JUSTIÇA ELEITORAL
024ª ZONA ELEITORAL DE BARBACENA MG
REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600231-94.2024.6.13.0024 / 024ª ZONA ELEITORAL DE BARBACENA MG
IMPUGNANTE: PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, JOSE FRANCISCO RODRIGUES DE ALMEIDA
Advogados do(a) IMPUGNANTE: AGNELO SAD JUNIOR - MG88382, MARIA DACIELE DA FONSECA - MG156695
IMPUGNADO: SEBASTIAO RODRIGUES MONTEIRO
INTERESSADO: FORÇA DO POVO, TRABALHO, EXPERIÊNCIA E JUSTIÇA [PP/PRD/PSD/FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA(PSDB/CIDADANIA)] - IBERTIOGA - MG, PROGRESSISTA - IBERTIOGA - MG - MUNICIPAL, PARTIDO RENOVACAO DEMOCRATICA - IBERTIOGA - MG - MUNICIPAL, PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO - PSD, FEDERACAO PSDB CIDADANIA
Advogado do(a) IMPUGNADO: WELLITON APARECIDO NAZARIO - MG205575
SENTENÇA
Cuidam os autos de Requerimento de Registro de Candidatura – RRC de SEBASTIÃO RODRIGUES MONTEIRO para o cargo de Prefeito do Município de Ibertioga.
O Ministério Público Eleitoral aviou ação de impugnação ao registro de candidatura de Sebastião Rodrigues Monteiro sob o argumento de que está inelegível, nos termos do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, haja vista que o candidato teve suas contas de governo reprovadas pela Câmara Municipal de Ibertioga por meio da Resolução nº 106/2007, com base em prévio parecer do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Acrescenta que no processo administrativo n.º 52-59.2017.6.13.0024, por sentença prolatada em 27/08/2017, sob o manto da coisa julgada, foi reconhecida a inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea “g”, da LC 64/90, determinando sua anotação no cadastro eleitoral do candidato. Defende a irretroatividade do § 4º-A do art. 1º da LC nº 64/90.
José Francisco Rodrigues de Almeida, também candidato ao cargo majoritário do Município de Ibertioga também aviou impugnação ao registro de candidatura de Sebastião Rodrigues Monteiro e seu vice Ronaldo Ramos da Silva, trazendo, novamente a questão alusiva à reprovação das contas do então alcaide relativas ao exercício de 2003, após parecer do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Defende que revisitar a inelegibilidade do candidato viola a coisa julgada. Traz considerações sobre a referida inelegibilidade. Informa que na eleição 2020 o candidato teve seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral nos autos nº 0600421-96.2020.6.13.0024. Sustenta a aplicabilidade do tema 1199 do Superior Tribunal de Justiça (id 124308334). Pugna pela declaração de inelegibilidade de Sebastião Rodrigues Monteiro e o indeferimento de seu registro de candidatura.
Citado, o candidato apresentou contestação no id 124525715, onde defende a aplicabilidade da Lei Complementar nº 184/2021, haja vista que a rejeição de suas contas da alínea g, do inciso I, do art. 1º, da LC nº 64/90 não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e foram sancionados exclusivamente com pagamento de multa. Defende a interpretação da legislação eleitoral à luz dos princípios constitucionais da legalidade, seguração jurídica e preservação dos direitos políticos. Faz considerações sobre a jurisprudência que entende aplicável ao tema. Pugna pelo deferimento do registro de sua candidatura.
Impugnação à contestação de José Francisco Rodrigues de Almeida no id 124721022.
O Ministério Público eleitoral apresentou parecer final no id 124754373, oportunidade em que reiterou a petição inicial da impugnação ao registro de candidatura.
É a suma do necessário. Fundamento e decido.
Cinge-se a lide sobre a elegibilidade de Sebastião Monteiro.
Dispõe a Lei Complementar nº 64/90:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010) (Vide Lei Complementar nº 184, de 2021)
§ 4º-A. A inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa. (Incluído pela Lei Complementar nº 184, de 2021)
Este processo pouco defere daquele que tramitou nesta Zona Eleitoral da eleição passada, salvo quanto ao argumento defensivo com base na inovação trazida pela Lei Complementar 181/2021.
Instada, já em duas oportunidades a Justiça Eleitoral reconheceu a inelegibilidade de Sebastião Rodrigues Monteiro após ter suas contas rejeitadas pela Câmara Municipal de Ibertioga.
