TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA
 
ACÓRDÃO N. 34611

RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600127-51.2020.6.24.0052 - ANITA GARIBALDI

RELATOR: JUIZ FERNANDO CARIONI

RECURSO ELEITORAL Nº 0600127-51.2020.6.24.0052
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDO: JOAO CIDINEI DA SILVA
ADVOGADO: LUCAS PAGNO BORGES - OAB/SC0056669

 

ELEIÇÕES 2016 – RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – CARGO DE PREFEITO – IMPUGNAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – DEFERIMENTO – REJEIÇÃO DE CONTAS – CÂMARA MUNICIPAL – CAUSA DE INELEGIBILIDADE (ART. 1º, I, “g”, DA LC N. 64/1990) – DELIBERAÇÃO LEGISLATIVA FUNDADA EM PARECER PRÉVIO DEFINITIVO DO TRIBUNAL DE CONTAS – RESPEITO AOS DITAMES CONSTITUCIONAIS – DECISÃO LEGÍTIMA E IRRECORRÍVEL – INEXISTÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL ANULANDO OU SUSPENDENDO OS EFEITOS DO DECRETO LEGISLATIVO – DESAPROVAÇÃO DECORRENTE DA INOBSERVÂNCIA DE LIMITES ORÇAMENTÁRIOS DE GASTOS PÚBLICOS ESTABELECIDOS PELA LEI COMPLEMENTAR N. 101/2000 – AUSÊNCIA DE COMPROMETIMENTO COM A RESPONSABILIDADE FISCAL – IRREGULARIDADES GRAVES E INSANÁVEIS – CONFIGURAÇÃO, EM TESE, DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DOLO GENÉRICO – INELEGIBILIDADE DEMONSTRADA – PROCEDÈNCIA DA IMPUGNAÇÃO – INDEFERIMENTO DA CANDIDATURA – PROVIMENTO.

Segundo firme entendimento jurisprudencial, a causa de inelegibilidade descrita pelo art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar n. 64/1990 exige para a sua configuração, “a presença dos seguintes requisitos: rejeição das contas pelo órgão competente; insanabilidade da irregularidade verificada; ato doloso de improbidade administrativa; irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas e inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas” (TSE, REspe n. 6085, Rel. Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 12/08/2019).

A rejeição da prestação de contas no exercício do cargo de Prefeito pela Câmara de Vereadores, em virtude de irregularidades envolvendo flagrante desrespeito aos limites orçamentários fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), é suficiente para tornar o candidato inelegível, notadamente porque “a inércia do gestor público em reduzir o déficit público, apesar de emitido alerta pelo Tribunal de Contas, evidencia o descumprimento deliberado das obrigações constitucionais e legais que lhes eram impostas” (TSE, RO n. 060076992, de 19/122018, Rel. Min. Edson Fachin).

 

ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conhecer do recurso e a ele dar provimento, para julgar procedente a impugnação e indeferir o pedido do registro de candidatura, nos termos do voto do Relator.

 Florianópolis, 20 de outubro de 2020.

JUIZ FERNANDO CARIONI, RELATOR

 

RELATÓRIO

Cuido de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra a decisão do Juiz da 52ª Zona Eleitoral, que deferiu o requerimento de registro de candidatura de João Cidinei da Silva para o cargo de Prefeito de Anita Garibaldi, julgando improcedente a ação de impugnação do recorrente, proposta sob o fundamento de que o candidato incidiria na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar n. 64/1990.

Na sentença, o Juiz Eleitoral expôs a seguinte argumentação (ID 6170055):

No caso dos autos, apesar de existir um parecer do TCE opinando pela rejeição das contas, o próprio Tribunal entendeu prudente que o julgamento, pela Câmara, fosse suspenso, diante da possibilidade de reanálise do parecer em virtude da interposição de recurso (pedido de reapreciação).

Assim, entende-se que a Câmara agiu, s. m. j., equivocadamente ao prosseguir com o julgamento, baseando-se em parecer que pode vir a ser modificado e mesmo após o pedido de suspensão do julgamento pelo Tribunal de Contas.

[...]

Oportuno salientar que não compete ao juízo eleitoral decidir acerca da tempestividade ou não do pedido de reapreciação apresentado perante o TCE/SC, devendo ser aguardada a manifestação daquele Tribunal, detentor da competência para decidir a respeito.

Aliás, em consulta ao regimento interno do TCE/SC, observa-se a expressa possibilidade de formulação de pedido de reapreciação pelo Prefeito, prevendo, ainda, que “Se o Prefeito ou a Câmara apresentarem Pedido de Reapreciação nos respectivos prazos, o processo será encaminhado ao órgão de controle competente para exame das preliminares de admissibilidade e análise de mérito” (art. 93, § 1º).

Assim, deve ser aguardada a decisão do Tribunal, sobre a qual não pode o juízo eleitoral imiscuir-se quanto ao acerto ou desacerto da decisão (nesse sentido, ver súmula n. 41 do TSE).

[...]

Diante de todo o exposto, conclui-se pela ausência de um dos requisitos para a declaração da inelegibilidade do interessado, qual seja: a decisão irrecorrível do órgão competente, eis que resta pendente de análise, pelo TCE/SC, recurso que pode (ou não) modificar o entendimento inicialmente manifestado pelo Tribunal.

[...]

Compulsando os autos, verifico que durante a tomada de contas pelo Tribunal, foram constatadas irregularidades nas contas da gestão do Sr. Prefeito João Cidinei da Silva e seu vice, Aires Tadeu Ramos Furtado, que assumiu a gestão da Prefeitura Municipal no período de 23/08//2018 a 17/12/2018.

O Tribunal de Contas do Estado rejeitou as constas e as julgou irregulares, mas não afirmou que tais irregularidades seriam de cunho insanável, nem mesmo que seriam configuradoras de ato doloso de improbidade administrativa.

[...]

Nesses termos, por não haver prova de que as irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas do Estado foram praticadas, com dolo e de forma insanável, por João Cidinei da Silva, deve a impugnação formulada ser rejeitada.

Em sua peça recursal, o Promotor Eleitoral aduz, de forma sintética, que: a) “o TCE/SC apreciou sim as contas de 2018 e emitiu seu parecer prévio, o qual transitou em julgado. Foi a própria secretaria do TCE/SC quem certificou o trânsito em julgado da decisão colegiada e comunicou à Câmara de Vereadores; b) “se existiu irregularidade, não se deu ela na apreciação ou no julgamento das contas, e sim na decisão monocrática, a qual, sem sequer apreciar a (in)tempestividade do ‘recurso’ apresentado, sugeriu à Câmara de Vereadores que suspendesse o julgamento. Tal decisum, ao ver do MPE, ofende não apenas o trânsito em julgado da decisão exarada pelo colegiado do TCE/SC, mas também tenta impedir que a Câmara de Vereadores exerça seu dever constitucional, qual seja, o de julgar as contas do Poder Executivo Municipal; c) “os argumentos sustentados pela defesa – e acatados pelo Juízo – sequer são passíveis de discussão na seara eleitoral. É o TCE quem aprecia e a Câmara quem julga as contas, sendo vedado à Justiça Eleitoral avaliar/calcular os déficits apurados e verificar se seriam, ou não, passíveis de saneamento”; d) “o quórum de rejeição das contas, por parte da Câmara de Vereadores, foi qualificado (2/3 – dois terços), ou seja, poderia inclusive ter modificado entendimento exarado pelo TCE – o que não é o caso dos autos, dado que tal entendimento foi simplesmente mantido!”; e) “se após o trânsito em julgado, nem o Plenário do TCE/SC poderia impedir que a Câmara julgasse as contas em definitivo, com muito menos razão se poderia fazê-lo por meio de decisão monocrática”; e f) “há farta Jurisprudência [...] no sentido de que as irregularidades aferidas no presente caso – descumprimento à LRF – configuram ato doloso de improbidade administrativa, inclusive para fins da inelegibilidade prevista na alínea 'g' do art. 1º da LC nº 64/90”. Requer o conhecimento e o provimento do recurso, a fim de ser reformada a sentença para julgar procedente a impugnação e, por conseguinte, indeferir o requerimento de registro de candidatura de João Cidinei da Silva para concorrer ao cargo de Prefeito do Município de Anita Garibaldi pelo Partido Liberal – PL (ID 6170305).

