PUBLICADO EM SESSÃO

 

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

ACÓRDÃO


REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) - 0601366-27.2022.6.26.0000 - São Paulo - SÃO PAULO


RELATOR(A): MAURICIO FIORITO

REQUERENTES: JOAO CURY NETO, MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO - MDB - ESTADO DE SÃO PAULO


IMPUGNANTE: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL


Advogados do(a) REQUERENTE: GUILHERME GIOMETTI SANTINHO - SP317327-A, RICARDO VITA PORTO - SP183224-A

 

 

Sustentaram oralmente o Dr. Paulo Taubemblatt, Procurador Regional Eleitoral substituto, e o Dr. Ricardo Vita Porto, pelo requerente João Cury Neto.

 

 


EMENTA

 

Registro de Candidatura. Eleições 2022. Deputado Federal. Impugnação. Reconhecimento de causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90. A incidência da causa de inelegibilidade em comento exige o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão dos direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; (iv) o ato tenha ensejado, de forma cumulativa, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Presença concomitante de lesão ao erário e enriquecimento ilícito, em proveito próprio ou de terceiros, que se extrai da decisão judicial – Precedentes. Impugnação acolhida. Impugnação procedente. Registro indeferido.

 

 

 

 

Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM, os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, por votação unânime, em julgar procedente a impugnação e indeferir o registro. 

Assim decidem nos termos do voto do(a) Relator(a), que adotam como parte integrante da presente decisão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Silmar Fernandes (Presidente em exercício), José Antonio Encinas Manfré e Sérgio Nascimento; e dos Juízes Mauricio Fiorito, Afonso Celso da Silva, Marcelo Vieira de Campos e Marcio Kayatt.

 



São Paulo, 12/09/2022

MAURICIO FIORITO

Relator(a)

 

 

 

 

 

 

 

Documentos Selecionados

 

RELATÓRIO

 

Trata-se do pedido de registro de candidatura de JOÃO CURY NETO ao cargo de Deputado Federal pelo Movimento Democrático Brasileiro – MDB com o número 1550 (ID 64136319).

 

A d. Procuradoria Regional Eleitoral apresentou impugnação ao registro, em razão de suposta inelegibilidade advinda de condenação por decisão colegiada por ato doloso de improbidade administrativa que importou em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, nos termos do artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/1990 (ID 64178647).

 

Em contestação, o requerente apresentou certidões e requereu o deferimento do registro, ao fundamento de que, apesar de condenado por decisão colegiada por ato doloso de improbidade administrativa, não houve, na decisão, o reconhecimento de enriquecimento ilícito e dano ao erário. Afirma que o “fato de não ter havido o regular processo licitatório não autoriza presumir a ocorrência da lesão aos cofres públicos e o enriquecimento ilícito, notadamente quando há prova – como há no caso – de que os serviços foram prestados” (IDs 64216837).

 

A d. Procuradoria Regional Eleitoral reiterou a impugnação, pugnando pelo indeferimento do registro (ID 64229494).

 

O requerente apresentou novos documentos (ID 64265484).

 

A seguir, o órgão técnico desta Colenda Corte prestou informação, entendendo que a documentação apresentada não está em conformidade com a resolução regulamentadora da matéria (ID 64285672).

 

Verificado até o ID 64285672. 

 

É O RELATÓRIO.

 


 

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

GABINETE DO RELATOR MAURICIO FIORITO 

 

 

REFERÊNCIA-TRE

: 0601366-27.2022.6.26.0000

PROCEDÊNCIA

: São Paulo -  SÃO PAULO

RELATOR

: MAURICIO FIORITO 

 

REQUERENTE: JOAO CURY NETO, MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO - MDB - ESTADO DE SÃO PAULO
IMPUGNANTE: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL

 

 

 

 

VOTO Nº 3187

 

 

FUNDAMENTO

 

É sabido que para concorrer a um mandato eletivo o candidato deverá preencher as condições de elegibilidade previstas na Constituição Federal (artigo 14, §§ 3° e 8°), respeitar as condições legais de incompatibilidades, bem como não ser verificado nenhuma causa constitucional ou legal de inelegibilidade (artigo 14, §§ 4° e 7° da CF e Lei Complementar n° 64/1990).

