TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

ACÓRDÃO

 

RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600525-98.2020.6.26.0227 - Cotia - SÃO PAULO

 

RELATOR(A): MAURICIO FIORITO

RECORRENTE: ROGERIO CARDOSO FRANCO

Advogado do RECORRENTE: GUSTAVO GOLDONI BARIJAN - SP0425621

RECORRIDOS: WELINGTON APARECIDO ALFREDO, ADILSON EUGENIO DE LIMA, MARCOS ROBERTO BUENO MARTINEZ, VALTER APARECIDO DE JESUS

Advogados dos RECORRIDOS: JEFFERSON DENNIS PEREIRA FISCHER - SP0336091, VILMA SALES DE SOUSA SILVA - SP0264650


 


EMENTA

 

RECURSO ELEITORAL – ELEIÇÕES 2020 – Ação de Investigação Judicial Eleitoral – uso indevido dos meios de comunicação social – Sentença extintiva do feito, sem resolução do mérito – Fatos narrados e apontamento de indícios mínimos que, em tese, podem configurar a prática de uso indevido dos meios de comunicação social – Gravidade e veracidade dos fatos a serem apuradas e apreciadas como matérias de mérito da ação, em momento processualmente previsto – Exordial que preenche os requisitos estabelecidos pelos artigos 319, do Código de Processo Civil, e 22, caput, da Lei Complementar nº 64/90 – Necessidade de abertura de dilação probatória, em observância ao devido processo legal – Sentença extintiva anulada – Recurso provido, com determinação de retorno dos autos à instância de origem para o regular processamento do feito em seus ulteriores termos.

 

 


Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM, os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, por votação unânime, em dar provimento ao recurso para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à instância de origem. 

Assim decidem nos termos do voto do(a) Relator(a), que adotam como parte integrante da presente decisão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Paulo Sérgio Brant de Carvalho Galizia (Presidente), Silmar Fernandes e Luís Paulo Cotrim Guimarães; e dos Juízes Mauricio Fiorito, Afonso Celso da Silva, Marcelo Vieira de Campos e Marcio Kayatt.

 



São Paulo, 23/05/2022

MAURICIO FIORITO

Relator(a)

 

 

 

 

 

 

 

Documentos Selecionados

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso eleitoral interposto por Rogério Cardoso Franco em face da sentença que, em ação de investigação judicial eleitoral ajuizada contra Weligton Aparecido Alfredo, Marcos Roberto Bueno Martinez, Adilson De Lima e Valter Aparecido De Jesus, relativa ao abuso dos meios de comunicação social, julgou o feito extinto sem julgamento do mérito (IDs 42804851 e 42805151).

 

Sustenta o recorrente, em síntese, que “Da leitura da inicial, e de todas as provas que a instruem, verifica-se a intensão dos Recorridos de promover a desordem informacional, com mentiras e falseamentos de informações, bem como para divulgar favoravelmente a campanha de candidato a prefeito opositor ao Recorrente. Dentre os abusos, verificou-se a utilização do periódico para divulgar versões de fatos desfavoráveis ao Recorrente e favoráveis aos Recorridos, o uso de denúncias falsas aos órgãos responsáveis para arquitetura de fatos políticos, o falseamento de decisões proferidas pela Justiça Eleitoral, bem como a distribuição inusual da modalidade física do periódico em período pré-eleitoral.”  (ID 42805401 – fl. 03)

 

Pugna, em suma, pelo provimento do recurso com a consequente devolução dos autos ao primeiro grau para a correta instrução do feito (ID 42805401).

 

Recurso respondido (ID 42805701).

 

A douta Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do reclamo (ID 50924251).

 

Após, os autos foram remetidos à origem ante a ausência de citação dos recorridos Valter Aparecido de Jesus e Marcos Roberto Bueno Martinez (ID 52099251), tendo estes juntado manifestação (ID 63290451 e 63290701).

 

Nova vista foi dada a douta Procuradoria Regional Eleitoral que reiterou o parecer anteriormente exarado nos autos (ID 64003059).

 

Visto até o ID 64003059.

 

É O RELATÓRIO.