Contrarrazões do recorrido pugnando pela manutenção da decisão, ao argumento, em síntese, de que: a) “a Câmara de Vereadores da Comarca de Anita Garibaldi-SC não seguiu o devido processo legal no julgamento das contas do impugnado, pois fundamentaram a sua decisão com base no parecer prévio inicial do Tribunal de Contas Estadual”; b) houve a interposição de recurso de reapreciação de contas, tendo o Tribunal de Contas informado à Câmara Municipal para manter suspenso o julgamento relacionado ao parecer prévio das contas do exercício de 2018 até que fosse definitivamente decidida a matéria relacionada à tempestividade do referido recurso; c) o nome do impugnado não consta da lista dos gestores com contas rejeitadas remetida pelo Tribunal de Contas ao Tribunal Regional Eleitoral; d) “não compete ao juízo eleitoral decidir acerca da tempestividade ou não do pedido de reapreciação apresentado perante o TCE/SC, devendo ser aguardada a manifestação daquele Tribunal, detentor da competência para decidir a respeito”; e) “não houve infringência à Súmula nº 41 do Tribunal Superior Eleitoral e nem sequer ao Princípio da Separação de Poderes, porque não poderia a Câmara de Vereadores da Comarca de Anita Garibaldi-SC ter julgado as contas do recorrido, uma vez que há recurso pendente de análise pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina”; f) “a certificação de trânsito em julgado informada pelo Ministério Público Eleitoral foi emitida de forma equivocada pela Secretaria do Tribunal de Contas, pois o Recorrido não foi notificado até o momento, ou seja, nem sequer iniciou o transcurso do prazo para interposição do Recurso”; g) “não é o caso de cometimento de ato de improbidade, uma vez que todas as irregularidades em suas contas foram sanadas, bem como não houve dolo e nem sequer culpa por parte do impugnado e inexiste má-fé”; e h) “não restou comprovada a existência de vontade consciente do gestor em beneficiar terceiros, em prejuízo ao erário, ao contrário, vem agindo de boa-fé para honrar com as contas deste Município” (ID 6170705).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso, “indeferindo-se o registro de candidatura a Prefeito do apelado e, em decorrência, o do respectivo Vice-Prefeito que integra a mesma chapa majoritária” (ID 6324655).

 

VOTO

O SENHOR JUIZ FERNANDO CARIONI (Relator):

1. Por ser tempestivo e preencher os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. A respeito do mérito, os autos demonstram que o registro de candidatura do recorrido foi impugnado pelo Ministério Público Eleitoral, com fundamento na inelegibilidade prevista no art. 1°, I, “g”, da Lei Complementar n. 64/1990, alterado pela Lei Complementar n. 135/2010, o qual prevê:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

De acordo com o impugnante, a inelegibilidade restaria configurada em razão da decisão proferida pela Câmara de Vereadores de Anita Garibaldi, em sessão ordinária realizada em 19.08.2020, que rejeitou a prestação de contas do Município, relativas ao exercício de 2018, então chefiada pelo candidato recorrido (Decreto Legislativo n. 274/2020 – ID 6168205, p. 45).

Ocorre que nem toda desaprovação de contas torna impositiva o reconhecimento da referida causa de inelegibilidade, exigindo-se, para a sua configuração, “a presença dos seguintes requisitos: rejeição das contas pelo órgão competente; insanabilidade da irregularidade verificada; ato doloso de improbidade administrativa; irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas e inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas” (TSE, REspe n. 6085, Rel. Min. Edson Fachin, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 12/08/2019).

A partir dessa premissa jurisprudencial, examino a situação fática dos autos, a fim de apurar se restam preenchidos ou não os pressupostos exigidos para a incidência do óbice legal.

I) Rejeição das contas pelo órgão competente

No âmbito municipal, a atribuição fiscalizatória sobre as contas do prefeito compete exclusivamente ao Poder Legislativo, restringindo-se a atuação do Tribunal de Contas à emissão de parecer prévio, consoante dispõe o art. 31 da Constituição Federal:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese, com repercussão geral – e, portanto, vinculante –, de que “o parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo” (STF, RE 729744, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2016, DJe-186 de 23/08/2017).

Esse posicionamento tem orientado os julgados do Tribunal Superior Eleitoral no exame da inelegibilidade em análise, a teor do que revela a ementa abaixo transcrita:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. DEFERIDO. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. INELEGIBILIDADE AFASTADA PELA CORTE REGIONAL. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. PARECER MERAMENTE OPINATIVO. REJEIÇÃO DE CONTAS. COMPETÊNCIA. CÂMARA MUNICIPAL. CONTAS APROVADAS.  IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N° 24/TSE. DESPROVIMENTO.

1. A Câmara Municipal, e não a Corte de Contas, é o órgão investido de competência constitucional para processar e julgar as contas do chefe do Executivo, sejam elas de governo ou de gestão, ante o reconhecimento da existência de unicidade nesse regime de contas prestadas, ex vi dos arts. 31, § 2º, 71, I, e 75, todos da Constituição (Precedente: STF, RE nº 848.826, repercussão geral).

2. A Câmara Municipal ostenta a prerrogativa constitucional de pronunciar-se, em sede de definitividade, acerca do resultado das contas prestadas pelo Chefe do Executivo local, de sorte que a omissão na apreciação do parecer prévio exarado pelo Tribunal de Contas não autoriza a desaprovação (Precedente: STF, RE nº 729.744).

3. In casu, o acórdão regional está alinhado ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é necessário pronunciamento da Câmara Municipal, diante do caráter meramente opinativo do parecer do Tribunal de Contas. Assim, uma vez constatada a aprovação das contas do Recorrido pela Câmara de Vereadores, não há falar na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90.

[...]

5. Agravo regimental desprovido (TSE, REspenº 13522, Rel. Min. Luiz Fux, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 06/04/2017, Página 91 – grifei).

Nessa mesma toada, o entendimento firmado por este Regional:

- ELEIÇÕES 2014 - REGISTRO DE CANDIDATO - DEPUTADO ESTADUAL - TOMADA DE CONTAS ESPECIAL DE PREFEITO REJEITADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO - SUPOSTA INFRINGÊNCIA AO DISPOSTO NO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA G, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990

[...]

- PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO PARA JULGAR AS CONTAS DO PREFEITO DE MUNICÍPIO - COMPETÊNCIA DA CÂMARA DE VEREADORES PARA JULGAR TOMADA DE CONTAS - PRECEDENTES - IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO.

Para efeito da incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, compete exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas de gestão prestadas pelo chefe do Poder Executivo.

"A competência para o julgamento das contas de Prefeito é da Câmara Municipal, nos termos do art. 31 da Constituição Federal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, inclusive em casos em que o Prefeito atua como gestor ou ordenador de despesas" (RO n. 436006, de 08.11.2012, Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES). Somente "quando se tratar de contas atinentes a convênios, hipótese em que lhe compete decidir e não somente opinar (artigo 71, VI, da Constituição Federal)" (AR-REspe n. 2321, de 08.11.2012, Min. LAURITA HILÁRIO VAZ) [TRE-SC. Ac. n. 29.688, de 31.7.2014, Rel. Juiz Sérgio Baasch Luz].

- REQUISITOS LEGAIS PRESENTES - DEFERIMENTO.

Presentes os requisitos constitucionais de elegibilidade e atendidas às exigências previstas na Lei n. 9.504/1997 e na Resolução TSE n. 23.405/2014, impõe-se o deferimento do registro do candidato (TRE-SC. Ac. n 29899, de 05/08/2014, Rel. Juiz Carlos Vicente Da Rosa Góes - grifei).