 

Para isso, o interessado deve protocolar perante a Justiça Eleitoral requerimento de registro de candidatura, instruído com todas as informações e documentos elencados na Resolução TSE nº 23.609/2019.

 

No caso em análise, verifica-se que o candidato trouxe aos autos todos os documentos indicados pelo artigo 27, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

 

No entanto, tendo em vista os processos listados nas certidões criminais para fins eleitorais fornecidas pela Justiça Estadual de 1º e 2º graus (IDs 64136698 e 64136692), faz-se necessário um exame mais detalhado desses apontamentos.

 

Com isso, analisa-se a possível inelegibilidade nos termos do artigo 1º, inciso I, “l”, da Lei Complementar nº 64/90.

 

Sobre a inelegibilidade em tela, assim dispõe o artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90:

 

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;

(...)

 

Ressalte-se que, consoante a jurisprudência do E. Tribunal Superior Eleitoral, “a referida causa de inelegibilidade pressupõe condenação por ato doloso de improbidade administrativa que implique, concomitantemente, dano ao erário e enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro” (TSE, Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 060018366 – Catanduva/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 05/05/2022, grifei).

 

Assim, a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea ‘l’, da Lei Complmentar nº 64/1990 não incide em toda e qualquer condenação por improbidade administrativa, sendo exigível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:  (i) condenação à suspensão dos direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; (iv) o ato tenha ensejado, de forma cumulativa, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, cabendo à Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação do acórdão proferido pela Justiça Comum, a existência – ou não – dos referidos requisitos  (TSE, AgR-REspEl nº 060019927, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 7/4/2022).

 

Com relação ao processo 1009205-03.2017.8.26.0079, não incide a causa de inelegibilidade, pois, apesar de o requerente ter sido condenado, por sentença prolatada em 05/02/2020, em ação civil pública por ato doloso de improbidade administrativa à suspensão de seus direitos políticos com dano ao erário e enriquecimento ilícito de terceiro, a decisão foi atacada por recurso, que aguarda julgamento no C. Tribunal de Justiça de São Paulo, não se encontrando presente o requisito da “decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”.

 

Quanto ao processo nº 4005686-08.2013.8.26.0079 também não incide a causa de inelegibilidade da alínea “l”, pois, apesar de presentes os demais requisitos legais, constou expressamente do acórdão que o requerente agiu com culpa grave, situação que demonstra a inexistência do requisito de “ato doloso de improbidade administrativa”.

 

No tocante ao processo nº 1006393-51.2018.8.26.0079 também não há se falar causa de inelegibilidade da alínea “l”, pois a ação civil pública foi julgada improcedente, por sentença prolatada em 08/10/2019, mantida por acórdão transitado em julgado em 25/09/2020 (ID 64136691).

 

Contudo, a situação é diversa com relação ao processo nº 1003770-82.2016.8.26.0079, incidindo a inelegibilidade fixada no artigo 1°, inciso I, “l”, da Lei Complementar nº 64/90.

 

No caso, restou incontroverso que o requerente foi condenado à suspensão dos direitos políticos nos autos da ação civil pública nº 1003770-82.2016.8.26.0079 em decisão colegiada por ato doloso de improbidade administrativa que importou em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito de terceiro (ID 64237715).

 

Extrai-se dos autos da aludida ação civil pública por ato de improbidade administrativa, concernente a irregularidades na contratação de artistas para performance musical no aniversário da cidade de Botucatu, foi prolatado acórdão, relatado pelo Des. Fernão Borba Franco, em 27/09/2021, que, reformando a sentença de improcedência, condenou o requerente, entre outras penas, à suspensão dos direitos políticos pela prática de ato doloso de improbidade administrativa com dano ao erário e enriquecimento ilícito de terceiro, nos seguintes termos, com grifos nossos (ID 64178648):

 

“Feito o relato, a análise sequencial dos fatos denota realidade no mínimo curiosa.

Em primeiro momento, é possível constatar que a Prefeitura foi procurada pela empresa e não houve prévia publicação, pela municipalidade, de qualquer instrumento convocatório demonstrando interesse na contratação de apresentações artísticas para o aniversário da cidade. Muito menos da específica pretensão das performances oferecidas, ou sequer dos artistas pretendidos.