Antes de mais nada, não custa trazer aqui transcrições do voto do eminente Ministro Mauro Campbell Marques no Recurso Especial Eleitoral 0600421-96.2020.6.13.0024 – IBERTIOGA – MINAS GERAIS, seguido pelos demais julgadores do Tribunal Superior Eleitoral, oportunidade em que foi indeferido o registro de candidatura de Sebastião para o pleito de 2020, nos seguintes termos:
[…] A controvérsia devolvida no recurso especial reside em saber se a irregularidade praticada por Sebastião Rodrigues Monteiro, destacada da decisão que rejeitou suas contas de prefeito, é insanável e configura ato doloso de improbidade administrativa.
Como se sabe, nem toda desaprovação de contas conduz à incidência da causa de inelegibilidade delineada no citado dispositivo, cabendo à Justiça Eleitoral verificar a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (a) o exercício de cargos ou funções públicas; (b) a rejeição das contas por órgão competente; (c) a insanabilidade da irregularidade apurada; (d) o ato doloso de improbidade administrativa; (e) a irrecorribilidade do pronunciamento que desaprovou as contas; e (f) a inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto condenatório. Além disso, não é necessário que o dolo seja específico, sendo suficiente que seja genérico ou eventual.
[….]
No caso em debate, consoante relatado, o recorrente citou, a título de dissídio jurisprudencial, o acórdão proferido pelo TSE no julgamento do REspe nº 117-33/MG, em que esta Corte reiterou o entendimento de que a abertura de crédito suplementar sem autorização legal atrai, por si só, o óbice da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei de Inelegibilidade, porquanto constitui vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa.
Transcrevo trechos da ementa do referido julgado:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1, 1, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ABERTURA DE CRÉDITOS SUPLEMENTARES. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL E DE RECURSOS. VALOR SUPERIOR AO DESTINADO PARA ÁREA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. VÍCIO INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POSSÍVEL CRIME DE RESPONSABILIDADE. DESPROVIMENTO.
[...]
2. Trata-se de pedido de registro de Edson Said Rezende, vencedor do pleito majoritário de Ervália/MG nas Eleições 2016 com 54,01% de votos, impugnado pelo Parquet, por Nauto Euzébio da Silva (segundo colocado) e
pela Coligação Unidos por Ervália com base na inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90.
3. Aduziu-se, ao se impugnar o registro, que o candidato tivera contas referentes ao cargo de prefeito, no exercício de 2011, rejeitadas pela Câmara Municipal devido à abertura de créditos suplementares, sem autorização legal e sem recursos disponíveis, no montante de R$ 596.255,74, superior, inclusive, ao orçamento anual da área de assistência social, em afronta aos arts. 167, V e VII, da CF/88 e 43 da Lei 4.320/64, o que também constitui em tese crime de responsabilidade (art. 11,2, da Lei 1.079/50).
4. Em primeiro e segundo graus, indeferiu-se o registro, o que ensejou recurso especial pelo candidato.
[...]
HIPÓTESE DOS AUTOS
[...]
INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G, DA LO 64/90:
REQUISITOS
5. A teor do art. 1º, I, g, da LC 64/90, são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão [...]”.
6. Nem toda conta desaprovada enseja inelegibilidade. Cabe à Justiça Eleitoral aferir presença de elementos mínimos que revelem má-fé, desvio de recursos (em benefício próprio ou de terceiros), dano ao erário, nota de improbidade ou grave afronta a princípios, isto é, circunstâncias que demonstrem lesão dolosa ou prejuízo à gerência da coisa pública. Precedentes.
7. Não se requer dolo específico para incidência de referida inelegibilidade, bastando o genérico ou eventual, isto é, quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos. Precedentes, em especial: RO 192-33/PB, Rel. Min. Luciana Lóssio, sessão de 30.9.2016; REspe 332-24/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 26.9.2014; AgR-REspe 127-26/CE, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 19.6.2013.
8. Exigir-se dolo específico implica criar requisito não previsto na alínea g e constitui afronta ao art. 14, § 9º, da CF/88, dispositivo segundo o qual as hipóteses de inelegibilidade, estatuídas mediante lei complementar, visam proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício de cargo eletivo, considerada a vida pregressa do candidato.
9. Nos termos da Súmula 41/TSE, “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inlegibilidade”.
[...]