Logo, por se tratar de prestação de contas anual do Município, não há dúvida de que a decisão de rejeição das contas em análise foi proferida pelo órgão constitucionalmente competente para tanto.

No ponto, cumpre examinar a alegação do recorrido, acolhida pela sentença, de que essa deliberação legislativa não seria legítima para restringir o direito de se candidatar, por se fundamentar em parecer prévio do Tribunal de Contas pendente de revisão.

A tese não tem plausibilidade jurídica.

Com efeito, não se discute que o reconhecimento da causa de inelegibilidade em questão necessita estar amparada em pronunciamento válido e eficaz, o qual pressupõe o necessário respeito ao devido processo legal, consoante corrobora a ementa a seguir:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. PREFEITO. INDEFERIMENTO. REJEIÇÃO DE CONTAS. DECRETO DA CÂMARA DOS VEREADORES. VÍCIOS ENSEJADORES DA DESAPROVAÇÃO QUE NÃO CONSTAM DO PARECER PRÉVIO EXARADO PELA CORTE DE CONTAS. ULTRAJE AO PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL. PARECER PRÉVIO QUE SE QUALIFICA JURIDICAMENTE COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE CONSTITUCIONAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS (CRFB/88, ART. 31, § 2º). INIDONEIDADE DO TÍTULO NORMATIVO APENAS E TÃO SOMENTE PARA EXAMINAR A EXISTÊNCIA IN CONCRECTO DOS ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA G, DA LC Nº 64/90. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. O art. 1º, inciso I, alínea g, do Estatuto das Inelegibilidades reclama, para a sua caracterização, o preenchimento, cumulativo, dos seguintes pressupostos fático-jurídicos: (i) o exercício de cargos ou funções públicas; (ii) a rejeição das contas pelo órgão competente; (iii) a insanabilidade da irregularidade apurada, (iv) o ato doloso de improbidade administrativa; (v) a irrecorribilidade do pronunciamento que desaprovara; e (vi) a inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto que rejeitara as contas.

2. A estrita observância às regras constitucionais sobressai como pressuposto procedimental de validade dos títulos normativos e administrativo (i.e., Decreto Legislativo ou aresto da Corte de Contas) para fins eleitorais, com vistas a autorizar o exame, em sede de impugnação de registro de candidatura, dos pressupostos fático-jurídicos encartados no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90.

3. O Decreto Legislativo, quando editado em dissonância com o “due process of law”, produz todos os seus efeitos jurídicos, dado que à Justiça Eleitoral é defeso imiscuir no mérito do pronunciamento, ressalvando-se, porém, os reflexos na seara eleitoral, máxime porque título exarado em desconformidade com a Constituição da República não ostenta idoneidade para restringir o exercício do “ius honorum” dos cidadãos.

4. O parecer prévio exarado pela Corte de Contas qualifica-se juridicamente como condição de procedibilidade para o julgamento das contas do Chefe do Executivo local pelo Poder Legislativo, ex vi do art. 31, § 2º, da CRFB/88.

5. O télos subjacente ao arranjo normativo engendrado pelo constituinte reside no fato de ser o Tribunal de Contas, e não o Poder Legislativo, o órgão dotado de maior expertise para emitir juízos técnicos sobre as contas prestadas pelo chefe do Poder Executivo.

6. É que as Cortes de Contas, ao contrário da Câmara municipal, possuem um quadro técnico, com auditores qualificados e “know-how” em contabilidade e finanças públicas, economia e estatística, que poderão auxiliar o trabalho dos Conselheiros, em especial examinando com acuidade as informações apresentadas, de maneira a potencializar as irregularidades e ilegalidades nas contas prestadas. [...] (TSE, REspe n. 12535, Rel. Min. Luiz Fux, Publicação:  PSESS - Publicado em Sessão, Data 15/12/2016 – grifei).

Por ser bastante elucidativo, transcrevo trecho do voto proferido pelo Ministro Fux em referido julgado:

Em termos mais singelos, isso significa que não é - e não pode ser - qualquer Decreto editado pelo Legislativo ou qualquer acórdão exarado pelo Tribunal de Contas que vincule a análise por esta Justiça Eleitoral Especializada da causa restritiva do “ius honorum”. Os exemplos elucidam e demonstram o acerto da tese que ora se encampa.

Imagine-se que determinada Câmara Municipal edite Decreto Legislativo pela desaprovação das contas de certo Prefeito, superando o parecer emitido em sentido diametralmente oposto, em desatendimento ao quórum de dois terços fixado pelo art. 31, § 2º, da CRFB/88. Se alguma coligação ou o Parquet impugnar o registro de candidatura, formalizado pelo Prefeito (e candidato à reeleição), salta aos olhos que este título normativo se afigura inidôneo a embasar o reconhecimento da restrição de sua cidadania passiva.

Entendimento oposto geraria um paradoxo difícil de equacionar: como admitir que um documento editado em flagrante ultraje à Constituição pode legitimamente restringir uma liberdade jusfundamental que é o exercício do direito de elegibilidade? Certamente que seria um desatino reconhecer a validade, nas AIRCs, de um título eivado do vício mais gravoso que se pode inquinar determinado ato jurídico, que é a sua inconstitucionalidade.

Por isso, não impressiona o argumento segundo o qual, em situações como essas, é cabível o ajuizamento de ação anulatória, intentada com o propósito de verificar a ocorrência, ou não, de vícios de natureza formal. O Poder Judiciário, em geral, e a Justiça Eleitoral, em particular, não podem ficar míopes a hipóteses excepcionais e teratológicas de manifesto descumprimento da Lei Maior.

Aliás, o próprio exercício do controle de constitucionalidade “incidenter tantum” reforça essa conclusão: antes de aplicar qualquer lei ou ato normativo (e.g., Decreto Legislativo), é mister do magistrado perquirir sua compatibilidade com o ordenamento constitucional.

Trata-se de juízo de inaplicação de ato manifestamente editado em descompasso com as diretrizes constitucionais decorrente da ação do controle difuso e concreto no direito pátrio.

Destarte, o descumprimento do rito procedimental previsto na Lei Fundamental se afigura como título inidôneo a embasar uma impugnação do registro de candidatura.

Dentro desse contexto, não há dúvida de que a emissão de parecer prévio pelo Tribunal de Contas constitui pressuposto inafastável para a legitimidade do julgamento das contas do Município pela Câmara de Vereadores.

Constitui, por assim dizer, requisito de procedibilidade que, caso desrespeitado, implica em malferimento das garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, tornando juridicamente ineficaz o seu conteúdo para fins de exame de inelegibilidade no âmbito da Justiça Eleitoral.

Esse, contudo, não é o caso dos autos.

A deliberação pela rejeição das contas do recorrido no exercício do cargo de prefeito foi tomada após a presidência da Câmara de Vereadores ser comunicada pelo Tribunal de Contas do trânsito em julgado do parecer prévio, nestes termos:

Comunico a V. Exa. o decurso de prazo para a interposição do pedido de reapreciação peloPrefeito e a disponibilidade para julgamento do processo @PCP 19/00659821, do(a) PrefeituraMunicipal de Anita Garibaldi, que trata de Prestação de Contas referente ao exercício de 2018.

Ressalto a solicitação de que esta Câmara de Vereadores comunique a esta Corte de Contas oresultado do julgamento das presentes contas anuais, conforme prescreve o art. 59 da LeiComplementar (estadual) n. 202/2000, com a juntada eletrônica de cópia do ato respectivo e da ata dasessão de julgamento da Câmara.

A cópia dos autos pode ser acessada no endereço via internet:http://virtual.tce.sc.gov.br/web/#/visualizador/publico/processo, digitando a seguinte chave: Chave deAcesso: C4A9C6BE-B, Processo: 1900659821 (ID 6168205, fl. 01).

