TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL
JUÍZO DA 036ª ZONA ELEITORAL DE CAMPO GRANDE MS
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº 0600364-30.2024.6.12.0036
PROCEDÊNCIA: CAMPO GRANDE - MATO GROSSO DO SUL
AUTOR: PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA CRISTAO - COMISSAO PROVISORIA - MUNICIPAL
ADVOGADO: ROUSTAN MAGNO DA SILVA AMARILLA FILHO - OAB/MS17179
ADVOGADO: NEWLEY ALEXANDRE DA SILVA AMARILLA - OAB/MS2921
ADVOGADO: LUIZA CAROLEN CAVAGLIERI FACCIN - OAB/MS13757
ADVOGADO: RAPHAEL SERGIO RIOS CHAIA JACOB - OAB/MS10889
AUTOR: DIRETORIO MUN. DO PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA - PDT
ADVOGADO: ROUSTAN MAGNO DA SILVA AMARILLA FILHO - OAB/MS17179
ADVOGADO: NEWLEY ALEXANDRE DA SILVA AMARILLA - OAB/MS2921
ADVOGADO: LUIZA CAROLEN CAVAGLIERI FACCIN - OAB/MS13757
ADVOGADO: RAPHAEL SERGIO RIOS CHAIA JACOB - OAB/MS10889
INVESTIGADA: ADRIANE BARBOSA NOGUEIRA LOPES
ADVOGADO: JOSE RIZKALLAH JUNIOR - OAB/MS6125
ADVOGADO: AUGUSTO MIYASATO FOGACA DE SOUZA - OAB/MS8855
ADVOGADO: LUIZ ELIDIO ZORZETTO GIMENEZ - OAB/MS17777
INVESTIGADA: CAMILLA NASCIMENTO DE OLIVEIRA
ADVOGADO: JOSE RIZKALLAH JUNIOR - OAB/MS6125
ADVOGADO: AUGUSTO MIYASATO FOGACA DE SOUZA - OAB/MS8855
ADVOGADO: LUIZ ELIDIO ZORZETTO GIMENEZ - OAB/MS17777
SENTENÇA
Vistos, etc.
Trata-se de embargos de declaração opostos em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos em Ação de Investigação Judicial Eleitoral, apresentada por PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA CRISTÃO – COMISSÃO PROVISÓRIA – MUNICIPAL e DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT contra ADRIANE BARBOSA NOGUEIRA LOPES e CAMILLA NASCIMENTO DE OLIVEIRA, sob argumento de existência de vício de omissão, consistente na análise de fundamento imprescindível à caracterização de abuso do poder econômico sob o viés religioso, bem como, ausência de pronunciamento sobre impugnação de prova utilizada para invalidar relevante depoimento testemunhal.
Em contrarrazões, os investigados argumentam pela ausência de omissão, uma vez que os fatos apontados pelos embargantes foram analisados de forma objetiva e suficiente, em conjunto com as provas produzidas nos autos. Para tanto, apontam que o depoimento testemunhal invocado não foi utilizado como razão de decidir pelo julgador e que o fundamento da decisão constatou pela insuficiência de provas e inexistência de participação direta das investigadas, além de ausência de impacto no resultado do pleito eleitoral, de modo que pedem pela rejeição do pedido.
É o relatório em essencial.
DECIDO.
Dispõe o Código Eleitoral, em seu art. 275, e o Código de Processo Civil, em seu artigo 1.022, que cabem embargos de declaração para correção de obscuridade, contradição, erro material ou omissão em ponto sobre o qual caberia pronunciamento judicial.
Os embargantes alegam omissão na sentença, apontando os seguintes vícios embargáveis:
1 – apreciação insuficiente de fundamentos imprescindíveis à caracterização de abuso do poder econômico sob o viés religioso que, embora devidamento relatados na decisão, não foram objeto de suficiente pronunciamento, reclamando providência aclaratória ou integrativa;
2 – ausência de valoração de impugnação de prova juntada aos autos, com o objetivo de validar depoimento testemunhal relevante e significativo para o deslinde dos fatos, notadamente em se tratando de testemunha não contraditada e cujo depoimento não foi desacreditado em audiência.
