TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE GOIÁS

 

  ACÓRDÃO

 

PETIÇÃO CRIMINAL 0600913-35.2024.6.09.0000 - GOIÂNIA - GOIÁS

RELATOR:          DES. IVO FAVARO

DENUNCIADO:   AMAURI RIBEIRO

ADVOGADO:      ROBERTO RODRIGUES – OAB/GO 13.834

ADVOGADO:      LEONARDO VALDO NASCIMENTO – OAB/GO 52.874

DENUNCIANTE: PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL  

 

 

EMENTA

PETIÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA. VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA A MULHER. IMUNIDADE PARLAMENTAR. ATIPICIDADE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

I. CASO EM EXAME 

1.1. Denúncia apresentada pelo Procurador Regional Eleitoral em desfavor de parlamentar estadual, pela prática, por nove vezes, do crime de violência política de gênero, previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral, em concurso material (artigo 69 do Código Penal), durante discursos na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. 

1.2. A defesa sustentou que as intervenções proferidas pelo acusado se deram no exercício da função legislativa, sob a proteção da imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição Federal e no artigo 12 da Constituição do Estado de Goiás, e requereu, ante a atipicidade, a absolvição sumária.

1.3. O voto concluiu pela incidência da imunidade material parlamentar e pela atipicidade das condutas imputadas ao acusado, pois não evidenciada a elementar subjetiva do delito, que exige a presença do dolo específico de impedir ou dificultar o exercício do mandato da vítima.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 

2.1. Há duas questões em discussão: 

(i) saber se as condutas narradas configuram o crime de violência política contra a mulher, previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral; 

(ii) saber se a imunidade parlamentar protege as manifestações realizadas pelo denunciado no exercício do mandato legislativo.

III. RAZÕES DE DECIDIR 

3.1. A imunidade parlamentar material, prevista no artigo 53 da Constituição Federal, constitui causa de exclusão da tipicidade de atos praticados no âmbito do exercício do mandato. A jurisprudência do STF reconhece que ofensas pessoais proferidas em contexto parlamentar estão abrangidas pela imunidade, salvo casos de discurso de ódio, que não se confundem com manifestações grosseiras ou desrespeitosas (STF, Pet 5.714 AgR; AO 2.002). 

3.2. Para além dos núcleos “assediar”, “constranger”, “humilhar”, “perseguir” e “ameaçar”, a caracterização do crime de violência política de gênero, como descrito no artigo 326-B do Código Eleitoral, exige a demonstração de elemento subjetivo do tipo, consistente no dolo específico de agir "com a finalidade de impedir ou dificultar sua campanha eleitoral ou o desempenho do seu mandato eletivo". Na hipótese, analisando detidamente as falas proferidas pelo acusado no âmbito do parlamento, não vislumbro evidência de que tenha ele tenha agido com o fim específico de interferir o exercício pleno do mandato da deputada ofendida.

3.3. Em nenhuma ocasião a vítima teve cerceada sua prerrogativa constitucional de expressar-se plena e livremente diante da tribuna da casa legislativa, seja antes ou depois dos discursos do acusado, conforme se verifica das transmissões das sessões ordinárias da Assembleia Legislativa pelo Youtube.

3.4. Conclusão pela atipicidade das condutas imputadas ao denunciado, impondo-se a rejeição da denúncia em seu desfavor, nos termos do artigo 395, III, do Código de Processo Penal.

IV. DISPOSITIVO E TESE 

4.1. Denúncia rejeitada com fundamento no artigo 395, III, do Código de Processo Penal. 

4.2. Tese de julgamento: "A imunidade parlamentar material exclui a tipicidade de manifestações realizadas por parlamentar, salvo em casos não relacionados ao exercício do mandato. A caracterização da tipicidade subjetiva do crime do artigo 326-B do Código Eleitoral demanda a demonstração do dolo específico de impedir ou dificultar o desempenho do mandato da vítima, o que não se verifica em ofensas genéricas ou pessoais proferidas em contexto legislativo".

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, por maioria, em desacolher a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral e, no mérito, rejeitar a denúncia em desfavor de Amauri Ribeiro, com fundamentação na atipicidade da conduta, nos termos do voto do relator.

Goiânia, 13 de maio de 2025. 

 

Des. Ivo Favaro

Relator

 

RELATÓRIO

Denúncia do Procurador Regional Eleitoral em desfavor de AMAURI RIBEIRO, Deputado Estadual, pela prática do crime do artigo 326-B do Código Eleitoral (Violência Política de Gênero), por 8 (oito) vezes, em concurso material (artigo 69 do Código Penal), no exercício da função parlamentar.

A acusação (ID 37919268) narra que o denunciado assediou, constrangeu, humilhou e vem perseguindo a Deputada Estadual MARIA EUZÉBIA DE LIMA, conhecida como BIA DE LIMA, em pronunciamentos feitos da tribuna da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, com menosprezo e discriminação à sua condição de mulher, com a finalidade de impedir ou dificultar o desempenho de seu mandato em inúmeras oportunidades, especialmente nos dias 14.3.2023, 4.4.2023, 30.5.2023, 6.6.2023, 13.9.2023 (manhã), 13.9.2023 (tarde), 14.9.2023 e 10.10.2023.

Requer o recebimento da denúncia, a condenação do acusado, a decretação da perda de seu mandato eletivo e a fixação do valor mínimo para a reparação do dano moral à vítima em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) (artigo 387, IV, do Código de Processo Penal).

Em cota, o Procurador Regional Eleitoral informa que não propôs acordo de não persecução penal (ANPP) e suspensão condicional do processo, pelos seguintes motivos: (I) a gravidade e a reiteração dos crimes demonstram que os benefícios não seriam suficientes para sua reprovação e prevenção; (II) por se tratar de crime praticado contra mulher por razões de gênero, incide a vedação prevista no artigo 28-A, § 2º, IV, do CPP; e (III) a pena mínima, calculada na forma do artigo 69 do CP, ultrapassa 4 (quatro) anos.

Em aditamento à denúncia (ID 37921990), o Procurador narra que o denunciado AMAURI RIBEIRO, durante a sessão ordinária de 28.8.2024 da Assembleia Legislativa, teria praticado, pela nona vez, o crime do artigo 326-B do Código Eleitoral. Na oportunidade, requereu a majoração do valor mínimo para reparação dos danos morais causados à vítima para R$ 90.000,00 (noventa mil reais).

Em resposta à acusação (ID 37954679), o denunciado alega que: (I) na condição de parlamentar, a inviolabilidade prevista no artigo 53 da Constituição Federal e no artigo 12 da Constituição do Estado de Goiás protege seus pronunciamentos feitos da tribuna da Assembleia Legislativa; (II) segundo a doutrina e a jurisprudência, a imunidade material exclui a punibilidade de crimes cometidos em razão do exercício do mandato eletivo, de modo que são intangíveis suas opiniões, palavras e votos; (III) eventuais ofensas pessoais proferidas por parlamentares, no âmbito de discussões políticas, não causam danos morais. Requer, por fim, absolvição sumária, nos termos do artigo 397, IV, do CPP.

É o relatório.

 

VOTO

O crime de violência política de gênero é inovação recente introduzida pela Lei 14.192/2021, em harmonia com os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal e com as normas protetivas dos tratados internacionais de Direitos Humanos, notadamente a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

O tipo penal está previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral:

 

Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

 

O bem jurídico tutelado é coletivo e visa proteger a autonomia política feminina na campanha eleitoral e durante o exercício do mandato.

É crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa, por qualquer meio; formal, que se consuma com a prática de ato consistente em assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar a vítima, sem exigência de resultado naturalístico; e também próprio, pois a vítima deverá ser uma mulher candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo.

No âmbito da tipicidade subjetiva, o tipo do artigo 326-B do CE é definido como crime de dolo específico, pois exige que o agente atue imbuído do desejo de impedir ou dificultar a campanha eleitoral da candidata ou o desempenho do mandato pela mulher.

A propósito, leciona José Jairo Gomes:

 

O tipo do art. 326-B apresenta elementos ou circunstâncias que, por si mesmos, constituem crimes, tratando-se, portanto, de crime complexo (CP, art. 101). É o que ocorre com as elementares “constranger” e “ameaçar”, previstas nos arts. 146 e 147 do Código Penal respectivamente como crimes de constrangimento ilegal e ameaça, bem como com o uso “de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia”, fato que pode caracterizar injúria racial, conforme prevê o art. 140, § 3°, do CP. No caso, incide o princípio da consunção, prevalecendo o crime do art. 326-B do CE, que absorve os demais[1].

 

A opção do legislador por inserir o crime de violência política de gênero no Código Eleitoral (artigo 326-B) é suficiente para atrair a competência absoluta desta Justiça Especializada, conforme reiteradas manifestações do Supremo Tribunal Federal (STF, AgR-Inq 4435, Relator designado Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 20.11.2018; Petição 10.496, Relatora Min. Rosa Weber, j. 30.8.2022).

O denunciado AMAURI RIBEIRO ocupa cargo de Deputado Estadual, condição que atrai a competência originária deste Tribunal Regional para o processamento e julgamento do feito, conforme disposto no artigo 125 do Regimento Interno desta Corte (Resolução TRE/GO 403/2024)[2].

Fixadas essas balizas, passo ao exame do caso.

Narra o Procurador Regional Eleitoral (ID 37919268) que AMAURI RIBEIRO, no exercício do mandato eletivo, em discursos durante as sessões ordinárias da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, vem constrangendo, humilhando e perseguindo a também Deputada Estadual MARIA EUZÉBIA DE LIMA, conhecida como BIA DE LIMA, perante os demais parlamentares e a população em geral, com o intuito de impedir e dificultar o desempenho de seu mandato.

Imputa a prática, por 9 (nove) vezes, do crime do artigo 326-B do Código Eleitoral, em concurso material (artigo 69 do CP), especificamente nos dias 14.3.2023, 4.4.2023, 30.5.2023, 6.6.2023, 13.9.2023 (manhã), 13.9.2023 (tarde), 14.9.2023, 10.10.2023 e 28.8.2024.

Transcrevo as falas do acusado, indicando as correspondentes sessões durante as quais foram proferidas:

 

1ª FATO -  SESSÃO ORDINÁRIA DE 14.3.2023:

0:54’:10’’ – Eu quero ver alguém do PT vir defender esses canalhas que invadem o que não é seu, quando tiverem o seu bem invadido, como agora o Deputado que teve sua fazenda invadida, aí doeu né? No dos outros é refresco. No dele a pimenta arde. Bandido é bandido. Quem invade propriedade particular não é homem decente. É bandido e merece ser tratado como tal [...]. Em 2009 eu não me lembro de ninguém que defende esses vagabundos subir aqui e chamá-los como estão chamando essas pessoas que fizeram o que fizeram em Brasília. Não me lembro. Dois pesos e duas medidas [...]. É uma vergonha defender bandido na Tribuna. E enquanto eu viver e for Deputado, bandido vai ser tratado como bandido [...]. Porque é assim que cidadão de bem trata. Mas como eu digo e sempre vou dizer, quem defende bandido ou é bandido ou é advogado, concorda? Eu não defendo porque não sou bandido e muito menos advogado [...].

<https://www.youtube.com/watch?v=El7w95pOYRU>

 

2º FATO -  SESSÃO ORDINÁRIA DE 4.4.2023:

1:33’:10’’ - Deputada Bia, do PT. Sabe qual é a nossa diferença é que quando eu falo de alguém eu cito o nome Deputada, pra mim quem sobe ali e fala “tem pessoas” é porque é covarde, não tem coragem de citar nomes. Hipocrisia, cinismo é a Senhora, de subir ali e falar o que a Senhora falou. Já me disseram isso, não é a primeira pessoa que me diz. Mas não é recíproco, tá?

1:34’:09’’ – E eu já disse isso aqui, pra mim quem defende bandido ou é bandido ou é advogado. A Senhora está defendendo alguém que cometeu algo absurdo. Se a Senhora representasse a categoria como representante do SINTEGO que a Senhora é, a Senhora tinha que abrir um processo contra ela. É isso que a Senhora deveria fazer porque não representa a classe que a Senhora sobe ali e gosta de bater no peito e gosta de falar que defende.

1:34’:50’’ – Covarde, cínica, hipócrita é a sua atitude. Tá bom? [...] E volto a dizer, a todos que me assistem: quem defende bandido, canalha, ou é bandido ou é advogado. Que eu saiba a Senhora não é advogada, Está dado o recado.

<https://www.youtube.com/watch?v=KpeOZc8I5mI>

 

3º FATO - SESSÃO ORDINÁRIA DE 30.5.2023:

1:04’20’’ – A senhora. vir comparar o que aconteceu em avião não sei de quem, que não foi o Maduro. A senhora. deveria ter vergonha, mas isso infelizmente vocês do PT não têm. Não têm. O mínimo que vocês deveriam de ter um posicionamento é ficar calados, porque é vergonhoso que o nosso país tá sendo notícia no mundo, porque o mundo não concorda com o que está acontecendo na Venezuela, com o que esse ditador disfarçado de comunista, porque é isso que vocês são, ditadores.

1:05’:24’’ – Esses dias aqui, Deputado Fred, nas minhas falas a Deputada Bia disse que eu era bonito e gostosão. Bonito e gostosão. Eu acreditei porque eu já recebi esse elogio. Agora eu acredito que a senhora. nunca deve ter recebido. Mas imagina se a senhora. estivesse aqui e eu tivesse falado isso. Era assédio? Era assédio Deputado Fred? Cara de pau que vocês têm. Tá dado o recado.