Além disso, a carta proposta vem desacompanhada de qualquer demonstrativo que permita compreender o montante destinado a cada artista e o quanto do orçamento seria devido à própria empresa contratada pela prestação dos serviços. O montante proposto é, nessa perspectiva, absolutamente aleatório.

Acrescente-se que a representação (de 09/03/2015 a 09/03/2016) da cantora Amanda Ferrari foi assinada pelo empresário Adailton Matos Costa no dia imediatamente anterior à subscrição (10/03/2015) da carta de exclusividade deste último, em favor da empresa corré.

Mais curioso ainda é que a carta de exclusividade está duplicada a fls. 47, subscrita em 04/03/2015, outorgando a Orleans & Carbonari Eventos Ltda. a exclusividade pela realização do show quando o próprio empresário (Sr. Adailton) ainda não detinha a representação (assinada pela cantora tão somente em 09/03/2015).

Ademais, a contratação da cantora é objeto do contrato firmado com a Municipalidade de Botucatu (contrato n.º 120/2015 – cláusula primeira), contudo não houve emissão de nota fiscal que comprovasse o valor que lhe foi pago pela performance realizada.

Não é ainda a única irregularidade na execução contratual quanto ao pagamento, posto que o instrumento prevê que “o pagamento se dará somente após o término das apresentações, mediante apresentação de nota fiscal/fatura” (cláusula terceira). Entretanto, a ordem de pagamento e a transferência bancária (fls. 107) datam de 15/04/2015, enquanto a nota fiscal do cantor Gusttavo Lima (representado pela empresa Balada Eventos e Produções Ltda.), que foi a apresentação mais cara, apenas foi emitida em 16/04/2015 (fls. 254). Sequer existe, nas notas fiscais apresentadas pela corré em sua peça contestatória, o carimbo que aponte seu recebimento pela Prefeitura, muito menos sua aprovação pela secretaria competente.

A fabricação da exclusividade é evidente porque, caso o cronograma apresentado pela empresa fosse modificado (exemplifica-se: 11/04Gusttavo Lima, 12/4 Fábio Jr., 13/4 Amanda Ferrari, 14/4 Hugo e Tiago), por conveniência e oportunidade da Prefeitura, o direito de preferência e as cartas de exclusividade não mais teriam validade, pois subscritas com datas específicas.

Caso a empresa detivesse, verdadeiramente, a exclusividade de representação artística dos artistas (como de fato o detém Balada Eventos e Produções Ltda. quanto ao cantor Gusttavo Lima; Hugo e Tiago Promoções Artísticas Ltda. e o sr. Hamilton Régis Policastro, quanto à dupla de mesmo nome; Adailton Matos Costa, quanto à cantora Amanda Ferrari e ainda MC3 Promoções e Produções Artísticas Ltda, quanto ao cantor Fábio Jr.) a data das apresentações seria irrelevante, posto que a impossibilidade de serem as contratações realizadas por empresa diversa (a derivar, de tal fato, a inexigibilidade) remanesceria em qualquer cenário.

Não é o que se observa. Vale dizer: a exclusividade, no presente cenário, decorria tão somente da integral adoção, pela Municipalidade, do calendário ofertado unilateralmente pela empresa.

(...)

Embora a consagração pela crítica seja discutível em parte das contratações, os demais requisitos foram claramente descumpridos. O procedimento foi iniciado por iniciativa da empresa que almejava a contratação, com artistas e valores unilateralmente apresentados. A gestão municipal não pediu qualquer informação quanto à prévia cotação dos cachês e quanto ao montante que seria destinado à própria empresa promotora do evento. Não há nos autos análise mercadológica levada a cabo pela Municipalidade a permitir aferir se de fato os valores eram compatíveis com o mercado ou se haviam outros artistas (igualmente consagrados pela crítica e opinião pública) que poderiam oferecer proposta mais vantajosa. Não há qualquer demonstração de exclusividade em favor da empresa contratada, mas ao contrário os documentos permitem concluir que as empresas e representantes exclusivos dos artistas foram aqueles que subscreveram as referidas cartas. Não há justificativa ou fundamento para a contratação de Orleans & Carbonari que ateste a impossibilidade de contratação de empresa diversa ou contratação direta dos artistas. Não houve apresentação prévia ou procedimento administrativo de análise das notas fiscais apresentadas antes que se realizasse o pagamento da empresa.