Essa comunicação foi realizada por agente público competente, com fundamento no regimento interno do Tribunal de Contas, o qual determina que esgotado o prazo e não tendo sido apresentado pedido de reapreciação pelo Prefeito, “o processo será encaminhado à Câmara Municipal, para julgamento, no prazo previsto no art. 94, I, deste Regimento” (art. 92, § 1º), que assim dispõe:

Art. 94. O Tribunal encaminhará à Câmara Municipal, para julgamento, o processo referente às contas municipais acompanhado do Parecer Prévio, do Relatório Técnico, do Relatório do Relator, das Declarações de Voto emitidas pelos demais Conselheiros, se houver, e do Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal, nos seguintes prazos:

I - dez dias após expirado o prazo para interposição de Pedido de Reapreciação;

Exsurge inequívoco, portanto, que o ato de certificação do trânsito em julgado da decisão do Pleno do Tribunal de Contas constitui, a priori, ato administrativo perfeito, válido e eficaz, que detém fé pública e, consequentemente, presunção de legitimidade.

Logo, para fins de sobrestamento dos efeitos jurídicos de referida declaração de imutabilidade, tornava-se impositiva a existência de pronunciamento cautelar de natureza administrativa ou judicial, o que não há.

No ponto, convém ressaltar que o “recurso de reconsideração” apresentado pelo recorrido não requereu a concessão de qualquer medida liminar acautelatória, destinada a sustar o ato que reconheceu o caráter definitivo do parecer prévio de rejeição das contas do Prefeito e comunicou a respectiva Casa Legislativa (ID 6168555).

Também não foi trazida aos autos a comprovação do ajuizamento de qualquer medida judicial destinada a obter semelhante intento.

De outro norte, a decisão do Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, proferida quando do recebimento dessa irresignação, não determinou a suspensão da eficácia do referido parecer, limitando-se apenas a recomendar à Câmara de Vereadores, por mera prudência, o adiamento da sessão de julgamento das contas, conforme se extrai do trecho abaixo transcrito:

Ademais, em função da tramitação deste recurso, foi encaminhado ao e-mail do Gabinete deste relator informação prestada pela Câmara Municipal de Anita Garibaldi, comunicando o início do julgamento das Contas do Prefeito referente ao @PCP 19/00659821 (exercício de 2018), cujo parecer prévio é objeto do recurso ora analisado. Segundo consta, o julgamento iniciou-se em razão do recebimento de Ofício encaminhado pela Secretaria Geral deste Tribunal de Contas (Ofício nº Of. TCE/SEG nº 9483/2020, de 23/06/2020), comunicando o recurso do prazo para interposição do pedido de reapreciação.

Contudo, na mesma comunicação noticiou o Presidente da Câmara a suspensão do aludido julgamento em virtude de informação prestada pelo Prefeito Municipal da interposição do presente recurso. Com base nisso [havendo, de um lado, informação da SEG quanto ao decurso de prazo para o pedido de reapreciação e de outro, do Prefeito quanto à tramitação de recurso], solicitou orientação quanto à possibilidade de prosseguir ou não com o julgamento.

Não obstante a comunicação encaminhada pela Secretaria Geral deste Tribunal de Contas, fato é que, quando da publicação do Parecer Prévio n.293/2019, no DOTC n. 293, de 25.03.2020, já estavam em vigor as portarias que sucessivamente suspenderam os prazos processuais em função das medidas adotadas para prevenção contra o contágio do Novo Coronavírus (Portarias TC n.82/2020, 86/2020, 103/2020, 114/2020, 116/2020 e 133/2020).

Desta forma, a questão referente ao decurso do prazo para interposição do pedido de reapreciação deve ser cuidadosamente reavaliada.

Por tais razões, até que seja definitivamente decidida a matéria relacionada à tempestividade do pedido de reapreciação de contas, considera-se que, por medida de cautela, deva a Câmara Municipal manter suspenso o julgamento relacionado ao parecer prévio das contas do exercício de 2018.

Essa decisão singular, aliás, foi submetida ao crivo da Câmara de Vereadores pelo próprio recorrido, o que motivou, inclusive, o adiamento da sessão de julgamento das contas marcada para o dia 04/08/2020, a fim de que fossem colhidas “informações concretas quanto à possibilidade ou não do prosseguimento do pedido de reconsideração feito prefeito” (ID 6168205, fl. 21-26).

Contudo, o órgão legislativo, no exercício soberano de sua competência constitucional, decidiu dar prosseguimento à apreciação da matéria, com a designação de nova sessão para o dia 18/08/2020, consignando que, “em consulta ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, até a presente data, nada alterou o Parecer Prévio emitido por aquele Órgão e entregue para julgamento a esta Casa Legislativa, em data de 24/06/2020, por intermédio do Of. TCE/SEG n. 9483/2020, datado de 23/06/2020” (ID 6168205, fl. 31-32).

Por isso mesmo, o caráter definitivo do parecer prévio no Tribunal de Contas remanesce incólume, não podendo ser automaticamente afastado apenas pelo fato de o recorrido ter interposto pedido de reapreciação, sobretudo quando considerado que sequer houve juízo de admissibilidade a respeito de referido recurso.

Quanto ao ponto, denoto que a documentação relativa à tramitação do processo de julgamento das contas do Executivo municipal na Casa Legislativa, incluindo a ata da sessão ordinária na qual houve a aprovação do Decreto Legislativo de rejeição, não registra qualquer manifestação parlamentar suscitando nulidades ou desrespeito às normas regimentais (ID 6168205 – fl. 41-45).

Desse modo, ausente evidente e inequívoca inconstitucionalidade no processo que culminou com a aprovação do Decreto Legislativo de desaprovação das contas do recorrido, não há como esta Justiça Especializada considerar juridicamente inidôneo esse juízo de reprovação emitido pela Câmara de Vereadores de Anita Garibaldi, sob pena de desrespeitar o princípio da separação de poderes, insculpido na Súmula n. 41 do Tribunal Superior Eleitoral, nestes termos:

Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade.

Parafraseando o Ministro Luiz Fux, na hipótese em apreço, não há “hipótese excepcional e teratológica de manifesto descumprimento da Lei Maior” que permita desconsiderar a legitimidade da referida decisão de rejeição das contas.

Oportuno destacar que, mesmo diante de situação aparentemente mais grave – na qual houve a anulação do parecer prévio que havia fundamentado a decisão da Câmara Municipal pela rejeição das contas –, o Tribunal Superior Eleitoral posicionou-se no sentido de que a deliberação legislativa não poderia ser considerada ilegítima para fins de incidência de causa de inelegibilidade, a teor do que revela a ementa abaixo transcrita:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. Art. 1º, I, G, DA LEI Nº 64/90. REJEIÇÃO. CONTAS ANUAIS DE 2009. ACÓRDÃO DO TCE/PB. ANULAÇÃO POSTERIOR. DECRETO LEGISLATIVO. PREVALÊNCIA. CÂMARA MUNICIPAL. ÓRGÃO COMPETENTE. ANULAÇÃO POSTERIOR DO ACÓRDÃO DA CORTE DE CONTAS. NOVO DECRETO LEGISLATIVO EDITADO APÓS A DIPLOMAÇÃO. ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE. INAPLICABILIDADE. DATA LIMITE. DIPLOMAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.

O CASO:

1. O recorrido, na condição de prefeito do Município de Caturité/PB, teve suas contas anuais relativas ao exercício de 2009 rejeitadas pelo Tribunal de Contas daquele estado, seguindo-se a interposição de recurso de reconsideração em face dessa decisão, o qual fora parcialmente provido em 17.6.2015, mantendo-se, contudo, o parecer pela rejeição das contas.

2. A Câmara Municipal, em votação ocorrida no dia 10.9.2015, acatou o parecer prévio exarado pelo TCE/PB e desaprovou as contas do prefeito.

3. Posteriormente, o ora recorrido apresentou pedido de anulação do acórdão proferido em sede recurso de reconsideração. O TCE/PB, em sessão de 10.8.2016, ou seja, 11 (onzes meses) após a rejeição das contas pela Câmara Municipal, recebeu o pedido como recurso de revisão e lhe deu provimento, para declarar a nulidade do julgamento proferido no âmbito do recurso de reconsideração.