NATUREZA DA IRREGULARIDADE
13. Abertura de créditos suplementares, sem autorização legal e sem recursos disponíveis, enquadra-se na inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90, pois configura vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes, dentre eles o AgR-REspe 83-80/MG, ReI. Min. Gilmar Mendes, DJe de 20.4.2016 e o AgR-REspe 172-51/BA, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 9.4.2013.
14. Essa conduta contraria frontalmente os arts. 167, V e VII, da CF/88 e 43 da Lei 4.320/64, e, ainda, constitui em tese crime de responsabilidade, nos termos do art. 11, item 2, da Lei 1.079/50.
15. A teor dos incisos V e VII do art. 167 da CF/188, veda-se “a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes” e, ainda, “a concessão ou utilização de créditos ilimitados”. Da mesma forma, art. 43 da Lei 4.320/64 estabelece que “a abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa”.
16. Segundo o art. 11, item 2, da Lei 1.079/50, “são crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais”.
17. O recorrente aduz que o ilícito representou “apenas” 3% da previsão orçamentária do Município. Todavia, ao contrário do que se possa entender em exame superficial, trata-se de porcentagem significativa, mormente considerando a natureza da irregularidade.
18. A título comparativo, a fim de se dimensionar a relevância do ilícito, o Governo Federal apresentou proposta orçamentária para 2017 com previsão de despesas da ordem de 1,316 trilhões de reais e 3% desse montante corresponde a 39,48 bilhões – mais do que a soma de valores a serem destinados aos Ministérios da Fazenda (25,3 bilhões) e da Justiça e Cidadania (13,3 bilhões).
19. Na espécie, consta da sentença que a abertura de créditos suplementares – repita-se, sem autorização legislativa e sem recursos disponíveis – foi de R$ 596.255,74 e excedeu, inclusive, o orçamento anual da área de assistência social de Ervália/MG.
20. O recorrente insiste que no parecer prévio do órgão de contas não se teria indicado dolo. Todavia, o inteiro teor não consta do aresto regional e não se alegou, no recurso, afronta ao art. 275 do Código Eleitoral. Assim, conclusão em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.
21. No ponto, o dolo – genérico ou eventual, não se exigindo o específico (conforme tópico 7 desta ementa) – configurou-se na medida em que o recorrente, ao abrir créditos suplementares sem autorização legal, sem recursos disponíveis e em montante superior ao orçamento da área de assistência social de Ervália/MG, deixou de atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos.
CONCLUSÃO
22. Recurso especial a que se nega provimento, mantendo-se indeferido o registro de candidatura de Edson Said Rezende ao cargo de prefeito de Ervália/MG nas Eleições 2016. (REspe nº 117-33/MG, rel. Min. Herman Benjamin, PSESS de 15.12.2016)
Registro, a propósito, que esse entendimento foi reafirmado, por unanimidade, em decisão recente, proferida por este Tribunal Superior. Confira-se:
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. PREFEITO. INDEFERIMENTO PELA CORTE REGIONAL. ALÍNEA G DO INCISO I DO ART. 1º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. INCIDÊNCIA. CRÉDITO SUPLEMENTAR. ABERTURA SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL E EXECUÇÃO SEM DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA. VÍCIOS INSANÁVEIS. ATOS DOLOSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INELEGIBILIDADE. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR. ART. 224 DO CÓDIGO ELEITORAL. DESPROVIMENTO DO APELO NOBRE.
[...]
II. MÉRITO – Incidência da cláusula de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 3. À luz da jurisprudência desta Corte Superior, “o art. 1º, inciso I, alínea g, do Estatuto das Inelegibilidades reclama, para a sua caracterização, o preenchimento, cumulativo, dos seguintes pressupostos fático-jurídicos: (i) o exercício de cargos ou funções públicas; (ii) a rejeição das contas pelo órgão competente; (iii) a insanabilidade da irregularidade apurada, (iv) o ato doloso de improbidade administrativa; (v) a irrecorribilidade do pronunciamento que desaprovara; e (vi) a inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto que rejeitara as contas” (AgR-REspe nº 130-08/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 22.5.2018).
4. Constatada atuação temerária da gestora municipal, mediante abertura de créditos suplementares sem a necessária disponibilidade orçamentária (2005 e 2006) e, o que é mais grave, sem a devida autorização legal (2012), não há como afastar a conclusão adotada no acórdão regional, devendo-se manter o indeferimento do registro com base no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90.
5. A tutela do patrimônio público por meio das Cortes de Contas e do Poder Legislativo decorre do princípio da accountability, cabendo aos órgãos de controle resguardar os princípios que regem a administração pública, oque gera reflexos no âmbito eleitoral, afetos à competência desta Justiça especializada, quanto à preservação da moralidade para o exercício dos futuros mandatos eletivos, ex vi do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.
