TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0607858-35.2022.6.26.0000 (PJe) - São Paulo - SÃO PAULO
RELATOR: JUIZ REGIS DE CASTILHO BARBOSA FILHO

 

REPRESENTANTE: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL

 

 

 

 

 

 

 

REPRESENTADO: NELSON CLARO PAULINO
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO

 

 

Trata-se de representação eleitoral por propaganda antecipada promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra NELSON CLARO PAULINO, visando, em sede de liminar, a remoção do conteúdo indicado na NF 1.03.000.001140/2022-51, presente nos links indicados na inicial, da rede social do representado no Instagram, com fundamento na tutela da evidência e, ao final, a procedência dos pedidos para remover os conteúdos impugnados e condenar o representado ao pagamento de multa, em patamar superior ao mínimo legal. Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 13.08.2022, o representado teria realizado, em sua rede social, postagens que teriam conteúdo de propaganda eleitoral antecipada. Com a inicial foram amealhados documentos.

O pedido de liminar foi indeferido.

Citado, o representado deixou de apresentar contestação (ID 64428544).

É o relatório. Decido.

1. Cuida-se de Representação por Propaganda Irregular ajuizada com objetivo de obstar supostas condutas que configurariam propaganda extemporânea, de caráter antecipado.

A legitimidade para propor a Reclamação por Propaganda Irregular encontra-se devidamente presente, na medida em que se cuida de demanda reservada a todo partido político, coligação, federação, candidato ou ao Ministério Público Eleitoral.

De igual maneira, foi devidamente arrolado como representado aquele agente imputado pelas condutas descritas na inicial, razão pela qual se reconhece a sua legitimidade passiva.

O processo está em condições de ser desatado por decisão, nos termos do artigo 96, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, e do artigo 20 da Resolução 23.608/19 do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que as provas úteis e necessárias foram produzidas, e na medida em que é prescindível para a instrução deste juízo a confecção de novas provas.

2. Consoante relatado, a douta Procuradoria Regional Eleitoral aduz que no dia 13.08.2022 o representado teria realizado propaganda eleitoral antecipada, por meio da divulgação de vídeos em sua rede social no Instagram (@nelsonclaroagir32). Argumentou, nessa linha, a infringência dos artigos 36-A da Lei 9.504/1997, razão pela qual rogou pela procedência da representação com a consequente aplicação da multa ao representado.

3. Prospera nos moldes constitucionais ambiente de livre circulação de ideias, assegurado o direito ao exercício da liberdade de pensamento, opinião e manifestação, e nesta órbita fulguram as prerrogativas inerentes à liberdade político-ideológica. Nesta linha de raciocínio, forçoso convir que a democracia se funda e amadurece em contexto social no qual se exaltam exatamente as liberdades civis, dentre as quais as relacionadas ao status civitatis, a guarnecer e enaltecer o confronto de ideias, sob a ribalta da sociedade civil organizada.

No âmbito político-eleitoral, a proeminência da liberdade de expressão deve ser especialmente pronunciada na medida em que “os cidadãos devem ser informados da variedade e da riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo, sem que isso implique, em linha de princípio, violação às normas que regulam a paridade da disputa” (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 116-119). Afinal, a ampla manifestação do pensamento sedimenta os precípuos objetivos republicanos que são subjacentes ao próprio processo eleitoral e suas vicissitudes.

Cumpre, pois, às Cortes Eleitorais o mister de assegurar a máxima amplitude do debate, de sorte que a intervenção somente se opere em circunstâncias excepcionais, notadamente, “quando as atividades de comunicação representem, sem margem para dúvidas, riscos concretos (i) para a autodeterminação na formação da opinião eleitoral ou, em última instância, (ii) para a própria integridade da disputa” (AgR-AI nº 9-24.2016.6.26.0242/SP, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto).

Conforme leciona José Jairo Gomes, “denomina-se propaganda eleitoral a elaborada por partidos políticos e candidatos com a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público-eletivo. Caracteriza-se por levar ao conhecimento público, ainda que de maneira disfarçada ou dissimulada, candidatura ou os motivos que induzam à conclusão de que o beneficiário é o mais apto para o cargo em disputa. Nessa linha, constitui propaganda eleitoral aquela adrede preparada para influir na vontade do eleitor, em que a mensagem é orientada à atração e conquista de votos” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 16ª Edição, São Paulo: Editora Atlas, 2020).

A propaganda, no entanto, se sujeita aos regramentos legais, que demarcam os limites da regular atuação dos candidatos, partidos, coligações e federações. Neste campo, a propaganda eleitoral é regulamentada pela Lei das Eleições, artigo 36 e seguintes, pelo Código Eleitoral, assim como as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, de sorte que a infringência ao regramento legal potencialmente configurará ilicitude, hábil a sujeitar os agentes às sanções previstas em lei

4. A aferição da existência de conteúdo eleitoral no material publicitário impugnado é antecedente lógico da proibição da conduta e, ressalvado e respeitado entendimento diverso, os materiais publicitários sujeitos ao escrutínio judicial ostentam conteúdo eleitoral.

Em linha com os precedentes desta E. Corte, abrangente o divisor de águas estampado no caput do art. 36-A da Lei 9.504/97, e cujos efeitos se espraiam a todos os veículos de propaganda eleitoral antecipada. Para que a figura típica aflore é imprescindível que, como pressuposto, estejamos diante de propaganda eleitoral. Assim, sempre será imperioso consagrar a mensagem veiculada como propaganda eleitoral, para então se enveredar pelos demais requisitos legais de enquadramento típico.

