TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

ACÓRDÃO

 


RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600360-28.2020.6.26.0073 - Mococa - SÃO PAULO

 


RELATOR(A): AFONSO CELSO DA SILVA



RECORRENTES: PARTIDO LIBERAL - PL - MUNICÍPIO DE MOCOCA, MARTINHO CARLOS COLPANI FILHO

Advogado do(a) RECORRENTE: HUGO ANDRADE COSSI - SP0110521

 


RECORRIDA: JUSTIÇA ELEITORAL



 


EMENTA

 

RECURSO EM PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020.

Omissão de despesas nas contas parciais que não inviabilizou o objetivo das prestações de contas, que é permitir não apenas o controle legal dos gastos pelos Tribunais Eleitorais, mas também pelos demais candidatos e pelo eleitor.

No caso “sub examine”, tem-se que, à luz dos critérios de valor individualmente considerado, proporção em relação às contas finais e quantidade de gastos realizados/doações recebidas, a omissão de informações na prestação de contas parcial revela falha que, considerada no contexto das contas, permitem sua aprovação.

Recurso provido para aprovar as contas com ressalvas

 

 

 


Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM, os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, por votação unânime, em dar provimento ao recurso para aprovar as contas com ressalvas e afastar a determinação de suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário. 

Assim decidem nos termos do voto do(a) Relator(a), que adotam como parte integrante da presente decisão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Paulo Sérgio Brant de Carvalho Galizia (Presidente), Silmar Fernandes e Sérgio Nascimento; e dos Juízes Mauricio Fiorito, Afonso Celso da Silva e Marcio Kayatt.

 



São Paulo, 30/11/2022



AFONSO CELSO DA SILVA

Relator(a)

 

 

 

 

Documentos Selecionados

 

RELATÓRIO

 

Vistos.

 

O PARTIDO LIBERAL – PL – MUNICÍPIO DE MOCOCA, recorre contra a r. sentença que desaprovou as suas contas de campanha, relativas às eleições de 2020, e determinou a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário por 8 (oito) meses (ID 58294201).

Alega o recorrente (ID 37953801), em síntese, que:

- tais despesas foram declaradas, contratadas e quitadas até o dia 20.10.2020, contudo, não foram informadas na prestação de contas parcial, afrontando os termos contidos nos artigos 47, §§ 4º., 6º., e 7º. Da Resolução 23.607/2019 c.c. o artigo 7º. IV, da Resolução TSE 23.624/2020;

- apesar das contas não terem sido apresentadas na prestação de contas parcial O FORAM NO PRAZO DE 72 HORAS e portanto, se alguma irregularidade houve foi sanada no prazo de 72 horas;

- não houve dolo ou má fé;

- A IRREGULARIDADE não é grave, o valor é ínfimo (apenas R$870,00) e, desta forma, com base nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade (artigo 5º., da CF88) as contas deveriam ter sido aprovadas com ressalvas, conforme demonstra o seguinte julgado do TRE-SP;

Requer, ao final, o provimento do recurso e a consequente aprovação das contas, com ou sem ressalvas.

O setor técnico deste Tribunal se manifestou pela persistência da irregularidade, destacando que se trata de irregularidade de natureza grave, demonstrando que as contas prestadas parcialmente não refletiram a efetiva movimentação de recursos, cuja consequência sobre o exame de regularidade das contas deve ser apurada na oportunidade do julgamento da prestação de contas final (ID 64092813).

A douta Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo não provimento do recurso (ID 64108621).

É o relatório.


 

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

GABINETE DO RELATOR AFONSO CELSO DA SILVA 

 

 

REFERÊNCIA-TRE

: 0600360-28.2020.6.26.0073

PROCEDÊNCIA

: Mococa -  SÃO PAULO

RELATOR

: AFONSO CELSO DA SILVA 

 

RECORRENTE: PARTIDO LIBERAL - PL - MUNICÍPIO DE MOCOCA, MARTINHO CARLOS COLPANI FILHO

RECORRIDA: JUSTIÇA ELEITORAL

 

 

 

VOTO 4260

 

As presentes contas foram desaprovadas em razão da omissão de despesas no valor total de R$ 870,00 (oitocentos e setenta reais).

