TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO GRANDE DO NORTE

 

MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL n.º 0601554-85.2022.6.20.0000

PROCEDÊNCIA: NATAL/RN

ASSUNTO: PROPAGANDA ELEITORAL – CARREATA – CAMINHADA - PASSEATA

IMPETRANTE: FRANCISCO DE ASSIS SOUTO

IMPETRADO: COMANDANTE DO 10º BATALHÃO DE POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO: NELTER LULA DE QUEIROZ SANTOS

RELATOR: JUIZ FEDERAL CARLOS WAGNER DIAS FERREIRA

 

 

DECISÃO

 

I – Relatório

1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar (ID 10781299), impetrado por FRANCISCO DE ASSIS SOUTO, candidato ao cargo de Deputado Federal pelo partido Solidariedade, contra ato perpetrado pelo Comandante do 10º Batalhão de Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte, no intuito de obter édito jurisdicional initio litis que o autorize a realizar atos de propaganda eleitoral consistentes em carreatas, arrastões e comício no Município de Assu/RN, ainda que, simultaneamente, aos que foram assegurados ao candidato a Deputado Estadual Nelter Lula de Queiroz Santos, que figura neste feito como litisconsorte passivo necessário.

2. Afirma o impetrante, em fórmula sintética, que: (i) é candidato ao cargo de Deputado Federal nas Eleições Gerais de 2022, e, em atenção ao disposto no art. 13º, §§ 1º e 2º da Resolução TSE n.º 23.610/2022 informou ao Comando do 10º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte que, no dia 17 de setembro de 2022, realizará “Carreatas, arrastão e comícios” no perímetro Urbano da Cidade de Assu/RN; (ii)  oportunamente, solicitou apoio  logístico da força policial para garantir a ordem durante os eventos, bem como a autorização para  o fechamento das pistas que dão acesso ao local da realização do comício, conforme imagem do itinerário (ID 10781299, fl. 2); (iii) o impetrado negou o recebimento do ofício comunicativo em escólio ao argumento de que outra movimentação política ocorreria no mesmo horário e local, que teria sido comunicada previamente; (iv) informou a programação do evento político que seria o organizado pelo candidato a Deputado Estadual Nelter Queiroz (ID 10781299, fl. 3); (v) frisa que aos 16/09/2022 foi realizada reunião com os representantes de ambos os candidatos a fim de se deliberar acerca da questão, que culminou pelo impedimento do impetrante em realizar o almejado ato político; (vi) tal cenário não é concebível porque é direito líquido e certo do Impetrante, que consubstancia o presente remédio constitucional; (vii) alega tempestividade e cabimento do presente mandamus; (vii) destaca que além de ser ilegal, não é razoável que se proíba o Impetrante de realizar “carreatas, arrastão e comícios” em Assu/RN pelo simples fato de haver outro movimento político na mesma municipalidade, mormente porque a extenção territorial da cidade - de acordo com o Wikipédia - perfaz o total de 1.303 km²; e (viii) ressalta que, durante as campanhas eleitorais municipais, cuja polarização e acirramento é muito maior, é comum que esta Augusta Justiça Eleitoral "divida" a cidade em 04 (quatro) partes, a fim de se realizar os atos de campanha de forma concomitante - vide termos de ajustamento de condutas anexos, o que demonstra ser plenamente possível a realização de mais de um evento de campanha na Cidade do Assú/RN concomitantemente.

3. Ao final, requer: a) em sede de medida liminar, que seja assegurado ao impetrante o direito de realizar no dia 17/09/2022 “carreatas, arrastão e comícios” na zona urbana da Cidade de Assu/RN, no trajeto indicado no ofício nº 002/2020 anexo, seja porque os candidatos não são adversários políticos, seja porque o ofício de nº 001/2022 não se presta aos fins devidos, porquanto não indica com exatidão a localização precisa em que os eventos ocorrerão, não servindo, portanto para garantir a prioridade prevista no art. 13 da Resolução nº. 23.610/2019-TSE; b) A expedição de notificação à autoridade apontada como coatora, para prestar as informações nos prazos e forma legais; c) a intimação do representante do Ministério Público, com atribuições junto a essa Corte Eleitoral, para que emita parecer de estilo; d) no mérito, pugna pela confirmação da liminar, no sentido de ser reconhecido o direito do Impetrante realizar atos de propaganda eleitoral no dia 17/09/2022 na zona urbana da Cidade de Assú/RN. Por fim, pugna que todas as intimações, notificações e/ou publicações tocantes ao feito sejam realizadas em nome do Bel. CRISTIANO LUIZ BARROS FERNANDES DA COSTA, OAB/RN 5695, E-mail eleicoes@barrosmarizereboucas.com.br, telefone/whats app 84-99928- 0049

4. Nos termos da Resolução TRE-RN n.º 22/2018, houve distribuição, por sorteio, a este relator, que apreciará em regime de plantão estabelecido por meio da Portaria nº 161/2022-GP.