6. Descabe, na espécie, afastar o dolo, consubstanciado no reiterado desvio de normas e postulados que regem as finanças públicas, por três exercícios financeiros (2005, 2006 e 2012), ao argumento de que apenas com a primeira análise feita pelo TCE/MG a então prefeita tomou conhecimento das irregularidades que ensejaram a rejeição de suas contas pela Câmara Municipal, porquanto as Cortes de Contas, tanto em sua função judicante quanto auxiliar, exercem controle externo a posteriori, cabendo ao gestor público pautar sua atuação pelos princípios e normas que regem a administração pública.
[...]
9. Recurso especial desprovido, com determinação de novas eleições majoritárias no município de Antônio Carlos/MG, nos termos do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral.
(REspEl nº 0600130-96/MG, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 4.3.2021 – pendente de
publicação)
No tocante ao dolo, o TSE já assentou que não é necessário que seja específico, sendo suficiente que seja genérico ou eventual. E, no caso destes autos digitais, em especial, o dolo se confirma na medida em que o recorrido, no exercício do cargo de prefeito, atuou em discordância com os comandos legais e constitucionais que devem nortear as despesas públicas.
Nesse sentido, aliás, transcrevo excerto do voto proferido por esta Corte Superior no julgamento do multicitado REspe nº 117-33/MG, segundo o qual:
[...] o dolo – genérico ou eventual, não se exigindo o específico – configurou-se na medida em que o recorrente,ao abrir créditos suplementares sem autorização legal, sem recursos disponíveis e em montante superior ao orçamento da área de assistência social de Ervália/MG, deixou de atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos.
Ainda, na sessão de julgamento do REspe nº 0600130-96/MG, também já mencionado alhures, este Tribunal Superior reiterou o entendimento quanto ao dolo, ao consignar, nos termos do voto do relator, Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, o seguinte:
Quanto à insanabilidade da irregularidade e à configuração, em tese, de ato de improbidade administrativa na modalidade dolosa (dolo genérico), o TSE, no que tange a abertura e execução de créditos suplementares sem disponibilidade orçamentária (no caso concreto: contas de 2005 e 2006) e, sobremodo, a abertura sem autorização legal (no caso: contas de 2012), tem assentado a presença desses requisitos.
[...]
Irretocável a fundamentação perfilhada no acórdão recorrido, sendo despiciendo, inclusive, perquirir sobre a reiteração da conduta para fins de conformação ao art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, porquanto bastaria uma única decisão de rejeição de contas, baseada em tais vícios, para a caracterização do ato doloso de improbidade administrativa, na medida em que a abertura de crédito suplementar não precedida de autorização legal ou sem os recursos disponíveis implica violação a dispositivos legais e constitucionais de observância obrigatória pelo gestor público, independentemente de alertas, pareceres ou decisões prévias pelos órgãos competentes. (grifosacrescidos)
Para corroborar essa compreensão, cito, ainda, os seguintes precedentes desta Corte: AgR-Respe nº 107- 11/MG, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30.3.2017, DJe de 18.4.2017; e AgR-REspe nº 172-51/BA, rel. Min. Luciana Lóssio, julgado em 5.3.2013, DJe de 9.4.2013.
Portanto, como se nota, nos termos da reiterada jurisprudência deste Tribunal Superior, a abertura de créditos adicionais sem autorização legislativa enseja, por si só, a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, porquanto constitui vício insanável decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, na medida em que afronta o disposto nos arts. 162, V, da CF e 42 da Lei nº 4.320/1964 e, por conseguinte, configura, em tese, crime de responsabilidade (art. 11, 2, da Lei nº 1.079/1950).
Diante de tais assertivas, transcrevo, por importante, trecho extraído da moldura fática do voto vencido, prolatado pelo juiz João Batista Ribeiro, no qual o eminente julgador, na linha do entendimento assentado no TSE, anotou a natureza insanável e o caráter doloso da irregularidade em debate (ID 99563888):
Logo, diante da sólida jurisprudência acerca do tema, não se sustentam as alegações do recorrente de que a falha grave apontada no Acórdão do TCE/MG não indicaria a demonstração de irregularidade de natureza insanável e caracterizadora de ato doloso de improbidade administrativa.