No caso presente, verifico tratar-se de decisão cuja fundamentação é fruto de análise apropriada, clara, objetiva e suficiente, impondo-se a rejeição dos embargos.
Sobre o primeiro ponto de omissão, assim informaram os embargantes sobre os trechos do relatório que constituem núcleo do pedido e que não teriam sido objeto de apreciação:
“ - a utilização de uma imagem que associa “satanás” à adversária e “Jesus” à candidata não apenas uma prática eleitoral abusiva, mas uma violação ética, social e jurídica com graves implicações para a democracia, sendo que essa narrativa maniqueísta instrumentaliza a fé, polariza a sociedade e compromete a escolha dos eleitores, configurando um claro abuso de poder religioso;
- a disseminação de mensagens apócrifas, originadas de telefones “frios” – ferramenta típica de operações clandestinas – reforça a intencionalidade espúria de ventilar acusações infundadas, vinculando Rose a alegadas traições à fé, sendo que tal sistema manipula a moral cristã ao descontextualizar passagens bíblicas e usá-las como arma retórica para legitimar a candidata Adriane, projetando-a como um bastião de valores divinos;
- a realização de disparos em massa, especialmente em uma escala capaz de atingir toda uma capital como Campo Grande, demanda uma estrutura logística e financeira altamente sofisticada, sendo que tais operações requerem a aquisição de bases de dados com milhares de contatos, a contratação de serviços especializados em envios em grande escala e a utilização de ferramentas tecnológicas robustas frequentemente operadas por empresas clandestinas ou de reputação questionável;” (Sic, ID 123441370, p. 5)"
Em que pese a manifestação contrária dos embargantes, a matéria foi devidamente enfrentada na decisão, que analisou de forma conjunta a prova dos autos e deliberou com adequada e suficiente fundamentação o afastamento da utilização do viés religioso como instrumento de abuso de poder econômico, inclusive com alusões bem específicas, que ora trago à alusão:
“Examinando-se os autos, verifica-se que não restou demonstrado o abuso de poder econômico a partir de um viés religioso como suscitado pelos requerentes. Com efeito, as participações da requerida Adriane Lopes em cultos religiosos nos quais tenha discursado e recebido/pedido oração dos fiéis, apresentando-se como uma candidata missionária evangélica não denotam, por si só, qualquer efetivo desequilíbrio no pleito eleitoral, pois em seus discursos mencionados não houve direta ou indireta interferência na liberdade de escolha dos eleitores, tampouco pedido de votos para referida candidata.
(…) Embora alegado na inicial, não restaram demonstrados, pelo menos não de modo suficiente a configurar abuso do poder econômico, com viés religioso: (i) a prática pelas investigadas de ostensiva campanha eleitoral no interior de templos, por vezes durante cerimônias religiosas, inclusive abrangendo discurso e distribuição de material de propaganda; (ii) o desvirtuamento dos santuários e a sua apropriação pelas candidatas como um espaço privado de autoridade e influência político-eleitoral; (iii) a propagação intencional pelas candidatas de informação sabidamente inverídica (evento de nítida finalidade eleitoral travestido de evento “de liderança”) para o atingimento de finalidade eleitoral; (iv) a atuação de pastores evangélicos como “equipe de campanha” e chamarizes dos cidadãos, ofertando protagonismo à candidata Adriane Lopes a fim de que os fiéis nela votassem; (v) a criação de uma tônica do “bem versus mal” difundida por meio do ecossistema de desinformação criado para beneficiar a investigadas, consubstanciando abuso de poder de informação e mídia por meio de manipulação religiosa com participação das investigadas.
(…) Por fim, os requerentes alegam o abuso do poder econômico das requeridas mediante uso indevido (abuso) dos meios de comunicação social, mas referida alegação também não ficou claramente demonstrada nos autos, haja vista que, embora se tenha trazido pra o feito exemplares de notícias ou postagens de perfis favoráveis à candidatura das requeridas e desfavoráveis à candidatura adversária, não se logrou revelar a participação, o envolvimento, o vínculo das requeridas com os respectivos meios de comunicação que possa configurar o alegado abuso de poder.