<https://www.youtube.com/watch? v=L5ypQy66pls>

 

4º FATO - SESSÃO ORDINÁRIA DE 6.6.2023:

1:40’:05’’ – Eu nunca, nunca, xinguei a Deputada Bia aqui. As nossas discussões aqui são discussões políticas. Xinguei Deputada Bia? Muito pelo contrário, eu já ouvi a senhora. clamar (sic) Ah, então não posso discutir com a senhora, me referir à senhora porque a senhora é uma mulher, aí é machismo? Eu tenho que tratar a senhora como, ajoelhado? É isso Deputada Bia? É isso? Eu não posso discutir com a senhora no mesmo tom que eu discuto com qualquer Deputado desta casa? A senhora pode subir ali e falar o que quiser, mas a senhora é mulher e eu tenho que...que.... Eu discuto com o cargo que a senhora ocupa, de Deputada. A senhora já gritou aí debaixo que eu sou bonito e gostosão. Aí a senhora disse se eu acreditei, eu não acreditei porque vocês do PT são mentirosos. Então eu não acreditei. Mas se eu falo isso, aí de baixo pra senhora, bonita, gostosona, provavelmente eu seria processado por assédio e outros. É assim que vocês agem. Se fazem vítimas de tudo. E é o que eu tenho mais repúdio dessa esquerda podre e nojenta, é o vitimismo, que não quer se colocar por baixo de ninguém, senhores Deputados, mas querem se colocar acima de todos. Eu nunca proferi nenhuma palavra, nenhum xingamento e faço um desafio, assim como o Deputado Fred fez. Que achem algum xingamento que eu fiz aqui à Deputada Bia, que não fosse dentro da discussão da Tribuna e do Plenário. Vocês se sentem ofendidos quando eu falo do Presidente de vocês, mas vocês não acham que estão ofendendo quando falam do Presidente que eu defendo [...].

1:52’:05’ – Deputada Bia de Lima quem disse pra senhora que mundinho que a senhora vive fui eu, agora eu quero desafiar a senhora, se eu chamei a senhora algum momento nessa casa de vagabunda, deve ter vídeo porque tudo aqui é gravado, a senhora busque e abra um processo na Comissão de Ética. Faça isso. Agora, se a senhora não fizer, a senhora é uma mentirosa. Mentirosa. Nunca, senhores Deputados, eu chamei a Deputada de vagabunda. O que eu penso às vezes eu engulo, mas nunca chamei.

<https://www.youtube.com/watch?v=ZFt6U-ce7eI>

 

5º FATO - Evento pela autonomia dos municípios, no dia 13.9.2023:

0:58’:20’’ – Quero aqui cumprimentar o nosso Governador Ronaldo Caiado, assim eu cumprimento a todos. Fui prefeito e em 2013 eu acampei na porta do Congresso, de barraca, buscando uma pactuação aos Municípios. A luta não vem de agora, eu conheço o que é o governo do PT, esses canalhas. Deputada Bia, a senhora tinha que ter vergonha na cara de falar em democracia. O seu governo não sabe o que é democracia. Nós estamos vivendo a maior ditadura que este país já viu. Estão roubando dinheiro dos Estados e dos Municípios [...].

<https://www.youtube.com/watch?v=8e5CUuDidM>

 

6º FATO - SESSÃO ORDINÁRIA DO DIA 13.9.2023:

0:24’:56’’ – Deputada Bia de Lima do PT, a senhora hoje foi vaiada por mais de 200 prefeitos. Isso mostra a aceitação do seu Presidente. A senhora disse aqui que eu a chamei de vagabunda. Alguém aqui já viu senhores Deputados. A senhora deve ter algum vídeo chamando a senhora de vagabunda. Mostre. Converse menos fiado. É... canalha, eu digo que quem apoia bandido é bandido ou é advogado. Aceite como a senhora quiser. Quando eu discuto com a senhora eu discuto com o cargo. Vocês não querem direitos iguais? Aceitem a discussão de igual para igual. Assim como eu discuto com a senhora, eu discuto com outros Deputados do seu Partido aqui. De igual para igual. Eu nunca ameacei de bater na senhora, de agredir a senhora, fale menos, converse menos, aja mais. Nós temos aqui nessa Casa, uma Comissão de Ética, coloque, faça isso, isso aqui é um parlamento, é um lugar de discussões. Se a senhora não se sente com competência para tal, peça para sair. A senhora viveu a vida inteira dentro de Sindicato, se escondendo atrás de sindicatos. Eu acho que a senhora nunca foi numa sala de aula. A senhora já deu aula alguma vez na sua vida? Já trabalhou alguma vez na vida da senhora., além de se esconder atrás de Sindicato? Porque é isso que vocês sabem fazer, sindicalistas [...]. A senhora quer ter direito igual, me respeite. A senhora já disse ali sentada que eu sou bonito e gostosão. Se eu digo isso pra senhora é o que, assédio? Um desrespeito? Quando a senhora fala pra mim, não é? A senhora não é... que eu escuto isso, agora eu acho que a senhora nunca escutou. Quer o respeito? Se dê o respeito! Chamar um deputado ali de bonito e gostosão na Tribuna não é falta de respeito? A senhora prega moralidade, aja como tal. Aja como tal. Essa sua cara cínica, de hipocrisia. Eu costumo falar na cara. Não falo por trás. Eu não ponho os meus assessores para conversar fiado em cantinho não. Quer o respeito? Se dê o respeito [...]. A senhora sempre viveu escondida detrás de sindicato. Fez um concurso público para professora e nunca trabalhou como tal. Então não venha aqui dar lição de moral. A senhora não tem pudor pra isso [...]. Então não preocupa o que a senhora fala ou o que a senhora pensa, a minha postura vai ser sempre a mesma. E eu sempre vou discutir com a senhora do mesmo jeito que a senhora quer. A senhora não quer ser tratada igualmente? E eu discuto com o cargo de deputado. Se não quer o cargo, renuncie. Vá pra casa.

<https://www.youtube.com/watch?v=Rho0pkxiV-4>

 

7º FATO - SESSÃO ORDINÁRIA DO DIA 14.9.2023:

0:13’:58’’ – Deputada Rosangela fico feliz de ver a senhora subindo na tribuna, eu posso, eu posso me referir à senhora. ou não posso? Talvez eu não possa conversar com a senhora porque a senhora é uma mulher e aí eu não posso conversar com a senhora no mesmo tom que eu converso com qualquer deputado homem aqui, porque eu tô conversando com o cargo. Isso é um absurdo, até pelo respeito que eu sempre tive pela senhora. [...] Eu ofendi a mulher ou o cargo de deputado ao qual eu discuto? E o que eu disse a ela eu vou dizer: Se a senhora ou qualquer outra deputada desta Casa não quiser participar do debate, como tal de igual para igual, peça para sair. Eu não estou discutindo com o cargo a mulher, mas sim com o cargo deputado. Aonde eu ofendi uma mulher aqui senhora. Deputada? Até pelo respeito que eu sempre lhe tive. E quando a Deputada Bia me chama de bonito e gostosão, ironizando, vamos ter que abrir também uma Procuradoria do Homem nesta Casa. Basta de vitimismo. Basta. Ninguém é diferente de alguém aqui, porque é homem ou é mulher, homossexual, negro, branco ou pela religião que exerce. Somos todos iguais. Querem direitos iguais, mas na hora que se beneficiam [...]. Deputada vai poder subir aqui e me desaforar e eu não posso responder porque é uma mulher. Eu tenho três filhas! Nunca fui machista, não sou machista! Não sou homofóbico! Canalhas quem fala isso! Hipócritas quem fala isso! [...]. Canalhas, hipocrisia, vitimismo barato! Nunca destratei ninguém nesta casa ou em qualquer outro lugar por ser mulher! E senhora tá indo na onda de gente hipócrita que gosta de fazer vitimismo, que se acha superior a todo mundo [...]. Sempre lhe respeitei Deputada. Sempre. E não imaginei que a senhora fosse nessa onda que a senhora disse de mimimi. Me processe em qualquer procuradoria que a senhora quiser, faça isso [...]. E ela entendeu que eu nunca a desrespeitei como mulher, mas sim como Deputada a nossa discussão nessa casa [...]. E eu nunca ofendi uma mulher por ser uma mulher nessa Casa. E não vou deixar de tratar uma mulher numa discussão nessa casa diferente porque é mulher. Porque eu não acho a senhora inferior a nada a mim, Deputada, a nada, a nada. A senhora não é, a senhora foi eleita como eu e merece estar aqui como eu, mas não me venham com essa porcaria que eu tenho nojo de vitimismo em todas as categorias que vocês pregam. Nojo de fazer vômito. Não vão me mudar. Não vão me rebaixar. Principalmente pra gente de esquerda.

1:09:40 – Deputada Bia eu vou chamar a senhora de bonita e gostosona, eu posso? Não é ofensa. Posso chamar a senhora. de bonita e gostosona? A senhora. me chamou, não me chamou? Todos aqui viram ela me chamando de bonito e gostosão? Então não é ofensa, é a maneira educada que a senhora, professora que a senhora é, uma pessoa educadíssima trata as pessoas. Quando a senhora sobe ali e me chama de analfabeto, que tenho que ir para a escola, a senhora não está me desrespeitando. Dois pesos e duas medidas, Deputada. Quer o meu respeito, me respeite. E tem que acontecer duas coisas aqui dentro pra mim mudar minha postura ou meu tratamento com a senhora, ou a senhora deixar de ser Deputada ou eu deixar de ser Deputado, uma dessa coisas tem que acontecer. A senhora. não vai conseguir me mudar e eu vou continuar, quando a senhora faz um discurso igual a senhora. fez ontem no meio de quase 220 prefeitos, defendendo um presidente corrupto e que tá ferrando com essa nação e eu falei pra senhora que a senhora tem que ter vergonha na cara e a minha postura vai continuar sendo essa aqui, falando o que penso, defendendo o que acredito [...]. Eu não vou mudar. Eu trouxe pra política o que eu sou, eu sou isso aqui, chucro [...]. Esse discurso de vitimismo, de coitadinho não serve pra mim, serve pra vocês da esquerda, que pregam isso, que gostam disso, que foram criado talvez com toddynho, o meu discurso é diferente e nunca vai mudar. Vamos ter que criar nessa Casa uma Procuradoria do homem também, seremos obrigados porque aqui Deputado não pode discutir com o mesmo nível, do mesmo nível que uma Deputada mulher [...]. Se eu xingar a senhora. a senhora vai me xingar também, não vai? É assim que funciona o parlamento. É assim que funciona.

1:27’:47’’ – Deputada Bia de Lima do PT, que a senhora tem vários adjetivos, eu já citei alguns aqui, eu conhecia, agora mentirosa, aonde que a senhora arrumou que a Polícia Federal teve aqui nessa casa e eu tirei o chapéu? A senhora está com algum problema mental, alguma coisa assim? Que eu posei na Assembleia, a senhora tá doente, alguma coisa? Mas eu acho que a senhora tem um motivo que a senhora justifique essa loucura momentânea da senhora. A senhora ontem foi vaiada por todo o Estado de Goiás, 220 prefeitos levantaram uma vaia e não deixaram a senhora falar, vergonhoso, vexatório, então eu acho que a senhora tem motivo para isso [...]. Deputada, vai tomar Gardenal. Gardenal é pra doido, a senhora não está bem. A senhora está com problema mental, tá? A senhora quer respeito, me respeite. Não venha mentir, não venha falar absurdos aqui não, não venha, tá? Eu não vou falar o que eu tenho vontade de falar pra senhora não senão é porque é mulher, não pode falar, né, tadinha da senhora. A senhora é submissa, né? Senhor Presidente, era só isso.

<https://www.youtube.com/watch?v=o8szl-jh7SY>

 

8º FATO - SESSÃO ORDINÁRIA DO DIA 10.10.2023:

1:37’:05’’ – Eu posso conversar com a Sra. nesse tom ou eu tenho que baixar esse tom porque a senhora é mulher e vai querer entrar com uma representação porque eu não posso, né Deputado Fred, é tudo vitimismo. Vocês podem subir lá e falar o que quiserem, mas não podem ouvir porque é mulher. Volto a dizer, eu estou discutindo com o cargo de Deputado. A senhora pode, quando sobe aqui na Tribuna se vitimizar, se faz de vítima, Deputado Fred, mas aí embaixo, passa perto de mim e me chama de idiota, é um idiota! Mas aqui em cima é uma vítima, uma coitadinha, tadinha, humilhada. E a educação é tão grande que falou Deputado Fred, eu escutei, agora coloca ali um microfone, um fone de ouvido e tá ali em plena sessão conversando. A senhora é uma hipócrita, uma cara de pau, uma professora que nunca trabalhou, que vive na cacunda de sindicato, porque não gosta de trabalhar, é malandra, igual a maioria dos seus que se envolve em sindicato. Não gosta de trabalhar, malandro! Quem tem que ir pra aula, para sala de aula é a Sra, aonde provavelmente tem anos que recebe e não trabalha. Tá dado o recado.

<https://www.youtube.com/watch?v=7g_QGpOOD3A&t=4814s>

 

9ª FATO - SESSÃO ORDINÁRIA DE 28.8.2024:

1:01’:05’’ – Quero dizer aqui à Deputada Euzébia de Lima do PT, só poderia ser do PT, pra subir na Tribuna e dizer que as queimadas que estão acontecendo são iniciativas de produtores rurais fazendo acero com fogo. A senhora está enganada Deputada Euzébia de Lima. A senhora está muito enganada. Os produtores... não, tá gravado o que a senhora falou. É fácil da senhora me desmentir, tá bão. Fica caladinha, senta aí. A Tribuna é minha. A senhora. já teve seu tempo [...]. A senhora sobe ali e diz que é defensora dos produtores, que a senhora foi, é de uma família que tirava leite, que defende produtores, sobe ali pra fazer uma acusação que são os produtores que estão fazendo aceros e provocando queimadas. Acero de antigo...isso é um absurdo. O que vocês, do PT, têm contra o produtor rural? Por quê que vocês atacam e criminalizam os produtores rurais? Até o capim que a maioria dos petistas comem, Deputado Tales Barreto, até o capim vem do pasto que quem planta é o produtor rural. Então só para que vocês entendam e respeitem os produtores rurais, eu não vou admitir que se suba aqui e se fale que essas queimadas são provocadas pelos produtores rurais fazendo aceros. Isso é uma vergonha! A senhora não sabe o que fala como a maioria da sua turma do PT. Defende um governo corrupto, ladrão!