A interpretação da inelegibilidade associada ao caso concreto é restrita, como orienta a jurisprudência eleitoral, ajustada estritamente ao preenchimento dos requisitos caracterizadores da hipótese descrita no art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/90. No caso dos autos, já se encontra sedimentado na jurisprudência que a abertura de créditos suplementares, sem cobertura legal, é considerada irregularidade grave, de natureza insanável e que configura ato doloso de improbidade administrativa.
O recorrente apela pela aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que a abertura de créditos suplementares, sem cobertura legal, foi no valor de R$ 58.079,91, o que representa 1,61% da despesa total fixada de R$ 3.600.000,00, que, no entender do recorrente, trata-se de quantia insignificante diante do valor global, associada ao fato de se tratar de irregularidade meramente contábil e formal.
No entender do recorrente, o valor irrisório que importou na rejeição das contas reclama a ponderação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que não se compatibiliza com sanção tão severa quanto é aquela que impede o exercício do direito de concorrer ao pleito eleitoral.
Sem razão o recorrente.
Segundo restou consignado no dispositivo do Acórdão do TCE/MG, contido no ID nº 23.082.545 (Processo nº Num. 93705888 - Pág. 12 Assinado eletronicamente por: MAURO LUIZ CAMPBELL MARQUES - 22/04/2021 19:54:54 https://pje1g-mg.tse.jus.br:443/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21042219545400000000089739999 Número do documento: 21042219545400000000089739999 Este documento foi gerado pelo usuário 027.***.***-60 em 22/08/2024 15:14:05 0600421-96.2020.6.13.0024), que emitiu parecer pela rejeição das contas públicas do recorrente, referentes ao exercício de 2003, como Prefeito Municipal, a abertura de crédito suplementar, sem cobertura legal, ainda que represente 1,61% da despesa total fixada, foi considerada falha grave de responsabilidade do gestor.
Portanto, incabível se cogitar da aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, com vistas a afastar a gravidade da irregularidade considerada pelo Tribunal de Contas do Estado – TCE/MG – uma vez que “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade” (Súmula nº 41, do TSE).
Segundo a jurisprudência do TSE “a inelegibilidade da alínea g deve ser aferida de modo objetivo” sendo que “estabelecer critério de proporcionalidade ou razoabilidade implicaria criar requisito de natureza subjetiva não previsto na LC 64/90” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 49-69/SP – Bragança Paulista, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado e publicado na sessão de 19.12.2016).
Por derradeiro, impende registrar que, conforme se constata pelo ID nº 23.071.845 (Processo nº 0600327-51) o recorrente SEBASTIÃO RODRIGUES MONTEIRO ingressou com Ação Declaratória de Nulidade do Acórdão do TCE/MG e da decisão da Câmara Municipal de Ibertioga/MG, que rejeitou suas contas públicas referentes ao exercício de 2003. Todavia, a MM.ª Juíza de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Barbacena/MG indeferiu o pedido de tutela de urgência postulado pelo recorrente, para afastamento de sua inelegibilidade, tendo essa decisão sido mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG – ao negar provimento ao agravo de instrumento interposto nos autos do Processo nº 1.0000.20.060143-3/001, em 09.09.2020.
Portanto, o recorrente não obteve provimento suspensivo ou anulatório, emanado de órgão do Poder Judiciário, apto a afastar os efeitos da decisão da Câmara Municipal de Ibertioga/MG, que rejeitou suas contas públicas (exercício 2003), amparado no parecer do TCE/MG.
Logo, conclui-se que restaram preenchidos todos os requisitos exigidos para configuração da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/90, considerando que ainda não se transcorreu o prazo de 08 (oito) anos, contados da data de decisão da Câmara Municipal, formalizada pelo Decreto Legislativo nº 3/2017, publicado em 25.09.2017, conforme se infere do ID nº 23.071.745, p. 10 (Processo nº 0600327- 51.2020.6.13.0024). (grifos no original)
Diante desse cenário, verifico a presença de todos os requisitos ensejadores da inelegibilidade discutida nestes autos digitais, quais sejam: (a) o exercício de cargos ou funções públicas (prefeito); (b) a rejeição das contas por órgão competente (Câmara Municipal); (c) a insanabilidade da irregularidade apurada; (d) o ato doloso de improbidade administrativa (abertura de crédito adicional sem autorização legal); (e) a irrecorribilidade do pronunciamento que desaprovou as contas; e (f) a inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto condenatório.