Ademais, as requeridas trouxeram com a defesa apresentada outros exemplos de meios de comunicação e perfis em rees sociais que fizeam publicações no período eleitoral com pesadas críticas às requeridas e elogios à candidata adversária (ID 123387776 – fls. 48-50), corroborando, portanto, a inexistência de favorecimento desproporcional às requeridas ou quebra da normalidade e legitimidade das eleições.”
Como restou explicitado, a decisão pela improcedência não foi omissa no tocante aos pontos questionados no recurso de embargos, que foram enfrentados e afastados pela fundamentação de ausência de desequilíbrio no pleito; inexistência de interferência na liberdade de escolha dos eleitores e insuficiência de provas do envolvimento ou vínculo das requeridas com os fatos ou meios de comunicação mencionados.
Assim, os fatos mencionados pelos embargantes foram analisados, sopesados e as consequências jurídicas pretendidas devidamente afastadas pelo entendimento de necessidade de conjugação de elementos qualitativos e quantitativos aptos a influenciarem e macularem o pleito eleitoral.
Como entendimento comum e cotidiano, a omissão apta a ser enfrentada em embargos é somente aquela proveniente de matéria prejudicial à compreensão do próprio julgado.
Observo, portanto, que a omissão apontada no presente recurso concreto pode caracterizar, na realidade, insurgência afeta à solução jurídica empregada, que não pode ser sanada ou conhecida nos estreitos limites dos embargos, cabendo seu exame pelo órgão competente e em duplo grau de jurisdição.
O outro ponto de omissão invocado pelos embargantes em seu recurso residiria no seguinte trecho mencionado no relatório:
“Ademais, cabe destacar que se deve tomar o depoimento da testemunha Sebastião Vieira Machado (a única que aponta uma relação próxima com alguém do gabinete da Prefeita Adriane Barbosa Nogueira Lopes) com ressalvas, haja vista que foi juntado aos autos pelas requeridas audio (ID 123387767), cuja autoria lhe é imputada, pedindo votos para a candidata adversária das requeridas, o que gera certa perplexidade.” (Sic, ID 123441370, p. 20)."
Para os embargantes, não haveria motivo de invalidação do depoimento acaso fossem analisadas e acatadas as razões de impugnação ao áudio mencionado, por tratar-se de testemunho válido, de testemunha compromissada, cujas declarações não foram objeto de incerteza no momento adequado de sua inquirição e cuja relevância poderia acarretar efeitos infringentes ao julgado, possibilitando, inclusive, inversão do resultado do julgamento da ação.
Ocorre que, nos fundamentos adotados, as questões relativas à impugnação de áudio mencionadas pelos embargantes não teriam a relevância que lhes foi atribuída, visto que foram apurados e considerados, além dos fatos mencionados pela testemunha Sebastião Vieira Martins, toda a prova testemunhal produzida em audiência e também provas documentais relativas à suposta captação ilícita de sufrágio, tornando-se despiscienda para o julgamento a análise da referida impugnação de elemento probatório. Nesse sentido, transcrevemos trechos da decisão emanada pelo órgão julgador que enfrentam diretamente a questão posta em juízo:
"(...) Como cediço, configura-se o abuso do poder econômico mediante o uso excessivo e deproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de modo a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito, em benefício de determinada candidatura.
(…) Examinando-sse as provas produzidas no feito no tocante a este ponto da alegação, constata-se que restou demonstrada a compra de votos (ou a promessa de) em favor da candidatura das requeridas. Com efeito, as testemunhas Berenice Paes Machado e Edivânia Souza do Nascimento, ao serem ouvidas em juízo, asseveraram que participaram de reuniões políticas a pretexto de receberem dinheiro em troca de voto nas candidatas requeridas.
A testemunha Ivanor de Oliveira Brites, por sua vez, também afirmou em juízo que gravou local onde houve compra de votos, tendo inclusive seu voto sido comprado em benefício da candidatura das requeridas.