4. O TRE/PB, na sessão de 29.9.2016, por maioria, reformou a sentença para deferir o registro de candidatura, nos termos do voto majoritário, em cuja fundamentação consta que: "para que as contas de um gestor sejam efetivamente aprovadas ou desaprovadas, há que se considerar a existência de parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas o que, a toda prova, não temos nestes autos, vez que como dito, o Acórdão APL-TC-00413/2016 declarou a nulidade da decisão contida no Acórdão anterior (APL-TC-00246/2015) que desaprovou as contas do recorrente" (fl. 513).MÉRITO:I)  Competência da Câmara Municipal para julgar contas anuais do chefe do Poder Executivo (art. 31, §§ 1º e 2º, da CF):

5. O entendimento adotado no acórdão regional - no sentido de que a nulidade do acórdão APL-TC-00246/2015, reconhecida pelo TCE em sede de recurso de revisão, por meio do acórdão APL-TC-00413/2016, geraria, automaticamente, a insubsistência do decreto legislativo que rejeitou as contas anuais do então prefeito -, revela total descompasso com a norma prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, segundo a qual os efeitos da decisão irrecorrível do órgão competente (in casu, a Câmara Municipal) só podem ser afastados ou anulados pelo Poder Judiciário. Precedentes.

6. Segundo firmado na jurisprudência deste Tribunal Superior, a anulação do acórdão de desaprovação de contas proferido pelo TCE - com a respectiva emissão de novo parecer técnico, aprovando tais contas - é incapaz de afastar a validade do decreto legislativo que desaprovou as contas do Chefe do Poder Executivo. Nesse sentido: "o fato de a Corte de Contas haver rescindido seu acórdão anterior e exarado novo parecer prévio, desta vez aprovando as contas com ressalvas, não tem o condão de afastar a validade do Decreto Legislativo que desaprovara as contas do chefe do Poder Executivo, caso não tenha havido também novo pronunciamento da Câmara de Vereadores" (AgR-REspe nº 193-74/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, PSESS de 12.12.2012).

7. O acórdão regional conflita, ainda, com a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto dos RE nos 848.826/DF e 729.744/MG, ocorrido na sessão de 17.8.2016, sob o regime da repercussão geral, no sentido de que a competência para julgar as contas do prefeito, tanto na condição de gestor quanto de ordenador de despesas, é da Câmara Municipal. Assentou-se, ainda, que o papel do Tribunal de Contas é apenas de auxiliar o Poder Legislativo Municipal, emitindo parecer prévio pela aprovação ou desaprovação das contas do prefeito, o qual somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 (dois terços) dos vereadores, circunstância essa não verificada na espécie.

8. Inarredável, portanto, o cumprimento do due process of law constitucional, que constitui pressuposto procedimental de validade dos títulos normativos e administrativos (decretos legislativos e acórdão de contas, respectivamente), sob pena de afronta ao art. 31, §§ 1º e 2º, da CF (Precedente: REspe nº 39-14/AM, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27.6.2017).

[...]

IV.  Conclusão:

12. Tendo em vista que a Corte Regional limitou-se a assentar a insubsistência do decreto legislativo que desaprovou as contas do ora recorrido, não seria possível a este Tribunal avançar sobre os demais elementos constitutivos da norma, o que implicaria indevida supressão de instância e, caso reconhecida a inelegibilidade em questão, violação ao princípio da “non reformatio in pejus”.

13. Recurso especial a que se dá parcial provimento, para determinar o retorno dos autos ao TRE/PB, a fim de que seja analisada a existência, ou não, dos demais requisitos previstos na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, para fins da verificação de eventual incidência de causa de inelegibilidade (TSE, REspe n. 50784, Acórdão, Rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 02/02/2018 - grifei)

Em seu voto, o Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto fez a seguinte ponderação:

[...] a fiscalização das contas do Chefe do Executivo Municipal envolve uma sequência de atos administrativos, previamente estabelecidos pela CF188 e, no caso, pela Constituição do Estado da Paraíba, os quais devem, necessariamente, ser observados, em consonância com o princípio do paralelismo das formas ou da similitude procedimental.

Logo, ainda que o TCE tenha anulado o acórdão por ele anteriormente proferido, o decreto legislativo somente deixa de prevalecer com a edição de novo decreto legislativo pela Câmara Municipal, o que deve ocorrer, necessariamente, em observância ao rito procedimental estabelecido, sobretudo, no art. 31, §§ 11 e 21, da CF.

Desse modo, assiste razão à coligação recorrente quando alega que a decisão irrecorrível do órgão competente — decreto legislativo anteriormente emitido pela Câmara de Vereadores — ainda subsiste.

Semelhante raciocínio é perfeitamente aplicável ao caso em apreço. A manifestação de vontade dos edis observou os ditames constitucionais, motivo pelo qual exsurge impositivo reconhecer a sua higidez jurídica para fins de aferição da incidência ou não da causa de inelegibilidade em análise.

II) Irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas

Por se tratar de pronunciamento de natureza legislativa, a decisão de rejeição das contas não pode ser impugnada mediante a interposição de apelo para outra instância superior.

A respeito, é importante enfatizar que o aspecto da irrecorribilidade não deve ser examinado em face do parecer prévio do Tribunal de Contas, mas, sim, da deliberação da Câmara de Vereadores, conforme atesta o trecho da ementa do julgado do Supremo Tribunal Federal em destaque:

Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 2º).

O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República (“checks and balances”).

A Constituição Federal revela que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o art. 1°, I, g, da LC 64/1990, dada pela LC 135/ 2010, é a Câmara Municipal, e não o Tribunal de Contas(STF. RE 848826, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. 10/08/2016 – grifei).

Sendo assim, não há dúvida de que a decisão de rejeição das contas, no caso, é irrecorrível.

III) Inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas

Mesma forma, não há, nos autos, informação ou prova atestando que a decisão de rejeição das contas da Câmara de Vereadores de Anita Garibaldi foi submetida ao crivo do Poder Judiciário, inexistindo manifestação judicial de qualquer natureza anulando ou determinando a suspensão dos seus efeitos.

IV) Insanabilidade da irregularidade verificada e ato doloso de improbidade administrativa

Quanto a esse pressuposto, é preciso destacar que a irregularidade motivadora da rejeição das contas não necessita, para fins de incidência da causa de inelegibilidade, ser integrada por decisão da Justiça Comum reconhecendo a prática de ato doloso de improbidade administrativa.

Com efeito, compete à Justiça Eleitoral, a partir da análise da decisão de contas, determinar se resta configurada ou não a irregularidade determinante da inelegibilidade em apreço.

Para elucidar, transcrevo a lição de José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral, ed. Atlas, 2016, p. 250-251):

Além de insanável, a caracterização da inelegibilidade em apreço requer que a irregularidade "configure ato doloso de improbidade administrativa". Assim, ela deve ser insanável e constituir ato doloso de improbidade administrativa. Não é exigida a prévia condenação do agente por improbidade administrativa, tampouco que haja ação de improbidade em curso na Justiça Comum. Na presente alínea g, o requisito de que a irregularidade também configure "ato doloso de improbidade administrativa tem a única finalidade de estruturar a inelegibilidade. Logo, é da Justiça Eleitoral a competência para apreciar essa matéria e qualificar os fatos que lhe são apresentados; e a competência aí é absoluta, porque ratione materiae. É, pois, a Justiça Especializada que dirá se a irregularidade apontada é insanável, se configura ato doloso de improbidade administrativa e se constitui ou não inelegibilidade. Isso deve ser feito exclusivamente com vistas ao reconhecimento de inelegibilidade, não afetando outras esferas em que os mesmos fatos possam ser apreciados. Destarte, não há falar em condenação em improbidade administrativa pela Justiça Eleitoral, mas apenas em apreciação e qualificação jurídica de fatos e circunstâncias relevantes para a estruturação da inelegibilidade em apreço. Note-se, porém, que havendo condenação emanada da Justiça Comum, o juízo de improbidade aí afirmado vincula a Justiça Eleitoral; esta não poderá negar a existência de improbidade, sob pena de haver injustificável contradição na jurisdição eleitoral.

