PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA
JUÍZO DA 42ª ZONA ELEITORAL
PROCESSO Nº: 0600448-29.2024.6.15.0042
CLASSE: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527)
ASSUNTO: [Inelegibilidade - Abuso do Poder Econômico ou Político, Cargo - Prefeito, Cargo - Vice-Prefeito, Abuso - De Poder Econômico, Abuso - De Poder Político/Autoridade, Candidato Eleito, Inelegibilidade - Perda de Mandato]
INVESTIGANTE: FRANCISCA QUEIROGA DE OLIVEIRA PINTO
ADVOGADO: PEDRO DE SOUSA RAMALHO JUNIOR - OAB/PB25308
INVESTIGADA: TALITA LOPES DOS SANTOS
ADVOGADO: DANYEL DE SOUSA OLIVEIRA - OAB/PB12493-A
INVESTIGADO: MANOEL VITAL NETO
ADVOGADO: ANTONIO LEONARDO GONCALVES DE BRITO FILHO - OAB/PB20571-A
INVESTIGADA: MARIA LIVONEIDE PINTO DE SOUSA ALVES DE CARVALHO
ADVOGADO: ANTONIO LEONARDO GONCALVES DE BRITO FILHO - OAB/PB20571-A
SENTENÇA
I. RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada por Francisca Queiroga de Oliveira Pinto, candidata derrotada ao cargo de Prefeita no Município de Boa Ventura/PB nas eleições de 2024, em desfavor de Talita Lopes Arruda, prefeita do município à época, Manoel Vital Neto, prefeito eleito, e Maria Livoneide Pinto de Sousa Alves de Carvalho, vice-prefeita eleita no pleito de 2024.
A autora fundamenta sua pretensão na alegação de prática de abuso de poder político e econômico durante o período eleitoral de 2024, sustentando que houve "contratação exacerbada de servidores públicos temporários" e "excesso de gastos com pagamentos por CPF – prestadores de serviços 'diaristas' e ajudas de custos", com intuito eleitoreiro, condutas que teriam comprometido a igualdade de condições entre os candidatos e a legitimidade do processo eleitoral.
Segundo a narrativa inicial, a prefeita Talita Lopes Arruda, por ser sobrinha do candidato eleito Manoel Vital Neto, teria utilizado a máquina pública para beneficiar a candidatura de seu tio e da vice-prefeita eleita, perpetuando o poder familiar na gestão do município. A petição inicial apresenta dados estatísticos alegando que as contratações temporárias em Boa Ventura/PB aumentaram de 97 em janeiro de 2024 para 162 em outubro de 2024, representando um crescimento de 68,04%, enquanto os gastos com esses contratos subiram de R$ 194.645,38 em janeiro de 2024 para R$ 309.247,96 em outubro de 2024, perfazendo um aumento de 58,88%.
A autora destaca que o último concurso público no município foi realizado em 2019, inferindo que as contratações precárias e irregulares teriam sido a forma encontrada para preencher as necessidades administrativas do município. Menciona a emissão de alertas pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (Alertas 00549/24 e 01374/24, processo nº 00258/2024), indicando contratação por tempo determinado por excepcional interesse público em proporção elevada em relação aos servidores efetivos, contrariando a Resolução Normativa RN-TC nº 04/2024.
A inicial narra ainda que a prefeita Talita Lopes teria ignorado os alertas do TCE/PB e a decisão liminar proferida na Ação Civil Pública nº 0803957-91.2024.8.15.0211, que tramita na 2ª Vara Mista de Itaporanga/PB, que determinava a rescisão de contratos temporários, continuando com as contratações. Alega também que foram realizadas 115 novas nomeações em cargos comissionados em 2024, formando, segundo a autora, um "exército de favorecimentos políticos".
Outro ponto central da acusação refere-se ao "excesso de gastos com pagamentos por CPF – prestadores de serviços 'diaristas'", realizados sob o elemento de despesa 36 (outros serviços de terceiros prestados por pessoas físicas), sem concurso público, contratação por excepcionalidade ou sem licitação. Segundo a inicial, esses pagamentos cresceram exponencialmente à medida que as eleições se aproximavam, subindo de R$ 2.640,00 em janeiro de 2024 para R$ 171.144,38 em julho de 2024. Comparativamente a 2023, o valor gasto com o elemento de despesa 36 aumentou de R$ 844.137,32 para R$ 1.245.548,69 no mesmo período (janeiro a outubro), representando um incremento de 47,55%.
A petição inicial cita exemplos específicos de pagamentos a pessoas físicas para serviços ordinários que, segundo sustenta, deveriam ser objeto de licitação ou concurso público, como limpeza e retirada de entulhos, coordenação, auxiliar de limpeza e vigilantes. Menciona particularmente o caso de Carlos Diniz Felix, que teria recebido pagamentos mensais de R$ 400,00 mesmo residindo em Brasília/DF. A autora calcula que, considerando o eleitorado de apenas 5.436 eleitores em Boa Ventura/PB, o investimento eleitoreiro com contratações precárias e pagamentos irregulares poderia ter gerado mais de 1.496 votos favoráveis aos candidatos da gestão.
Diante desses fatos, requer a autora a cassação dos registros de candidatura dos investigados e a imposição de sanção de inelegibilidade.