Logo, entendo que a compreensão adotada pelo TRE/MG está em desconformidade com a jurisprudência do TSE e ofende o disposto no art. 1º, I, g, da Lei de Inelegibilidade, devendo, assim, ser reformada.
[…]
Ante o exposto:
a) não conheço do recurso interposto por José Francisco Rodrigues de Almeida, ante a falta de legitimidade recursal; e
b) dou provimento ao recurso especial interposto pelo MPE, para indeferir o pedido de registro de candidatura de Sebastião Rodrigues Monteiro ao cargo de prefeito do Município de Ibertioga/MG no pleito de
[…]
É como voto.[..] (grifos meus).
Extrai-se do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que, já nas eleições passadas persistia a inelegibilidade do candidato Sebastião Rodrigues Monteiro, já declarada por este Juízo Eleitoral, tão logo informado da decisão da edilidade do Município de Ibertioga.
Sobre a aplicação retroativa do art. 1º, § 4º-A, da Lei Complementar 64/1990, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei Complementar nº 181/2021, tenho que melhor sorte não assiste ao impugnado.
É certo que na modalidade de julgamento de contas pelo Tribunal de Contas não se delibera sobre restituição de valores ou imposição de multa ao agente público, muito menos a Câmara Municipal poderia fazê-lo, haja vista que o julgamento se restringe a aprovar ou rejeitar as contas, o que inviabiliza o pleito do candidato quanto à aplicabilidade do § 4º-A, do art. 1º da LC/64 ao caso em julgamento. Ora, pensar de forma diversa exigiria que o órgão de contas julgasse além de suas atribuições e do que determina a legislação.
E nenhum momento a norma fala em retroatividade. E, regra básica do direito é a da irretroatividade da lei (art. 5º, XXXVI, da CF) , sendo que, somente em matéria penal, é que a Carta Magna admite a retroatividade da lei para beneficiar o réu (art. 5º XL, da CF/88). Nos casos em que o legislador opta por interpretação retroativa da norma o faz expressamente, como, por exemplo, se extrai do art. 106 do Código Tributário Nacional e, não se aplicaria quanto a fato definitivamente julgado, como expressa do inciso II, do referido dispositivo legal, que trata da hipótese dos autos, em que há sentença, transitada em julgado, que reconhecer presentes todos os requisitos configuradores da inelegibilidade.
Para reforçar a irretroatividade da lei, ainda podemos nos valer do art. 6º da LINDB (A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada).
No caso ora submetido a julgamento, após publicado Decreto Legislativo pela rejeição das contas do então alcaide, fora prolatada sentença no processo administrativo nº 52-59.2017.6.13.0024, sentença essa irrecorrível, como se dessume da certidão de trânsito em julgado juntada aos autos, onde o postulante, após o devido processo legal teve determinada a anotação de inelegibilidade no cadastro leitoral, em 27 de agosto de 2017. Na referia sentença, sob o manto da coisa julgada, seu prolator teve o cuidado de analisar detidamente os elementos necessários para caracterização da inelegibilidade, notadamente a figura do dolo, que, diga-se de passagem, em momento algum neste feito são sequer questionados pelas partes.
Como fundamentação jurídica valho-me das transcrições do acórdão que indeferiu o registro do candidato na eleição passada, sendo necessário aqui transcrever a referida fundamentação jurídica, para evitar a redundância.
E o Supremo Tribunal Federal, quando da análise do tema 835, da sistemática da repercussão geral, assentou o entendimento segundo o qual: “para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores” (RE 848.826, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Red. do acórdão Min. Ricardo Lewandowski, DJe 24.8.2017).
Pensar de forma diversa implicaria em fazer tábula rasa a função constitucional de fiscalização do Poder Legislativo.
Ademais, pela própria natureza do processo de prestação e apreciação de contas, que versou sobre contas de governo e não contas de gestão, era impossível a imputação de débito ou imposição de multa ao agente público.
No caso de contas de governo, o Tribunal de Contas cumpre sua função constitucional de prestar auxílio ao Poder Legislativo, na fiscalização orçamentária, financeira, contábil, operacional e patrimonial, por meio do controle externo. Logo, cabe ao Legislativo local o julgamento final das contas de governo, cingindo-se o Tribunal de Contas a realizar uma análise técnica da atuação governamental, com base a documentação apresentada. Por sua vez, as contas de gestão dizem respeito às contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração, bem como as contas daqueles que gerarem perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário público. Nesta hipótese, sendo apuradas irregularidades nas contas de gestão ou ainda nas auditorias e inspeções realizadas pelo TCE nos atos e contratos elaborados pelos jurisdicionados, o Tribunal de Contas poderá sustar a execução do ato, ou ainda, se o mesmo resultar em dano ao erário, imputar débito ao responsável (ou seja, exigir o ressarcimento pelos danos causados pelo agente aos cofres públicos) e ainda aplicar multa. A penalidade de multa pode também ser aplicada nas hipóteses em que não se verificar dano ao erário, mas em que se verifique uma grave infração à legislação financeira, administrativa ou contábil. Contudo, em caso de contas de governo, não há imputação de outra penalidade ao agente público, que não a inelegibilidade.
