TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0600232-62.2022.6.26.0000 (PJe) - São Bernardo do Campo - SÃO PAULO

RELATOR: DESEMBARGADOR JOSE ANTONIO ENCINAS MANFRE

REPRESENTANTE: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL
 

  

REPRESENTADO: ALEX SPINELLI MANENTE

Advogados do(a) REPRESENTADO: PEDRO HENRIQUE GOMES CALLADO MORAES - SP350864-A, IZABELLE PAES OMENA DE OLIVEIRA LIMA - SP196272-A, RAFAEL CEZAR DOS SANTOS - SP342475-A, LEANDRO PETRIN - SP259441-A, CARLOS EDUARDO GOMES CALLADO MORAES - SP242953-A

 

 

DECISÃO

 

Vistos.

Procuradoria Regional Eleitoral representa contra Alex Spinelli Manente por propaganda eleitoral antecipada e irregular mediante vários “outdoors” com os seguintes conteúdos: “DEPUTADO QUE MAIS CONQUISTOU RECURSOS PARA O ABC; MELHOR DEPUTADO de São Paulo; RANKING POLÍTICOS; ALEX MANENTE Deputado Federal”.

Essa representante, com efeito, argui ainda, em resumo, o seguinte (ID 64076055): a) embora o artigo 36-A da Lei 9.504/1997 preveja  atos de pré-campanha permitidos, o representado manifesta propaganda eleitoral mediante engenhos cuja veiculação é proscrita (artigo 39, parágrafo 8°, desse diploma); b)serem de consideração os arestos que  indica; c)  presentes os requisitos autorizadores, ser caso de concessão de provimento liminar a fim de serem removidos esses outdoors apontados com a petição inicial e, ao final, a procedência do pedido.

 Atendido pedido dessa representante (ID 64081962), houve reconsideração de decisão e, portanto, concessão de tutela de urgência para remoção dos “outdoors” apontados e de eventuais outros em 48 horas, sob pena de multa diária (ID 64084386).

Citado (ID 6096166, folhas 17), esse representado apresentou defesa (ID 64097628) alegando, em síntese, o seguinte: 1. não se ter configurado propaganda eleitoral; 2. inexistência de  irregularidade, pois não houve pedido explícito de voto, consoante o permissivo do artigo 36-A da Lei 9.504/1997, e, assim, ser caso de “indiferente eleitoral”; 3. logo, dever ser julgado improcedente o pedido.

É o relatório.

Procede a representação.

Não se desconsidera a permissão do artigo 36-A desse diploma, segundo a qual “Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (...)”    

Presente essa disposição de lei – fruto de alteração legislativa -, o colendo Tribunal Superior Eleitoral reconheceu necessidade de pedido explícito de voto para a configuração de propaganda eleitoral extemporânea[1].

Nessa oportunidade, o ministro Luiz Fux proferiu voto-vista pelo qual estabeleceu critérios para aferição da licitude, ou não, de atos de pré-campanha objetivando assegurar a máxima efetivação de garantias fundamentais próprias: liberdade de expressão, direito à informação, igualdade (substancial) de oportunidades e competitividade nas eleições.

Assim, entre os critérios fixados, considerou Sua Excelência que “(...) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.”

Ademais, nesse passo, não se desconsidera a especial vedação prevista no artigo 39, parágrafo 8°, da Lei 9.504/1997, de seguinte teor:

“É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).”[2]

Por essa razão, essa Corte Superior mediante o julgamento do recurso especial eleitoral 0600227-31.2018.6.17.0000[3] se posicionou conferindo ao artigo 36-A da Lei 9.504/1997 interpretação sistemática para estender ao período pré-eleitoral as vedações relativas às modalidades de propaganda, como, por exemplo, a utilização de outdoors.

Do voto então proferido pela ministra Rosa Weber, aliás, constou a seguinte fundamentação:

“Qual é a minha leitura? É que não configuram, desde que não envolvam pedido explícito de voto, propaganda eleitoral antecipada os atos ali relacionados. Isso não significa que não haja outros atos que configuram propaganda antecipada ilícita na minha visão.