A inicial foi recebida em 17/12/2024, determinando-se a citação dos representados. Todos os demandados foram devidamente citados e apresentaram suas respectivas defesas (ids. 123837306, 123837317 e 123837326) , suscitando questões preliminares e refutando as imputações.
As preliminares arguidas pelos investigados incluem o indeferimento da petição inicial por considerá-la genérica e baseada em ilações, além da imprestabilidade de documentos apócrifos anexados à inicial. No mérito, os investigados argumentam, em resumo, que a atuação do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba não possui eficácia vinculante em relação aos julgamentos de ações eleitorais, tratando-se de matéria mais pertinente à Ação Civil Pública em curso. Sustentam que não houve aumento real de contratados entre 2023 e 2024, e que as contratações temporárias em 2024 decorreram de necessidade de excepcional interesse público, resultantes da expansão e criação de serviços públicos, sem conotação eleitoral. Defendem que a livre nomeação e exoneração de cargos comissionados constitui prerrogativa do gestor público e que o comportamento do número de comissionados em 2024 foi normal. Quanto aos pagamentos de "diaristas" (elemento 36), alegam tratar-se de prática corriqueira desde 2004, abrangendo vasta gama de serviços administrativos, sem conotação eleitoral. Por fim, sustentam que a acusação não trouxe provas robustas e incontestes de desvio de finalidade eleitoral ou gravidade da conduta capaz de comprometer a normalidade e legitimidade do pleito.
A autora ofereceu réplica (id. 123847066), reiterando suas alegações iniciais e refutando as preliminares levantadas.
Em seguida, os autos foram encaminhados ao Ministério Público Eleitoral que requereu (id. 123876178) o prosseguimento do feito com produção de provas indicadas e oitiva de testemunhas.
Em decisão saneadora (id. 123891468), este Juízo indeferiu as preliminares levantadas pelas defesas dos investigados, bem como indeferiu a maior parte das provas requeridas pelas partes e MPE por considerá-las genéricas e desproporcionais, na forma como foram delineadas, impondo ônus desproporcional à administração pública e desrespeitando os princípios da celeridade. Ademais, foram fixados os pontos controvertidos e designada audiência de instrução e julgamento.
O cartório certificou que o percentual de votos que poderá ser anulado em caso de procedência do pedido é de 58,51% (equivalente a 2.572 votos), além de que não há pendência de outras ações que versam sobre os mesmos fatos e que tenham sido propostas por partes diversas ou com capitulação jurídica distinta, nos termos do art. 4º, § 7º, da Resolução TSE n.º 23.735/2024. Ademais, juntou aos autos (informação id. 123920199), após extração pelo Portal do TCE, no painel de Contratações de Pessoal, alguns gráficos informativos referentes à contratações e despesas do período de janeiro de 2023 a novembro de 2024, do município de Boa Ventura.
Em 30 de abril de 2025, foi realizada a audiência marcada, momento em que foram ouvidas as testemunhas Leandro Pereira Alvarenga, Carlos Diniz Felix e João Victor Lacerda da Silva, pela investigantes, e Ana Paula Cordeiro dos Santos, pelos investigados, conforme ata id. 123965410.
Deferidas pelo Juízo as diligências complementares requeridas pelas partes.
No id. 124000474, aportou o ofício n.º 091/2025, oriundo da Prefeitura de Boa Ventura, contendo esclarecimentos às perguntas das diligências requeridas e encaminhando documentação comprobatória. Da mesma forma, foram juntadas ofícios respostas nos ids. 123999067 e 123999156, respectivamente, oriundos do INSS e do Ministério do Trabalho e Emprego.
Em seguida, as partes apresentaram alegações finais nos ids. 124012426 (Vital e Livoneide), 124012357 (Talita Lopes) e 124012359 (Francisca Queiroga), reiterando as alegações já expostas no curso do processo e acrescentando pontos relativos à produção da prova oral e do resultado das diligências.
O Ministério Público Eleitoral (MPE), em sua manifestação final (ID 124016788), pugnou pela improcedência dos pedidos. O Parquet reconheceu a existência das contratações e pagamentos irregulares, mas ressaltou a ausência de provas robustas e inequívocas de que tais condutas tiveram finalidade eleitoreira ou foram capazes de influenciar de forma concreta o equilíbrio do pleito, não se configurando, portanto, abuso de poder político ou conduta vedada nos moldes da legislação eleitoral e da jurisprudência do TSE
Vieram os autos, finalmente, conclusos para sentença.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Das Preliminares ao Mérito
As defesas arguiram, em resumo, de forma similar nas suas defesas, em sede preliminar, a inépcia da petição inicial, bem como a imprestabilidade da documentação apócrifa, sendo que tais argumentos foram rechaçados quando da decisão de saneamento do processo (Id nº 123891468), em que restou decidido o seguinte:
"[...] A petição inicial preenche os requisitos exigidos pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 e contém causa de pedir e pedido certos e determinados, além do que está devidamente instruída com indícios suficientes de materialidade e de autoria dos ilícitos apontados, permitindo o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
Além disso, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exige um juízo de admissibilidade mínimo, o que foi superado no presente caso.