5. O conteúdo impugnado foi assim demonstrado no bojo da petição inicial: “o representado registrou, na sua rede social no Instagram (@nelsonclaroagir32), publicação contendo o seguinte texto (Doc. 02):

 “Vamos continuar com nosso foco visitando as cidades vizinhas com o objetivo de mudar nossa política estadual, melhorando e ampliando as necessidades do público. Hoje estamos em @montealegredosul, uma cidade abundante em agropecuária, agricultura e entre outros. Viemos para conhecer e aprender um pouquinho mais sobre essa cidade fantástica. #montealegredosul #politicabrasileira #agronegocio #rural #agir36saopaulo”

O texto foi acompanhado de vídeo (idem, Doc. 02), cujo conteúdo é o seguinte:

“Olá, amigos e amigas Hoje continuamos aqui no circuito das águas. Hoje na cidade de Monte Alegre do Sul. Viemos aqui conhecer um pouco da sua agricultura, conhecer um pouco da sua estrutura econômica, para que possamos traçar um plano lá em 2023, onde possamos ajudar todos os municípios de São Paulo. É assim que se faz política: conhecendo, visitando e aprendendo com as coisas boas. É assim que se faz AGIR SÃO PAULO. Não esqueça, Nelson Claro 36122, para uma economia melhor!”.

6. Como é cediço, no campo da regulação eleitoral, prosperou figurino legal autorizativo de diversas condutas no período anterior àquele dedicado à propaganda, hipóteses estas descortinadas pelo artigo 36-A da Lei das Eleições, de sorte que é vedado apenas o pedido explícito de voto. Nesta esteira, apenas se pode enveredar pelo exame das circunstâncias das mensagens enviadas acaso haja prova cabal de que ostentem relevo de propaganda eleitoral.

Nesse sentido, mediante detida análise das mensagens publicadas pelo representado, verifica-se que há provas de que tenham sido extrapolados os limites prescritos na Lei das Eleições, em seu dispositivo legal matricial, que regula quais as condutas extirpadas e que estão sujeitas à jurisdição eleitoral, e que estão condicionadas, para sua admissão, neste campo, à expressa categorização. É o que dispõe expressamente a Lei das Eleições em seu artigo 36-A, inciso V, “não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (...) a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais”.

Neste caminhar, não se pode, em hermenêutica que preserve as liberdades individuais, rechaçar as expressões que não aludem a pedidos explícitos de votos, mas que expressem a pré-candidatura eventual aos cargos postulados pelos pré-candidatos; na hipótese, entretanto, transcendeu-se para além do que autorizado pela norma, ao se publicar as mensagens descortinadas na peça exordial, quais sejam: “Não esqueça, Nelson Claro 36122, para uma economia melhor!”. É que tais expressões, inclusive com uma prévia divulgação de seu número de urna, embutem significado que chancela a candidatura, e não apenas fazem alusão à pretensa candidatura. Neste particular, adentrou-se pelo jargão utilizado em plenas campanhas eleitorais. Tal como se citaram tais expressões, passou-se o quadro da nítida candidatura, como se veiculasse o pedido de votos em material de campanha. O vernáculo empregado permite que se conclua que se ultrapassou o divisor das liberdades individuais, para se campear pela órbita impedida. O uso de tais expressões pode servir a se fazer prosperar correntes na rede social que podem granjear adesões e a busca de votos. Há discrímen rigoroso entre reportar a pré-candidatura e a candidatura propriamente dita. A pretensão à candidatura significa exatamente que não se consumou ainda, como abstratamente previsto na regra legal. O que se permitiu foi exatamente remeter ao plano da candidatura. Por conseguinte, a legislação impediu de maneira absolutamente clara que se anuncie a candidatura em si, ao entender que tal ganha o significado de antecipação da propaganda eleitoral.

Desse modo, ficou devidamente demonstrada a antecipação da propaganda eleitoral, de forma ilícita, razão pela qual o decreto de procedência é medida de rigor, por ter o representado infringido o preceito contido no artigo 36, caput, da Lei 9.504/97, impondo-se pena de multa no patamar mínimo de R$ 5.000,00, com fulcro no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/97. Há que se ressaltar que não há, na hipótese, fatos graves narrados pelo representante que justificassem a majoração da multa, não bastando, para tanto, a mera indicação de que duas foram as irregularidades praticadas.

 

8. Ante ao exposto e, por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS E EXTINTO O PROCESSO, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para impor a remoção dos conteúdos indicados na exordial e para condenar o representado ao pagamento de multa, no valor mínimo de R$ 5.000,00, com base no artigo 36, § 3º, da Lei 9.504/1997, por infração ao preceito contido no art. 36, caput, da Lei 9.504/1997.

Para o cumprimento da ordem, oficie-se ao FACEBOOK, que deverá ser cadastrado no processo como terceiro interessado, e podendo ser notificado no endereço eletrônico cadastrado perante esta Justiça Eleitoral, para que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, providenciem a retirada do conteúdo previsto nas seguintes URLs:

https://www.instagram.com/reel/ChM-iBMQcL/?igshid=ODBkMDk1MTU=

https://www.instagram.com/reel/ChM9VtBujQ9/?igshid=ODBkMDk1MTU=

https://www.instagram.com/reel/ChKpJcxDBlw/?igshid=ODBkMDk1MTU=

Sem custas. Sem honorários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquivem-se.

 

São Paulo, data da assinatura eletrônica.

 

 

 

REGIS DE CASTILHO BARBOSA FILHO 


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