(...)

Não consigo, com todo respeito, inferir do texto do art. 36-A que se possa fazer propaganda via outdoor. Entendo que relaciona alguns atos que não configuram, mas isso não exclui que se considerem como ilícitos eleitorais justamente aquelas formas de propaganda por meios proscritos para o período. (...)”[4]

Observado esse posterior posicionamento, e para regular as eleições do corrente ano (2022), esse colendo Tribunal Superior, mediante a edição da Resolução  23.671/2021, incluiu o artigo 3°-A na Resolução 23.610/2019 com a seguinte redação:

“Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha.”[5]

A esse respeito, ademais, é de relevo a seguinte lição do Professor José Jairo Gomes:

“No âmbito da propaganda em bens particulares, também é proibida a exibida mediante outdoor, ainda que em forma de tela ou telão eletrônico. Além do citado artigo 37, §2°, II, a proibição também consta expressamente no artigo 39, § 8°, a LE. Esse último dispositivo sujeita a empresa responsável pelo outdoor, partidos, coligações à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa.”[6]

Também pela sistemática do ordenamento jurídico estar direcionada ao resguardo da isonomia, do equilíbrio de forças, entre candidatos e partidos, o Professor Rodrigo López Zilio leciona ser “imperioso reconhecer que os atos de pré-campanha possuem determinados limites de forma, vetando-se a sua veiculação, como regra, pelas formas que não são meios lícitos de propaganda eleitoral – sobretudo quando se tratam de meios ostensivos de divulgação (ex. outdoor, showmício, rádio e na televisão). Não existe uma razoabilidade jurídica para justificar que os atos de pré-campanha tudo podem, sob o singelo pretexto de que não são regulamentados proibitivamente pela legislação eleitoral.[7]

No caso sob exame, a representante destaca  haver o pré-candidato ao cargo de deputado federal, o parlamentar ora representado, promovido propaganda eleitoral antecipada mediante a afixação de, ao menos, oitenta (80) outdoors nos municípios de Diadema, Mauá, Santo André e São Bernardo do Campo (ID 64076055).

Com efeito, todos esses engenhos têm o seguinte conteúdo (ID 64076058, folhas 5):

Em primeiro momento, do conteúdo dessas publicações não se extrai haver pedido explícito de votos ou a utilização de “palavras mágicas”.

Contudo, da imprescindível análise de maior rigor se conclui ter caráter eleitoral a veiculação desses tantos e apontados outdoors.

É que esses textos não se compatibilizam a, por exemplo, singelas felicitações pelo natalício ou boas-vindas. Retratam, isso sim, exaltação por esse pré-candidato em relação ao exercício parlamentar.

As dimensões e os textos veiculados com esses outdoors permitem se inferir, notadamente pelo período muito próximo à eleição para renovação no Poder Legislativo, o escopo de convencer o eleitorado mediante demonstração de melhor qualificação para permanência no respectivo cargo.

Além disso, e como assinalado, fora demasiado o número desses engenhos publicitários contendo imagens e expressões de interesse do representado (ao menos, oitenta!). Ainda foram essas publicidades distribuídas, ao mesmo tempo, em quatro municípios da Grande São Paulo.

Isso não bastasse, se verificou amplificada essa volumosa divulgação, certo o “(...) forte e imediato apelo visual e amplo poder de comunicação” [8], bem como, por conseguinte, atingimento à isonomia em relação a outros possíveis interessados em obter mandato eletivo.

 Decorrência desse elevado número de veiculações em quatro municípios - não negadas   pelo representado ao defender-se – conclui-se  estar ele ciente e concorde em relação à afixação desses outdoors (artigo 40-B, parágrafo único, da Lei 9.504/1997[9]).