A falha foi assim apontada no parecer conclusivo de primeiro grau (ID 58293901).

2. 6. (Item 13.10 do PTE) – Trata-se de item que compara as prestações de contas final e parcial, e partir desse batimento foi possível notar que houve omissão de 9 (nove) doações, que perfizeram um valor na monta de R$ 1.009,33 (mil e nove reais e trinta e três centavos) na prestação parcial de contas, valores que deviam ser declarados nessa prestação e não foram.

Mas nesse momento, devemos atentar para a regra do artigo 7º, da Resolução TSE 23.624/2020, que ao adaptar os prazos da Resolução TSE 23.607/2019 (diploma normativo original sobre prestação de contas das Eleições de 2020), estabeleceu, em seu artigo 7º, inciso V, que as movimentações financeiras (receitas e despesas) que deveriam constar na prestação de contas parcial eram as realizadas até o dia 20 de outubro de 2020.

Mas além disso, aquelas despesas que foram declaradas em data anterior, mas cujo pagamento foi realizado após o dia 20/10/2020 (data limite de movimentação financeira que deve constar na prestação parcial), devem ser desconsideradas como aptas a gerar vício na presente prestação.

Isso devido ao fato, s.m.j, de não haver prejuízo ao controle social da prestação, e muito menos à possibilidade de fiscalização da Justiça Eleitoral, que são exatamente os escopos a que a norma do artigo 47, § 6º, da Resolução 23.607/20219 visa a atingir ao estabelecer a obrigatoriedade da entrega da prestação parcial de contas, quando os pagamentos de tais despesas não ocorreram até o prazo para informação na prestação parcial, exatamente por não haver dispêndios de valores e movimentação financeira de fato.

Ademais, para tais despesas em que o pagamento foi feito posteriormente ao prazo em que se deve declarar movimentação de recursos na parcial, será dada nova oportunidade de controle social sobre tais despesas, que é exatamente na prestação de contas final, que é pública.

Aplicando esse raciocínio, dos nove gastos apontados como irregulares no PTE, devemos nos ater a apenas seis deles, em que a declaração na prestação da realização da despesa foi anterior a 20/10/2020, e também sua quitação, conforme análise da peça “Demonstrativo de Despesas Efetuadas” (Id 75818731), e dos extratos bancários eletrônicos, obtidos no Sistema SPCEWEB e juntados aos autos pela serventia eleitoral (Id 86959335).

Nesse sentido, quatro despesas de R$ 120,00 (cento e vinte reais) cada, uma de R$ 170,00 (cento e setenta reais) e outra de R$ 50,00 (cinquenta reais), devem ser levadas em conta, doravante, na análise do impacto da irregularidade da omissão de gastos na prestação parcial de campanha, pois apenas essas despesas cumpriram o duplo requisito aqui discorrido: declaradas e quitadas antes de 20/10/2020.

E aqui de fato há um impacto negativo na possibilidade de controle social, político, sendo subtraídas informações dos outros partidos políticos e candidatos no pleito, sobre tais gastos do Partido Liberal de Mococa, o que impossibilita o manejo de ações eleitorais decorrentes de tais despesas, e acaba também por impedir a possibilidade de fiscalização da Justiça Eleitoral sobre essas informações de despesas.

E o valor, um total de R$ 870,00 (oitocentos e setenta reais), é substancial para ser desprezado, pois tal valor que deveria ter sido declarado na prestação de contas parcial e não o foi, representa de 10% (dez por cento) do total arrecadado e gasto na prestação, sendo um valor substancial para se desprezar, sendo inviável, portanto a aplicação dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, insignificância ou bagatela, para desconsiderá-lo.

Intimado, o partido político afirmou que as despesas foram posteriores a data da parcial e que houve ERRO DE DIGITAÇÃO no envio da prestação de contas (ID 58293451).

Em sede recursal, a agremiação alega que apesar das contas não terem sido apresentadas na prestação de contas parcial O FORAM NO PRAZO DE 72 HORAS e portanto, se alguma irregularidade houve foi sanada no prazo de 72 horas (...) foi um erro da contadora, que acabou apresentação as despesas dentro do prazo de 72 horas e não na declaração parcial.

