TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0607915-53.2022.6.26.0000 (PJe) - São Paulo - SÃO PAULO
RELATOR: JUIZ REGIS DE CASTILHO BARBOSA FILHO

 

REPRESENTANTE: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL

 

 

 

 

 

 

 

REPRESENTADO: WILSON CALDEIRA PAIVA
 

 

 

 

Advogados do(a) REPRESENTADO: ANGELICA ANTONIA SHIHARA DE ASSIS FREIRE PEREIRA - SP299801, LEONARDO SHIHARA FREIRE PEREIRA - SP163533

 

 

 

 

 

DECISÃO

 

 

Trata-se de representação apresentada pela DOUTA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL contra WILSON CALDEIRA PAIVA, visando a concessão de “medida liminar para bloqueio e suspensão do conteúdo indicado na NF - 1.03.000.001474/2022-25, qual seja o site www.auxiliobrasil.com.br vinculado ao servidor REGISTRO.BR” e, ao final, a procedência dos pedidos para condenar o representado ao pagamento de multa, nos termos do § 5º, do artigo 57-B da Lei 9.504/1997. Para tanto, alegou que o representado teria realizado propaganda eleitoral irregular, uma vez que teria utilizado “símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo” (conduta vedada nos termos do artigo 40 da Lei 9.504/1997), como estratégia para atrair visitas para seu sítio na internet, no qual, além de exibir dados acerca do programa governamental denominado de “Auxílio Brasil”, haveria informações a seu respeito, inclusive com teor eleitoral. Asseverou que o site indicado (www.auxiliobrasil.com.br), remeteria a um programa governamental “muito procurado pela população mais vulnerável economicamente e, com isso, o candidato garante a promoção de sua candidatura ao cargo de deputado federal. Ele ainda reforça que se trata de uma página oficial quando acrescenta no menu, informações sobre vários outros programas governamentais e direitos sociais”. Ressaltou, ainda, que “a má-fé do candidato é tão nítida que a página em questão não foi devidamente registrada junto à Justiça Eleitoral, conforme pode se confirmar no RCC do candidato (Doc. 03). Saliente-se que o prévio conhecimento do representado é inquestionável porque, conforme relatório de pesquisa realizado pela equipe técnica do Ministério Público Eleitoral, além de constarem seus dados completos, há ali o direcionamento para as suas redes sociais oficialmente assumidas”. Alegou, assim, infringência aos artigos 36, 40 e 57-B da Lei 9.504/1997. Com a inicial foram amealhados documentos.

O pedido de liminar foi deferido (ID 64436596).

O representado, citado, apresentou contestação (ID 64442065). Sustentou, em síntese, que o referido site foi criado em 16.09.2020, ou seja, quase dois anos antes do início do período eleitoral, e “antes mesmo da existência do programa “Auxílio Brasil”, do Governo Federal, que foi instituído pela Medida Provisória n° 1061, de 29.12.2021 (aprovada como projeto de lei de conversão)”, razão pela qual não se poderia “dizer que o site tenha sido criado para simular um programa governamental que ainda nem existia”. Asseverou, ainda, que seria “conhecido militante na área de direitos sociais” e que o site teria por escopo informar e tirar dúvidas da população acerca de programas sociais, sem qualquer conteúdo eleitoral e sem relação com o pleito vindouro. Pugnou, assim, pela improcedência dos pedidos.

A douta Procuradoria Regional Eleitoral reiterou as razões pela procedência da representação (ID 64445102).

É o relatório. Decido.

1. Cuida-se de Representação por Propaganda Irregular ajuizada com objetivo de obstar supostas condutas que configurariam propaganda extemporânea, de caráter antecipado.

A legitimidade para propor a Reclamação por Propaganda Irregular encontra-se devidamente presente, na medida em que se cuida de demanda reservada a todo partido político, coligação, federação, candidato ou ao Ministério Público Eleitoral.

De igual maneira, foi devidamente arrolado como representado aquele agente imputado pelas condutas descritas na inicial, razão pela qual se reconhece a sua legitimidade passiva.

O processo está em condições de ser desatado por decisão, nos termos do artigo 96, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, e do artigo 20 da Resolução 23.608/19 do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que as provas úteis e necessárias foram produzidas, e na medida em que é prescindível para a instrução deste juízo a confecção de novas provas.

2. Consoante relatado, a douta Procuradoria Regional Eleitoral aduz que o representado teria realizado propaganda eleitoral irregular, uma vez que teria utilizado “símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo” (conduta vedada nos termos do artigo 40 da Lei 9.504/1997), como estratégia para atrair visitas para seu sítio na internet e, ademais, não teria comunicado à Justiça Eleitoral o sítio em questão. Argumentou, nessa linha, a infringência aos artigos 36, 40 e 57-B da Lei 9.504/1997.

3. Prospera nos moldes constitucionais ambiente de livre circulação de ideias, assegurado o direito ao exercício da liberdade de pensamento, opinião e manifestação, e nesta órbita fulguram as prerrogativas inerentes à liberdade político-ideológica. Nesta linha de raciocínio, forçoso convir que a democracia se funda e amadurece em contexto social no qual se exaltam exatamente as liberdades civis, dentre as quais as relacionadas ao status civitatis, a guarnecer e enaltecer o confronto de ideias, sob a ribalta da sociedade civil organizada.