1:08’:25’’ – Deputada Euzébia de Lima, vulgo batatinha do mandachuva. Posso né? A senhora me chama de chapeludo eu posso chamar a senhora de batatinha. Deputada eu conheço muito bem o que é acero, eu faço na minha propriedade, só que eu não faço acero com fogo como a senhora insinuou que os produtores o fazem. Não fazemos isso no dia de hoje. Isso foi feito no passado. Muitos e muitos anos atrás, onde produtores faziam acero com o próprio fogo. Não se faz mais. Então essa insinuação da batatinha, da Deputada batatinha é mentirosa, caluniosa contra os produtores rurais [...]. Não só a senhora, mas o seu partido do PT que não respeita os produtores rurais desse País e, provavelmente de lugar nenhum. Então se contenha. A senhora. não tem o mínimo perfil pra tentar dar educação para ninguém. A senhora não tem o perfil de uma professora, pelo menos das professoras que eu estudei. A senhora nunca serveria (sic) para educar um filho meu, sequer um animal que eu crio lá na roça. A senhora. não tem esse perfil, então quando a senhora. quiser falar em educação, não se dê como exemplo, porque a senhora. não é perfil disso, muito pelo contrário, nem a senhora e nem a sua gangue que a acompanha.

1:14’:51’’ – Senhores Deputados eu fico me perguntando a hipocresia (sic) dessa turma do PT nessa casa, mas é a cara deles. Hipocresia (sic) (...) Como a maioria da turma do PT. Eles latem, latem, são aqueles cachorrinhos chihuahuas, que late, late, mas não tem coragem de morder, é mais ou menos isso. Então quero dizer aqui ao mister magoo. Mister Magoo, Deputado Mauro Rubem e a batatinha, Deputada Euzébia de Lima, que acabou de dizer na tribuna que o produtor rural faz acero com fogo, provocando incêndios e insinuando que os produtores rurais são culpados desses incêndios que vem acontecendo, [...] eu vou pra cima de malandro, principalmente de petista, de gente da esquerda que quer ferrar com essa nação, que ataca o produtor rural e criminaliza o produtor rural [...]. É gente igual vocês, do seu perfil e do perfil da batatinha, do Sr. Mister Magoo e da Batatinha. Então só pra deixar bem claro aqui, não ofendi ninguém com apelidos. Não querem...então se querem respeito, se deem respeito [...]. E quanto a Deputada Batatinha aqui que disse que sou um analfabeto. Deputada, talvez eu não tenha o estudo que a senhora tem, mas pode ter certeza que eu tenho muito mais princípios e moral do que a senhora., porque o que eu tenho não se aprende em escola, se nasce com eles e senhora. provavelmente não nasceu com nenhum.

1:19’:09’’ – Ah, antes aqui de qualquer coisa Deputado, eu quero me pronunciar aqui nesse momento como mulher. Nesse momento nessa Tribuna eu me sinto uma mulher, Deputada Zeli, então eu não posso ser criticado por discutir com a Deputada Euzébia de Lima, porque nesse momento Deputada eu me sinto uma mulher, então eu estou discutindo com uma mulher, posso? De mulher pra mulher, pode? Porque como homem eu fui avisado a não discutir com a Deputada Euzébia de Lima porque ela é mulher e aqui eu não posso discutir com o cargo da Deputada. É assim que funciona. Vitimismo barato dessa turma que não merece respeito. Defensores de canalhas nesse País.

<https://www.youtube.com/watch?v=nibiLYLPGs>

 

A defesa do denunciado alega que, na condição de parlamentar, a inviolabilidade prevista no artigo 53 da Constituição Federal[3] e no artigo 12 da Constituição do Estado de Goiás[4] protege seus pronunciamentos feitos da tribuna da Assembleia Legislativa, de modo que são intangíveis suas opiniões, palavras e votos. Com base na doutrina e na jurisprudência, requer a absolvição sumária, sustentando que a imunidade material exclui a punibilidade de crimes cometidos em razão do exercício do mandato eletivo.

Como introdução ao tema, destaco as lições do Ministro Alexandre de Moraes em voto proferido nos autos da Petição 7174, julgada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em 10.3.2020:

 

Na independência harmoniosa que rege o princípio da Separação de Poderes, as imunidades parlamentares são institutos de vital importância, visto buscarem, prioritariamente, a proteção dos parlamentares, no exercício de suas nobres funções, contra os abusos e as pressões dos demais poderes; constituindo-se, pois, um direito instrumental de garantia de liberdade de opiniões, palavras e votos dos membros do Poder Legislativo, bem como de sua proteção contra afastamentos ou prisões arbitrárias e processos temerários. Essas imunidades, como destacado por Paolo Biscaretti di Ruffia, não dizem respeito à figura do parlamentar, mas à função por ele exercida, no intuito de resguardá-la da atuação do Executivo ou do Judiciário, consagrando-se como garantia de sua independência perante outros poderes constitucionais (Introduzione al Diritto Costituzionale Comparato. 2. ed. Milão).

[...]

A criação das imunidades parlamentares como corolário da defesa da livre existência e independência do Parlamento remonta ao século XVII e tem no sistema constitucional inglês sua origem, por meio da proclamação do duplo princípio da freedom of speech (liberdade de palavra) e da freedom from arrest (imunidade à prisão arbitrária), no Bill of Rights de 1689. Ressalte-se, porém, que a declaração inglesa de direitos de 1688, Estatuto I, de Guilherme III e Maria II, no ato declaratório dos direitos e liberdades do súdito, já previa a autonomia dos membros do Parlamento, ao afirmar que as eleições deveriam ser livres e a liberdade de expressão, os debates e procedimentos no Parlamento não poderiam ser impedidos ou contestados em qualquer tribunal ou em qualquer lugar fora do Parlamento.

Posteriormente, tal previsão foi acolhida pela Constituição norteamericana em 1787, que previu que os parlamentares não poderão ser incomodados ou interrogados, em qualquer outro lugar, por discursos ou opiniões emitidos em uma ou outra Câmara (art. 1º, seção 6).

Entre nós, desde a primeira Constituição brasileira de 1891 foi prevista essa garantia de proteção ao exercício do mandato popular, consubstanciada na liberdade de palavra.

[...]

O debate, longe de despertar interesse meramente histórico-literário, permanece atual nesta Corte, que tem sido constantemente provocada a se manifestar sobre os limites da imunidade material dos parlamentares hospedada no art. 53, caput, da Carta da República; especialmente, sobre o caráter absoluto ou relativo das imunidades parlamentares materiais. Cada vez mais, na Turma, cada um de nós tem casos relacionados a parlamentares, o que nos traz a importante questão sobre qual é a natureza jurídico-política das inviolabilidades e a análise evolutiva dessa natureza jurídica que foi se alterando, e sua aplicabilidade, ao longo das nossas Constituições, consolidada na Constituição de 1988.

 

A inviolabilidade civil e penal dos deputados e senadores por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos objetiva garantir a plena liberdade de expressão política, especialmente quando ecoam da tribuna parlamentar. Essa imunidade possibilitou o avanço e a consolidação da democracia representativa no mundo. Nos idos de 1898, disse Ruy Barbosa:

 

O privilégio de que se trata é, portanto, um privilégio a favor do povo, um privilégio a favor da lei, um privilégio a favor da Constituição. Sempre se entendeu assim desde Blackstone até Brunialti, o mais recente dos tractadistas, que o qualifica de tão necessário quanto, nas Monarchias, a inviolabilidade do Monarcha... (...) longe de polos em situação privilegiada, a prerrogativa parlamentar, de facto, não fez mais que nivelar a deles à dos outros cidadãos (...) Assim se tem pronunciado, em toda a parte, na Inglaterra, na França, na Itália, nos Estados Unidos, em resoluções e sentenças que poderíamos citar, a jurisprudência dos parlamentares e Tribunaes, desde Thomaz Jefferson, que disse: O privilégio não pertence aos membros da Camara, mas à Assembléa[5].

 

Prevista no artigo 53 da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional 35/2001, a imunidade parlamentar material tem natureza jurídica de causa constitucional de exclusão da tipicidade de eventuais condutas em tese ofensivas à honra, praticadas no âmbito da atuação político-legislativa, “afastando, por isso mesmo, a própria natureza delituosa do comportamento em que tenha incidido” (STF, Petição 5875 AgR/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, publicado no DJe de 3.5.2017). Essa cláusula é estendida aos deputados estaduais, nos termos do artigo 27, § 1º, da CF/88.

No caso, analisando a sequência de fatos narrados na denúncia, descritos como violência política de gênero, vislumbro que as falas do denunciado AMAURI RIBEIRO dirigidas à Deputada BIA DE LIMA foram feitas no exercício do mandato, a partir da tribuna do próprio parlamento, em ocasiões de debates públicos antagônicos. Foram discursos alinhados ao grupo político ao qual pertence, em consonância com as ideologias que orientam sua atuação. Traduzem, portanto, nítido desdobramento da atividade parlamentar em sua essência.

Em tal cenário, encontram-se presentes as razões que inspiraram o legislador constituinte a expressamente imunizar o congressista dos denominados “delitos de opinião”. Os excessos de linguagem cometidos, ainda que veiculadores de ofensas pessoais, embora dissonantes do espírito plural e democrático que deveria animar as discussões na arena política, estão excluídos da responsabilidade cível e criminal, podendo apenas, se for o caso, ser objeto de censura, sob o viés político, pela Casa Legislativa da qual o imputado faz parte. Nesse sentido:

 

A verbalização da representação parlamentar não contempla ofensas pessoais, via achincalhamentos ou licenciosidade da fala. Placita, contudo, modelo de expressão não protocolar, ou mesmo desabrido, em manifestações muitas vezes ácidas, jocosas, mordazes, ou até impiedosas, em que o vernáculo contundente, ainda que acaso deplorável no patamar de respeito mútuo a que se aspira em uma sociedade civilizada, embala a exposição do ponto de vista do orador.

(STF, Pet 5.714 AgR, Relatora Min. Rosa Weber, j. 28.11.2017, PrimeiraTurma, DJe de 13.12.2017)

 

Entender tais manifestações, supostamente ofensivas, como passíveis de responsabilização criminal resultaria no esvaziamento do “acréscimo” de proteção que constitui a essência da imunidade parlamentar constitucional. Isso porque, para discursos cordiais e críticas construtivas, o direito fundamental à liberdade de expressão política, por si só, basta. O reiterado posicionamento da Suprema Corte segue a mesma linha de raciocínio:

 

Art. 53 da CF. Imunidade parlamentar. Ofensas em entrevistas a meios de comunicação de massa e em postagens na rede social WhatsApp [...].

1. Imunidade Parlamentar. A vinculação da declaração com o desempenho do mandato deve ser aferida com base no alcance das atribuições dos parlamentares. As "funções parlamentares abrangem, além da elaboração de leis, a fiscalização dos outros Poderes e, de modo ainda mais amplo, o debate de ideias, fundamental para o desenvolvimento da democracia" (RE 600.063-MG, Rel. p/ Ac. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 25.2.2015).

2. Imunidade parlamentar. Parlamentares em posição de antagonismo ideológico. Presunção de ligação de ofensas ao exercício das "atividades políticas" de seu prolator, que as desempenha "vestido de seu mandato parlamentar; logo, sob o manto da imunidade constitucional". Afastamento da imunidade apenas "quando claramente ausente vínculo entre o conteúdo do ato praticado e a função pública parlamentar exercida". Precedente: Inq 3.677, Rel. p/ Ac. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 27.3.2014.

3. Ofensas proferidas por senador contra outro senador. Nexo com o mandato suficientemente verificado. Fiscalização da coisa pública. Críticas a antagonista político. Inviolabilidade. Absolvição, por atipicidade da conduta.

(STF, AO 2.002, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2.2.2016, Segunda Turma, DJe de 26.2.2016)

 

Não há dúvida de que a sequência de verbosidades direcionadas à Deputada Estadual BIA DE LIMA são ofensivas, vulgares, desrespeitosas e incompatíveis com um ambiente civilizado. Entretanto, o limite da inviolabilidade parlamentar é o discurso de ódio, e não a grosseria, a má-educação, por maior que seja.

Com isso não se está a legitimar a ideia de uma total irresponsabilidade do mandatário popular, quando confrontado, na dialética política própria dos parlamentos, com o teor de suas manifestações. O denunciado AMAURI RIBEIRO está sujeito à reprimenda de seus pares e pode ser responsabilizado por eventuais excessos pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, que o abriga, em consonância com o disposto no artigo 55, § 1º, da Constituição Federal[6].

Lado outro, para além dos núcleos “assediar”, “constranger”, “humilhar”, “perseguir” e “ameaçar”, a caracterização do crime de violência política de gênero, como descrito no artigo 326-B do Código Eleitoral, exige a demonstração de elemento subjetivo do tipo, consistente no dolo específico de agir "com a finalidade de impedir ou dificultar a campanha eleitoral da candidata ou o desempenho de seu mandato eletivo".

Na hipótese, analisando detidamente os fatos narrados na denúncia do Procurador Regional, não vislumbro, das falas proferidas pelo acusado AMAURI RIBEIRO, qualquer evidência de que tenha ele agido com a finalidade específica de impedir ou dificultar a parlamentar BIA DE LIMA de exercer livremente seu mandato de Deputada Estadual.