Ademais, as imputações de abuso de poder econômico, através de excessiva contratação temporária de servidores, por se darem em ano de eleição municipal, por si só, já se mostra indicioso devendo a correlação com o processo eleitoral ser apurada na fase instrutória.
Assim, em harmonia com a manifestação ministerial, rejeito essa preliminar suscitada pelos investigados."
" [...] A documentação acostada aos autos com a Petição Inicial, por não se tratar de documentos anônimos ou sem lastro mínimo de autenticidade que inviabilize sua admissibilidade, podem ter seu valor probatório aferido ou validado em momento oportuno.
Quanto aos documentos que indicam planilhas de empenhos/pagamentos, aparentemente não extraídos diretamente das fontes acima citadas, trazem indícios importantes para o deslinde da causa cabendo ao juiz avaliar a credibilidade dos elementos probatórios durante a fase de cognição exauriente, se confirmados.
Assim, em harmonia com a manifestação ministerial, rejeito também essa preliminar suscitada pelos investigados."
Nesses termos, superadas as questões preliminares, passo à análise do mérito, não sem antes tecer breves considerações sobre a natureza da presente ação eleitoral e seus elementos característicos.
Da Natureza Excepcional da Ação de Investigação Judicial Eleitoral e de Seus Elementos
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral, prevista no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90, constitui instrumento processual de excepcional gravidade no ordenamento jurídico eleitoral, destinado especificamente a coibir abusos de poder econômico e político que possam comprometer a legitimidade e a normalidade do processo eleitoral democrático. Sua aplicação demanda rigor probatório absoluto, considerando que suas consequências – cassação de mandato e declaração de inelegibilidade – representam sanções de extrema severidade, capazes de subverter a vontade popular expressa nas urnas.
O art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990 assim dispõe:
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
A partir dessa previsão legal, depreende-se que o foco da análise está na gravidade do ato e não necessariamente em sua capacidade de influenciar o resultado do pleito. Em outras palavras, o que se exige é a demonstração de que a conduta possui gravidade suficiente para comprometer o bem jurídico tutelado, qual seja, a legitimidade e normalidade do processo eleitoral.
Na linha da jurisprudência do TSE (AIJE nº 060097243, Relator Min. Benedito Gonçalves, julgamento 31/10/2023, Publicação 20/03/2024), o abuso de poder político ocorre quando agentes públicos utilizam sua posição ou recursos públicos de maneira inadequada, com o intuito de beneficiar uma candidatura e prejudicar a igualdade entre os demais. Isso pode envolver práticas como a utilização de bens ou serviços públicos de forma indevida durante o período eleitoral. Por outro lado, o abuso de poder econômico se refere à utilização de recursos financeiros com o objetivo de garantir uma vantagem ilegítima para uma candidatura.
Nessa toada, a apuração do abuso se dá por meio da análise de uma tríade composta por conduta, reprovabilidade e repercussão. Para tanto, é necessário que haja a demonstração de: a) prova de condutas que constituem o núcleo da causa de pedir; e b) elementos objetivos que autorizem: b.1) estabelecer um juízo de valor negativo a seu respeito, de modo a afirmar que são dotadas de alta reprovabilidade (gravidade qualitativa), e b.2) inferir com necessária segurança que essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral (gravidade quantitativa).
Percebe-se, portanto, que a gravidade é elemento típico das práticas abusivas e seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa.
Assim, ainda com respaldo na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que o pedido contido na AIJE seja procedente, é necessário um lastro probatório robusto e incontestável, não se admitindo decisões baseadas em meros indícios ou suspeitas frágeis, dado o impacto significativo que a procedência da ação pode ter, como a cassação do diploma ou a declaração de inelegibilidade.
Da Distinção Fundamental entre Irregularidades Administrativas e Ilícitos Eleitorais
Um dos aspectos mais delicados e tecnicamente relevantes do presente caso reside na necessária distinção entre as irregularidades administrativas – por mais graves que possam ser – e os ilícitos eleitorais propriamente ditos. Esta diferenciação não constitui mero preciosismo jurídico, mas reflete a própria natureza e finalidade específica do sistema sancionatório eleitoral, que não se destina a substituir os mecanismos tradicionais de controle da administração pública, mas sim a proteger exclusivamente a higidez do processo democrático.
A legislação eleitoral brasileira não pune genericamente a má gestão administrativa, a malversação de recursos públicos ou mesmo a prática de atos flagrantemente ilegais por parte de gestores públicos. O que a Lei Complementar nº 64/90 visa especificamente coibir é a instrumentalização do poder estatal para fins eleitorais, ou seja, a utilização consciente e deliberada da máquina administrativa como ferramenta de campanha eleitoral, com o propósito de influenciar o resultado do pleito.
Esta distinção fundamental explica por que condutas administrativamente reprováveis não se transmutam automaticamente em ilícitos eleitorais. Para que essa transposição ocorra, é imprescindível a demonstração cabal de que os atos administrativos irregulares foram praticados com finalidade eleitoral específica, sendo direcionados conscientemente para influenciar o resultado das eleições.
Da Análise Detalhada das Alegações Autorais
A controvérsia gira em torno das alegações, em resumo, de que houve uso indevido da máquina pública por meio da ampliação desproporcional de vínculos precários de trabalho na administração municipal em 2024, com vistas a favorecer determinada candidatura, o que, em tese, configuraria ilícito eleitoral.