A bem ver, ainda, mutatis mutandis, do supramencionado acórdão do colendo Tribunal Superior Eleitoral (Recurso Especial Eleitoral 0600227-31.2018.6.17.0000) destaca-se a seguinte parte da respectiva ementa:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ATOS DE PRÉ–CAMPANHA. DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM DE APOIO A CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. UTILIZAÇÃO DE OUTDOORS. MEIO INIDÔNEO. INTERPRETAÇÃO LÓGICA DO SISTEMA ELEITORAL. APLICABILIDADE DAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS À PROPAGANDA ELEITORAL AOS ATOS DE PRÉ–CAMPANHA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE APONTAM PARA A CIÊNCIA DO CANDIDATO SOBRE AS PROPAGANDAS. RECURSO PROVIDO.

(...)

4.  As circunstâncias fáticas, do caso ora examinado, de maciço uso de outdoors em diversos Municípios e de expressa menção ao nome do candidato permitem concluir a sua ciência dos atos de pré–campanha, conforme exigência do art. 36, § 3º da Lei das Eleições.

5.   A realização de atos de pré–campanha por meio de outdoors importa em ofensa ao art. 39, §8º da Lei nº 9.504/97 e desafia a imposição da multa, independentemente da existência de pedido explícito de voto.

6.   Recurso especial eleitoral provido.”[10]

Também a esse respeito, mutatis mutandis, são de consideração acórdãos do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte e desta colenda Corte (TRE/SP) cujas ementas – a desse primeiro tribunal em parte -  respectivamente têm as seguintes conformidades:

“REPRESENTAÇÃO ELEITORAL – ELEIÇÕES 2022 – DEPUTADO ESTADUAL – PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR – OUTDOOR – FRASES DE CUNHO POLÍTICO-ELEITORAL – PRESTAÇÃO DE CONTAS – ATOS PARLAMENTARES – CONTEÚDO MERAMENTE INFORMATIVO – EXTRAPOLAÇÃO – PROMOÇÃO PESSOAL – MEIO PROSCRITO – VEDAÇÃO – ART. 39, § 8º, DA LEI Nº 9.504/97 – LIMINAR – CONCESSÃO – REMOÇÃO DA PROPAGANDA – CUMPRIMENTO – MULTA – APLICAÇÃO – DOSIMETRIA – R$ 5.000,00 – PRECEDENTES – PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.

 Cinge-se a controvérsia à imputação de veiculação de propaganda eleitoral irregular ao representado Ubaldo Fernandes da Silva, atualmente Deputado Estadual e pré-candidato a uma vaga na Assembléia Legislativa no pleito vindouro, excedendo os limites autorizados no período de pré-campanha mediante a veiculação de outdoors no município de Natal/RN, contendo mensagens de cunho político-eleitoral.

 (...).

 Consoante já reproduzido na decisão liminar, os referidos outdoors continham, além da foto do representado em posição de destaque e de forma centralizada, a veiculação das seguintes mensagens: “O DEPUTADO QUE MAIS TRABALHA PELO RN”, “25 LEIS EM VIGOR”, “QUASE R$ 4 MILHÕES EM EMENDAS”, “BENEFICIANDO 30 MUNICÍPIOS”, “Ubaldo Fernandes”, “QUER SABER MAIS? ACESSE: www.ubaldofernandes.com”.

 Pelas dimensões e dizeres veiculados nos outdoors, é possível constatar a existência de conteúdo eleitoral nas divulgações irregulares, veiculadas em ano de renovação das cadeiras da Assembléia Legislativa, com os dizeres “o deputado que mais trabalha pelo RN”, no intuito de influenciar o eleitorado ao demonstrar ser o concorrente mais qualificado para permanecer no exercício daquela função pública e de ter o seu nome lembrado futuramente, apresentando-se como parlamentar atuante e empenhado no desenvolvimento do Estado, objetivo amplificado pelo meio empregado (outdoors), de forte apelo visual e apto a afetar a isonomia entre os pré-candidatos que almejam um cargo eletivo no pleito vindouro.