Extrai-se dos autos que o demonstrativo de despesas efetuadas, relativo as contas parciais, foi encaminhado sem qualquer movimentação (ID 58289251), em que pese tenham existido  despesas contratadas e pagas antes da data de envio (ID 58290301).

Embora o partido afirme a ocorrência de erro de digitação, pela documentação acostada aos autos é possível verificar que as referidas despesas foram, de fato, contratadas em 9.10.2020 e deveriam constar das contas parciais.

Exemplificativamente a contratação de SERGIO CRISOVAO DA SILVA DIAS[1], com JOSIANA BARABARA RIBEIRO[2], com CELSO ROBERTO BERZOTI[3] e BRUNA RODRIGUES DA SILVA[4], entre outras.

Cumpre destacar que eventual encaminhamento de relatório financeiro não supre a falta da parcial, vez que este abarca apenas as receitas financeiras recebidas (conforme artigo 47, I da Resolução TSE n° 23.607/19).

O objetivo das prestações parcial e dos relatórios financeiros é permitir não apenas o controle legal dos gastos pela Justiça Eleitoral, mas também pelos demais candidatos e pelo eleitor, viabilizando, inclusive, a tempo e modo, a responsabilização por eventuais ilicitudes que possam justificar o ajuizamento de ações para a apuração de abuso de poder econômico e arrecadação ou gastos ilícitos de campanha.

Não se defende aqui, convém consignar expressamente, que toda e qualquer ausência de envio de relatórios financeiros de recursos arrecadados e de omissão em contas parciais devem ensejar a reprovação das contas.

Entretanto, há a necessidade de que sejam estipulados critérios para aferir se, neste ou naquele caso, se trata ou não de mera falha formal, tendo em vista a necessidade de transparência na campanha eleitoral, seus gastos e despesas, de forma a permitir que a realidade do que faz o candidato apareça em sua inteireza, coibindo-se o secreto.

Lembra Viviane Macedo Garcia[5] que a transparência eleitoral não é apenas uma exigência formal do processo eleitoral, mas elemento necessário à construção de uma democracia estável, sendo certo que ela não existe sem prestação de contas dos recursos empregados.

Pondera, ainda, a citada jurista que: A destinação do expressivo montante de recursos públicos a campanhas eleitorais exige maior transparência dos gastos realizados em campanha e aprimoramento dos instrumentos de “accountability”[6].

O envio de relatórios financeiros de campanha e a prestação de contas parcial constituem, pois, importantes instrumentos de transparência e controle não só pela Justiça Eleitoral, como pela sociedade.

A propósito, discorre Edson de Resende Castro[7]:

Então, essa obrigação – de divulgação de contas parciais em setembro no sítio eletrônico da Justiça Eleitoral e disponibilização das doações quase em tempo real – é mais um passo na direção da transparência das campanhas (leia-se informação), exatamente porque possibilita aos eleitores saber como estão o financiamento e os gastos de campanha de cada um dos candidatos. Não se trata de mais um mero expediente a ser exigido dos candidatos, uma quase formalidade, porque desta feita a informação é lançada diretamente aos olhos do eleitor, evidenciando-se a intenção do legislador de publicizar os bastidores da campanha até então guardados à intimidade.

[...]

Parece-nos apressado e irrefletido dizer, como já se vê em alguns julgados, que a inobservância dessa regra é irregularidade sem consequências, pelo só fato de o dispositivo legal em comento (art. 28, § 4º, da Lei 9.504/97) estar desacompanhado de sanção específica.

A Resolução TSE n. 23.406/2014, tratando da arrecadação e gastos e prestação de contas para as eleições de 2014, sinalizou para uma mudança de postura da Corte quanto à repercussão, no julgamento das contas finais, da não apresentação das parciais de agosto e setembro (à época eram duas parciais e agora é apenas uma, em setembro) e mesmo da insubsistência das informações, quando estabeleceu que “a ausência de prestação de contas parcial caracteriza grave omissão de informação, que poderá repercutir na regularidade das contas finais” (art. 36, § 1º) e que “a prestação de contas parcial que não corresponda à efetiva movimentação de recursos ocorrida até a data da sua entrega, caracteriza infração grave, a ser apurada no momento do julgamento da prestação de contas final” (art. 36, § 2º).