Pelo contrário, assistindo pelo Youtube às transmissões das sessões ordinárias da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás realizadas nos dias 14.3.2023, 4.4.2023, 30.5.2023, 6.6.2023, 13.9.2023 (manhã), 13.9.2023 (tarde), 14.9.2023, 10.10.2023 e 28.8.2024, constato que em nenhuma ocasião a vítima teve cerceada sua prerrogativa constitucional de expressar-se plena e livremente diante da tribuna da casa legislativa, seja antes ou depois dos discursos do acusado.

Destaca-se também o perfil do Deputado AMAURI RIBEIRO, conhecido por suas falas, ações e até figurino provocativos. Ainda que suas características possam gerar antipatia em uma parcela da população, é certo que também serviram para alçá-lo ao parlamento goiano. E os eleitores que afiançaram esse mote de atuação esperam vê-lo continuar. Por isso, o denunciado mantém o “personagem” com seu discurso beligerante, que atinge indistintamente homens e mulheres.

Esses traços insultuosos do comportamento se revelam com frequência nos pronunciamentos do parlamentar, dentre os quais, destaco:

 

SESSÃO ORDINÁRIA DE 5.8.2021 – Dep. Amauri Ribeiro x Vereadora de Goiânia Lucíula do Recanto:

29’04” – “Eu fico puto quando eu vejo uma vereadora invadindo a casa de um cidadão igual a essa vereadora de Goiânia que se fiz protetora de animais, arrebenta o portão da casa de um cidadão, sem mandado, sem ordem judicial. Porque ela também não é polícia, nem com ordem ela podia. E invade uma casa, pra mim merecia um tiro na cara. Quem entra dentro do que não é seu, invade o que não é seu, pra mim não merece nem viver, porque eu tenho direito a proteger o que é meu”.

<https://www.youtube.com/watch?v=0ZFl0WxMY20>

 

SESSÃO ORDINÁRIA DE 14.12.2021 – Dep. Amauri Ribeiro x Dep. Major Araújo:

0’48” – “O senhor falou as merdas que o senhor queria, agora senta e escuta! A palavra é minha. Senhor Presidente, cala a boca desse cidadão que a palavra é minha”. (48” a 1”08”)

2’08” – Tentativa de agressão física contra o Dep. Major Araújo.

2’36” – Nova tentativa de agressão física.

<https://www.youtube.com/watch?v=EAtNHr1_Zkk>

 

SESSÃO ORDINÁRIA DE 10.10.2023 – Dep. Amauri Ribeiro x Dep. Mauro Rubem:

0’54” – Tentativa de agressão física contra o Deputado Mauro Rubem.

<https://www.youtube.com/watch?v=rMt3seTnaIg>

 

SESSÃO ORDINÁRIA DE 1º.11.2023 – Dep. Amauri Ribeiro x Suplente Dep. Estadual Fabrício Rosa:

0’33” – “Fala comigo ali, seu bostinha, seu merdinha. Fala comigo ali agorinha. Eu vou sair e você vem falar comigo. Seu bosta, seu merda [...]”.

<https://www.youtube.com/watch?v=Dx01aLuHUsU>

 

Basta verificar as manchetes jornalísticas a respeito do denunciado para constatar sua postura diante dos holofotes. Eis um exemplo[7]:

 

 

Não há dúvidas, portanto, de que as condutas imputadas ao denunciado não tiveram como elemento motivador a discriminação à condição de mulher, tampouco obstaram o desempenho da parlamentar em seu mandato.

Nessa perspectiva, não vislumbro a tipicidade subjetiva reclamada pelo delito do artigo 326-B do CE. Há, sim, a pretensão de atrair para si a atenção pública e, quiçá, os votos dos eleitores que aprovam esse tipo de protagonismo que ofende sem fazer distinção entre os alvos.

Em semelhante situação de ausência de justa causa para o prosseguimento do processo criminal, já decidiu a Suprema Corte:

 

Declarações desprovidas da finalidade de repressão, dominação, supressão ou eliminação não se investem de caráter discriminatório, sendo insuscetíveis a caracterizarem o crime previsto no artigo 20, cabeça, da Lei 7.716/1989. Denúncia. Imunidade parlamentar. Artigo 53 da Constituição Federal. Incidência. A imunidade parlamentar pressupõe nexo de causalidade com o exercício do mandato. Declarações proferidas em razão do cargo de Deputado Federal encontram-se cobertas pela imunidade material.

(STF, Inq. 4.694, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de 1º.8.2019)

 

Na mesma linha de entendimento:

 

Recurso Criminal Eleitoral. Representação. Improcedência. Injúria em Propaganda Eleitoral. Art. 236 - B do Código Eleitoral. Ausência de elementos aptos à incidência do delito. Liberdade de Expressão. Críticas Políticas. Manutenção da sentença. Desprovimento.

1. Verifica-se que a questão nodal trazida a acertamento consiste em verificar a suposta prática, pelo recorrido, de “manifestações misóginas, difamatórias e de violência política de gênero”, em desfavor da Recorrente, na ocasião da Convenção Partidária realizada no dia 02 de outubro de 2024.

2. Em cotejo com a moldura fática e as provas adunadas aos autos pela Recorrente, -- Nota de Solidariedade emitida pela Sra. Neusa Cadore (ID 50108697), Matéria Jornalística publicada no Jornal da Chapada (ID 50108698) e vídeo do discurso proferido pelo Recorrido (ID 50108699) --, NÃO resta caracterizada a hipótese delineada no art. 326 - B, do Código Eleitoral, de modo a constituir o delito ali disposto e a atrair, em consequência, a penalidade, nos moldes em que alegado na Inicial.

3. As críticas fazem parte do jogo político e, de fato, residem no âmbito da liberdade de expressão e, como tal, descabida a imposição de obstáculos ao seu exercício, por constituir direito fundamental insculpido no art. 5º, IV, da Constituição Federal.

4. Desprovimento do recurso, em consonância com o parecer ministerial, mantendo-se, in totum, a sentença atacada.

(TRE/BA, Recurso Criminal Eleitoral 060007367, Rel. Des. Pedro Rogério Castro Godinho, DJe de 19.12.2024)

 

Destaco também os seguintes acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ao apreciar casos similares, reafirmando a inviolabilidade dos parlamentares estaduais por suas falas proferidas no exercício do mandato, reconhecendo a atipicidade das condutas e impedindo o prosseguimento das persecuções criminais por faltar justa causa para a ação:

 

É intrínseca à atividade parlamentar emitir opiniões, manifestações e votos sobre os mais variados assuntos de interesse público, dado que se o parlamentar que dá entrevistas em quaisquer meios de comunicação (TV, rádio, mídia impressa ou redes sociais, como Instagram e Twitter) - ou se de qualquer modo se manifesta independentemente de estar no recinto da Casa Legislativa a que pertencer - sobre pautas morais capazes de influenciar de modo indelével a sociedade, pratica ato em decorrência de seu mandato parlamentar, sendo inafastável a incidência da imunidade material em seu favor.

(TJGO, IP 5136090-98.2023.8.09.0000, Rel. Des. Jeová Sardinha de Moraes, Órgão Especial, DJe de 22.5.2023)

 

Tendo em vista que a conduta atribuída ao Deputado Estadual possui relação com suas funções legislativas e fiscalizatórias, está ele acobertado pela imunidade parlamentar, a qual se qualifica como excludente constitucional da tipicidade penal para os crimes contra a honra. Dessa forma, atípica a ação do paciente, não há justa causa para o processamento da queixa-crime ajuizada em seu desfavor, impondo-se, consequentemente, seu trancamento.

(TJGO, HC 5104338-76.2020.8.09.9001, Rel. Desa. Carmecy Rosa Maria Alves de Oliveira, Órgão Especial, DJe de 4.3.2021)

 

Por outro prisma, saliento que a exigência de justa causa para o prosseguimento da ação penal funciona como garantia contra o uso abusivo do direito de acusar, e tem por objetivo evitar o processo quando é imediata e evidentemente perceptível sua inviabilidade. A falta de justa causa impõe a rejeição da denúncia, conforme hipóteses expressamente previstas no artigo 395, III, do Código de Processo Penal:

 

Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

(original sem destaques)

 

Dispositivo

Ante o exposto, reconheço a incidência da imunidade material do parlamentar e tenho por atípicas as condutas narradas na denúncia. Assim, ausente a justa causa para a instauração da ação penal, rejeito a denúncia em desfavor de AMAURI RIBEIRO (artigo 395, III, do Código de Processo Penal).

É como voto.

Goiânia, 13 de maio de 2025. 

Des. Ivo Favaro

Relator

 

 

 

[1] GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, 6ª ed., Barueri/SP, ATLAS, 2022, p. 179.

[2] Art. 125. Compete, originariamente, ao Tribunal, processar e julgar os crimes eleitorais cometidos por Juízes/Juízas Eleitorais, Promotores/Promotoras Eleitorais, Deputados/Deputadas Estaduais, Secretários/Secretárias de Estado e Prefeitos/Prefeitas Municipais, sujeitos à sua jurisdição.

[3] Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

[4] Art. 12. Os Deputados Estaduais são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

[5] BARBOSA, Ruy. Commentários à Constituição Federal Brasileira, Vol. II, São Paulo/SP: SARAIVA, 1933, pp. 41/42.

[6] STF, Petição 6.587/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 18.8.2017; Petição 6.156, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 28.9.2016; Petição 5.647/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 26.11.2015; RE 600063, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, Plenário, DJe de 15.5.2015.

[7] <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/08/29/quem-e-amauri-ribeiro-deputado-alvo-de-operacao-sobre-81.htm>, acessado em 28.2.2025, às 17h54.

 

 

Voto vista

Solicitei vista, para fazer análise mais detalhada do recente tipo penal aos fatos descritos na denúncia.

 

A Lei nº 14.192/2021 acrescentou o artigo 326-B ao Código Eleitoral, incluindo nova modalidade de crime eleitoral, nos seguintes termos:

 

Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo. (Sem grifo no original).

 

A respeito do elemento subjetivo, o tipo é doloso. Há ainda duas outras elementares de natureza subjetiva:

 

1) o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

2) a finalidade de dificultar ou impedir o desempenho do mandato eletivo.

 

Essas elementares são aspectos imprescindíveis para a configuração do fato típico. A ausência de quaisquer delas resulta na atipicidade do fato, conformando a conduta num indiferente penal.

 

Para configuração do tipo penal do artigo 326-B do Código Eleitoral, a primeira elementar determina que condição de mulher deve ser a causa da conduta discriminatória/menosprezo.

 

Das falas imputadas ao indiciado, a mais grave, ao meu ver, foi quando ele credita que a deputada Bia nunca deve ter recebido o elogio de bonita e gostosa, que diz que a deputada creditou a ele. Vejamos:

 

 

Entretanto, não vislumbrei nessa e nas outras transcrições presentes na Denúncia, atitudes que indiquem a intenção de tolher a participação da parlamentar, em virtude da sua condição de mulher.

 

O indiciado, áspero e grosseiro, na maioria das vezes deseja achincalhar, de forma constrangedora, os adversários, do PT e da esquerda.

 

Embora a forma que o faz não sirva de exemplo para o ambiente cívico próprio de uma casa legislativa, trata-se de embate afeto ao parlamento.

 

Não se desconhece que a deputada se sentiu menosprezada, indignada e atacada em sua moral, mas, nesse espaço jurídico, deve ser discutido apenas as questões que tem relevância penal e o confrontamento se existe o elemento subjetivo especial do tipo, consistente na motivação de gênero, nos atos do indiciado.

 

Todas as falas do deputado colacionadas pela Denúncia, poderiam ter sido dirigida a homens, sem troca de nenhuma palavra, de modo que, entendo inexistir na motivação das condutas perpetradas origem numa discriminação de gênero e muito menos tiveram a intenção de impedir o exercício de algum mandato.

 

Pelo que se conhece do deputado Amauri e em simples pesquisas na rede mundial de computadores a descortesia é para todos os adversários e não somente para as mulheres.

 

Observe-se que o temperamento colérico é comum ao deputado, independente do gênero. Vejamos algumas notícias retiradas da internet:

 

 

Não se tem também, do caderno probatório dos autos informações de que a deputada Bia foi impedida ou teve dificultado o desempenho do seu mandato eletivo, que é a outra elementar do tipo.

 

Diferentemente do douto relator não vislumbro necessidade em adentrar na tese aventada pela defesa com relação à inviolabilidade prevista no artigo 53 da Constituição Federal e no artigo 12 da Constituição do Estado de Goiás, que protege os pronunciamentos de parlamentares feitos da tribuna da Assembleia Legislativa, já que essa tem natureza jurídica de causa constitucional de exclusão da tipicidade e o que estou a defender aqui é a atipicidade da conduta, face a ausência dos elementos subjetivos especiais do tipo penal.

 

Diante do exposto, rejeito a denúncia em virtude da atipicidade da conduta.

 

Goiânia, na data da assinatura digital.

 

Desembargador Eleitoral RODRIGO DE MELO BRUSTOLIN

Relator

 

 

VOTO-VISTA

(PRELIMINAR DE OFÍCIO - INCOMPETÊNCIA DA JE)

 

Os autos se ocupam da denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor do Deputado Estadual Amauri Ribeiro, imputando-lhe o delito tipificado no art. 326-B do Código Eleitoral:

Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

 

No voto proferido pelo eminente Relator, Desembargador Eleitoral Ivo Favoro, Sua Excelência rejeita a denúncia ao entendimento de “incidência da imunidade material sobre as condutas narradas na denúncia e a consequente ausência de justa causa para a instauração da ação penal [...], com fundamento no artigo 395, III, do Código de Processo Penal”, se convencendo de que “as condutas imputadas ao denunciado não tiveram como elemento motivador a discriminação à condição de mulher, tampouco obstaram o desempenho da parlamentar em seu mandato.