1. Das Contratações Temporárias por Excepcional Interesse Público
A petição inicial fundamenta-se primordialmente na alegação de que houve aumento expressivo das contratações temporárias durante o ano eleitoral de 2024, apresentando dados estatísticos que indicam crescimento de 68,04% no número de contratados (de 97 para 162) e de 58,88% nos gastos correspondentes (de R$ 194.645,38 para R$ 309.247,96) entre janeiro e outubro de 2024.
Complementarmente, os dados oficiais extraídos da pesquisa realizada no sistema Sagres do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (https://sagrescidadao.tce.pb.gov.br/#/municipal/pessoal), confirmados pelo Ministério Público Eleitoral, demonstram que o quantitativo de servidores temporários passou de 149 em 2023 para 170 em 2024:
A consulta do cartório (123920199) trouxe, ainda, uma perspectiva linear mensal dos anos 2023 e 2024, disponível no site: https://tce.pb.gov.br/contratacoes-de-pessoas/ (em 26.03.2025):
Nesse aspecto, a melhor observação dos números acima aponta que os meses iniciais do ano não devem servir de parâmetro seguro para a quantidade média de contratações suficientes praticadas pela Gestão Municipal, pois, sendo costumeiramente menores, tendem a elevar o seu número percentual sem considerar a existência ou não de estabilidade na prática de contratações por excepcional interesse público.
Extrai-se, portanto, que a alegação de aumento nas contratações temporárias, de janeiro a outubro de 2024, significou, em verdade, numa retomada pela Administração quanto ao número já praticado nos últimos meses do ano anterior, de servidores nessa espécie de vínculo, apontando-se, ainda, para um ligeiro e gradual aumento até os meses de maio e junho, momento em que se estabiliza durante todo o período eleitoral.
Embora os números revelem efetivamente um incremento nas contratações temporárias durante o ano eleitoral de 2024, sobretudo naquele referido aumento mais abrupto entre os meses de janeiro e fevereiro para março em diante, é fundamental analisar se esse crescimento quantitativo configurou, por si só, abuso de poder político. E a resposta é negativa. O aumento no número de contratações temporárias, ainda que coincidente com o período eleitoral, não constitui automaticamente ilícito eleitoral, sendo necessária a demonstração de que tais contratações possuíam finalidade eleitoral específica.
E apesar dos números expostos nos gráficos acima, não se verificou nos autos qualquer elemento concreto que comprovasse o caráter eleitoral das contratações realizadas, ou que estas tenham sido utilizadas como instrumento de troca por apoio político, seja em relação ao aumento de retomada à média praticada, observada no 1º trimestre, seja em relação ao gradual aumento observado no 2º trimestre.
No caso em exame, os elementos probatórios carreados aos autos são insuficientes para demonstrar qualquer dessas modalidades de desvio de finalidade. Não há prova de que os servidores temporários foram utilizados em atividades de campanha eleitoral, de que houve pressão para apoio político específico, de que as contratações seguiram critérios eleitorais (como preferência por eleitores de determinadas regiões ou pessoas com influência política específica) ou de que os contratados foram cooptados politicamente.
A mera coincidência temporal entre as contratações e o ano eleitoral, embora possa gerar suspeitas legítimas do ponto de vista político, não constitui prova jurídica suficiente para caracterizar o abuso de poder.
Nessa linha, bem ressaltou a representante do MPE, em seu parecer final:
"Embora o aumento nas contratações durante o ano eleitoral possa causar estranheza à primeira vista, é importante destacar que tal fato, isoladamente, não é suficiente para caracterizar abuso político.
[...]
No caso em questão, não há provas consistentes de que as contratações realizadas no ano de 2024 tenham tido o condão de prejudicar o processo eleitoral ou de favorecer um candidato de forma ilícita.
Também, de acordo com a documentação anexada à petição inicial, não há informações precisas sobre a necessidade e a regularidade das contratações precárias, de modo que não é possível presumir que tenham sido realizadas ilegalmente."
A jurisprudência consolidada dos tribunais eleitorais é unânime em estabelecer que as contratações realizadas em ano eleitoral somente caracterizam abuso de poder político quando comprovadamente direcionadas para fins eleitorais, seja através da cooptação de eleitores, da criação de vínculos de dependência política, da utilização dos contratados em atividades de campanha ou de outras formas de instrumentalização eleitoral do ato administrativo.
Nessa linha, o julgado do TRE/PE, corrobora a linha de raciocínio apresentada em caso similar que se deparou:
"[...] 6. A configuração do abuso de poder político ou de conduta vedada exige prova robusta do desvio de finalidade, com demonstração do nexo entre os atos administrativos e a finalidade de influenciar o resultado do pleito.
7. A prova dos autos limita-se a dados estatísticos extraídos do portal de transparência, sem elementos adicionais que indiquem a utilização das contratações como moeda de troca por apoio político.
8. A ausência de documentos nominais, depoimentos ou outras provas individualizadas impede o reconhecimento da gravidade necessária à configuração do ilícito eleitoral.