Nessa toada, a jurisprudência firmou o posicionamento de que “cabe à Justiça Eleitoral, rejeitadas as contas, proceder ao enquadramento das irregularidades como insanáveis ou não e verificar se constituem ou não ato doloso de improbidade administrativa, não lhe competindo, todavia, a análise do acerto ou desacerto da decisão da corte de contas” (TSE, RO nº 060473131, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Publicação:  PSESS - Publicado em Sessão, Data 23/10/2018).

Portanto, mostra-se imprescindível, para fins de conformação das irregularidades imputadas ao recorrido no exercício do cargo de Prefeito, fazer o cotejo dos elementos fáticos e jurídicos delineados no parecer prévio do Tribunal de Contas, já que esse pronunciamento administrativo serviu de fundamento para a deliberação da Câmara Municipal pela rejeição das contas do Município.

Para tanto, reproduzo as restrições indicadas no acórdão do Tribunal de Contas para recomendar a desaprovação das contas do recorrido, a saber:

1. EMITE PARECER recomendando à Egrégia Câmara Municipal de Anita Garibaldi a REJEIÇÃO das contas anuais do exercício de 2018 dos Prefeitos que administraram aquele Município, em face das seguintes restrições identificadas no Relatório DGO n. 244/2019 da Diretoria de Contas de Gestão (DGO):

1.1. Déficit financeiro do Município (Consolidado) da ordem de R$ 4.572.585,57, resultante do déficit financeiro remanescente do exercício anterior, correspondendo a 18,17% da Receita Arrecadada do Município no exercício em exame (R$ 25.164.606,89), em desacordo com os arts. 48, “b”, da Lei n. 4.320/64 e 1º da Lei Complementar n. 101/2000 – LRF (itens 4.2 e 1.2.1.2 do Relatório DGO).

1.2. Despesas com pessoal do Poder Executivo no valor de R$ 15.776.223,18, representando 66,05% da Receita Corrente Líquida (R$ 23.883.872,35), quando o percentual legal máximo de 54,00% representaria gastos da ordem de R$ 12.897.291,07, configurando, portanto, gasto a maior de R$ 2.878.932,11 ou 12,05%, em descumprimento ao art. 20, III, 'b', da Lei Complementar n. 101/2000 (itens 5.3.2 e 1.2.1.4 do Relatório DGO).

1.3. Despesas com pessoal do Poder Executivo no 2º quadrimestre de 2018, no valor de R$ 16.665.161,80, representando 82,89% da Receita Corrente Líquida Ajustada (R$ 20.104.430,83), caracterizando descumprimento ao disposto no art. 23 da Lei Complementar n. 101/2000, em razão da não eliminação do percentual excedente apurado no exercício de 2017 (Sistema e-Sfinge) - itens 5.3.4 e 1.2.1.5 do Relatório DGO.

1.4. Ausência de remessa do Relatório do Órgão Central do Sistema de Controle Interno, em descumprimento ao art. 7º, II, da Instrução Normativa n. TC-20/2015 (item 1.2.2.1 do Relatório DGO e Documento remetido às fs. 136 a 144, inobservante ao exigido).

Para melhor compreensão da gravidade das mencionadas irregularidades, trago à colação excertos da motivação exposta no voto prolatado pelo Conselheiro Relator Herneus de Nadal:

2.1. Análise da Gestão Municipal

a) Gestão Orçamentária e Financeira

[...]

O confronto entre o Ativo Financeiro e o Passivo Financeiro do exercício encerrado resulta em Déficit Financeiro de R$ 4.572.585,57, correspondente a 18,17%, e a sua correlação demonstra que para cada R$ 1,00 (um real) de recursos financeiros existentes, o Município possui R$ 2,91 de dívida de curto prazo.

[...]

Registre-se que a Prefeitura apresentou um Déficit de R$ 4.126.387,30.

O responsável, instado a se manifestar, alega que a existência do desequilíbrio das contas municipais remonta a exercícios anteriores, como já apontado quando do exame das contas anuais de 2013, fato que tem gerado prejuízo das obrigações do próprio exercício, a necessidade de quitação de valor considerável de restos a pagar, bem como de obrigações de pessoal e precatórios de exercícios anteriores.

Argumenta ainda, que no decorrer de 2017 e 2018, teriam sido quitadas despesas correntes atrasadas desde outubro de 2016, como água, luz, telefone, internet e serviço de coleta de lixo. Aduz que para não prejudicar a população com a redução dos gastos correntes, o Município estaria procurando alternativas, como por exemplo, a busca do equilíbrio financeiro mediante o aumento do movimento econômico.

E destaca que foram efetivados gastos bem acima dos percentuais estabelecidos em saúde e educação, neste caso decorrente da folha de pagamento do magistério, devido a vantagens e direitos dos servidores, bem como da lei do piso do magistério.

A Instrução informa que os fatos mencionados pelo responsável confirmam a situação de desequilíbrio financeiro do Município, configurado no excesso de despesas inscritas em Restos a Pagar de um exercício para outro. No que diz respeito aos gastos a maior com saúde e educação, a DGO ressalta que são obrigações permanentes e decorrem de mandamentos constitucionais e legais, os quais devem ser incorporados ao planejamento e à execução orçamentária de cada exercício financeiro, e tal fato não pode justificar o déficit financeiro identificado.

De acordo com os fatos expostos, resta comprovada a ocorrência de um déficit financeiro equivalente a 18,17% da receita arrecadada no município, em desacordo ao disposto no art. 48, alínea “b” da Lei nº 4.320/64 e art. 1º da Lei Complementar nº 101/2000.

Conforme exposto pela Instrução, os argumentos apresentados não justificam o desequilíbrio financeiro verificado, até porque sua ocorrência remonta a exercícios anteriores, demonstrando ser uma constante naquele Município, indicando ausência de comprometimento com a responsabilidade fiscal.

A constatação do déficit financeiro aliado as demais irregularidades que serão a seguir descritas indicam a emissão de parecer prévio recomendando a rejeição das contas da Prefeitura Municipal de Anita Garibaldi relativas ao exercício de 2018.

b) Limites Constitucionais e Legais

[...]

Dos limites com gasto de pessoal

Na verificação dos limites dos gastos com pessoal, a Receita Corrente Líquida (RCL) do Município foi de R$ 23.883.872,35, sendo que o percentual dos gastos com pessoal em relação à RCL foi de 69,14%, sendo 66,05% no Poder Executivo, em desrespeito ao disposto no art. 169 da CF e 20, III, “b” da LRF.

Já com relação ao pessoal do Poder Legislativo foi constatada uma despesa de 3,09% da RCL, cumprindo o limite estabelecido pela LRF.

No exercício em exame, o Município gastou 69,14% do total da receita corrente líquida em despesas com pessoal, DESCUMPRINDO o limite contido no artigo 169 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei Complementar nº 101/2000, sendo que os gastos com pessoal do Poder Executivo representaram o montante de R$ 15.776,223,18, equivalente a 66,05% da receita corrente líquida municipal, descumprindo o limite legal estabelecido.

O responsável, em suas alegações de defesa, afirma que apenas a partir do 2º quadrimestre de 2019 as despesas voltariam a se enquadrar nos limites da LRF e que dispõe sobre medidas destinadas ao ajuste fiscal de contenção de gastos, tem adotado algumas medidas, tais como:

a) dispensa de quatro servidores comissionados, conforme portarias anexadas às fls. 299- 300;

b) redução de serviços extraordinários, que o gasto em abril/2019 era de R$ 21.188,30 e em agosto/2018, reduzido para R$ 9.166,55, conforme demonstrativos às fls. 297-298, limitando-se às horas extras apenas para motoristas da Saúde e do Transporte Escolar, conforme Decreto nº 2683/2019 (fl. 296);

c) redução dos gastos com comissionados, que em abril/2019 somava R$ 79.015,35, sendo que em agosto/2019, passou a R$ 59.028,86, conforme demonstrativos às fls. 294-295;

d) maior controle de ponto, com implantação de ponto eletrônico nas secretarias;

e) novas admissões somente pontuais para substituições em casos de auxílio doença e auxílio maternidade;

f) editado o Decreto nº 2670/2019 (fl. 307), para suspender pelo período de um ano o pagamento em pecúnia de licença prêmio.