Antes de enfrentar a admissibilidade da denúncia, submeto à Corte questão preliminar que suscito de ofício, reconhecendo a incompetência da Justiça Eleitoral para o processamento e julgamento da ação penal que eventualmente se iniciar nestes autos, ressaltando que contexto fático envolve tão-somente à atividade parlamentar da suposta vítima, a Deputada Estadual Maria Euzébia de Lima – Deputada Bia, que não estava em campanha eleitoral à época dos fatos.

Minha compreensão é calcada na total ausência de relação causal, direta ou reflexa, dos fatos denunciados com alguma matéria de substância eleitoral, o que exterioriza a incompetência absoluta desta Justiça Especializada para processá-los e julgá-los, em cogente observância ao sistema de competências jurisdicionais especializadas fundado na Constituição Federal com a instituição das Justiças do Trabalho (art. 111), Eleitoral (art. 118) e Militar (art. 122), cujos funcionamentos devem se ater à aplicabilidade das normas que disciplinam as matérias afetas à respectiva especialidade.

À luz dessa restrita materialidade normativa, verifico prontamente não ter natureza eleitoral o delito que, em tese, se configura nos fatos narrados na denúncia; prisma sob o qual identifico haverem dois tipos penais no art. 326-B do CE: um eleitoral, em que a conduta descrita tenha a finalidade de impedir ou dificultar “campanha eleitoral” de “candidata a cargo eletivo”; outro comum, em que a finalidade da conduta descrita seja impedir ou dificultar que “detentora de mandato eletivo” desempenhe seu mandato.

O mero fato de o art. 326-B ter sido introduzido no texto do Código Eleitoral não lhe confere essência plena de norma eleitoral, tampouco expressa uma opção do legislador de inserir na competência da Justiça Eleitoral assunto diverso da sua especialidade, o que violaria o sistema de competências jurisdicionais constitucionalmente estruturado por critério de materialidade restrita, logicidade que se vê confirmada no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal que atribui aos juízes federais competência para processar e julgar “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.

Outrossim, somente lei complementar pode dispor sobre a competência da Justiça Eleitoral (art. 121 da CF), e a introdução do art. 326-B no Código Eleitoral se deu por lei ordinária (Lei nº 14.192/2021).

A vertente que adoto se alicerça substancialmente no acórdão deste Regional (Questão de Ordem no Recurso Criminal Eleitoral nº 0600414-94.2020.6.09.0128, julgado em 07/8/2024, Relator Desembargador Eleitoral Adenir Teixeira Peres Júnior) que entendeu competir à Justiça Eleitoral processar e julgar a ação penal de crime tipificado no art. 268 do Código Penal (Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa), porque, naquela situação fática, a norma efetivamente violada era de cunho eleitoral. Replico trechos do voto condutor:

A EC-107/2020 consistiu em norma eminentemente eleitoral, do que se afere preponderante a natureza eleitoral na fusão entre matérias sanitária e de propaganda eleitoral perpetrada no art. 1º, § 3º, inciso VI, da EC-107/2020. Tem-se ainda que a norma restritiva concretamente violada (Portaria nº 15/2020 da 128ª ZE) foi editada pela Justiça Eleitoral para disciplinar especificamente a propaganda eleitoral na circunscrição da 128ª ZE, com a finalidade primeira de garantir a isonomia entre os candidatos na divulgação de suas candidaturas e, dentro dessa específica órbita, em caráter subsidiariamente excepcional, também resguardar a saúde pública dos riscos de contágio da COVID-19.

Nessa compreensão, os fatos denunciados nos autos caracterizaram o delito tipificado no art. 268 do CP com excepcional natureza eleitoral.

[...]

Com efeito, a conjugação de normas de natureza nitidamente eleitoral atribuída diretamente pela Constituição Federal, a Portaria nº 15/2020 da 128ª ZE fundada na EC-107/2020 (art. 1º, § 3º, inciso VI), consistiram na complementação da figura descrita no art. 268 do CP para o caso dos autos, bem como o contexto fático no qual e em razão do qual as condutas delitivas aconteceram (realização de propaganda eleitoral), consubstanciaram excepcional natureza eleitoral ao crime configurado, daí ser impositivo reconhecer a competência absoluta desta Especializada para julgá-lo [...]

[...]

A meu senso, eventual inversão dessa ordem de preponderância, para que se atribuísse maior peso ao tema sanitário, ou mesmo lhe conferir tratamento isolado da propaganda eleitoral, possibilitaria indevidamente que matéria eleitoral fosse processada e julgada na Justiça Comum, transgredindo o rígido sistema constitucional que fixa a competência absoluta dos ramos especializados da Justiça em razão da matéria. No concernente à Justiça Eleitoral, destaca-se os seguintes dispositivos da Constituição Federal: art. 96, inciso III; art. 105, inciso I, alíneas 'c' e 'h'; art. 108, inciso I, alínea 'a'; e art. 109, incisos I e IV.

 

No aresto em citação trilhou-se inteligência prevalecente na jurisprudência do TSE sobre o tema da natureza eleitoral na seara criminal, consoante elucidado no Recurso no Habeas Corpus nº 0600244-42.2020, julgado naquele Superior em 1º/7/2020, sob a relatoria do Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, e tendo por objeto o trancamento de ação penal baseada no art. 347 do CE, na qual se denunciava advogado que desobedecera a ordem do juiz eleitoral de não gravar a audiência de instrução. Vejo pertinente reproduzir os seguintes excertos do voto relator:

 

[...] a conduta descrita na denúncia não malfere o bem jurídico tutelado pelo art. 347 do Código Eleitoral, qual seja, a autoridade da Justiça Eleitoral na administração do processo eleitoral e na realização de seus objetivos institucionais precipuamente relacionados ao sufrágio, portanto não comporta apuração no âmbito desta Justiça especializada.

O tema relativo à competência permeia as garantias do juiz natural e do devido processo legal, direitos fundamentais limitadores da ação persecutória do Estado em face dos indivíduos.

Com vista à prevenção de arbitrariedades, tais garantias proíbem a instituição de tribunais de exceção e, simultaneamente, impedem a subtração da causa ao juiz ou tribunal competente, tal como estabelecem, em momento prévio à prática delitiva (tempus criminis regit iudicem), as regras objetivas de distribuição das competências preconizadas pela Constituição Federal e pela legislação de regência.

Assim, a prévia qualificação jurídica dos fatos constitui providência inerente à garantia do juiz natural e, por conseguinte, permeia a análise, desde a fase apuratória, da conduta objeto da ação penal para subsidiar a definição da justiça competente em razão da matéria – comum ou especializada, estadual ou federal –, razão pela qual é cabível o exame da questão em sede de habeas corpus.

O Direito Penal Eleitoral, de natureza especializada, erige da necessidade de se conferir maior proteção aos valores sociais intrinsecamente relacionados ao direito ao sufrágio, em contraponto ao Direito Penal geral, que cuida das condutas criminalmente reprováveis, classificadas como delitos comuns, e se funda na proteção aos “bens jurídicos triviais, das pessoas em geral, tais como personalidade, patrimônio, família, fé pública, saúde, liberdade”.

Nesse contexto, a doutrina de José Jairo Gomes situa os ilícitos penais eleitorais como os que visam resguardar determinados bens jurídicos, “como a higidez do processo eleitoral, a lisura do alistamento e da formação do corpo eleitoral, princípios como a liberdade do eleitor e do voto, a veracidade da votação e do resultado das eleições, a representatividade do eleito”.

Por vezes, será necessário perscrutar o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora para se definir a competência jurisdicional desta Justiça especializada. Isso porque, embora se trate de ramo específico, o Direito Penal Eleitoral prevê crimes cuja definição típica se apresenta muito similar a tipos penais classificados como comuns.

É o caso dos crimes contra a honra – calúnia, difamação e injúria –, previstos nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal, os quais, se praticados no contexto da propaganda eleitoral ou visando a fins de propaganda, passam a ser disciplinados pelo Código Eleitoral nos respectivos arts. 324, 325 e 326; assim como do crime de corrupção, tipificado em suas modalidades passiva e ativa nos arts. 317 e 333 do Código Penal, delito similar ao tipo de corrupção eleitoral, previsto para ambas as modalidades no art. 299 do Código Eleitoral, que difere do delito comum pela finalidade do objeto da troca, que passa a ser a obtenção de voto ou a abstenção de determinado eleitor, bem como pelo bem jurídico tutelado, in casu, a liberdade para o exercício do voto.

Também essa é a feição do delito tratado nos presentes autos. O Código Penal prevê, no respectivo art. 330, o crime de desobediência, cujo bem juridicamente protegido é a administração pública, enquanto o Código Eleitoral estabelece tipo penal correlato em seu art. 347, com pena privativa de liberdade mais severa, que se distingue do primeiro precisamente em virtude do valor jurídico tutelado, qual seja, “a autoridade da Justiça Eleitoral, bem como a regularidade da administração do processo eleitoral e a eficaz realização de suas funções para que seus objetivos institucionais sejam atingidos”. 4

A aplicação do princípio da especialidade, aventada pelo Tribunal de origem para embasar o prosseguimento da ação penal nesta esfera, só se justifica quando em jogo valores precipuamente ligados à atividade-fim da Justiça Eleitoral.

Como visto, conquanto o ato de decretação de sigilo das audiências, seguido da ordem de não gravação dos atos instrutórios, tenha sido emanado de juízo regularmente investido da função judicante eleitoral, a natureza da decisão em tese desobedecida não guarda relação com os fins institucionais desta Justiça especializada, por conseguinte com os valores sociais protegidos pelo tipo penal descrito no art. 347 do Código Eleitoral.

Trata-se de mero ato de instrução processual, regido pelas regras ordinárias da legislação aplicável, ainda que subsidiariamente às regras previstas no Código Eleitoral, passível de ser praticado em qualquer esfera de jurisdição, cuja inobservância enceta, se for o caso, a persecução penal pelo crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal.

Essa compreensão encontra guarida na jurisprudência do STJ, que já pacificou, em sede de conflito de competência, que, não obstante a existência de tipo penal eleitoral específico para descrever determinada conduta também tutelada pela norma penal ordinária, necessária a verificação, sob o aspecto material, do bem jurídico que a norma visa tutelar. É o que se infere da ementa abaixo colacionada:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DESTRUIÇÃO DE TÍTULO ELEITORAL. DOCUMENTO UTILIZADO APENAS PARA IDENTIFICAÇÃO PESSOAL, SEM CONTEÚDO ELEITORAL. DESVINCULAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material de tal crime.

2. Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático.

3. A destruição de título eleitoral da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça Eleitoral.

4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da Vara de Execuções Fiscais e Criminal de Caxias do Sul – SJ/RS, ora suscitante.

(STJ. CC nº 127.101/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe de 20.2.2015)

Ainda no intuito de demonstrar o espírito da proteção conferida aos delitos eleitorais, cito precedente firmado pelo STJ, na solução de conflito de competência para processar e julgar delito de falso testemunho praticado no âmbito de processo eleitoral:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. FALSO TESTEMUNHO. CRIME PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar infração penal de falso testemunho praticada em detrimento da União, que tem interesse na administração da justiça eleitoral.

2. A circunstância de ocorrer o falso depoimento em processo eleitoral não estabelece vínculo de conexão para atrair a competência da Justiça Eleitoral.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal, ora suscitante.

(CC nº 106.970/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em 14.10.2009, DJe de 22.10.2009)

Veja-se que o preenchimento do aspecto material, atinente à ofensa aos postulados próprios da seara eleitoral, é elemento necessário para a fixação da competência especializada. Tanto é assim que o STJ já teve a oportunidade de fixar a competência comum para o julgamento do crime de falso testemunho ocorrido em depoimento prestado em processo eleitoral (STJ, CC nº 106970/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, DJe de 22.10.2009), bem como igualmente afastou a competência dessa justiça em caso no qual houve a destruição de título eleitoral voltada tão somente a impedir a identificação pessoal, sem implicação com o pleito em si (STJ, CC nº 127101/RS Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe de 20.2.2015). Nesse caso, ressalte-se, afastou-se a incidência do tipo penal próprio do art. 339 do Código Eleitoral.

Por outro lado, a jurisprudência do TSE sinaliza que a apuração do crime previsto no art. 347 do Código Eleitoral somente tem lugar quando a ordem contrariada se revestir de conteúdo eminentemente eleitoral, como é o caso, por exemplo, de determinação voltada à retirada de propaganda irregular.

[...]

Com efeito, a constatação de descumprimento de ordem emanada da Justiça Eleitoral preenche, em princípio, requisito formal para a configuração do crime previsto no art. 347 do Código Eleitoral, mas, sob o aspecto material, tal fato, por si só, não se demonstra apto a violar as garantias inerentes ao direito ao sufrágio, à regularidade do processo eleitoral e à autoridade da administração pública deste ramo da justiça, raciocínio que implica a constatação de ausência de competência em razão da matéria no caso concreto.

Com essas considerações, é de se reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Eleitoral para processar e julgar a ação penal objeto do presente writ e, por conseguinte, de se julgar parcialmente procedente o recurso ordinário em habeas corpus, com a remessa dos autos à Justiça Comum. Grifei

 

Bem assentada a estrita materialidade como critério aferidor da competência desta Justiça Especializada, saliente-se que não é aplicável somente na seara penal eleitoral, como se nota em matéria de infidelidade partidária cometida por detentores de mandato eleitos no sistema proporcional, hipótese para a qual a competência da Justiça Eleitoral é prevista na Resolução TSE nº 23.610/2007 em observância ao que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, sob o fundamento de que, enquanto condição de elegibilidade, a filiação partidária com a qual o mandatário fora eleito vincula o seu direito ao mandato, salvo se for rompida com base nas justas causas legalmente previstas; ou seja, envolve matéria que reflete diretamente no processo eleitoral.