9. A proximidade temporal entre as contratações e o período eleitoral, por si só, não basta para caracterizar a ilicitude eleitoral.
10. Eventuais irregularidades administrativas, como possível burla ao concurso público, devem ser apuradas em outras instâncias competentes, não se confundindo com os requisitos para a sanção de inelegibilidade." (BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Recurso Eleitoral Em Aije 060026914/PE, Relator(a) Des. Andre Luiz Caula Reis, Acórdão de 14/04/2025, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico do TRE-PE 77, data 23/04/2025, pag. 116-120 - grifei)
Sendo assim, vê-se que em sede de AIJE, é necessário ir além da aparência e demonstrar, através de elementos objetivos e concretos, que as contratações foram efetivamente instrumentalizadas para fins eleitorais, o que não ocorreu nos autos dessa ação.
2. Das Nomeações em Cargos Comissionados
A inicial alega que foram realizadas 115 novas nomeações em cargos comissionados durante 2024, formando supostamente um "exército de favorecimentos políticos". Esta alegação, contudo, esbarra em obstáculo jurídico intransponível: a expressa previsão legal que ressalva as nomeações para cargos comissionados das restrições eleitorais.
O artigo 73, inciso V, alínea "a", da Lei nº 9.504/97 estabelece que é vedado aos agentes públicos "nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público", ressalvando expressamente "a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança".
Esta ressalva legal não é acidental ou desprovida de fundamentação jurídica. O legislador reconheceu que os cargos comissionados, por sua própria natureza e finalidade, constituem instrumentos legítimos de gestão administrativa, permitindo ao administrador público organizar sua equipe de governo de acordo com critérios de confiança e alinhamento político-administrativo. Trata-se de prerrogativa inerente ao exercício do poder executivo, essencial para a governabilidade e a eficiência administrativa.
Portanto, as nomeações para cargos comissionados realizadas durante o período eleitoral, ainda que numerosas, não podem ser consideradas ilícitas do ponto de vista eleitoral, salvo se houver prova específica de desvio de finalidade na utilização desses cargos para fins eleitorais diretos.
No presente caso, e por razões semelhantes abordadas no tópico anterior, tal prova não existe.
3. Dos Pagamentos a Prestadores de Serviços ("Diaristas")
No que concerne à acusação de “Prestadores de Serviços ‘Diaristas’”, sob o elemento de despesa 36, a parte autora alega que houve contratações indevidas sem concurso público ou licitação, com aumento exponencial próximo ao período eleitoral e com intuito de beneficiar os candidatos investigados
A autora apresenta dados demonstrando crescimento exponencial desses pagamentos durante 2024, particularmente próximo ao período eleitoral, subindo de R$ 2.640,00 em janeiro para R$ 171.144,38 em julho de 2024, conforme gráfico constante na Inicial:
Sobre esse ponto, o Ministério Público Eleitoral, em sua manifestação técnica, reconheceu expressamente a existência de "graves ilegalidades nas contratações de 'prestadores de serviços', realizadas sem observância dos ditames legais e princípios que regem a Administração Pública", destacando "a concessão de vantagens pecuniárias não previstas em lei ou no contrato administrativo" e "a contratação de pessoas físicas como prestadoras de serviços, sem parâmetros objetivos para a fixação da remuneração".
Destacou consultas feitas ao SAGRES que corroboram o alegado, a saber:
Noutra perspectiva, as defesas técnicas afirmaram que a utilização dessa rubrica para pagamentos por serviços prestados por pessoas físicas é uma prática administrativa comum e rotineira no Município de Boa Ventura há vários anos, havendo registros desde 2004
De fato, a Prefeitura de Boa Ventura, em resposta à diligência judicial após a audiência (id. 124000474), informou que esse elemento de despesa abrange uma vasta gama de atividades, desde locação de imóveis até serviços técnicos especializados, indicando uma diversidade considerável quanto ao uso dessa modalidade de despesa na gestão municipal
Nesse aspecto, a investigação identificou um esquema de ocultação de contratações temporárias através do uso inadequado de empenhos orçamentários. Os pagamentos para serviços rotineiros do município foram realizados sem critérios objetivos ou amparo legal, conforme as conveniências do gestor. Essa prática viola o princípio da transparência, pois os funcionários temporários deveriam constar na seção específica do sistema Sagres, não sendo remunerados via empenhos.
Constatou-se ainda que diversos serviços foram prestados sem procedimentos licitatórios ou formalização contratual adequada, permitindo que a escolha dos prestadores ficasse ao critério discricionário do administrador municipal, comprometendo os princípios da impessoalidade e legalidade na gestão pública. Ainda mais considerando a informação trazida de que o último concurso público no município foi realizado em 2019, inferindo que as contratações precárias e irregulares teriam sido a forma encontrada para preencher as necessidades administrativas do município.
Essas irregularidades administrativas são inegavelmente graves e merecem apuração rigorosa pelos órgãos competentes, conforme já está ocorrendo, ainda que em parte, na Ação Civil Pública nº 0803957-91.2024.8.15.0211 que tramita na 2ª Vara Mista de Itaporanga. Contudo, para os fins específicos da presente AIJE, é fundamental verificar se tais irregularidades possuem o elemento adicional da finalidade eleitoral, sem o qual não se pode cogitar da aplicação das sanções eleitorais.