 

II – Fundamentação

II. 1. Da presença dos requisitos a tanto necessários à concessão da liminar em mandado de segurança em matéria de propaganda eleitoral

 

5. O mandado de segurança é ação constitucional que tem por objeto a proteção de direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX da CF). Contudo, ele não é cabível: a) contra ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução (art. 5º, I da Lei 12.016/2009); b) contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo (art. 5º, II da Lei 12.016/2009); c) contra ato judicial passível de recurso ou correição (Súmula 267/STF); d) contra decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, III da Lei 12.016/2009 e Súmula n. 268 do STF).

6. Em se tratando de decisão recorrível, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Súmula 22, segundo a qual: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais”.

7. Na hipótese de o ato coator ter natureza jurisdicional, ilegal é o ato judicial que viola de forma clara, normalmente literal, dispositivo de lei. Afasta-se, desse modo, a possibilidade de uso do mandado de segurança para discutir matéria controvertida, tese jurídica ou impugnar decisão adequadamente fundamentada, uma vez que, por mais que o entendimento jurídico do julgador ad quem, no mérito, possa ser diferente, é necessário analisar os fundamentos da impetração, quais sejam, a ilegalidade e o abuso de poder ou, ainda, como assentou a jurisprudência dos tribunais, a presença de decisão judicial teratológica. Nesse sentido: TSE, Mandado de Segurança nº 060023023, rel. Min. Edson Fachin, DJE 20/11/2019; TSE, Recurso em Mandado de Segurança nº 16185, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE 18/06/2018, Página 70; TSE, Processo Administrativo nº 060407704, rel. Min. Ministro Presidente Gilmar Mendes, DJE 13/11/2017.

8. No entanto, quando se trata de ato administrativo perpetrado por agente público que, por ato comissivo ou omisso, pode afetar o processo eleitoral, tal como no caso de autoridade ou de quem lhe faça às vezes que obsta a realização de propaganda eleitoral, é possível o manejo do mandado de segurança para proteger o direito líquido e certo do impetrante.

9. No trato da garantia constitucional do mandado de segurança, a providência liminar inserta no inciso III, do art. 7º, da Lei nº 12.016/2009, só é concedida quando se encontram presentes os requisitos da relevância do fundamento trazido à baila pelo impetrante e a demonstração da ineficácia da medida jurisdicional caso não seja outorgada initio litis.

10. Na hipótese dos autos, sustenta o impetrante, candidato à Deputado Federal, que, embora tenha postulado, por meio do Ofício 002/2022, apoio logístico da força policial e autorização para fechamento de pistas pelo Comando do 10º Batalhão da Polícia Militar do Estado do RN, para realizar típicos atos de campanha eleitoral, tais como “Carreatas, arrastão e comícios” no perimetro urbano da cidade de Assu/RN, o pleito restou negado.

11. O art. 39 da Lei 9.504/1997 assegura o direito de realização de ato de propaganda eleitoral, desencadeada por meio de carreata, passeata, comício ou outra forma de manifestação, indepentemente de prévia licença da autoridade policial, devendo apenas o candidato, partido ou coligação comunicar, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para obter prioridade na utilização do local no mesmo dia e horário, consoante se observa nas linhas seguintes:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.     (Vide ADIN 5970)

§ 1º O candidato, partido ou coligação promotora do ato fará a devida comunicação à autoridade policial em, no mínimo, vinte e quatro horas antes de sua realização, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra quem tencione usar o local no mesmo dia e horário.

§ 2º A autoridade policial tomará as providências necessárias à garantia da realização do ato e ao funcionamento do tráfego e dos serviços públicos que o evento possa afetar. (grifos acrescidos)

12. Parece evidente do teor desse dispositivo legal que a finalidade de tal regra é impedir a ocorrência de eventos político-eleitorais de candidatos adversários no mesmo local em dia e horário idêntico, para evitar indesejados confrontos entre apoiadores e correligionários.