A testemunha Sebastião Vieira Martins assegurou em audiência de instrução que trabalhou na campanha das requeridas e que recebeu dinheiro para efetuar compra de votos, sendo que há nos autos comprovação de uma transação via PIX no valor de R$ 1.200,00 em favor dela que foi paga por Simone Bastos Vieira (ID 123347221), nomeada para exercer a função no gabinete da então prefeita e candidata requerida Adriane Lopes (ID 123346608 – f. 101).
Apesar da relatada compra de votos pelas testemunhas alhures indicadas em benefício das requeridas, não restou cabalmente demonstrado nos autos a participação (direta ou indireta) ou a anuência delas, na condição de beneficiárias, nos ilícitos, sendo tal prova imprescindível para que se possa concluir que elas incorreram também no referido crime e merecem a sanção de inelegibilidade estabelecida no artigo 22, XIV, da LC 64/1990 por abuso de poder econômico. Com efeito, ainda que se tenham comprovantes de pix e fotos de eventos onde se realizaram as supostas compra de votos, conforme juntado com a inicial (ID 123346608 – fls. 106-10), tais documentos, por si sós, não revelam a ligação ou envolvimento das requeridas com tais ilícitos, seja diretamente ou por interposta pessoa ou com anuência delas, o que é imprescindível.
Mesmo que se possa afirmar que os atos ilícitos a princípio constatados beneficiaram as requeridas, tal fato não é suficiente para levar à conclusão de que o bem jurídico tutelado pela norma (art. 22, caput, da LC 64/1990), isto é, a normalidade e legitimidade das eleições, foi maculada/afetada por ocasião das referidas condutas, sendo que não se comprovou compra substancia que pudesse gerar efetivo desequilíbrio da discputa.
Ademais, cabe destacar que se deve tomar o depoimento da testemunha Sebastião Vieira Martins (a única que aponta uma relação próxima com alguém do gabinete da Prefeita Adriane Barbosa Nogueira Lopes) com ressalvas, haja vista que foi juntado aos autos pelas requeridas audio (ID 123387767), cuja autoria lhe é imputada, pedindo votos para candidata adversária das requeridas, o que gera certa perplexidade.
Nesse sentido, embora a captação ilícita de sufrágio mereça a devida reprovabilidade por aqueles que na mesma incorreram, não houve na hipótese a quebra da isonomia do pleito capa de atrair a cassação dos diplomas das requerida, pois, como visto, embora beneficiárias do ato, não houve a quebra da normalidade e legitimidade do pleito, tendo em conta a diferença de votos entre as candidatas que concorreram no 2º turna das eleições municipais e a potenciaidade da conduta levada a efeito com a apontada compra de votos.
Não cabe também a inelegibilidade das investigadas como querem os requerentes, uma vez que não houve conduta concreta e individualizada delas no respectivo ilícito eleitoral. Com efeito, não há qualquer indicação da participação, seja direta ou indireta, das requeridas na eventual compra de votos, ainda que beneficiárias de tal conduta.”
Desse modo, constam como fundamentos da improcedência do pedido para a descaracterização do abuso de poder econômico a não constatação de seu uso excessivo e desproporcional; a insuficiência de provas no tocante à participação das requeridas ou de sua anuência com a compra de votos; ausência de demonstração de mácula na normalidade e legitimidade das eleições, bem como, ausência de verificação de potencialidade lesiva apta ao prejuízo do pleito, notadamente pela diferença de votos entre as candidatas, que corrobora o equilíbrio da disputa e paridade de armas.
Por consequência, não verifico a necessidade de de integração do pronunciamento judicial pelo não enfrentamento da mencionada impugnação a elemento probatório, uma vez que o nobre julgador examinou os elementos probatórios relevantes, além de estar adstrito tão somente à análise das questões fundamentais e imprecindíveis ao deslinde da causa, restando a sentença sem vícios ou máculas passíveis de correção, pelo que conheço da insurgência sem, contudo, acolhê-la.
Por essas razões, não estando caracterizadas as omissões, conforme exigência do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, rejeito os embargos de declaração.
Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.
CAMPO GRANDE/MS, na data da assinatura eletrônica.
DENIZE DE BARROS DODERO
Juíza da 036ª ZONA ELEITORAL DE CAMPO GRANDE MS