Para as eleições de 2016, a Resolução TSE n. 23.463/2015, art. 43, §§ 6º e 7º, manteve a disposição. E a Resolução TSE n. 23.553/2017, tratando da matéria para as eleições de 2018, consignou a mesma advertência no art. 50, § 6º.

[...]

Na verdade, o que a lei instituiu foi a obrigação de prestar contas durante a campanha eleitoral e, mais importante, diretamente aos que delas devem se inteirar (os eleitores) para, como dito, decidir sobre o voto. Só isso já é o suficiente para se afastar qualquer tentativa de desqualificação destas contas parciais e das informações disponibilizadas diariamente, porque não se concebe que as contas finais apresentadas à Justiça Eleitoral, depois das eleições, sejam mais importantes que aquelas acessíveis aos eleitores durante a campanha, divulgadas na Internet. 

Enquanto as contas levadas à Justiça Eleitoral abrem oportunidade ao exame de sua adequação à legislação – o que é sem dúvida importante instrumento de detecção de ilícitos, inclusive para subsidiar eventuais ações eleitorais por abuso de poder ou movimentação ilícita de recursos de campanha –, as parciais de setembro e as informações diárias que se dirigem ao eleitor têm como objetivo tornar consciente o exercício do voto e legítimos substancialmente os resultados consagrados nas urnas, afirmando-se a democracia como governo do povo (os destaques não constam do original).

No caso dos autos, observo que foram omitidas seis despesas, dentre as 16 contratadas, com valor nominal de R$ 870,00 (oitocentos e setenta reais), que representa 12,87% do total das despesas contratadas (R$ 6.756,48 – ID 58290301).

Sob um segundo aspecto, depreende-se que o montante de R$ 870,00 (oitocentos e setenta reais), auferido pelo recorrente durante o período destinado à apuração das parciais, não tem o condão de gerar a desaprovação, tendo em vista o seu pequeno valor absoluto, seja por representar percentual baixo em relação ao montante total de despesas.

Nesse sentido cito precedente desta C. Corte, nos autos nº 0600345-59.2020.6.26.0073, de minha relatoria, julgado na sessão do dia 03/02/2022:

RECURSO EM PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. Omissão de despesas nas contas parciais que não inviabilizou, “in casu” o objetivo das prestações de contas, que é permitir não apenas o controle legal dos gastos pelos Tribunais Eleitorais, mas também pelos demais candidatos e pelo eleitor.     No caso “sub examine”, tem–se que, à luz dos critérios de valor individualmente considerado, proporção em relação às contas finais e quantidade de gastos realizados/doações recebidas, a omissão de informações na prestação de contas parcial revela falha que, considerada no contexto das contas, permitem sua aprovação. Recurso provido para aprovar as contas. (RECURSO ELEITORAL nº 060034559, Acórdão de minha relatoria, Publicação em 11.02.2022).

Portanto, tem-se que, à luz dos critérios de valor individualmente considerado, proporção em relação às contas finais e quantidade de gastos realizados/doações recebidas, a omissão de informações na prestação de contas parcial revela falha que, considerada no contexto das contas, permitem sua aprovação.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso para aprovar as contas com ressalvas e afastar a determinação de suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário.

 

Afonso Celso da Silva

Juiz do TRE-SP

 

[1]https://spce.tse.jus.br/spce2016.portal/relatorios_spce/downloadDocumentoSitdoc.action?codProcessamentoLote=1078532&nmArquivoEntregaMidia=DESP_57_09102020_30950670898.pdf

[2] https://sitdoc.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=76cacc4c-7d71-4b39-97c7-41811bb68707&inline=true

[3] https://sitdoc.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=f723e6df-92ff-402b-97a1-4e9014e4d59e&inline=true

[4] https://sitdoc.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=a9965bfb-bd9b-49bc-99f3-b851be3fbaca&inline=true

[5] Financiamento e prestação de contas, Viviane Macedo Garcia, in Tratado de Direito Eleitoral, tomo 5, p. 159 e seguintes, Ed. Fórum, 2018).

[6] Ob. cit., p. 164.

[7] CASTRO, Edson de Resende. Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 519 a 520.