JUSTIÇA ELEITORAL
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL
RECURSO ELEITORAL NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS (11548) Nº 0600106-93.2024.6.12.0044 - ELEIÇÕES 2024
Procedência: Campo Grande - MATO GROSSO DO SUL
Recorrente: JEAN FELIPE MORAIS FERREIRA BARBOSA
Advogados:FELIPE RAMOS VOLLKOPF DA SILVA - OAB/MS 21.961 eJOAO ANTONIO ARGIRIN DE FIGUEIREDO - OAB/MS 22.880
Recorrida: JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL
Relator: Juiz FERNANDO NARDON NIELSEN
DECISÃO
Vistos.
JEAN FELIPE MORAIS FERREIRA BARBOSA interpõe recurso eleitoral contra sentença proferida pelo Juízo da 44ª Zona Eleitoral de Campo Grande (ID 12594948), que julgou desaprovadas sua prestação de contas de campanha, com fulcro nos art. 30, inciso III, da Lei nº 9.504/1997 e art. 74, inciso III, da Resolução TSE nº 23.607/2019, determinando a devolução do valor de R$ 595,00 ao Tesouro Nacional.
Alega que (ID 12594953): i) o atraso na entrega dos relatórios financeiros não comprometeu a análise das contas, sendo um erro meramente formal; ii) a declaração de bens no registro de candidatura é estática, enquanto a capacidade financeira é dinâmica, devendo ser considerada a origem lícita dos recursos, devidamente comprovada nos autos; e, iii) as irregularidades apontadas representam apenas 16% do total arrecadado e 2,1% do teto de gastos, tornando a desaprovação desproporcional.
Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso para, reformando a sentença, aprovar suas contas, ainda que com ressalvas, aplicando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Instada a se manifestar, a douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL opinou pelo conhecimento do recurso interposto por JEAN FELIPE MORAIS FERREIRA BARBOSA e, no mérito, pelo seu parcial provimento, devendo sofrer reforma a sentença do juízo da 44ª ZE/MS para o fim de ver aprovada, com ressalvas, a prestação de contas de sua campanha eleitoral de 2024 (ID 12601559).
Relatado.
Presentes os pressupostos, conheço do recurso e passo a decidi-lo monocraticamente, com fulcro no art. 58, inciso IV, alínea d, do Regimento Interno deste Tribunal Regional, aqui utilizado por analogia.
Analisando os autos, verifica-se que o juízo de primeiro grau, após Parecer Conclusivo do Analista da Justiça Eleitoral (ID 12594943) e manifestação do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (12594947), desaprovou a prestação de contas dos recorrentes, com fundamento nos arts. 30, inciso III, da Lei nº 9.504/1997 e 74, inciso III, da Resolução TSE n.º 23.607/2019, em razão das seguintes irregularidades: i) o atraso na entrega dos relatórios financeiros; ii) utilização de recursos próprios em valor superior ao patrimônio declarado; e, (iii) omissão de gastos eleitorais.
O recorrente insurge-se contra a sentença, alegando as teses acima relatadas.
Razão lhe assiste.
Passa-se à apreciação de cada uma das irregularidades diante das justificativas apresentadas pelos recorrentes em seu recurso.
1. Do Atraso na Entrega dos Relatórios Financeiros.
A Resolução TSE nº 23.607/2019 impõe aos candidatos o dever de comunicar à Justiça Eleitoral, no prazo de 72 horas, os recursos financeiros recebidos para a campanha (art. 47, inciso I). No caso dos autos, restou demonstrado que todas as receitas foram declaradas com atraso, sendo o maior deles de 19 dias.
O § 7º do art. 47da resolução supracitada, prevê que o atraso no envio dos relatórios financeiros pode ensejar a desaprovação das contas, mas não o faz de maneira automática, exigindo-se a análise do impacto da falha na transparência da prestação de contas.
Todavia, o próprio ordenamento jurídico prevê que erros formais não ensejam, por si sós, a desaprovação das contas. A norma expressamente dispõe que irregularidades formais irrelevantes no conjunto da prestação de contas não acarretarão sua rejeição (arts. 30, § 2º-A, da Lei nº 9.504/97 e 76 da Resolução TSE nº 23.607/2019). No presente caso, a intempestividade não impediu a efetiva fiscalização das receitas e despesas, tampouco se verificou a intenção de ocultar valores.