No entender da Instrução, tais práticas não servem para justificam o excesso de gastos com pessoal apurado no exercício de 2018.

Já nas contas do Município de Anita Garibaldi relativas ao exercício de 2017 (@PCP 18/00524541) foi apontada tal restrição, a qual, aliada a outros apontamentos redundou na emissão de Parecer Prévio pela rejeição daquelas contas.

Em que pese a constatação de redução dos gastos com pessoal daquele Município, quando comparado com o ano de 2017 (71,92%), verifico que no exercício de 2018 houve um gasto de 9,14% além do percentual estabelecido (60%) pelo art. 20, III, alínea “b” da Lei Complementar nº 101/2000.

Tal fato, aliado a constatação de que a restrição já fora apontada no exercício anterior, sem que tenha sido regularizada na gestão em exame, aliado ao desrespeito ao disposto no art. 23 da LRF, ante a não eliminação do valor excedente apurado no exercício de 2017, como será a seguir tratado, indicam a rejeição das contas em exame.

Análise do retorno da Despesa de Pessoal do Poder Executivo (art. 20, III, "b", c/c artigos 23 c/c 66 da Lei Complementar nº 101/2000.

 O exame dos gastos com pessoal no exercício de 2017 (@PCP 18/00524541) demonstra que a despesa com pessoal do Poder Executivo de Anita Garibaldi no exercício de 2017 importou em R$ 16.159.931,50, correspondendo a 68,88% da receita corrente líquida, descumprindo o limite máximo de 54% (cinquenta e quatro por cento) da receita corrente líquida que cabe ao Poder Executivo, fixado no artigo 20, inciso III, “b”, da Lei Complementar nº 101/2000.

Em vista disso, a Unidade Gestora deveria ter eliminado os gastos acima do limite estabelecido, na forma prevista pelo art. 23 da LRF, fato que não restou comprovado no exame das contas de 2018.

Diante de tal constatação, foi efetivada a notificação do responsável, a fim de que se manifestasse acerca do apontamento, o qual alegou, em síntese, que o índice verificado no 2º quadrimestre de 2018, foi impactado pelas despesas do exercício anterior, tendo-se que como base os últimos 12 meses. Mas que as despesas com pessoal voltarão a se enquadrar nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal apenas a partir do 2º quadrimestre de 2019, na medida que se obtiver os resultados de medidas tomadas ao longo ano:

A Diretoria de Contas de Governo, em sua análise acerca da irregularidade, expõe que as alegações não servem para afastar o apontamento, visto que as ações se referem ao exercício subsequente (2019) e, portanto, não explicam e nem justificam o excesso de gastos com pessoal apurado no exercício de 2018 em análise.

[...]

A vista do que foi apurado, nos termos do art. 23 da LRF, o Poder Executivo deveria eliminar um terço do percentual excedente das despesas praticadas no 1º quadrimestre de 2017 (4,96%) até o 1º quadrimestre do exercício de 2018, e retornar ao limite estabelecido até o 2º quadrimestre do exercício de 2018 (considerando o PIB >= 1 a época do descumprimento do citado limite).

O art. 66 da LRF estabelece que os prazos definidos para a recondução aos parâmetros da lei de responsabilidade fiscal serão duplicados no caso de crescimento real abaixo ou negativo do Produto Interno Bruto, por período igual ou superior a quatro trimestres. Ao caso não se aplica referida previsão legal, visto que a DGO identificou que o PIB do Município apresentou variação positiva, maior ou igual a 1 à época do descumprimento do citado limite.

Ocorre que conforme verificado pela Instrução, no exercício de 2018, em vez de reduzir tais despesas, o gasto com pessoal do Poder Executivo aumentou para 76,93% da RCL no 1º quadrimestre e 82,89% no 2º quadrimestre, descumprindo o estabelecido no artigo 23, da Lei Complementar nº 101/2000.

Por tais razões, considero que a gravidade do apontamento enseja a emissão de parecer recomendando a rejeição das contas, nos termos da previsão contida no art. 9º, inciso XIV da Decisão Normativa N.TC-06/2008, eis que diante da realização de despesas com pessoal do Poder Executivo acima do limite fixado no art. 20, inciso III da LRF, não houve a eliminação do percentual excedente nos dois quadrimestres seguintes, contrariando o disposto art. 23 da referida norma. (grifei)

Como visto, mesmo diante das consistentes justificativas apresentadas pelo recorrido, o Tribunal de Contas rejeitou as contas por constatar flagrante e reiterado desrespeito aos limites orçamentários estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os quais foram instituídos pelo legislador como forma de resgatar e preservar a saúde financeira dos entes federativos.

A decisão demonstra, de forma muito clara, que o recorrido, ao assumir a gestão do Município em 2016, não adotou as medidas necessárias para manter o equilíbrio das contas públicas sob sua responsabilidade, aumentando indevidamente gastos com outras obrigações e com pessoal, em flagrante prejuízo aos interesses e fins da Administração.

Dentro desse contexto, exsurge inequívoco que as irregularidades atribuídas ao recorrido no exercício da Chefia do Executivo Municipal são insanáveis e constituem, em tese, comportamentos capazes de serem qualificados como atos de improbidade administrativa (Lei n. 8.249/1992), consoante reiteradas decisões do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE/RJ. AFERIÇÃO DAS CAUSAS DE INELEGIBILIDADE A CADA ELEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA OU DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 1º E 42 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. EMISSÃO DE ALERTA, PELA CORTE DE CONTAS, NO EXERCÍCIO ANTERIOR. INÉRCIA DO GESTOR. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INSANABILIDADE. HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, "g", DA LC Nº 64/1990. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.

[...]

3- A inércia do gestor público em reduzir o déficit público, apesar de emitido alerta pelo Tribunal de Contas, evidencia o descumprimento deliberado das obrigações constitucionais e legais que lhes eram impostas e consubstancia irregularidade insanável em suas contas que caracteriza ato doloso de improbidade administrativa.

4- A existência de contratos assinados e despesas decorrentes de empenhos emitidos nos últimos dois quadrimestres do mandato do gestor público, sem suficiente disponibilidade de caixa, indica a existência de irregularidade insanável em suas contas que caracteriza ato doloso de improbidade administrativa.

5- O descumprimento dos arts. 1º, § 1º e 42, da Lei de Responsabilidade Fiscal constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, que, juntamente com os demais requisitos identificados, atrai a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, "g", da LC nº 64/1990.

6- Agravo regimental a que se nega provimento (TSE, RO n. 060076992, Rel. Min. Edson Fachin, Publicação:  PSESS - Publicado em Sessão, Data 19/12/2018 – grifei).

AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2012. INOBSERVÂNCIA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. REPASSE. CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS. ILEGALIDADE. DOLO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 24/TSE. PROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 27.4.2017.

HISTÓRICO DA DEMANDA

2. Em primeiro e segundo graus, indeferiu-se registro de candidatura de Therezinha Ignes Servidoni, vencedora do pleito majoritário de Rincão/SP em 2016, por se entender configurada a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90.

3. Extrai-se do aresto a quo que a Câmara Municipal rejeitou contas referentes ao exercício de 2012, pois a candidata infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal, com déficit orçamentário de 5,12% naquele ano, tendo sido o Município "alertado, por cinco vezes, sobre o descompasso entre receitas e despesas e, nem assim, conteve o gasto não obrigatório e adiável" (fl. 332). Ademais, não se repassou a sindicato da categoria patronal valores retidos da folha de pagamento dos servidores.

[...]