Da Necessidade Imperativa de Comprovação da Finalidade Eleitoral
O aspecto mais crucial para a solução jurídica da presente demanda reside na absoluta necessidade de comprovação da finalidade eleitoral das práticas administrativas irregulares. Este requisito, frequentemente subestimado na prática forense, constitui o elemento diferenciador entre as meras irregularidades administrativas e os ilícitos eleitorais propriamente ditos.
A finalidade eleitoral não se presume nem se deduz automaticamente da gravidade das irregularidades administrativas ou da coincidência temporal com o período eleitoral. Ela deve ser demonstrada através de elementos probatórios objetivos e concretos que indiquem inequivocamente que os atos administrativos irregulares foram praticados com o propósito específico de influenciar o resultado das eleições.
Esta demonstração pode ocorrer através de diversos meios: prova de que os beneficiários das contratações irregulares foram orientados a apoiar determinada candidatura; evidência de que os contratados participaram ativamente de atividades eleitorais; demonstração de que as contratações seguiram critérios eleitorais específicos; comprovação de que os recursos irregularmente utilizados foram empregados em ações de campanha; ou outros elementos objetivos que estabeleçam o nexo causal entre as irregularidades administrativas e a finalidade eleitoral.
No presente caso, essa demonstração está ausente dos autos. Não há prova segura de que as contratações irregulares tenham sido direcionadas para fins eleitorais específicos. Não se comprovou que os prestadores de serviços foram cooptados politicamente, que participaram de atividades de campanha ou que foram utilizados para pressionar eleitores. Tampouco se demonstrou que as contratações seguiram critérios eleitorais, como a escolha preferencial de eleitores de determinada região ou de pessoas com influência política específica.
A autora limita-se a apresentar dados estatísticos sobre o crescimento das contratações e dos gastos, inferindo automaticamente a finalidade eleitoral a partir desses números. Contudo, essa inferência não encontra respaldo jurídico, pois a finalidade eleitoral não pode ser presumida, devendo ser efetivamente demonstrada através de elementos probatórios concretos.
A gama de atividades desempenhadas e contratadas sob a rubrica precária em foco (desde a locação de imóveis a serviços técnicos especializados, a variedade de situações e serviços etc) mais depõem a favor da ex-gestora investigada pois indiciam que a finalidade das contratações buscou o atendimento da necessidade da Administração Pública de oferecer ou manter funcionando os serviços públicos, ainda que, ressalte-se, a forma da contratação esteja eivada de vícios e irregularidades.
Além disso, mesmo o cálculo apresentado pela autora, no sentido de que o investimento em contratações poderia ter gerado mais de 1.496 votos favoráveis aos investigados, constitui mera especulação matemática desprovida de fundamentação probatória. Não há qualquer elemento que comprove ter havido correlação entre as contratações e a obtenção de votos, sendo impossível estabelecer nexo causal entre as irregularidades administrativas e o resultado eleitoral.
Ademais, em resposta à diligência determinada pelo juízo, a Prefeitura Municipal de Boa Ventura informou a existência desse tipo de pagamento desde anos bem anteriores, conforme demonstrado no expediente (ID 124000474). A instrução processual esclareceu os tipos de serviços pagos através do elemento de despesa 36, indicando uma ampla gama de atividades englobadas nessa rubrica.
Desde a locação de imóveis a serviços técnicos especializados, a variedade de situações e serviços é vasta, demonstrando o quão comum é esse tipo de despesa, afastando qualquer tese de exploração eleitoral. Apesar da questionável legalidade dessa pratica que burlam os procedimentos licitatórios e a devida transparência, o comportamento desse tipo de despesa ao longo dos anos está diretamente associado às ações e serviços administrativos da gestão, desvinculando-os do contexto eleitoral de 2024.
As testemunhas arroladas pela investigante também não trouxeram elementos que corroborassem sua tese. Pelo contrário, além de serem prestadores de serviços da Prefeitura desde anos anteriores, foram categóricas em afastar a influência eleitoral investigada quando dessas contratações. Confira-se:
Leandro Alvarenga:
[PERGUNTA] 00:01:45 - Adv. José Marcílio: Quando ele [Valdiney] lhe chamou pra trabalhar ele vinculou esse seu trabalho a pedido de voto?
[RESPOSTA] 00:01:51 - Testemunha Leandro Alvarenga: Não, senhor. Não, senhor.
[PERGUNTA] 00:02:04 - Adv. José Marcílio: Alguma vez, o senhor Vital ou a Sra. Livoneide chegou a dar alguma ordem ao senhor ou pedir alguma coisa ao senhor?
[RESPOSTA] 00:02:10 - Testemunha Leandro Alvarenga: Não, não.
Carlos Diniz:
[PERGUNTA] 00:00:38 - Adv. José Marcílio: Nessas vezes que o senhor foi selecionado, alguém vinculou o seu contrato de trabalho, a sua diária, seja lá qual foi a forma da sua contratação, a pedido de voto ou apoio político?
[RESPOSTA] 00:00:50 - Testemunha Carlos Diniz: Nenhum.