Outro destacável exemplo fora do campo criminal são as questões intrapartidárias, sobre as quais a jurisprudência do TSE “é firme no sentido de que não compete à Justiça Eleitoral apreciar questões interna corporis dos partidos, a não ser que a decisão produza reflexos no processo eleitoral” (AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL Nº 0600193-20.2024, Rel. MINISTRO NUNES MARQUES, julgado em 29/10/2024).

Voltando ao tipo previsto no art. 326-B do CE, penso que sua aplicação haverá de se dar em conformidade com a Constituição Federal, atentando-se para as competências especializada e comum em cada caso, e nas hipóteses de conexão em que as condutas delitivas visarem impedir ou dificultar campanha eleitoral e também o desempenho de mandato eletivo, competirá “à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe são conexos – inteligência dos artigos 109, inciso IV, e 121 da Constituição Federal, 35, inciso II, do Código Eleitoral e 78, inciso IV, do Código de Processo Penal” (TSE: RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 0600118-88.2024.6.14.0000, ac. de 17/9/2024, Rel. Ministra Isabel Gallotti).

Posto isso, reconhecendo a incompetência da Justiça Eleitoral para processar e julgar ação penal eventualmente admitida com esteio nos fatos sob denúncia em desfavor do Deputado Estadual Amauri Ribeiro, sou pela determinação da remessa dos autos ao Tribunal de Justiça de Goiás, cuja competência é expressa no art. 12, § 5º, da Constituição do Estado de Goiás.

É como voto.

JOSE MENDONÇA CARVALHO NETO

Desembargador Eleitoral

 

VOTO-VISTA

(DISSIDÊNCIA PELO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA)

 

Prosseguindo no exame do feito, peço vênias ao eminente Relator para inaugurar dissenso em que encaminho para o recebimento da denúncia, pelos fundamentos que se seguem.

No voto do Relator, Sua Excelência se convenceu da ausência de justa causa (ou de atipicidade da conduta) cotejando as falas do denunciado, reproduzidas na denúncia, com reportagens jornalísticas ao seu respeito, o que demonstraria que as condutas denunciadas teriam sido o comportamento de um “personagem” político dentro das balizadas protegidas pela imunidade material dos parlamentares.

Contudo, levando em consideração a complexidade temática da figura típica em questão (art. 326-B do CE) e que ainda é recente no ordenamento legal, entendo prematuro um juízo conclusivo sobre a tipicidade ou não das condutas denunciadas antes de se oportunizar a etapa instrutória, porquanto “A veracidade e a confirmação dos fatos apontados na denúncia, inclusive no que tange ao dolo e propósitos eleitorais indicados pela acusação, são matéria a serem solvidas na instrução processual” (TSE: RHC 334-25/GO, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe 24.6.2014).

Os fatos e circunstâncias considerados no voto douto Relator para destacar a personalidade polêmica do denunciado, sobretudo no seu censurável trato com mulheres, indicam indícios da tipicidade em tese alegados na inicial acusatória e bastantes ao seu recebimento.

No presente caso, em que o denunciado e a vítima são titulares de cargos eletivos de igual estatura, percebo a existência de um conflito normativo: de um lado, o instituto da imunidade visa a proteção de todos os parlamentares, frise-se homens e mulheres, para o livre exercício do seu múnus público nas Casas Legislativas federal, estadual e municipal; de outro lado, a tipificação do art. 326-B do CE protege especificamente mulheres contra assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça em que se utilize de menosprezo ou discriminação à condição feminina ou de cor, raça ou etnia, e tenha o objetivo de lhes impedir ou mesmo dificultar o desempenho de qualquer mandato eletivo ocupado por mulher, isto é, abrangendo os poderes legislativo e executivo nas três esferas.

Os elementos constantes da inicial acusatória apontam para declarações com nítido tom pejorativo e discriminatório, direcionadas às deputadas, com o propósito de constrangê-las e minimizar suas atuações em defesa dos direitos das mulheres. Ainda que tais falas tenham ocorrido no âmbito parlamentar, não se pode delas extrair, neste momento, imunidade automática, sob pena de esvaziar o alcance da proteção legal contra a violência de gênero. Segue precedente do TRE-CE com a seguinte ementa, na parte que importa à matéria:

 

RECURSO ELEITORAL. CRIME ELEITORAL. ARTIGO 326-B DO CÓDIGO ELEITORAL. SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU QUE CONDENOU O ACUSADO PELO CRIME DE VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO. TIPIFICAÇÃO. VEREADOR. NÃO INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. DOSIMETRIA DA PENA. AGRAVANTE. VÍTIMA IDOSA. REDUÇÃO DA PENA DE MULTA. APLICABILIDADE DO ARTIGO 286 DO CÓDIGO ELEITORAL. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.

1. O tipo penal de violência política de gênero é inovação introduzida pela Lei nº 14.192/2021, que estabeleceu normas voltadas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, de modo a garantir a participação feminina nos debates políticos, como também garantir-lhes um exercício de mandato livre de barreiras preconceituosas.

2. No presente caso, considerando o teor do discurso, o contexto em que proferido, bem como o bem jurídico tutelado pela novel legislação penal eleitoral, tem-se que a conduta do acusado se subsume ao tipo penal previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral, no sentido de que sua manifestação buscava dolosamente impedir ou dificultar o livre desempenho profissional das Deputadas, mediante constrangimento e intimidação, restando afastada a mera tipificação do crime de injúria.

3. Referido pronunciamento do réu ocorrera em sessão na Câmara dos Vereadores e teve o claro intuito de responder às deputadas com críticas pejorativas sobre suas atuações enquanto defensoras de causas da mulher, afirmando que as parlamentares agiam como borboletas que se transformam em LAGARTAS encantadas e apareciam apenas no dia internacional da mulher com o propósito de MENTIR e DE VENDER ILUSÃO.

4. Desnecessária, para a tipificação e consumação do crime de violência política de gênero previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral, a produção do resultado material de efetivamente impedir ou dificultar o desempenho feminino na seara eleitoral ou política.

5. Não incidência da imunidade parlamentar prevista no artigo 29, VIII, da CF/88. Hipótese que, se reconhecida, esvaziaria o conteúdo e alcance da norma, cujo bem jurídico tutelado jamais seria protegido – “Ninguém pode se escudar na imunidade material parlamentar para agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação” (STF. Petição n. 7174, Primeira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, j. 10.03.2020) – Precedentes.

[...]

(TRE-CE: RECURSO CRIMINAL ELEITORAL nº 0600036-86.2023.6.06.0009 - RELATOR: DESEMBARGADOR FRANCISCO GLADYSON PONTES, acórdão de 06/11/203)

 

O referido acórdão do TRE cearense restou confirmado no âmbito do TSE em 11/3/2025, por decisão monocrática da Ministra Isabel Gallotti em sede de Agravo de Instrumento (AREspEl nº 060003686, DJE de 13/03/2025), da qual destaco os trechos seguintes:

 

Nas razões do recurso especial, o ora agravante alegou desrespeito à garantia da imunidade material conferida aos vereadores no art. 29, VIII, da Constituição Federal, o que tornaria atípico o fato que lhe é imputado. Sobre essa matéria, filio-me à compreensão externada pelo Supremo Tribunal Federal no seguinte julgado:

QUEIXA – IMUNIDADE PARLAMENTAR – ARTIGO 53 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A imunidade parlamentar pressupõe nexo de causalidade com o exercício do mandato. Declarações proferidas em contexto desvinculado das funções parlamentares não se encontram cobertas pela imunidade material.

(STF. Petição 7174, Primeira Turma. Rel. designado Min. Marco Aurélio, julgado em 10/3/2020)

Assim, os fatos imputados ao recorrente não estão protegidos pela imunidade parlamentar.

Pretendeu, ainda, afastar a configuração do crime do art. 326-B do Código Eleitoral ao argumento de que não está presente no caso a finalidade de impedir ou dificultar o exercício dos direitos políticos das vítimas. Defendeu que o fato, no máximo, se enquadra como crime de injúria do Código Penal e que o seu discurso não ultrapassou os limites da liberdade de expressão.

 [...]

Da descrição dos fatos contida no acórdão recorrido, tem-se claro que o intuito da conduta do recorrente foi precisamente prejudicar e descredibilizar gratuitamente a atuação política das parlamentares perante a comunidade [...]

 

A imunidade material parlamentar, prevista no art. 53 da Constituição Federal, assegura ao parlamentar o direito de se manifestar livremente no exercício do mandato, inclusive com posicionamentos ideológicos firmes e críticas políticas incisivas. Esse espaço de fala é essencial para o pluralismo democrático, o embate de ideias e a representação da sociedade nos diversos espectros de opinião.

Contudo, essa imunidade não é um salvo-conduto para ofensas pessoais, discursos discriminatórios ou práticas que caracterizem crimes como injúria, difamação, calúnia ou violência política.

Tal entendimento encontra eco no julgamento da Petição 7174/DF, no qual o Ministro Luiz Fux destacou que a proteção conferida pela imunidade parlamentar pressupõe vínculo funcional entre a manifestação e o exercício legítimo do mandato. Nas palavras de Sua Excelência: “O parlamentar, ao se manifestar em plenário, está protegido pela cláusula da inviolabilidade, desde que suas palavras guardem nexo de causalidade com o exercício do mandato. Não se pode permitir que, sob o manto da imunidade, se propaguem ataques pessoais ou manifestações de ódio, que nada têm de contribuição para o debate parlamentar.” Trata-se de distinção essencial para que o parlamento não se converta em espaço de impunidade, mas permaneça ambiente de livre expressão voltado à função pública e ao pluralismo democrático.

O próprio legislador ordinário reconheceu que a imunidade material não é absoluta, tendo delimitado, em normas penais específicas, condutas que, mesmo praticadas no contexto parlamentar, não se escudam sob o manto protetor da imunidade. É o caso, por exemplo, do crime de violência política de gênero (art. 326-B do Código Eleitoral), que visa resguardar o livre exercício dos direitos políticos de mulheres, mesmo quando o agente seja parlamentar.

Assim, há uma linha tênue – mas constitucionalmente nítida – entre o direito de representar ideias e o abuso que transforma a palavra em arma de exclusão, preconceito ou violência.

Nessa esteira, entendo que não é possível, neste momento processual, afirmar de forma categórica que a conduta narrada na denúncia configura fato atípico ou encontra-se integralmente protegida pela imunidade parlamentar. A aferição sobre a presença de dolo, finalidade discriminatória ou mesmo a vinculação com o exercício legítimo do mandato exige aprofundamento fático, impossível de ser realizado antes da instrução probatória.

Por isso, impõe-se o recebimento da denúncia, de modo a viabilizar a produção de provas — notadamente a oitiva das testemunhas —, a partir das quais se poderá alcançar um juízo seguro e exauriente acerca da subsunção dos fatos à norma penal: se se trata de conduta típica ou atípica ou amparada por imunidade.

Posto isso, voto pelo recebimento da denúncia ofertada em desfavor do Deputado Estadual Amauri Ribeiro.

É o meu voto.

JOSE MENDONÇA CARVALHO NETO

Desembargador Eleitoral

 

 

VOTO VISTA

Após o pronunciamento do voto do Relator e do voto divergente, decidi analisar com profundidade esta denúncia, principalmente porque noto que o Supremo Tribunal Federal há um bom tempo tem sinalizado uma inflexão sobre a imunidade material parlamentar, deixando de considerá-la como absoluta.

Por coerência, primeiro farei a análise da possibilidade de recebimento da denúncia e, caso possível, será analisado o óbice da imunidade material parlamentar.

 

Do recebimento da denúncia

Ao contrário do entendimento do Relator, entendo que existem elementos suficientes para o recebimento da denúncia.

A denúncia imputa ao denunciado a prática do crime previsto no art. 326-B do Código Eleitoral, que dispõe:

 

Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em um terço, se o crime é cometido contra mulher:

I – gestante;

II – maior de sessenta anos;

III – com deficiência.

 

Abstenho-me de fazer maiores aprofundamentos teóricos sobre o crime em debate, pois já bem expostos pelo Relator.

Eis alguns dos trechos mais contundentes da denúncia:

"AMAURI RIBEIRO, no exercício do cargo de Deputado Estadual em Goiás, assediou, constrangeu, humilhou e vem perseguindo a Deputada Estadual Maria Euzébia de Lima, conhecida como BIA DE LIMA, em pronunciamentos realizados da Tribuna da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, utilizando-se de menosprezo e discriminação à sua condição de mulher, com a finalidade de impedir ou dificultar o desempenho de seu mandato eletivo em inúmeras oportunidades (...)"

“AMAURI, entre outros, chamou a vítima de bandida, canalha, malandra, hipócrita, cara de pau, covarde, cínica, sem-vergonha e louca, sempre em público, diante outros Deputados Estaduais, mas também de Prefeitos, Deputados Federais, Governador de Estado e outras autoridades, em eventos transmitidos pela internet ao vivo e que contam com milhares de visualizações.”

“Em mais de uma situação, como se pode ver das situações anteriormente relatadas, AMAURI avisou sua vítima de que ela teria que se acostumar às agressões, pois ele jamais iria mudar o seu comportamento, cabendo-lhe aceitar a situação ou então renunciar ao seu mandato. Vê-se, portanto, o caráter político das agressões.”

"Por outro lado, todas as vezes em que a vítima pediu respeito ou reclamou do tratamento recebido, AMAURI utilizou-se da sua condição de mulher para menosprezá-la, afirmando que estaria de 'mimimi' ou se 'fazendo de vítima', por ser mulher. Inequívoco o caráter sexista no comportamento ilícito do Acusado."