13. No caso em apreço, nas atuais eleições em curso, o impetrante é candidato a Deputado Federal, ao passo que o impetrado Nelter Queiroz é candidato a Deputado Estadual, não havendo, pois, qualquer incompatibilidade que pudesse garimpar algum impedimento de atos simultãneos num mesmo município.

14. Não se pode dizer, outrossim, que a lei eleitoral, quando se refere a local, esteja fazendo menção a uma cidade inteira, sobretudo a uma municipalidade de razoável porte, como é a cidade de Assu/RN. Se existir alguma carreata ou passeata no Município de Assu prevista previamente para se realizar no mesmo dia e horário, outra não não poderia ocorrer na mesma cidade? É evidente que pode. Se a Polícia Militar não dispõe de estrutura de pessoal suficiente para dar o suporte logístico a dois ou mais eventos políticos abertos, simultaneamente, isso não pode impedir o livre exercício da manifestação do pensamento (art. 5º, IV, CF/1988), que alicerça o exercício da propaganda eleitoral.

15. Demais disso, ficou demonstrado nos autos, nas Eleições Municipais de 2020, apenas a Zona Rural do Município de Assu/RN foi dividida em quatro partes, podendo os partidos realizarem, concomitantemente, atos de propaganda eleitoral em cada uma delas, sem que comprometesse ou interferisse nos atos de seus adversários, o que sinaliza essa possibilidade concreta não apenas na zona rural, mas também no perímetro urbano dessa municipalidade.

16. Como se não bastasse, no Ofício nº 001/2022 encaminhado pelo candidato à Deputado Estadual Nelter Queiroz, longe de indicar com precisão qual seria a sequência do intinerário efetuado no Município de Assu em seu ato público de campanha eleitoral, há apenas referência a ruas e bairros onde ele estaria visitando na data de hoje, 17 de setembro de 2022.

17. O que causa estranheza ainda maior e reforça a tese do impetrante é a arbitrariedade flagrante do Comandante da 10º Batalhão de Polícia Militar do Estado do RN, como se constata na Ata nº 001/2022-10º BPM, de 16 de setembro de 2022, que sequer recebeu o ofício endereçado, ao argumento de que haveria um conflito de data e horário com outra solicitação, já previamente apresentada, de apoio logístico formulada pelo candidato à Deputado Estadual Nelter Queiroz.

18. Afinal, o direito de petição é garantido na Constituição Federal de 1988 e nenhuma autoridade civil ou militar do país, em um Estado Democrático de Direito, pode simplesmente se recusar a receber algum requerimento do administrado ou cidadão, ainda que o indefira.

19. Quanto ao periculum in mora, não resta dúvida de que a mera cogitação de rejeitar essa tutela de urgência pode esvaziar por completo o direito do impetrante à realização do atos de propaganda eleitoral almejados de carreatas, arrastões e comícios agendados para a data de hoje, 17 de setembro do corrente ano, inviabilizando a possibilidade de usufruir de tal direito postulado no momento da entrega da prestação jurisdicional definitiva.

 

III – Dispositivo

 

20. Diante desse cenário, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR formulado na inicial, para assegurar ao impetrante o direito de realizar, no dia de hoje, 17 de setembro de 2022, “carreatas, arrastão e comícios” na zona urbana da Cidade de Assu/RN, no trajeto indicado no ofício nº 002/2020 anexo, devendo a autoridade militar impetrada garantir a ordem durante os eventos e fechar as pistas que darão acesso aos locais ao local do comício a ocorrer no mesmo dia.

21. Oficie-se à autoridade tida como coatora para o imediato cumprimento deste decisum, notificando-a para, dentro do decêndio legal, prestar as suas informações de estilo.

22. Cite-se o litisconsorte passivo necessário, o candidato à Deputado Estadual Nelter Queiroz, para, no prazo legal, querendo, apresentar defesa, na forma da Lei 12.016/2009.

23. Após, com ou sem as informações e a defesa do litisconsorte passivo necessário, dê-se vista ao Ministério Público Federal para emissão de parecer.

24. Retornem-se os autos após os trâmites.

25. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.

 

Natal/RN, 17 de setembro de 2022.

 

 

Carlos Wagner Dias Ferreira

Juiz Federal Auxiliar do TRE/RN