Como dito à exaustão: a co-requerida não era empresária exclusiva dos artistas contratados, mas simplesmente empresa autorizada a intermediar contratação entre o Poder Público e os profissionais, autorização essa conferida a ela justamente pelos empresários, exclusivos, de cada um deles. Ocorre que a atividade de agenciamento de eventos é passível de competição entre os interessados, ainda que o ofício do artista consagrado pela crítica e pela opinião pública em si não seja suscetível de contratação por meio do estabelecimento de critérios objetivos. Em outras palavras, a contratação de artista consagrado independe de licitação apenas quando só puder ser realizada diretamente com ele ou com seu empresário exclusivo. Caso contrário, será plenamente possível a disputa entre as empresas interessadas em intermediar/agenciar a contratação.

(...)

As irregularidades, enfim, são inúmeras e de tal monta que superam a noção de meras irregularidades e denotam claramente o dolo dos agentes envolvidos na contratação.

(...)

A análise da capacidade pessoal dos agentes envolvidos (o ex-prefeito é advogado especialista em Direito Tributário segundo seu perfil constante no próprio site da Prefeitura) e das circunstâncias fáticas permitem concluir pela inequívoca intenção de celebrar o ajuste em desrespeito às normas de regência.

Tem-se, pois, o corréu João Cury Neto por incurso no ato ímprobo descrito no art. 10, VIII e no art. 11, caput e inciso I da Lei n.º 8.429/92 e a empresa Orleans e Carbonari Eventos Ltda., pelos atos ímprobos descritos nos mesmos dispositivos, somando-se à previsão contida no art. 9º, caput. Frise-se que o enriquecimento é tão somente observável em face da empresa, vez que não foram apresentadas as propostas orçamentárias que permitissem especificar quanto do montante foi repassado à cantora Amanda Ferrari (se de fato o foi) e qual valor foi percebido pela própria empresa pela prestação dos serviços. Não há, neste aspecto, demonstração de conluio do ex-prefeito ou de direcionamento de parte da vantagem patrimonial em seu favor, a afastar o art. 9º, caput de sua conduta.

Da mesma forma, é possível excluir do dano ao erário os valores que foram efetivamente repassados aos artistas Gusttavo Lima (R$200.000,00 fls. 524), Hugo e Tiago (R$ 80.000,00 fls. 255) e Fábio Jr. (R$95.000,00 fls. 256). Subtraídos os valores, constata-se a diferença de R$225.000,00 cuja destinação é desconhecida - e para o que, não custa repetir, era perfeitamente viável certame para contratar a proposta mais vantajosa.

(...)

Nestes termos, e observados os respectivos incisos do art.12, condena-se:

JOÃO CURY NETO: ao ressarcimento integral do dano (R$ 225.000,00), em solidariedade à corré Orleans e Carbonari; suspensão dos direitos políticos por 8 (oito)anos; multa civil em uma vez o valor do dano (R$225.000,00), e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

(...)”

 

Em sede de embargos de declaração[1], a decisão foi alterada, em pequena parte, tão somente para alterar a tipificação do ato e julgar o requerente “incurso nos tipos previstos no art. 10, VIII, e art. 11, caput, da Lei n.º 8.429/92, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 14.230/2021, mantendo-se as penalidades aplicadas em sua integralidade.”. Na decisão o relator reiterou a presença de dolo, do dano ao erário e do enriquecimento ilícito de terceiro, nos seguintes termos, com grifos nossos:

 

“Os embargos merecem parcial acolhimento, em virtude das alterações introduzidas pela Lei n.º 14.230/2021.

(...)

As alterações introduzidas aos tipos exigem, agora, comprovação do dolo e da efetiva perda patrimonial imposta ao Poder Público. Na hipótese dos autos, a presença da conduta dolosa foi exaustivamente enfatizada pelo acórdão dada a nítida pretensão do ex-prefeito (advogado especializado em Direito Tributário) de realizar contratação em desrespeito às normas de regência, causando efetivo dano ao Erário, pois desconhecida a destinação de parcela significativa do pagamento, bem como não existem os respectivos documentos fiscais.