 Noutro vértice, no tocante à alegação defensiva de inexistência de pedido explícito de votos nas mensagens veiculadas, é assente na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que “a realização de atos de pré-campanha por meio de outdoors importa em ofensa ao art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/97 e desafia a imposição da multa, independentemente da existência de pedido explícito de voto” (Rp 0600061-48, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 4.5.2020). Na mesma linha: AgR-REspEl 0600337-30, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 4.11.2019.

 (...).

 Procedência da representação eleitoral e condenação do representado em multa fixada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).”[11]

 “RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA POR MEIO DE OUTDOORS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. VIÉS ELEITORAL. IMAGEM DE PRÉ-CANDIDATO AO LADO DE MÁRCIO FRANÇA COM MENSAGEM QUE EVIDENCIA A INTENÇÃO, AINDA QUE SUBLIMINAR, DE LANÇAR SEU NOME COMO FUTURO CANDIDATO AO PLEITO DE 2020. ELEMENTOS QUE SE SOBREPÕEM À MENSAGEM DE BOAS FESTAS. ATO DE PRÉ-CAMPANHA DIVULGADO EM MEIO PROSCRITO PARA A PROPAGANDA ELEITORAL. PROVIMENTO DO RECURSO, PARA DETERMINAR A RETIRADA DOS OUTDOORS NOS ENDEREÇOS INDICADOS NA INICIAL E APLICAR MULTA NO MÍNIMO LEGAL.”[12]

Por outro lado, ausentes elementos que demonstrassem maior gravidade na conduta do representado, aplica-se a multa no mínimo legal (R$ 5.000,00), certo revelar-se suficiente, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ante o exposto, julga-se procedente o pedido, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para impor-se ao representado multa de cinco mil reais (R$ 5.000,00) por violação ao artigo 39, parágrafo 8°, da Lei 9.504/1997.

Sem condenação no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios (artigo 4° da Resolução TSE 23.478/2016).

P.R.I.

São Paulo, 13 de julho de 2022.

 

                              JOSE ANTONIO ENCINAS MANFRE
                                                   Relator

 

[1] Agravo regimental no agravo de instrumento 9-24.2016.2016.6.26.0242, relator o ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgamento em 26 de junho de 2018.

[2] Por sinal, essa vedação também consta do artigo 26 da Resolução TSE 23.610/2019, redação da Resolução TSE 23.671/2021 de seguinte teor: “Art. 26. É vedada a propaganda eleitoral por meio de outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos políticos, as federações, as coligações, as candidatas e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$15.000,00 (quinze mil reais), nos termos do art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/1997.”

[3] Relator o ministro Edson Fachin, julgamento em 9 de abril de 2019.

[4] Sem esses grifos e destaques no texto original.

[5] Os grifos apostos não constam do texto copiado.

[6] Direito Eleitoral. Editora Atlas, 18ª edição, São Paulo, 2022, p. 585.

[7] Direito Eleitoral. Editora Juspodivm, 8ª edição, São Paulo, 2022, p. 418.

[8] Antônio Augusto Mayer dos Santos. Campanha Eleitoral – Teoria e Prática, 3 ª edição. São Paulo. Editora Juspodivm, 2022, p. 224.

[9] “Art. 40-B. A representação relativa à propaganda irregular deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável.

Parágrafo único. A responsabilidade do candidato estará demonstrada se este, intimado da existência da propaganda irregular, não providenciar, no prazo de quarenta e oito horas, sua retirada ou regularização e, ainda, se as circunstâncias e as peculiaridades do caso específico revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido conhecimento da propaganda.”

[10] Sem esses grifos e destaques no texto copiado.

[11] Representação 0600142-22.6.20.0000, relatora a desembargadora Adriana Cavalcanti Magalhães Faustino Ferreira, julgamento em 23 de junho de 2022. Sem esses grifos e destaques no texto copiado.

[12] Recurso eleitoral 0600001-88.2020.6.26.0296, relator o desembargador Paulo Sérgio Brant de Carvalho Galizia, julgamento em 16 de abril de 2020. Sem esses grifos e destaques no texto copiado.