No âmbito político-eleitoral, a proeminência da liberdade de expressão deve ser especialmente pronunciada na medida em que “os cidadãos devem ser informados da variedade e da riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo, sem que isso implique, em linha de princípio, violação às normas que regulam a paridade da disputa” (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 116-119). Afinal, a ampla manifestação do pensamento sedimenta os precípuos objetivos republicanos que são subjacentes ao próprio processo eleitoral e suas vicissitudes.

Cumpre, pois, às Cortes Eleitorais o mister de assegurar a máxima amplitude do debate, de sorte que a intervenção somente se opere em circunstâncias excepcionais, notadamente, “quando as atividades de comunicação representem, sem margem para dúvidas, riscos concretos (i) para a autodeterminação na formação da opinião eleitoral ou, em última instância, (ii) para a própria integridade da disputa” (AgR-AI nº 9-24.2016.6.26.0242/SP, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto).

Conforme leciona José Jairo Gomes, “denomina-se propaganda eleitoral a elaborada por partidos políticos e candidatos com a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público-eletivo. Caracteriza-se por levar ao conhecimento público, ainda que de maneira disfarçada ou dissimulada, candidatura ou os motivos que induzam à conclusão de que o beneficiário é o mais apto para o cargo em disputa. Nessa linha, constitui propaganda eleitoral aquela adrede preparada para influir na vontade do eleitor, em que a mensagem é orientada à atração e conquista de votos” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 16ª Edição, São Paulo: Editora Atlas, 2020).

A propaganda, no entanto, se sujeita aos regramentos legais, que demarcam os limites da regular atuação dos candidatos, partidos, coligações e federações. Neste campo, a propaganda eleitoral é regulamentada pela Lei das Eleições, artigo 36 e seguintes, pelo Código Eleitoral, assim como as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, de sorte que a infringência ao regramento legal potencialmente configurará ilicitude, hábil a sujeitar os agentes às sanções previstas em lei.

4. A aferição da existência de conteúdo eleitoral no material publicitário impugnado é antecedente lógico da proibição da conduta e, ressalvado e respeitado entendimento diverso, os materiais publicitários sujeitos ao escrutínio judicial ostentam conteúdo eleitoral.

Com efeito, em que pesem as judiciosas alegações do representado, observa-se que no sítio impugnado há expressa menção de sua qualidade de pré-candidato ao cargo de deputado federal do Estado de São Paulo e, ao final de uma das páginas, ainda que de forma reduzida, indicação explícita do seu número de urna. Inegável, nessa linha, a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura no respectivo cargo, mormente diante da proximidade do pleito que se avizinha. Ademais, como explicitado, a propaganda eleitoral caracteriza-se por levar ao conhecimento do público, mesmo que de maneira disfarçada ou dissimulada, os motivos que induzam à conclusão de que o beneficiário seria o mais apto para o cargo em disputa, e é exatamente essa a intenção que transparece pela utilização do site em questão, por meio do qual, o representado apresenta-se como “Defensor do povo”, ao lado de informações acerca de diversos programas sociais.

Eis a imagem do referido site, em que é possível verificar o nome do referido programa assistencial, e ao lado e embaixo, menções ao candidato representado, com seu número de urna:

Nesse sentido, verifica-se que há provas de que o site impugnado apresente conteúdo eleitoral, o que atrai os limites prescritos na Lei das Eleições, e, especificamente no que se refere à propaganda na internet, o artigo 57-B, I, e § 5º, da Lei 9.504/1997, que assim dispõe:

Art. 57-B.  A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:

I - em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;

§ 5º. A violação do disposto neste artigo sujeita o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.

Neste caminhar, tendo em vista que restou provado que o referido site pertence ao representado, que o utiliza para realização de propaganda eleitoral, inclusive por meio da veiculação de frases e imagens semelhantes àquelas empregadas pelo programa assistencial do governo federal “Auxílio Brasil”, em violação ao que prevê o artigo 40 da Lei 9.504/1997, e que não houve a devida comunicação à Justiça Eleitoral, nos moldes do dispositivo acima transcrito, patente o descumprimento da legislação eleitoral invocada. De rigor, portanto, o decreto de procedência, por ter o representado infringido o preceito contido no artigo 57-B, I, da Lei 9.504/97, impondo-se pena de multa no patamar mínimo de R$ 5.000,00, com fulcro no artigo 57-B, § 5º, da Lei nº 9.504/97. Há que se ressaltar que não há, na hipótese, fatos graves narrados pelo representante que justificassem a majoração da multa, não bastando, para tanto, a mera indicação de que duas foram as irregularidades praticadas.

5. Ante ao exposto e, por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS E EXTINTO O PROCESSO, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para, confirmando a medida liminar, impor a remoção do sítio indicado na exordial e para condenar o representado ao pagamento de multa, no valor mínimo de R$ 5.000,00, com base no artigo 57-B, § 5º, da Lei 9.504/1997, por infração ao preceito contido no art. 57-B, I, da Lei 9.504/1997.

Oficie-se à administradora do sítio eletrônico, para que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, providencie a retirada definitiva do sítio eletrônico previsto na seguinte URL: www.auxiliobrasil.com.br

Sem custas. Sem honorários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquivem-se.

 

São Paulo, data da assinatura eletrônica.

 

 

 

 

REGIS DE CASTILHO BARBOSA FILHO 


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