 


 

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

GABINETE DO RELATOR MAURICIO FIORITO 

 

 

REFERÊNCIA-TRE

: 0600525-98.2020.6.26.0227

PROCEDÊNCIA

: Cotia -  SÃO PAULO

RELATOR

: MAURICIO FIORITO 

 

RECORRENTE: ROGERIO CARDOSO FRANCO
RECORRIDO: JUSTIÇA ELEITORAL

 

 

 

VOTO nº 2064

 

FUNDAMENTO.

 

Inicialmente, de rigor o não conhecimento das contrarrazões apresentadas por Welington Aparecido Alfredo e Adilson de Lima (IDs 42805651, 63289751 e 63291101), nos termos do § 2°, inciso II, do artigo 76 do Código de Processo Civil, posto que, mesmo intimados para regularizar as representações processuais (IDs 64006029 e 64009744) os recorridos deixaram de apresentar manifestação no prazo designado para tanto (ID 64016400).

 

Pois bem.

 

O artigo 22, caput e inciso I, alínea c, da Lei Complementar nº 64/90, estabelece caber ao autor, ao propor a ação de investigação judicial, relatar fatos e indicar na exordial as provas, indícios e circunstâncias hábeis a ensejar apuração do imputado uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, podendo ser indeferida desde logo a inicial, quando não for o caso de representação ou lhe faltar algum requisito da aludida lei complementar.

 

Cinge-se a controvérsia recursal ao suposto abuso dos meios de comunicação social praticado pelos recorridos com o nítido caráter de prejudicar o ora recorrente, consistente na publicação de reportagens com o intuito de beneficiar os candidatos a prefeito e vice-prefeito, Welington Aparecido Alfredo e Adilson de Lima, em detrimento do recorrente, atual Prefeito de Cotia e candidato a reeleição.

 

Segundo consta da inicial os recorridos Valter e Marcelo Roberto, por serem editores do periódico virtual Repórter Regional, e interessados na vitória dos candidatos a Prefeitura supramencionados, não mediram esforços para achincalhar o recorrente perante os eleitores de Cotia, se utilizando de notícias verídicas ou não para desmoralizá-lo perante a opinião pública.

 

Aduz o recorrente que referidas publicações foram realizadas no período pré-campanha e, posteriormente no período previsto para a própria campanha eleitoral, tendo o periódico sido distribuído de forma impressa e gratuita no município de Cotia e, constando de sua capa notícia de reportagem sobre o plano de governo do recorrido candidato à prefeitura Wellington bem como notícia desabonadora em relação ao atual prefeito ora recorrente.

 

Defende o recorrente que tais condutas estão em desacordo com a legislação eleitoral, em patente abuso e uso indevido dos meios de comunicação social.

 

O MM. Juízo de primeiro grau, por sua vez, entendeu não ser caso de ajuizamento de ação investigação judicial eleitoral e a indeferiu de plano, julgando o feito extinto, sem julgamento do mérito, tendo em vista que dos fatos narrados na inicial “não se verifica um ato de abuso que ultrapasse o direito fundamental da liberdade de voto, restringindo-se, portanto, a esfera do âmbito de propaganda irregular” (ID 42804851).

 

Contudo, tributado o devido respeito, verifica-se que a inicial preenche os requisitos formais estabelecidos pelo artigo 319, do Código de Processo Civil, e pelo artigo 22, caput, da Lei Complementar nº 64/90, tendo satisfatoriamente descrito os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, abordado as circunstâncias do imputado ilícito eleitoral e indicado as provas que pretende produzir, de modo a possibilitar aos representados o pleno exercício do direito de defesa e do contraditório.

 

Ademais, não há se cogitar de ausência de interesse de agir na hipótese, eis que patentes a utilidade e adequação da demanda em tela, que pode ser proposta por qualquer partido político, coligação, candidato ou pelo Ministério Público Eleitoral.

 

Por outro lado, os fundamentos declinados na respeitável sentença recorrida divergem da orientação firmada pelo Excelso Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que o indeferimento da inicial da ação de investigação judicial eleitoral é medida excepcional, justificada apenas quando inexistentes elementos mínimos da prática do ilícito imputado, sob pena de malferir ou mitigar os princípios do devido processo legal e da efetiva prestação jurisdicional.