 

Destaco algumas das falas mais incisivas proferidas em público e transcritas na denúncia:

"Deputada Bia de Lima quem disse pra senhora que mundinho que a senhora vive fui eu, agora eu quero desafiar a senhora, se eu chamei a senhora algum momento nessa casa de vagabunda, deve ter vídeo porque tudo aqui é gravado, a senhora busque e abra um processo na Comissão de Ética. Faça isso. Agora, se a senhora não fizer, a senhora é uma mentirosa. Mentirosa."

"Esses dias aqui, Deputado Fred, nas minhas falas a Deputada Bia disse que eu era bonito e gostosão. Bonito e gostosão. Eu acreditei porque eu já recebi esse elogio. Agora eu acredito que a senhora nunca deve ter recebido. Mas imagina se a senhora estivesse aqui e eu tivesse falado isso. Era assédio? Era assédio Deputado Fred? Cara de pau que vocês têm."

"Deputada, vai tomar Gardenal. Gardenal é pra doido, a senhora não está bem. A senhora está com problema mental, tá? A senhora quer respeito, me respeite. Não venha mentir, não venha falar absurdos aqui não, não venha, tá? Eu não vou falar o que eu tenho vontade de falar pra senhora não senão é porque é mulher, não pode falar, né, tadinha da senhora. A senhora é submissa, né?"

"A senhora é uma hipócrita, uma cara de pau, uma professora que nunca trabalhou, que vive na cacunda de sindicato, porque não gosta de trabalhar, é malandra, igual a maioria dos seus que se envolve em sindicato. Não gosta de trabalhar, malandro! Quem tem que ir pra aula, para sala de aula é a Sra, aonde provavelmente tem anos que recebe e não trabalha. Tá dado o recado."

 

No ID 37921990, o Procurador Regional Eleitoral ofertou um aditamento à denúncia informando que o denunciado AMAURI RIBEIRO voltou a praticar, pela nona vez, o crime do artigo 326-B do Código Eleitoral, durante a sessão ordinária de 28/08/2024 da Assembleia Legislativa, proferindo frases como "Deputada Euzébia de Lima, vulgo batatinha do mandachuva", "A senhora não tem o perfil de uma professora, pelo menos das professoras que eu estudei. A senhora nunca serveria (sic) para educar um filho meu, sequer um animal que eu crio lá na roça" e "nesse momento nessa Tribuna eu me sinto uma mulher, Deputada Zeli, então eu não posso ser criticado por discutir com a Deputada Euzébia de Lima, porque nesse momento Deputada eu me sinto uma mulher". E finaliza: “Vitimismo barato dessa turma que não merece respeito. Defensores de canalhas nesse País”.

A denúncia descreve com clareza e objetividade a conduta típica, contendo a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias, o que possibilita a defesa do acusado, o que basta para ser recebida, de acordo com a exegese do art. 41 do Código de Processo Penal.

Por outro lado, tanto o Relator quanto o Desembargador vistor, fizeram análise aprofundada da ausência do dolo específico para, ao final, reconhecer a atipicidade da conduta e rejeitar a denúncia.

Todavia, perfilho-me ao entendimento de que a análise da presença do elemento subjetivo específico, como destacado na peça defensiva para defender a rejeição da denúncia, é matéria a ser verificada durante a instrução processual.

Esse posicionamento encontra guarida na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal. A propósito, confira-se elucidativo precedente da Suprema Corte:

EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA DE MAGISTRADO. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DEVIDAMENTE CUMPRIDA. CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. INDICATIVOS DE TENTATIVA DE CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADOS. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. MATÉRIA ADSTRITA À INSTRUÇÃO PROCESSUAL. [...]

5. A denúncia contém a exposição dos fatos alegadamente criminosos – abrangidas todas as suas circunstâncias –, qualifica o denunciado e classifica os supostos delitos cometidos [...]. Preenche, portanto, os requisitos versados no art. 41 do Código de Processo Penal, estando a imputação calcada em elementos indiciários suficientes ao recebimento da denúncia e em conformidade com o standard probatório dessa fase procedimental, na qual não há cognição exauriente e exaustiva das provas.

[...]

7. A suposta ausência de dolo específico, revelado pela vontade de ofender a honra objetiva e subjetiva da vítima, é matéria adstrita à instrução criminal probatória, não comportando segura ou precisa análise por ocasião do juízo de admissibilidade da denúncia. Precedentes.

(STF - Pet: 9007 DF, Relator: Min. NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 29/06/2023, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 02-10-2023 PUBLIC 03-10-2023)

 

O Superior Tribunal de Justiça adota entendimento análogo, conforme se observa da transcrição da seguinte ementa: “Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a alegação de ausência de dolo específico, na fase de recebimento da denúncia, só pode ser acolhida quando for demonstrável ictu oculi. Caso contrário, é imperativo que se permita o prosseguimento da ação penal visando à devida instrução probatória.” (STJ - AgRg no HC: 858804 BA 2023/0359584-8, Relator.: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 17/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/06/2024).

Aliás, esse entendimento foi recentemente corroborado por esta egrégia Corte, em julgado de minha relatoria, no qual se firmou que: “A ausência ou não do elemento subjetivo específico é matéria a ser verificada durante a instrução processual, conquanto em se tratando de crimes dolosos, como é o caso, dispensa-se a descrição do elemento subjetivo do tipo, sendo suficiente a menção a qual dispositivo legal restou, em tese, violado” (TRE-GO, Ação Penal Eleitoral 060387769/GO, Relator(a) Des. Alessandra Gontijo Do Amaral, Acórdão de 29/05/2024, Publicado no(a) DJE 156, data 05/06/2024).

Ressalte-se que, à época do julgamento, estavam presentes a maioria dos membros da composição atual.

Trago à colação, precedentes no mesmo sentido de Tribunais Regionais Eleitorais proferidos no contexto de análise do crime de violência política de gênero, nos quais as denúncias foram recebidas, sem análise do elemento subjetivo específico.

Veja-se:

 

No presente caso, considerando o teor do discurso, o contexto em que proferido, bem como as circunstâncias da proposição legislativa (norma protetiva) e o bem jurídico tutelado pela novel legislação, tem-se que a conduta pode vir a caracterizar, em tese, o tipo penal previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral.

 Bem por isso, em análise perfunctória, inerente ao atual momento processual, não é possível concluir, de plano, pela manifesta atipicidade da conduta.

Assim, apesar do quanto pretendido pela defesa do Sr. Marcos Paulista, não se pode, no caso sub examine, antes do recebimento da denúncia e da instrução processual, se afirmar a atipicidade da conduta por ausência de dolo específico.

Para tanto, mostra-se necessária a devida instrução, não sendo autorizado eventual juízo de atipicidade prematuro pela ausência do referido dolo específico.

Conclui-se, portanto, que os fatos narrados e suas circunstâncias foram delineados, com a subsunção da conduta ao tipo penal denunciado, qualificação do suposto autor e classificação do crime.”

(TRE-MT. Mandado De Segurança 060014407/MT, Relator(a) Des. Eustáquio Inácio De Noronha Neto, Acórdão de 25/08/2023, Publicado no(a) Diário da Justiça Eletrônico 3977, data 04/09/2023)

 

No mesmo sentido: TRE-SP. Ação Penal Eleitoral nº 0600214-41.2022.6.26.0000/SP - Rel. Juiz Afonso Celso da Silva, julgado em 23.11.2022 e publicado no DJE de 30.11.2022, Tomo 297.

Mesmo que se admitisse, ad argumentandum tantum, a necessidade de uma análise perfunctória do dolo específico nesta fase, entendo que a denúncia e seu aditamento apresentam elementos indiciários suficientes a sugerir sua presença, justificando o prosseguimento da ação penal.

Para a configuração do crime de violência política de gênero, tipificado no art. 326-B do Código Eleitoral, são necessários dois elementos subjetivos distintos: o dolo genérico, consistente na intenção de praticar as condutas descritas no tipo; e o especial fim de agir voltado a impedir ou dificultar a campanha ou o exercício do mandato pela mulher.

A peça acusatória descreve o contexto político das manifestações do denunciado, a reiteração dos ataques, o teor discriminatório misógino e a extrapolação dos limites do debate parlamentar e conecta essas condutas diretamente ao exercício do mandato pela vítima e à sua condição de mulher. Esses elementos, considerados em conjunto, sinalizam a finalidade específica da conduta do acusado de obstaculizar a atuação parlamentar da vítima.

A denúncia narra, ainda que o denunciado teria expressamente alertado a vítima que ela deveria se acostumar com as agressões ou renunciar ao mandato. Quando a ofendida reclamou das ofensas, o acusado atribuiu isso ao fato dela ser mulher, em evidente menosprezo e discriminação de gênero. Esse quadro fático delineado na denúncia poderia, ao menos em tese, evidenciar o dolo específico de perseguir e constranger a parlamentar precisamente por sua condição feminina mais frágil.

Por óbvio, essas são ilações iniciais, extraídas dos indícios carreados na denúncia. O exame aprofundado sobre a presença ou não do dolo específico demandará a devida instrução processual, oportunizando à defesa produzir suas provas e argumentos, para ao final o magistrado formar seu convencimento definitivo a respeito do elemento subjetivo do tipo.

Outro ponto relevante destacado no voto dos Desembargadores que me antecederam para reconhecer a atipicidade da conduta, é fato de o deputado ter sido eleito justamente por esse perfil provocativo, o que legitimaria a perpetuação de tal postura.

Contudo, entendo que a chancela ou não de seus eleitores a um padrão de comportamento não pode ser interpretada como salva-conduto para a prática de condutas que afrontem a dignidade das parlamentares. Normalizar posturas persecutórias, intimidatórias e insultuosas contra as mulheres, a pretexto de se tratarem de uma performance avalizadas nas urnas, significa chancelar a perpetuação de uma cultura política hostil e excludente, que historicamente obstou a participação feminina paritária nos espaços de poder.

Não se trata aqui de patrulhar o conteúdo dos discursos parlamentares, cerceando o debate vigoroso de ideias. O que não se pode admitir é que uma tribuna parlamentar se converta em palco para ataques pessoais, discriminatórios que, potencialmente, possam esvaziar a representatividade feminina. O fato de o denunciado também proferir ofensas contra homens é juridicamente irrelevante. A própria existência do art. 326-B do Código Eleitoral, fruto da Lei nº 14.192/21, representa um marco legal explícito, um limite normativo que não pode ser transposto, independentemente do 'perfil' do parlamentar. Referido tipo penal reflete a ansiedade social por uma democracia substantiva, de modo que as mulheres possam efetivamente participar, livres de constrangimentos e assédios.

Aceitar o 'perfil provocativo' como fundamento para concluir pela atipicidade da conduta e encerrar de forma prematura a ação penal, seria ignorar a ratio legis e a proteção específica conferida por lei, perpetuando um ambiente historicamente hostil à representação feminina.

Friso que aqui não se cogita de qualquer juízo de certeza, mas apenas de admitir a existência de razoáveis indícios de materialidade e de autoria do crime imputado, prevalecendo o princípio in dubio pro societate. Não é possível, nessa fase preambular, fazer qualquer antecipação do juízo de mérito, incluída aí a análise da presença do dolo ou do elemento específico, bastando a presença dos requisitos formais do art. 41 do Código de Processo Penal e do art. 357, § 2º do Código Eleitoral.

 

Da imunidade material parlamentar

Um dos fundamentos expostos pelo Desembargador Relator para a não recepção da denúncia é a incidência da imunidade material parlamentar, prevista no art. 53 da Constituição Federal e, por extensão, no art. 12 da Constituição do Estado de Goiás.

A questão é saber se as declarações do denunciado estariam ou não abrangidas pela imunidade material, espécie qualificada, em relação aos parlamentares, do gênero "liberdade de expressão", que tem natureza jurídica de causa constitucional de exclusão da tipicidade.

De início, pondero que o Relator introduz o assunto citando o voto do Ministro Alexandre de Moraes proferido na Petição Criminal n. 7.174, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Ressalto, contudo, que o aludido ministro ficou vencido pelo posicionamento do Ministro Marco Aurélio, acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber.

Portanto, a posição do Min. Alexandre de Moraes sobre o tema foi revisada pelos próprios pares naquele processo e, cinco anos depois daquele julgamento, já está ultrapassada.

Em contraponto, o Min. Marco Aurélio, designado como Redator do acórdão, iniciou seu voto de forma contundente: "Há de haver limites. A partir do momento em que não se receba queixa como essa, estar-se-á, em última análise, estimulando a persistência do procedimento no âmbito da Câmara. Depois, reclama-se que o nível é muito baixo, consideradas as instituições pátrias."

O Ministro Luís Roberto Barroso apresentou a seguinte ementa que sintetiza seu entendimento:

"2. A inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares.

3. No caso concreto, embora aludindo à Lei Rouanet, o parlamentar nada acrescentou ao debate público sobre a melhor forma de distribuição dos recursos destinados à cultura, limitando-se a proferir palavras ofensivas à dignidade dos querelantes.

4. O Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação.

5. Recebimento da queixa-crime".

 

Disse ainda o Ministro: "Penso que também nós podemos nos valer desse standard interpretativo: é preciso que a declaração apresente um nexo direto e evidente com o exercício das funções. Na ausência deste nexo, afasta-se a imunidade".

Não se desconhece que o instituto da imunidade material do parlamentar configurou um avanço civilizatório. Embora prevista na Constituição de 1946, viu-se esvaziada a partir do golpe militar de 1964. A Constituição de 1988 não só a restaurou como ampliou para o âmbito civil e penal.