HIPÓTESE DOS AUTOS: ALERTA DE DÉFICIT, POR CINCO VEZES, PELO TRIBUNAL DE CONTAS

10. Segundo o TRE/SP, as contas da agravada, referentes ao exercício de 2012, na chefia do Executivo Municipal de Rincão/SP, apresentaram déficit orçamentário de 5,12%, em razão de excesso de gastos com pessoal, o que ocasionou ofensa ao art. 42 da LRF e falta de disponibilidade financeira para respaldar a dívida de curto prazo.

11. Extrai-se do parecer prévio do órgão de contas, adotado pela Câmara e transcrito no aresto a quo, que "o Município foi alertado, por cinco vezes, sobre o descompasso entre receitas e despesas e, nem assim, conteve o gasto não obrigatório e adiável" (fl. 332).

12. Esta Corte decidiu recentemente em caso similar que "conquanto inexigível dolo específico, ele se caracterizou pela conduta do agravante, que, avisado por oito vezes sobre graves questões financeiras do Município, não adotou providências visando equilibrar as contas" (AgR-REspe 505-63/SP, de minha relatoria, sessão de 15.12.2016).

13. Ademais, não se repassaram a sindicato patronal valores decotados na folha de servidores, o que, nos termos do aresto a quo, "atenta contra o princípio da legalidade, pois como prefeita, tinha obrigação de repassar os valores retidos, praticando, assim, ato doloso de improbidade administrativa".

14. É gravíssima a conduta da candidata, enquanto gestora da coisa pública, pois praticou atos dolosos de improbidade administrativa consistentes em: a) desrespeito à LRF, mesmo com sucessivos avisos do déficit em curso; b) retenção de valores em folha sem o devido repasse, o que fere o princípio da legalidade.

15. Evidencia-se, assim, "descumprimento deliberado (e repetido) das obrigações constitucionais e legais que lhe eram impostas" (REspe 260-11/SP, Rel. Min. Luiz Fux, sessão de 30.11.2016). Nesse sentido, ainda, o AgR-RO 879-45/CE, Rel. Min. Henrique Neves, sessão de 18.9.2014.

16. Conclusão em sentido diverso demandaria, como regra, reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

CONCLUSÃO

17. Com todas as vênias ao e. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (relator), dou provimento aos agravos regimentais para negar seguimento ao recurso especial de Therezinha Ignes Servidoni e manter indeferido seu registro de candidatura ao cargo de prefeito de Rincão/SP nas Eleições 2016.18.  Determino, ainda, após publicado este aresto, imediata realização de novo pleito majoritário, nos termos do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, com texto da Lei 13.165/2015 (TSE, REspe nº 48741, Rel. desig. Min. Herman Benjamin, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 24/05/2018 - grifei).

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. ART. 42 DA LC 101/2000. VÍCIO INSANÁVEL. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 8.11.2016.

2. É inelegível, por oito anos, detentor de cargo ou função pública cujas contas tiverem sido rejeitadas em detrimento de falha insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, por meio de decisum irrecorrível do órgão competente, salvo se suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário, a teor do art. 1º, I, g, da LC 64/90.

3. Inobservância à LC 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) enquadra-se na referida causa de inelegibilidade, pois configura, por si só, vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes.

4. Não se exige dolo específico, bastando o genérico ou eventual, que se caracterizam quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido (TSE, REspe nº 40333, Acórdão, Rel. Min. Herman Benjamin, Publicação:  PSESS - Publicado em Sessão, Data 17/11/2016 – grifei).

ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. DESCUMPRIMENTO. VÍCIO INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DESPROVIDO.

[...]

2. O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal constitui vício insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa para fins da incidência da cláusula de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90.

3. Agravo regimental desprovido (TSE, REspe nº 17652, Min. Dias Toffoli, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo  55, Data 21/03/2013, Página 72-73 – grifei).

Efetivamente, não há como negar que o total descaso com a boa gestão do orçamento público é manifestamente incondizente com a conduta proba exigida dos postulantes a cargos eletivos, notadamente quando considerado o fundamento constitucional da Lei Complementar n. 64/1990 de “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (CF, art. 14, § 9º).

Quanto à alegação da necessidade do dolo, o posicionamento firmado pela jurisprudência é no sentido de que "a inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 não exige o dolo específico, bastando para tal o dolo genérico ou eventual, que se caracteriza quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais, que vinculam e pautam os gastos públicos" (TSE, RO n. 448-80/SE, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 13.06.2016).

No caso, não há dúvida, a partir da moldura fática extraída do parecer prévio do Tribunal de Contas, que o recorrido, na qualidade de ordenador de despesas e prefeito do Município, poderia ter implementado ações administrativas destinadas a respeitar os limites orçamentários previstos em lei, porém não o fez, assumindo deliberadamente os riscos de desatender comandos constitucionais e legais.

Nesse sentido, revelam os autos que as contas do recorrido relativas ao exercício de 2017, na qualidade de prefeito de Anita Garibaldi, também haviam sido rejeitadas pelo Tribunal de Contas em virtude do descumprimento dos limites orçamentários estabelecidos pela Lei Complementar n. 101/2000. Ainda assim, o recorrido permaneceu inerte no exercício seguinte, sem adotar providências suficientes para sanear o desequilíbrio financeiro do referido município.

Por derradeiro, enfatizo que a "mera inclusão do nome do agente público na lista remetida à Justiça Eleitoral pelo Órgão de Contas, nos termos do § 5º do art. 11 da Lei nº 9.504/97, não gera, por si só, presunção de inelegibilidade e nem com base nela se pode afirmar ser elegível o candidato, por se tratar de procedimento meramente informativo" (TSE, AgR-REspe nº 427-81/RS, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 11.4.2017).

Em conclusão, entendo ser inafastável e legítima a restrição ao direito político de ser votado do recorrido ante a manifesta inobservância dos ditames constitucionais, legais e regulamentares respeitantes às finanças públicas, a qual expressa frontal incompatibilidade com os valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da CF, além de consubstanciarem vícios insanáveis enquadrados como atos dolosos de improbidade administrativa.

Rememoro que, por se tratar de candidato ao cargo de prefeito, o indeferimento do seu requerimento de registro de candidatura impossibilita o registro da chapa majoritária, em virtude do princípio da unicidade e indivisibilidade, previsto no art. 91 do Código Eleitoral.

Nesse caso, rememoro que é facultado ao partido político ou coligação substituir candidato que for considerado inelegível e tiver o seu registro indeferido, nos termos do art. 13 da Lei n. 9.504/1997.

3. Pelo exposto, dou provimento ao recurso, a fim de julgar procedente a impugnação e indeferir o requerimento do registro de candidatura de João Cidinei da Silva ao cargo de prefeito de Anita Garibaldi, em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista pelo art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar n. 64/1990.

Determino, ainda, seja certificado o resultado do julgamento nos autos do respectivo vice, em cumprimento ao disposto no art. 49, § 1º, da Resolução TSE n. 23.609/2019.

 

EXTRATO DE ATA

RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600127-51.2020.6.24.0052 - ANITA GARIBALDI - SANTA CATARINA
RELATOR: JUIZ FERNANDO CARIONI

RECORRENTE :MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDO :JOAO CIDINEI DA SILVA
  ADVOGADO :LUCAS PAGNO BORGES - OAB/SC0056669

Decisão: ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conhecer do recurso e a ele dar provimento, para julgar procedente a impugnação e indeferir o pedido do registro de candidatura, nos termos do voto do Relator.

O Advogado Heitor José Frutuoso Júnior apresentou sustentação oral no ambiente virtual de transmissão da sessão.

Foi assinado e publicado em sessão, com a intimação pessoal do Procurador Regional Eleitoral, o Acórdão n. 34611.

Participaram do julgamento por videoconferência os Juízes Jaime Ramos (Presidente), Fernando Carioni, Wilson Pereira Junior, Jaime Pedro Bunn, Celso Kipper, Rodrigo Fernandes e Luís Francisco Delpizzo Miranda.

Presente o Procurador Regional Eleitoral André Stefani Bertuol.

Processo julgado na sessão de 20/10/2020.