 

Nesse sentido:

 

"ELEIÇÃO 2010. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. CONDUTA VEDADA. USO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA COM FINALIDADE  ELEITORAL. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INICIAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS. INDEFERIMENTO. 1. A posição minimalista não autoriza o julgador a malferir o devido processo legal e a negar a efetiva prestação jurisdicional. 2. No Direito Eleitoral, as regras de proteção aos direitos individuais do cidadão cedem espaço à atuação estatal, pois há que se avistar a natureza coletiva dos bens jurídicos tutelados pelas ações eleitorais, notadamente no caso sub examine, em que, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, busca-se manter a igualdade na disputa eleitoral e proteger a legitimidade e normalidade das eleições. 3. ‘Consoante a jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, o abuso do poder político caracteriza-se quando determinado agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros’ (AgR-REspe nº 833-02/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 19.8.2014). 4. Em casos assemelhados ao dos autos, juízes e tribunais eleitorais vêm entendendo, ‘ad cautelam’, a necessidade de abertura de dilação probatória, admitindo-se o indeferimento da inicial com base no princípio do livre convencimento apenas em casos excepcionais. 5. Os fatos narrados na petição inicial configuram, em tese, a prática de abuso do poder político, cabendo ao julgador certificar-se, por meio de ampla instrução probatória, que o plano fático, substrato para sua decisão, é o mais próximo da verdade real.  6. Para que a petição inicial seja apta, basta que se leve ao conhecimento da Justiça Eleitoral indícios mínimos da prática de ilícito. A análise da veracidade e da gravidade dos fatos configura análise do mérito. 7. Recurso ordinário provido para receber a petição inicial e determinar ao Tribunal a quo o prosseguimento do feito.” (RO nº 466997, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE 03.10.2016).

 

Da análise da exordial e dos documentos que a acompanham, verifica-se que as condutas narradas e indícios apresentados são, ao menos em tese, hábeis a configurar a prática de utilização indevida de veículos de comunicação social.

 

Ademais, cabendo ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de sua pretensão, o órgão judicial deve assegurar-lhe todas as possibilidades de se desincumbir do encargo, se, como no caso, existem indícios a amparar o pedido deduzido em juízo, pois o direito de provar descende da garantia da ação e, como preleciona Flávio Yarchell, “...seria realmente um contrassenso reafirmar que o demandante tem o ônus da prova, mas limitar indevidamente sua atividade probatória ” (in “O Direito Eleitoral e o Novo Código Civil”, Ed. Fórum, 2016, pág. 276).

 

Conforme pacificado pela jurisprudência do Excelso Tribunal Superior Eleitoral, a utilização indevida dos meios de comunicação social, é caracterizada por toda e qualquer ação voltada à promoção massiva de determinados candidatos, em detrimento de outros, com quebra do princípio da isonomia.

 

Ora, nos termos do artigo 22, caput, da Lei Complementar nº 64/90, para a propositura de ação de investigação judicial eleitoral, exige-se tão somente a indicação de provas, indícios e circunstâncias que poderão comprovar o ilícito imputado.

 

As questões pertinentes à gravidade e veracidade dos fatos, assim como se na hipótese as ações extrapolaram ou não o direito à liberdade de manifestação do pensamento e da comunicação estão diretamente afetas à análise e ao pronunciamento sobre o mérito da demanda, após a observância ao devido processo legal, como dito alhures, no momento processual adequado.

 

Há, no que importa à presente etapa procedimental, aparente justa causa para a abertura de investigação judicial por meio da presente ação, cujo escopo é resguardar a igualdade da disputa eleitoral e proteger a legitimidade e normalidade das eleições.

 

É o suficiente.

 

DECIDO.

 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso interposto para anular a respeitável sentença recorrida, e determino o retorno dos autos à instância de origem, para o prosseguimento do feito em seus ulteriores termos.

 

 

MAURICIO FIORITO

Relator