[PERGUNTA] 00:00:52 Adv. José Marcílio: O Vital, a Livoneide, eles andavam lá na obra, fiscalizando, pedindo voto ao senhor?
[RESPOSTA] 00:00:58 - Testemunha Carlos Diniz: Não, senhor.
João Vitor:
[PERGUNTA] 00:03:27 - Adv. José Marcílio: Alguém vinculou esse seu trabalho a algum pedido de voto ou a algum apoio político?
[RESPOSTA] 00:03:32 - Testemunha João Vitor: Não.
[PERGUNTA] 00:03:34 - Adv. José Marcílio: Então essa adesão que o senhor disse que era aliado foi voluntária. Ninguém forçou o senhor?
[RESPOSTA] 00:03:39 - Testemunha João Vitor: Não.
Da Insuficiência Probatória para Caracterização do Desequilíbrio Eleitoral
Além da finalidade eleitoral, outro elemento essencial para a configuração do abuso de poder é a demonstração de que as condutas irregulares efetivamente comprometeram a paridade de armas entre os candidatos, gerando desequilíbrio substancial e relevante na disputa eleitoral. Este elemento, denominado pela doutrina de "potencialidade lesiva", constitui requisito indispensável para a aplicação das sanções eleitorais.
A potencialidade lesiva não se satisfaz com a mera possibilidade teórica de influência no resultado do pleito. É necessário que se comprove, mediante elementos objetivos e concretos, que as práticas irregulares efetivamente alteraram o equilíbrio da disputa eleitoral, proporcionando vantagem indevida a determinados candidatos ou prejudicando as chances dos demais concorrentes.
No caso em análise, não se vislumbra qualquer desequilíbrio concreto no pleito eleitoral. Os elementos probatórios não demonstram que as alegadas irregularidades tenham proporcionado vantagem eleitoral significativa aos investigados ou que tenham prejudicado as chances da autora ou de outros candidatos. A ausência de correlação demonstrada entre as práticas administrativas irregulares e a obtenção de votos torna impossível a caracterização do abuso de poder eleitoral.
É importante destacar que o município de Boa Ventura/PB possui apenas 5.436 eleitores, o que, em tese, poderia facilitar a demonstração de eventual desequilíbrio eleitoral. Contudo, mesmo diante desse contingente eleitoral reduzido, a autora não conseguiu demonstrar que as irregularidades administrativas tenham efetivamente influenciado o resultado do pleito ou comprometido a igualdade de oportunidades entre os candidatos, ainda mais considerando que a vitória dos dois investigados, atuais gestores, não se deu por diferença ínfima.
Da Orientação Jurisprudencial Consolidada dos Tribunais Eleitorais
A jurisprudência dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral tem sido consistente e uniforme em estabelecer que a configuração do abuso de poder político exige prova robusta e inconteste não apenas da prática de atos irregulares, mas fundamentalmente da finalidade eleitoral e da potencialidade lesiva ao processo democrático.
Conforme destacado na manifestação do Ministério Público Eleitoral, decisões recentes dos tribunais eleitorais têm reafirmado que "a contratação de servidores temporários em ano eleitoral, desacompanhada de prova robusta de desvio de finalidade e de repercussão concreta no equilíbrio do pleito, não configura abuso de poder político, de autoridade ou econômico para os fins do art. 22 da LC nº 64/1990".
Esta orientação jurisprudencial reflete a necessária cautela que deve presidir a aplicação de sanções eleitorais, evitando-se a banalização de institutos de extrema gravidade. A cassação de mandatos e a declaração de inelegibilidade representam medidas excepcionais que somente se justificam diante de provas inequívocas de condutas que efetivamente comprometam a legitimidade do processo eleitoral.
O Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em julgamento recente (RE nº 060066383, Acórdão nº 16348627), estabeleceu precedente diretamente aplicável ao presente caso, determinando que "para a configuração do abuso de poder político e econômico, exige-se prova robusta da conduta vedada, notadamente o liame entre os atos administrativos e a influência indevida no pleito eleitoral" e que "ausente comprovação idônea de que os contratos celebrados tenham alterado a paridade de armas entre os candidatos, inviabiliza-se a aplicação de sanções previstas na legislação eleitoral". E ainda da mesma Corte Regional:
"RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CONDUTA VEDADA. ABUSO DE PODER POLÍTICO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. IRRESIGNAÇÃO. AUSÊNCIA DE SUBSUNÇÃO DOS FATOS NARRADOS AOS ILÍCITOS PREVISTOS NA LEI Nº 9.504/1997 E NA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Inexistência de prova inequívoca quanto à participação de secretários municipais em eventos de campanha dos investigados durante o horário de expediente, não havendo sequer indicação ou comprovação do horário funcional dos referidos agentes públicos.
2. A configuração do abuso de poder político e econômico exige prova robusta e inconteste de sua ocorrência, bem como o reconhecimento da gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
3. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO: Recurso desprovido, nos termos do voto do relator, em harmonia com o parecer ministerial. Decisão unânime, com voto da Presidente, em virtude da exigência de quórum máximo possível. Manifestação oral do Dr. Djalma Gusmão Feitosa, pelo Ministério Público Eleitoral. (TRE-PB - RE nº 0600202-39.2024.6.15.0039, Acórdão nº 16334802 – São José de Piranhas/PB, Relator: Des. Keops de Vasconcelos Amaral Vieira Pires, Julgamento: 13/03/2025, Publicação: 18/03/2025)"
"Recurso Eleitoral. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Eleições 2012. Contratação de servidores por excepcional interesse público. I. Período Vedado. Exceção prevista na alínea "d" do artigo 73, V da Lei 9.504/1997.Regularidade.II. Ano eleitoral. Falta de prova quanto ao uso eleitoreiro das contratações. III. Provimento do recurso. Improcedência da ação.