O Supremo Tribunal Federal, por muito tempo, lhe concedia um caráter absoluto. Mas, em 2020, a partir da Petição 7.174 acima citada inclusive no voto do Relator Desembargador Ivo Fávaro, consolidou o entendimento de que a imunidade parlamentar pressupõe um nexo de causalidade com o exercício do mandato, não se aplicando a manifestações desvinculadas das funções parlamentares, especialmente ofensas pessoais dirigidas a adversários políticos. Cito, ainda, as Ações Penais nºs 1050, 1047, 1048, 1052 e 1051, que envolvem parlamentares goianos conhecidos, nas quais restou afastada a imunidade.

Nas sábias palavras do Ministro Marco Aurélio, "Ninguém pode se escudar na imunidade material parlamentar para agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação" (Pet. 7174, Primeira Turma, rel. desig. Min. Marco Aurélio, j. 10/3/2020).

Esta Corte Eleitoral não pode passar incólume a esse avanço jurisprudencial, escudado sob o entendimento ultrapassado de que a imunidade material parlamentar é absoluta.

Como muito bem lembrado pelo Desembargador José Mendonça Carvalho Neto em seu voto divergente, o próprio legislador reconhece que a imunidade parlamentar não é absoluta. Em suas palavras, o legislador delimitou “em normas penais específicas, condutas que, mesmo praticadas no contexto parlamentar, não se escudam sob o manto protetor da imunidade. É o caso, por exemplo, do crime de violência política de gênero (art. 326-B do Código Eleitoral), que visa resguardar o livre exercício dos direitos políticos de mulheres, mesmo quando o agente seja parlamentar”.

Ao contrário do entendimento do Relator, tenho para mim que reconhecer a imunidade parlamentar esvaziaria o conteúdo e alcance da norma, deixando de proteger o bem jurídico tutelado, qual seja, a autonomia política feminina na campanha eleitoral e durante o exercício do mandato.

Na hipótese dos fatos narrados na denúncia, não se pode olvidar que os discursos foram amplamente divulgados na mídia, cujos efeitos podem ter transbordado os limites da casa legislativa, o que também legitimaria o afastamento da aventada imunidade.

Vale registrar que há notícia no inquérito policial do mesmo tipo de conduta contra a ex-Deputada Lêda Borges e servidoras da Assembleia Legislativa. Estas, inclusive, fizeram manifestação contra o denunciado.

Como a tipificação do crime de violência política de gênero é relativamente recente, são poucos os casos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral, mas há uma decisão monocrática proferida muito recente (11.3.2025), pela Ministra Isabel Galloti que já sinaliza o entendimento daquela Corte Superior.

Pela importância, permito-me transcrever parte da decisão da Ministra:

Nas razões do recurso especial, o ora agravante alegou desrespeito à garantia da imunidade material conferida aos vereadores no art. 29, VIII, da Constituição Federal, o que tornaria atípico o fato que lhe é imputado. 

 Sobre essa matéria, filio-me à compreensão externada pelo Supremo Tribunal Federal no seguinte julgado:  

 

QUEIXA – IMUNIDADE PARLAMENTAR – ARTIGO 53 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A imunidade parlamentar pressupõe nexo de causalidade com o exercício do mandato. Declarações proferidas em contexto desvinculado das funções parlamentares não se encontram cobertas pela imunidade material. 

(STF. Petição 7174, Primeira Turma. Rel. designado Min. Marco Aurélio, julgado em 10/3/2020) 

[...]

Assim, os fatos imputados ao recorrente não estão protegidos pela imunidade parlamentar. 

Pretendeu, ainda, afastar a configuração do crime do art. 326-B do Código Eleitoral ao argumento de que não está presente no caso a finalidade de impedir ou dificultar o exercício dos direitos políticos das vítimas. Defendeu que o fato, no máximo, se enquadra como crime de injúria do Código Penal e que o seu discurso não ultrapassou os limites da liberdade de expressão.

Da descrição dos fatos contida no acórdão recorrido, tem-se claro que o intuito da conduta do recorrente foi precisamente prejudicar e descredibilizar gratuitamente a atuação política das parlamentares perante a comunidade. 

 Assim, diante do quadro fático delineado pelo acórdão recorrido, a pretensão do agravante no sentido de afastar a configuração do crime do art. 326-B do Código Eleitoral ou de desclassificá-lo para o delito de injúria, exigiria reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial nos termos da Súmula 24/TSE. 

 Em face do exposto, nego seguimento ao agravo em recurso especial (id. 159942574), nos termos do art. 36, § 6º, do RI-TSE.”

 

Esse é o entendimento que vem sendo adotado em todos os Tribunais Regionais Eleitorais que enfrentaram o tema. Tomo a liberdade para citar apenas o trecho da ementa que interessa:

 

“PENAL E PENAL PROCESSUAL. CRIME DE VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO IMPUTADO A DEPUTADO ESTADUAL QUE, AO DISCURSAR DA TRIBUNA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, PROFERIU PALAVRAS OFENSIVAS À DIGNIDADE DE VEREADORA DE NITERÓI. [...]

3 – O réu utilizou expressões fortes, tais como “Belzebu” e “aberração da natureza”, com o evidente objetivo de atingir a autodeterminação e ferir a dignidade pessoal e social da vítima.

4 – Ao empregador termos tão agressivos e aviltantes, o réu evidenciou a presença do elemento subjetivo especial do tipo penal da violência política de gênero, consistente na intenção de dificultar o exercício do mandato, porque os dizeres se relacionaram com a atividade parlamentar da vítima.

5 – Não incide a imunidade material no caso concreto porque a liberdade de expressão e a inviolabilidade parlamentar não se compatibilizam com a propagação do ódio, do ato discriminatório e do preconceito. Súmula do E. STF.

(TRE-RJ. Ação Penal Eleitoral 060047246, Relator(a) Des. Peterson Barroso Simao, Acórdão de 02/05/2024, Publicado no(a) DJE 118, data 07/05/2024)

 

 

RECURSO ELEITORAL. CRIME ELEITORAL. ARTIGO 326-B DO CÓDIGO ELEITORAL. SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU QUE CONDENOU O ACUSADO PELO CRIME DE VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO. TIPIFICAÇÃO [...]

3. Referido pronunciamento do réu ocorrera em sessão na Câmara dos Vereadores e teve o claro intuito de responder às deputadas com críticas pejorativas sobre suas atuações enquanto defensoras de causas da mulher, afirmando que as parlamentares agiam como borboletas que se transformam em LAGARTAS encantadas e apareciam apenas no dia internacional da mulher com o propósito de MENTIR e DE VENDER ILUSÃO.

5. Não incidência da imunidade parlamentar prevista no artigo 29, VIII, da CF/88. Hipótese que, se reconhecida, esvaziaria o conteúdo e alcance da norma, cujo bem jurídico tutelado jamais seria protegido – “Ninguém pode se escudar na imunidade material parlamentar para agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação” (STF. Petição n. 7174, Primeira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, j. 10.03.2020) – Precedentes.

(TRE-CE. Recurso Criminal Eleitoral N. 0600036-86.2023.6.06.0009 origem: Russas/CE. Relator: Desembargador Francisco Gladyson Pontes. Fortaleza, 06/11/2023)

 

 

“HABEAS CORPUS. PEDIDO LIMINAR INDEFERIDO. AÇÃO PENAL. RÉU INCURSO NO ART. 326-B DO CÓDIGO ELEITORAL.

4. Trancamento do processo penal por força da imunidade atribuída ao impetrante enquanto vereador. Imunidade parlamentar não absoluta. Salvaguarda que não se reveste de caráter absoluto. Impossibilidade de o paciente abrigar-se à imunidade parlamentar a despeito de vereador e haver irrogado as ofensas às vítimas no exercício do mandato.”

(TRE-RS. Habeas Corpus Criminal 060007207/RS, Relator(a) Des. Nilton Tavares Da Silva, Acórdão de 02/05/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 111, data 11/06/2024)

 

 

“AÇÃO PENAL – CRIME ELEITORAL – ARTIGO 326-B DO CÓDIGO ELEITORAL – Crime de violência política de gênero. [...]

Não incidência da imunidade parlamentar – Hipótese que, se reconhecida, esvaziaria o conteúdo e alcance da norma, cujo bem jurídico tutelado jamais seria protegido – “Ninguém pode se escudar na imunidade material parlamentar para agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação” (STF. Petição n. 7174, Primeira Turma. Rel. desig. Min. Marco Aurélio, j. 10.03.2020) – Precedentes.

(TRE-SP. Ação Penal Eleitoral nº 0600214-41.2022.6.26.0000/SP - Rel. Juiz Afonso Celso da Silva, julgado em 23.11.2022 e publicado no DJE de 30.11.2022, Tomo 297)

 

 

“NOTÍCIA-CRIME. DEPUTADO ESTADUAL. CRIME DE VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO. ARTE. 326-B DO CÓDIGO ELEITORAL. [...]

Considerando as circunstâncias dos fatos, de grave discriminação à dignidade alheia, a revisão tem se orientado no sentido de afastar a incidência da imunidade parlamentar, no contexto dos fatos relatados na notíciacrime, ao argumento de que "ninguém pode se escudar na imunidade material parlamentar para agredir a dignidade alheia ou difunde discursos de ódio, violência e discriminação" (STF – Petição nº 7174/DF, Rel. para o Acórdão, Min. Marco Aurélio de Melo, Primeira Turma, julgada em 3/10/2020 e publicada no DJE de 19/3/2020).”

(TRE-MG. Petição 060074034/MG, Relator(a) Des. Miguel Angelo De Alvarenga Lopes, Acórdão de 29/04/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico-TREMG 85, data 13/05/2024)

 

 

Na realidade a decisão judicial traz em seu bojo, em primeiro lugar, análise quanto a eventual imunidade parlamentar do investigado e neste aspecto valho-me de decisão proferida pelo e. Supremo Tribunal Federal, nos autos da Petição n. 7174, Primeira Turma, j. 10.03.2020, na qual o i. Relator Sorteado, Ministro Alexandre de Moraes, apresenta importantes lições sobre essa garantia:

[...]

A imunidade parlamentar traduz uma norma de exceção, um “privilégio” dos parlamentares. Destarte, como toda norma de exceção, deve ser interpretada restritivamente (STF, AP 937 QO, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03.05.2018).

Destarte, se reconhecida a incidência de imunidade parlamentar em tipos penais como o analisado nesta ocasião, esvaziar-se-ia por completo o conteúdo e alcance da norma, cujo bem jurídico tutelado jamais seria protegido.

[...]

Assim sendo, AFASTO a imunidade parlamentar enquanto óbice para o regular processamento do Inquérito Policial e a análise quanto ao cabimento ou não, do oferecimento de denúncia.

(TRE-MT. Mandado De Segurança 060014407/MT, Relator(a) Des. Eustáquio Inácio De Noronha Neto, Acórdão de 25/08/2023, Publicado no(a) Diário da Justiça Eletrônico 3977, data 04/09/2023)

 

Fiz questão de citar todos os julgados encontrados dos Tribunais Regionais Eleitorais para demonstrar o panorama atual das Cortes Eleitorais sobre essa temática. Todos os precedentes citados possuem contexto fático semelhante: pronunciamentos ofensivos contra parlamentares mulheres, cis e trans, nas tribunas de câmaras municipais e assembleias pelo Brasil.

Esses julgados acima citados revelam uma tendência crescente no âmbito das Cortes Eleitorais de interpretar de forma mais flexível a imunidade parlamentar frente a crime de violência política de gênero. Tal entendimento harmoniza-se com a finalidade da Lei nº 14.192/2021 e com a necessidade de conferir máxima efetividade à proteção dos direitos políticos das mulheres

Em minha pesquisa, não encontrei um só tribunal eleitoral que tenha trilhado pelo caminho da não recepção da denúncia sob a escusa da imunidade parlamentar. São precedentes alentadores. A posição do digno Relator e daqueles que o acompanharam, com a devida vênia, vai de encontro a esse novo horizonte. É importante que esta Corte também esteja na vanguarda na proteção dos direitos políticos das mulheres, a exemplo dos outros Regionais.

Importante pontuar que essa evolução jurisprudencial não implica em esvaziar a imunidade parlamentar, mas em compatibilizá-la com outros valores constitucionais igualmente caros à democracia, como a igualdade de gênero (art. 5º, I, CF), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e os objetivos fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, e promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo ou quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV, CF). Não se pode admitir que uma garantia tão importante como a imunidade, essencial para a independência do Legislativo, seja desvirtuada para acobertar ataques discriminatórios que afrontam o núcleo essencial de direitos fundamentais.

 

Conclusão

O tipo penal do art. 326-B do Código Eleitoral veio justamente para coibir essas práticas, protegendo a liberdade e autonomia política das mulheres. Ele reflete o reconhecimento de que a violência de gênero na política é um obstáculo à efetiva igualdade de participação e representação feminina.

O combate à violência política de gênero é um esforço civilizatório que visa erradicar práticas culturais discriminatórias e possibilitar a plena participação das mulheres na esfera pública. O crime em questão fere não apenas a dignidade individual das vítimas, mas atenta contra a própria democracia, ao criar obstáculos artificiais ao exercício da participação feminina.

Ao interpretar o instituto da imunidade parlamentar de maneira irrestrita e absoluta para proteger tais condutas, o Judiciário furta-se ao seu papel constitucional de promover a igualdade substancial de gênero e esvazia a própria ratio essendi da nova legislação.

Da mesma forma, considero inoportuno exigir a análise antecipada da presença do dolo específico nessa fase processual.

Assim, Sr. Presidente, amparada em sólida jurisprudência desta justiça especializada, peço vênia aos pares para divergir do Excelentíssimo Relator e VOTAR pelo recebimento da denúncia e seu aditamento em desfavor de AMAURI RIBEIRO.

 

ALESSANDRA GONTIJO DO AMARAL

Desembargadora Eleitoral