O Tribunal Superior Eleitoral, em casos análogos, tem considerado que o atraso na entrega dos relatórios financeiros, quando não compromete a regularidade das contas, não justifica a sua desaprovação, mas apenas sua aprovação com ressalvas (Acórdão no AgR-REspe nº 0601417-34, j. 20.02.2020, rel. Min. LUÍS ROBERTO BARROSO; e, Acórdão no ED-AgR-AI nº 0601340-25, j. 20.02.2020, rel. Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO).
Portanto, a falha apontada não pode conduzir, por si só, à rejeição das contas.
2. Da Utilização de Recursos Próprios em Valor Superior ao Patrimônio Declarado.
A segunda inconsistência apontada refere-se ao uso de recursos próprios no valor de R$ 20.000,00, sendo que o candidato não havia declarado qualquer patrimônio no momento do registro de sua candidatura.
O recorrente justificou que os valores utilizados advieram de indenização securitária recebida em decorrência do falecimento de sua tia, ocorrido em julho de 2024. Sustenta, ademais, que a norma em comento não se aplica a rendimentos extraordinários obtidos após o registro de candidatura, mas apenas a bens já existentes no patrimônio do candidato.
O art. 25, § 2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, estabelece que “os bens próprios da candidata ou do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura”.
No entanto, a norma não trata explicitamente de receitas extraordinárias adquiridas no curso da campanha, como salários, heranças e indenizações securitárias.
Embora a interpretação literal do dispositivo poderia levar à conclusão de que a utilização do recurso violaria a norma, ao aplicar-se a interpretação sistemática e teleológica, verifica-se que o seu objetivo é evitar o uso de recursos de origem não identificada, o que não é o caso presente. O próprio Juízo de primeiro grau reconheceu que a origem dos valores foi devidamente comprovada, afastando a hipótese de utilização de recursos ilícitos.
De fato, a finalidade da norma é garantir transparência e evitar a injeção de recursos não identificados no curso da campanha. No entanto, no presente caso, restou amplamente comprovada a origem dos valores, afastando qualquer indício de ilicitude ou de omissão deliberada de patrimônio.
O Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade na análise das prestações de contas, especialmente quando não há prejuízo à fiscalização e lisura do pleito. Em casos similares, tem-se afastado a desaprovação das contas quando o percentual das irregularidades é reduzido em relação ao total arrecadado (Acórdão no AgR-REspe nº 060355917, j. 26.05.2020, rel. Min. EDSON FACHIN).
Dessa forma, não havendo qualquer elemento que comprometa a legitimidade da campanha do recorrente, é possível a aprovação das contas com ressalvas, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
3. Da Suposta Omissão de Gastos Eleitorais.
O parecer técnico conclusivo apontou a existência de despesas não registradas na prestação de contas do candidato, sobretudo no que concerne a impulsionamento de conteúdo em redes sociais.
O recorrente esclareceu que todas as despesas foram devidamente declaradas e que a aparente omissão se deu devido ao modelo de cobrança de impulsionamento adotado pela plataforma do Facebook, em que os créditos são adquiridos previamente, e as notas fiscais são emitidas posteriormente, demonstrando que tais valores foram devidamente contabilizados e informados posteriormente no sistema SPCE, tendo havido apenas um descompasso temporal na emissão das notas fiscais correspondentes.
O exame dos autos revela que tais gastos foram, de fato, devidamente incluídos na prestação de contas, ainda que com metodologia diversa da utilizada pela Justiça Eleitoral para aferição dos registros. Assim, não há omissão de despesas capaz de comprometer a análise da regularidade da prestação de contas.
Trago, em reforço, os judiciosos argumentos da douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, que analisou o caso com esmero habitual, cujos fundamentos também adoto como razão de decidir (ID 12601559), in verbis:
(...) No caso dos autos, observa-se que o juízo da 44ª ZE/MS desaprovou as contas da campanha eleitoral de JEAN FERREIRA por entender que “a Resolução supra, no § 2º do art. 25, veda o uso de recursos próprios e não declarados no Registro de Candidatura” (ID 12594948).