Não obstante, exclui-se da condenação a subsunção ao incisoI do art. 11, dado que revogado, mantendo-se o enquadramento ao art. 10, VIII, e art.11, caput, nos termos do acórdão originário.

Quanto às penalidades impostas, inexiste adequação a ser feita.

(...)

Vislumbra-se, pois, que nenhuma das penas impostas viola e ou excede as novas previsões. A retirada da subsunção ao inciso I do artigo 11 não interfere nas penalidades, vez que fixadas (por hierarquia prioritária da própria legislação) conforme a subsunção à conduta do art. 10.

Tem-se, pois, por necessário o acolhimento dos embargos de declaração tão somente para corrigir o v. acórdão e julgar o embargante incurso nos tipos previstos no art. 10, VIII, e art. 11, caput, da Lei n.º 8.429/92, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 14.230/2021, mantendo-se as penalidades aplicadas em sua integralidade.

Por fim, o deslocamento da penalidade de ressarcimento dos incisos para o caput do art. 12 não interfere na sua imposição tal como acima proposta, posto que efetivamente demonstrado o dano.

(...)”

 

O requerente interpôs recurso especial em face da decisão, o qual ainda não foi apreciado, sendo certo que o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso foi indeferido por decisão[2] prolatada pelo Min. Sérgio Kukina, do Col. Superior Tribunal de Justiça, em 15/08/2022, não havendo notícia nos autos de reconsideração dessa decisão.

 

Como se vê, restou incontroverso que o requerente foi condenado à suspensão dos direitos políticos em decisão colegiada por ato doloso de improbidade administrativa que importou em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito de terceiro, tendo em vista que ele, de forma dolosa, realizou a irregular contratação direta de empresa para realização de shows na cidade de Botucatu, conduta que ataca frontalmente a probidade que se espera do agente público no manuseio de recursos públicos.

 

Frise-se que, como bem anotado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, para a configuração da inelegibilidade, é irrelevante a capitulação do ilícito em um artigo específico da Lei nº 8.429/92. De acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral, o que é fundamental para a configuração da referida inelegibilidade é a efetiva ocorrência, no caso concreto, da condenação por decisão colegiada, à suspensão dos direitos políticos, por ato doloso de improbidade administrativa, com lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito (próprio ou de terceiro) – tudo a ser extraído do contexto da decisão, o que ocorreu no presente caso.

 

Sobre a matéria, o C. Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento de que “ainda que ‘in casu’ a tipificação tenha sido feita com base apenas nos arts. 10 e 11 da Lei no 8.429/92, a e. Corte Superior Eleitoral tem admitido a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1°, inciso I, alínea 'I', da Lei Complementar no 64/90 quando for possível extrair o enriquecimento ilícito - disposto no art. 9º - da fundamentação da decisão condenatória” (TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 18807, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 188, Data 28/09/2017, Página 81/84). 

 

No mesmo sentido: 

 

“ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/1990. SUSTENTAÇÃO ORAL EM JULGAMENTO DE AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ERROS MATERIAIS. IRRELEVÂNCIA PARA O DESLINDE DA CAUSA. DECISÃO DE ÓRGÃO JUDICIAL COLEGIADO. DESNECESSIDADE DE DECISÃO MERITÓRIA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO PREVISTO NO DECRETO CONDENATÓRIO DA JUSTIÇA COMUM. RECONHECIMENTO PELA JUSTIÇA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE INELEGIBILIDADE ETERNA. REGISTRO DE CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA. POSSIBILIDADE DE NOVA AVALIAÇÃO NA ELEIÇÃO SEGUINTE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE TERCEIROS. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO JULGADO. REJEIÇÃO. 1. Na linha da jurisprudência desta Corte, não há sustentação oral em agravo regimental por ausência de previsão legal. Precedentes. No caso concreto, houve expressa manifestação da Corte, negando fundamentadamente o pedido de sustentação oral em Plenário. 2. Não é possível afirmar que a expressão "nos termos do voto do Min. Og Fernandes" constitua erro material, porque não se afirmou que a totalidade do voto-vista foi seguida pela Corte, mas apenas que a conclusão do voto-vista representou o posicionamento da maioria dos ministros votantes. Ademais, a parte do voto-vista que não prevaleceu é irrelevante para o deslinde da causa. Precedentes. 3. O fato de se ter constado no voto-vista "condenação transitada em julgado", ao invés de "condenação proferida por órgão judicial colegiado", não altera a conclusão do julgamento. Precedentes. 4. A decisão de órgão judicial colegiado, mesmo que não aborde o mérito, é apta a atrair a incidência da inelegibilidade da alínea l. 5. É possível à Justiça Eleitoral reconhecer a existência de enriquecimento ilícito que não conste do decreto condenatório da Justiça comum sem que isso represente inelegibilidade eterna do agente. A aferição, pela Justiça Eleitoral, de que o ato praticado pelo agente causou não apenas dano ao erário, mas, também, enriquecimento ilícito possui relevância apenas para fins de análise das causas de inelegibilidade, matéria eminentemente eleitoral. 6. É pacífica a noção de que o registro de candidatura deve ser renovado a cada pleito, pois não há direito adquirido ao registro de candidatura. Precedentes. 7. É assentada nesta Corte a ideia de que é possível reconhecer a existência de enriquecimento ilícito de terceiros sem que o beneficiário tenha feito parte da relação processual. Precedentes. 8. Embargos de declaração rejeitados”. (TSE, Recurso Ordinário nº 060068793, Relator(a) Min. Og Fernandes, PSESS - 18/12/2018).

 

“DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. ELEIÇÕES DE 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO. DEPUTADO FEDERAL. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/1990. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE LESÃO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DESPROVIMENTO.1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso ordinário e manteve o deferimento do registro de candidatura ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018. Petição de terceiro com notícia de suposta inelegibilidade do recorrido. 2. A incidência na causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990 exige o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) condenação por ato de improbidade administrativa que (a) importe lesão ao patrimônio público e (b) enriquecimento ilícito; (ii) presença de dolo; (iii) decisão definitiva ou proferida por órgão judicial colegiado; (iv) sanção de suspensão dos direitos políticos; e (v) não exaurimento do prazo de oito anos, a contar do cumprimento da pena. 3. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral orienta-se no sentido de que é necessária a presença, concomitante, de lesão ao erário e enriquecimento ilícito, em proveito próprio ou de terceiro, ainda que tais condenações não constem no dispositivo da decisão judicial. Precedente. 4. No caso, a discussão na Justiça Comum se limitou ao descumprimento dos princípios da Administração Pública, não havendo análise específica acerca da ocorrência de dano ao erário ou enriquecimento ilícito. Ademais, não há notícia de que as beneficiárias da nomeação em cargo público tenham deixado de trabalhar e, não havendo comprovação de ausência de contraprestação, não é possível presumir que houve dano ao erário ou enriquecimento ilícito de terceiro. Não estão presentes, portanto, todos os elementos essenciais à configuração da inelegibilidade. 5. A petição apresentada por terceiro foi instruída tão somente com condenações de primeiro grau da Justiça Comum, que não são aptas a atrair a incidência das causas de inelegibilidade previstas no art. 1º, I, da LC nº 64/1990. 6. Agravo interno a que se nega provimento”. (TSE, Recurso Ordinário nº 060202575, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/11/2018).

 

Logo, verificada a condenação do requerente à suspensão dos direitos políticos em decisão colegiada por ato doloso de improbidade administrativa que importou dano ao erário e enriquecimento ilícito, a incidência da inelegibilidade disposta no artigo 1º, I, “l” da Lei Complementar nº 64/90 é medida de rigor.

 

É o suficiente.

 

DECIDO.

 

Ante o exposto, julgo procedente a impugnação apresentada e indefiro o registro de candidatura ao cargo de Deputado Federal de JOÃO CURY NETO.

 

MAURICIO FIORITO

Relator

 

[1] Disponível em:  https://esaj.tjsp.jus.br/. Consulta realizada em 08/09/2022.

[2] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=161727779&tipo_documento=documento&num_registro=202202386140&data=20220817&tipo=0&formato=PDF. Consulta em 08/09/2022.