A este respeito, o Ministério Público, inclusive, trouxe ponderações com citação de acervo doutrinário, cujo entendimento coaduno e reputo desnecessário repetir. Ademais, do excerto doutrinário a citação de jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, segundo a qual: ‘Impõe-se conferir interpretação conforme a Constituição ao § 4o-A do art. 1o da LC 64/90 a fim de que essa regra incida apenas nas hipóteses de julgamento de gestores públicos pelos tribunais de contas. Não se afigura razoável que o dispositivo seja aplicado de modo absolutamente incompatível com a proteção dos valores da probidade administrativa e da moralidade para exercício de mandato, especialmente destacados no art. 14, § 9o, da CF/88, o que ocorreria caso os chefes do Poder Executivo fossem excluídos de forma automática da incidência dessa causa de inelegibilidade, já que no julgamento de suas contas anuais e de exercício não há imputação de débito ou imposição de multa. CASO DOS AUTOS. CONTAS DE PREFEITO. JULGAMENTO PELA CÂMARA MUNICIPAL. § 4o-A DO ART. 1o DA LC 64/90. INAPLICABILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIOS FINANCEIROS DE 2018 E 2019. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE. CARACTERIZAÇÃO. INELEGIBILIDADE CONFIGURADA.”
Vejamos a ementa do referido julgado:
“RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90.
1. Recurso ordinário interposto contra acórdão do TRE/SP em que se deferiu o registro do ora recorrido, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual de São Paulo nas Eleições 2022 (obteve 6.990 votos), afastando-se a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90 (rejeição de contas públicas), em decorrência da regra do § 4º-A do mesmo dispositivo legal.
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DO § 4º-A DO ART. 1º DA LC 64/90. APLICAÇÃO APENAS NAS HIPÓTESES DE JULGAMENTO POR TRIBUNAIS DE CONTAS. MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROTEÇÃO. ADEQUADA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO.
2. Consoante o art. 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90, são inelegíveis ‘os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes [...]’.
3. De acordo com o art. 1º, § 4º-A, da LC 64/90, incluído pela LC 184/2021, ‘[a] inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa’.
4. A Constituição brasileira prevê sistema de controle externo em que a fiscalização dos gestores públicos é exercida por dois órgãos autônomos – Poder Legislativo e Tribunais de Contas – com distintas competências estabelecidas no próprio texto constitucional (arts. 49, IX, 70 e 71 da CF/88).
5. Nas hipóteses em que o Tribunal de Contas da União é competente para julgar as contas (art. 71, II, da CF/88), há previsão constitucional expressa de imposição de multa e de imputação de débito (art. 71, VIII e § 3º, da CF/88), o que também se aplica ao julgamento pelas demais Cortes de Contas. Por sua vez, o Poder Legislativo, ao julgar contas anuais de chefe do Executivo – e, no caso de prefeitos, também as contas de exercício – limita-se a decidir por sua aprovação, aprovação com ressalvas ou rejeição, não se prevendo qualquer espécie de penalidade.
6. Impõe-se conferir interpretação conforme a Constituição ao § 4º-A do art. 1º da LC 64/90 a fim de que essa regra incida apenas nas hipóteses de julgamento de gestores públicos pelos tribunais de contas. Não se afigura razoável que o dispositivo seja aplicado de modo absolutamente incompatível com a proteção dos valores da probidade administrativa e da moralidade para exercício de mandato, especialmente destacados no art. 14, § 9º, da CF/88, o que ocorreria caso os chefes do Poder Executivo fossem excluídos de forma automática da incidência dessa causa de inelegibilidade, já que no julgamento de suas contas anuais e de exercício não há imputação de débito ou imposição de multa.