Contudo, em que pese o entendimento adotado pelo magistrado, evidente que o disposto no art. 25, § 2º, não se aplica ao caso em tela.
Ora, o artigo, logo de início, estabelece a temática central a ser regulada pelo dispositivo, a saber, a aplicação de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro nas campanhas eleitorais. No caput, são abordadas questões referentes a doações de terceiros (pessoas físicas), enquanto o § 2º trata especificamente dos bens/serviços estimáveis em dinheiro do próprio candidato, excluindo, no caso, recursos em moeda corrente.
A vedação do art. 25, § 2º, segundo Denise Goulart Schlickmann, presta-se a evitar que o ingresso de recursos de fonte vedada e/ou não identificada se dê pela via dos recursos estimáveis em dinheiro, “de forma fraudulenta, para burlar o trânsito paralelo de recursos, ou seja, o Caixa 2”. Para tanto, a aludida norma coíbe a utilização, na campanha, de bens (móveis e imóveis) que não integravam o patrimônio do candidato em período anterior ao de formalização do seu pedido de registro.
No caso dos autos, não é o que aconteceu.
Segundo consta, JEAN FERREIRA teria recebido, em 14/08/2024, aproximadamente R$ 30.000,00 (trinta mil reais), referente ao percebimento de 10% (dez por cento) de um seguro de vida em nome de Josefa Ferreira da Cunha, tia do candidato (falecida em 13/07/2024. Desse montante, o candidato efetuou doação de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) à sua própria campanha, em 22/08/2024.
Tratando-se, portanto, de recurso em dinheiro - e não de bem e/ou serviço estimável em dinheiro -, a regra a ser aplicada ao caso em tela não é a do art. 25, § 2º, da Res. TSE n. 23.607/2019, mas a do art. 27, § 1º, do mesmo diploma. Sob tal ótica, observa-se que a doação atende o limite de autofinanciamento previsto na norma, posto que não ultrapassa 10% do teto de gastos para o cargo em disputa.
Além disso, milita em favor do candidato a vasta comprovação documental, que indica a data e origem do recebimento dos valores, bem como a adequada destinação dos R$ 20.000,000 na conta bancária específica para a movimentação de outros recursos.
Assim, diante da peculiaridade da situação em questão, e não havendo qualquer irregularidade que macule a movimentação financeira em comento, não era o caso de reprovação das contas do recorrente.
(...)
Lado outro, também não há que se falar em aprovação sem ressalvas.
Isso porque, conforme demonstrado nos relatórios técnicos preliminar e conclusivo (ID 12594935 e ID 12594946), ainda que apontada como “falha administrativa humana”, a demora na apresentação de documentos essenciais à análise das contas é medida suficiente para a imposição de ressalva - sobretudo em razão do prolongado atraso para a apresentação dos relatórios financeiros de receitas, de mais de 19 (dezenove) dias.
Regularizada, posteriormente, a situação - fato que possibilitou a análise integral das movimentações financeiras -, não há que se falar em desaprovação das contas, sendo suficiente a sua aprovação com ressalvas, nos termos do art. 76 da Res. TSE n. 23.607/2019.
É de conhecimento geral que a finalidade da prestação de contas é garantir transparência ao processo eleitoral, permitindo que a sociedade tenha ciência das receitas obtidas pelos partidos políticos e candidatos, bem como da destinação das despesas efetuadas.
Assim, não obstante a inobservância da norma de regência da prestação de contas, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, diante da inexistência de falhas que comprometem sua regularidade.
Vale dizer que a impropriedade verificada, fato incontroverso, não obstou o real escopo da prestação de contas, que é o de propiciar à Justiça Eleitoral o controle da movimentação financeira empreendida pelos candidatos nas eleições.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, acompanhando o parecer da douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, dou provimento ao recurso para, reformando a sentença objurgada, aprovar com ressalvas as contas apresentadas pelo recorrente, com fulcro no art. 74, inciso II, da Resolução TSE nº 23.607/2019.
Registre-se. Publique-se. Intime-se.
Dê ciência à douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL.
Campo Grande, MS, data da assinatura eletrônica.
Juiz FERNANDO NARDON NIELSEN
Relator