I. A contratação de dois servidores em período vedado, sem ânimo definitivo, por conta da frustração de concurso público e para substituir servidor de licença, encontra respaldo na alínea "d" do artigo 73, V da Lei 9.504/1997.
II. Supostas irregularidades administrativas na contratação de pessoal não podem servir de sustentáculo à cassação de mandato, sem que se produza prova do liame entre as contratações e o pleito.A procedência de Ação de Investigação Judicial Eleitoral demanda prova robusta da prática ilícita, com gravidade suficiente para atingir a normalidade e legitimidade do pleito, o que não restou demonstrado no caso concreto.
III. Recurso provido para julgar improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral. (RECURSO ELEITORAL nº71858, Acórdão, Relator(a) Des. TERCIO CHAVES DE MOURA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 28/01/2016.)"
Em tempo, é fundamental esclarecer que o reconhecimento da improcedência da presente AIJE não implica em validação ou aprovação das práticas administrativas irregulares identificadas durante a instrução processual, tanto num aspecto macro, em relação à quantidade de contratações temporárias em relação aos efetivos, conforme alertas do TCE-PB, bem como em relação à quantidade de serviços contratados via elemento de "despesa 36", quanto pontualmente, a exemplo das possíveis irregularidades em torno da contratação da testemunha Carlos Diniz Felix pela Prefeitura de Boa Ventura diante das provas produzidas em audiência e do resultado das diligências complementares (INSS e MTE), as quais indicam possível recebimento de valores estando presencialmente fora do âmbito de atuação no município e ainda com outros vínculos que podem indicar incompatibilidade.
Ademais, conforme expressamente ressaltado na decisão saneadora proferida nos presentes autos, muitas das questões suscitadas na presente ação já são objeto de apuração específica na Ação Civil Pública nº 0803957-91.2024.8.15.0211, que tramita perante a 2ª Vara Mista de Itaporanga/PB. Este fato reforça a adequada separação entre as esferas de responsabilização, evitando-se a sobreposição inadequada de competências e a aplicação equivocada de sanções eleitorais para coibir irregularidades puramente administrativas.
A Justiça Eleitoral possui competência específica e finalidade constitucionalmente delimitada: proteger a higidez do processo eleitoral e garantir a legitimidade democrática das eleições. Sua atuação não se destina a substituir os mecanismos tradicionais de controle administrativo, civil ou penal, mas sim a coibir especificamente as condutas que comprometam a igualdade de oportunidades entre os candidatos e a normalidade do pleito eleitoral.
Esta separação funcional entre as esferas de responsabilização não representa impunidade ou tolerância com irregularidades administrativas, mas sim a aplicação adequada do princípio da especialidade das jurisdições, garantindo que cada esfera de controle atue dentro de suas competências específicas e com os instrumentos processuais apropriados.
E no presente caso, os elementos probatórios apresentados, embora possam indicar irregularidades administrativas, são absolutamente insuficientes para demonstrar a prática de ilícitos eleitorais. A prova carreada aos autos limita-se essencialmente a dados estatísticos sobre contratações e gastos públicos, sem qualquer demonstração da finalidade eleitoral ou da potencialidade lesiva dessas condutas, o que deve levar, necessariamente, à improcedência da demanda.
III. DISPOSITIVO
Ante o exposto, em harmonia com o parecer do Ministério Público Eleitoral, e por tudo mais que dos autos consta, ratifico a rejeição das preliminares levantadas, e com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, com resolução do mérito, em razão da ausência de provas robustas e inequívocas da prática de abuso de poder político ou econômico nos moldes exigidos pela legislação eleitoral.
Ressalto expressamente que este julgamento não impede nem prejudica a apuração das eventuais irregularidades administrativas pelos órgãos competentes, através dos instrumentos processuais adequados, mantendo-se a necessária separação entre as esferas de responsabilização administrativa, civil, penal e eleitoral. Nesse ponto, fica a representante do Ministério Público Eleitoral, por essência do seu mister constitucional, ao tomar ciência da sentença, apta a tomar as devidas providências e encaminhamentos para a a busca das responsabilidades dos ilícitos não eleitorais verificados no curso deste processo, destacando-se as possíveis irregularidades em torno da contratação da testemunha Carlos Diniz Felix pela Prefeitura de Boa Ventura diante da prova produzida em audiência e do resultado das diligências complementares (INSS e MTE).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Havendo recurso, intime-se a parte contrária para contrarrazões, no prazo legal. Após o que, com as anotações necessárias, remeta-se ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as devidas cautelas.
Itaporanga/PB, 30 de junho de 2025.
Francisca Brena Camelo Brito
Juíza Eleitoral da 42ª Zona – Itaporanga/PB