatos manifestamente inverídicos, ensejando incerteza sobre a legitimidade das eleições.
2 - O candidato que ostenta a condição de parlamentar não pode propagar irresponsavelmente fatos deturpados, notícias falsas, teorias conspiratórias sobre fraudes e discurso de ódio, com potencial de desacreditar instituições e promover a desordem social. A posição social do emissor da mensagem tem relevância, pois é certo que a maior credibilidade, carisma, capacidade retórica e condição de autoridade implicam mecanismos fortes de persuasão no contexto da campanha eleitoral. É evidente que certas personalidades políticas adquirem crédito inusitado que lhes permitem convencer para além da racionalidade, tornando-se, dessa maneira, mais eficazes na disseminação de desinformação, como ocorreu na hipótese dos autos.
3 - Consoante entendimento desta Corte Superior, "a responsabilidade de candidatas e candidatos pelas informações que divulgam observa o modelo da accountability. Ou seja, ao se habilitarem para concorrer às eleições, essas pessoas se sujeitam a ter suas condutas rigorosamente avaliadas com base em padrões democráticos, calcados na isonomia, na normalidade eleitoral, no respeito à legitimidade dos resultados e na liberdade do voto" (AIJE nº 0600814-85/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2.8.2023).
4 - Recurso a que se nega provimento.” Recurso Ordinário Eleitoral 060293606, relator o ministro Antonio Carlos Ferreira, publicação no Diário de Justiça Eletrônico de 3 de maio de 2024. Esses destaques não constam no texto original.
Enfim, presente essa fundamentação, não é demasiado se reconhecer que as imputadas e sobreditas condutas da representada alcançaram repercussão e gravidade aptas a influenciar na vontade livre e consciente do eleitor, em prejuízo da isonomia na disputa eleitoral, portanto, realidades justificadoras da cassação do diploma de deputada federal e da declaração de inelegibilidade dessa ré – sanções que a ela ora são impostas - por prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, em conformidade ao artigo 22, XIV, da Lei Complementar 64/1990.
À vista do exposto, rejeitadas as arguições preliminares, julga-se procedente o pedido relativo à ação de investigação judicial eleitoral formulado por SAMIA DE SOUZA BONFIM para cassar o diploma de deputada federal da representada CARLA ZAMBELLI SALGADO DE OLIVEIRA e aplicar a essa ré a sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito (8) anos subsequentes às eleições gerais de 2022.
ENCINAS MANFRÉ, relator
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Declaração de voto divergente nº 2149
Cuida-se de ação de investigação judicial eleitoral ajuizada por Samia de Souza Bomfim em face de Carla Zambelli, fundada nas alegações de uso indevido dos meios de comunicação social e abuso do poder político.
Adotado o relatório do Exmo. Sr. Desembargador Encinas Manfré, acompanho o E. Relator, pelos preciosos fundamentos lançados em seu voto, no que tange à rejeição das preliminares deduzidas pela investigada, seja de inépcia da petição inicial, seja de conexão, nada mais sendo necessário acrescentar a respeito delas.
No mérito, contudo, ouso divergir do E. Relator pelos fundamentos a seguir delineados.
A causa de pedir da presente ação de investigação judicial eleitoral assenta-se na divulgação, pela representada, em suas redes sociais, de três vídeos, dois deles no dia 27 de setembro de 2022 e um no dia seguinte, dia 28 de setembro de 2022, os quais se encontram indicados na petição inicial.
A divulgação, pela representada, dos indigitados vídeos é fato incontroverso nos autos, inexistindo dúvidas de que os conteúdos impugnados veicularam notícias sabidamente inverídicas ou gravemente descontextualizadas a respeito do sistema eletrônico de votação, sendo oportuno relembrar que, a respeito de um dos vídeos, que versava sobre suposta manipulação de urnas eletrônicas no Município de Itapeva/SP, já houve inclusive decisão do E. Tribunal Superior Eleitoral na Representação Eleitoral nº 0601365-65.2022.6.00.0000, da Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, com a condenação da representada por propaganda eleitoral irregular ao pagamento de multa, com fundamento no artigo 57-D, parágrafo 2º, da Lei 9.504/97.
A controvérsia não está, portanto, no fato em si, tampouco no alto grau de reprovabilidade da conduta imputada à representada, pois, sob o aspecto qualitativo, o seu discurso a respeito do sistema eletrônico de votação desbordou dos limites do exercício legítimo da liberdade de expressão, assumindo um caráter irresponsável e aviltante, colocando em xeque a confiabilidade da Justiça Eleitoral, além de desmerecer, de forma desonrosa, não apenas os milhares de servidores que atuam perante a instituição, mas também os demais colaboradores, tais como os mesários que colaboram nas eleições em todo território nacional, isso sem mencionar os Magistrados e Membros do Ministério Público com jurisdição eleitoral.
Lado outro, contudo, a doutrina abalizada de Rodrigo Lópes Zilio ensina que “para o legislador, o ato de abuso é aferido pela gravidade de suas circunstâncias (art. 22, XVI, da LC nº 64/90). Dito de outo modo, o ato reputado abusivo recebe um juízo de conformação material delineado pelo legislador através do conceito de gravidade das circunstâncias. Ela, a gravidade das circunstâncias, é o elemento constitutivo ou o pressuposto de configuração do abuso (....) sendo possível afirmar que as diretrizes constitutivas do ato abusivo são aferidas pela conduta do agente, pela forma ou natureza do ato praticado, pela finalidade do ato e, também pelos efeitos e pela extensão do ato (critério cronológico, critério quantitativo e critério de impacto no eleitorado)” (in Decisão de Cassação de Mandato, um método de estruturação e os critérios de conformação democrática. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, págs. 229 e 230).
Em outras palavras, o abuso do poder político apenas se caracteriza quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício da sua candidatura ou de terceiro.
A propósito, o C. Tribunal Superior Eleitoral tem entendimento pacífico no sentido de que, para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo), exigindo-se, por conseguinte, prova judicial segura e coesa de que a integridade e a higidez do processo eleitoral restou irremediavelmente vulnerada.
Nessa linha de raciocínio, é imperiosa, para o reconhecimento dos ilícitos eleitorais, notadamente nos casos em que envolvem cassação do mandato eletivo, a conformação judicial a partir da gravidade das circunstâncias, potencialidade lesiva, relevância jurídica e proporcionalidade, a fim de se evitar indesejada ingerência na escolha legítima das urnas.
Deveras, as sanções de cassação dos diplomas de candidatos eleitos e de declaração de inelegibilidade são muito graves, operando em sobreposição ao sufrágio universal e à soberania popular, motivo pelo qual a procedência de uma ação de investigação judicial eleitoral exige provas contundentes e robustas da prática abusiva e de sua gravidade, com aptidão para violar a legitimidade e lisura do pleito.
Pois bem.
Assentadas tais premissas, tem-se que, no caso dos autos, não há qualquer elemento de prova que demostre a efetiva e concreta vulneração, a partir dos três vídeos publicados pela investigada e que constituem a causa de pedir da presente ação, da paridade de armas entre os competidores eleitorais ou da lisura do processo eleitoral, não se podendo afirmar tal comprometimento a partir de meras presunções.
Oportuno destacar que os conteúdos impugnados não foram patrocinados e tampouco impulsionados, conforme consta das informações dos IDs 65823694 (resposta do Google), 65826311 e 65834900 (informações do Facebook), para além de inexistir nos autos demonstração do efetivo alcance das publicações (vide informação da Rede X Brasil no ID 65826630), ônus probatório que repousava sobre a representante, não a substituindo a singela alegação da petição inicial no sentido de que a investigada contava com milhões de seguidores em suas redes sociais.
Em outras palavras, aferir e comprovar o número de eleitores que receberam e foram impactados pelas informações divulgadas pela investigada constituía elemento indissociável da análise da gravidade da conduta em relação à lisura do processo eleitoral bem como do proveito angariado pela representada, sem o que não há como se reconhecer o ilícito eleitoral a partir de meras presunções, notadamente diante das gravíssimas consequências advindas da procedência da AIJE, que são a cassação, no caso dos autos, de uma deputada federal eleita com quase 1.000.000 de votos (946.244 votos), além de sua inelegibilidade por 08 (oito) anos.
De fato, não se pode desconsiderar que, no âmbito da difusão de informações em redes sociais, o encontro de informações não é espontâneo, mas sim antecipado a partir das características do leitor, ou seja, na internet “a busca pela informação fica na dependência direta da vontade e da iniciativa do próprio eleitor” (AIJE nº 0601862-21/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. designado Min. Jorge Mussi, DJe de 26.11.2019), de modo que se pode afirmar, sem sombra de dúvidas, que grande parte das pessoas que visualizaram as transmissões realizadas pela representada já eram simpatizantes de suas ideias.
Por conseguinte, ausentes elementos concretos acerca do número de eleitores supostamente influenciados pelo discurso da representada, não há como se reconhecer a gravidade no caso concreto, elemento integrante do ilícito eleitoral que lhe é imputado, uma vez que, repita-se, a normalidade e a legitimidade das eleições é que são objeto da tutela o artigo 22 da Lei Complementar 64/90, à luz do que reza o artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal.
Bem por isso que a pretensão tampouco comporta acolhida sob a ótica da utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social. O C. Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento de que “caracteriza–se por se expor desproporcionalmente um candidato em detrimento dos demais, ocasionando desequilíbrio na disputa eleitoral” (AgR–REspe 442–28, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 3.5.2021). Na mesma linha de entendimento, também decidiu que o “uso indevido dos meios de comunicação social na mídia escrita caracteriza–se apenas pela exposição massiva, repetitiva e duradoura ao longo do tempo” (AgR–REspEl 442–28, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 3.5.2021) e que “para que se comprove o uso indevido dos meios de comunicação social, é essencial que se analise o número de programas veiculados, o período de veiculação, o teor deles e outras circunstâncias relevantes, que evidenciem a gravidade da conduta a que se refere o artigo 22, XVI, da LC 64/90” (AgR-RO nº 0601590-31/SE, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, DJe de 29.6.2020).
Em arremate, conquanto inconteste a gravidade da conduta da investigada, derivada do teor das informações veiculadas de forma irresponsável por ela, tem-se que não há nos autos provas robustas e concretas de que tais informações refletiram benefício eleitoral relevante para a representada, não havendo demonstração, portanto, do comprometimento da normalidade e da legitimidade das eleições de 2022, sem o que não é possível subsumir a conduta ao tipo do artigo 22 da Lei Complementar 64/90.
Isto posto, por tais fundamentos, voto pela IMPROCEDÊNCIA da presente ação de investigação judicial eleitoral.
MARIA CLÁUDIA BEDOTTI
Juíza Eleitoral