CASO DOS AUTOS. CONTAS DE PREFEITO. JULGAMENTO PELA CÂMARA MUNICIPAL. § 4º-A DO ART. 1º DA LC 64/90. INAPLICABILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIOS FINANCEIROS DE 2018 E 2019. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE. CARACTERIZAÇÃO. INELEGIBILIDADE CONFIGURADA.
7. Na linha do que decidiu esta Corte em recentíssimo julgado, ‘a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa passou a exigir o dolo específico para a configuração do ato de improbidade administrativa’, o que se aplica à causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC 64/90 (RO 0601046-26/PE, redator para acórdão Min. Ricardo Lewandowski, publicado em sessão em 10/11/2022).
8. Na espécie, é incontroverso que o recorrido, na qualidade de Prefeito de Rio Claro/SP, teve contas públicas relativas aos exercícios de 2018 e 2019 rejeitadas pelo Poder Legislativo do município.
9. As contas do exercício de 2018 foram rejeitadas por meio do Decreto Legislativo nº 640, de 8/9/2021 em decorrência da falta de recolhimento de obrigações previdenciárias. As contas de 2019, por sua vez, foram desaprovadas por meio do Decreto Legislativo nº 662, de 29/6/2022, tendo em vista, entre outras irregularidades, déficit de execução orçamentária, elevação do endividamento e falta de pagamento de encargos previdenciários.
10. Assume particular gravidade o déficit de execução orçamentária, tendo em vista o expressivo valor da irregularidade, superior a quatorze milhões de reais, bem como a circunstância apontada no parecer prévio do TCE/SP de que ‘o resultado orçamentário deficitário contribuiu para a elevação do déficit financeiro do exercício anterior, que passou a ser de R$ 53.051.868,31 (cinquenta e três milhões e cinquenta e um mil oitocentos e sessenta e oito reais e trinta e um centavos) em 2019’.
11. A presença de dolo específico do gestor público é patente no caso, pois se registrou no parecer prévio que ‘o Município foi alertado tempestivamente, por sete vezes, sobre desajustes em sua execução orçamentária e que o interessado não apresentou justificativas em relação aos apontamentos efetuados’.
12. Da mesma forma, constitui falha insanável que configura ato doloso de improbidade a reiterada falta de recolhimento de encargos sociais ao regime de previdência do município. Em 2018, identificou-se não terem sido recolhidas as contribuições patronais no valor total de R$ 14.191.299,08 e a ausência de aporte para cobertura do déficit atuarial no montante de R$ 12.888.310,51. Já em 2019, a irregularidade atingiu o elevado importe de R$ 65.019.530,29.
13. Impõe-se reconhecer o dolo específico do gestor também neste ponto, considerando-se a reiteração e o agravamento das condutas do exercício de 2018 para o de 2019 e, ainda, o fato de não terem sido realizados nem mesmo o pagamento de todas as parcelas vencidas no exercício em relação a dois acordos judiciais de parcelamento com o RPPS e o parcelamento junto ao FGTS.
CONCLUSÃO. PROVIMENTO DO RECURSO. INDEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA. 14. Recurso ordinário a que se dá provimento para indeferir o registro de candidatura do recorrido ao cargo de deputado estadual de São Paulo nas Eleições 2022.”
Contra decisão foram interpostos embargos de declaração, que foram rejeitados:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2022. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. OMISSÃO. AUSÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. REJEIÇÃO.
1. No acórdão que se embarga, esta Corte deu provimento a recurso ordinário para indeferir o registro de candidatura do embargante ao cargo de deputado estadual de São Paulo nas Eleições 2022, em razão da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90 (rejeição de contas públicas).
2. Em apertada síntese, este Tribunal assentou que a nova regra trazida no § 4º-A do art. 1º da LC 64/90 – segundo a qual ‘[a] inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa’ – se aplica apenas nas hipóteses em que o julgamento das contas públicas seja realizado por tribunal de contas.
3. Além disso, esta Corte concluiu incidir na espécie a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90, uma vez que o embargante, na qualidade de Prefeito de Rio Claro/SP, teve rejeitadas as contas públicas relativas aos exercícios de 2018 e 2019 em decorrência de grave déficit de execução orçamentária, que persistiu após sete avisos do Tribunal de Contas e, também, dentre outras falhas, da reiterada falta de recolhimento de encargos sociais ao regime de previdência do município, que se agravou do exercício de 2018 para o de 2019.
4. Não há falar em contradição, pois foi demonstrado no aresto embargado que os tribunais de contas não imputam débito ou aplicam multa em quaisquer hipóteses, mas apenas naquelas em que possuem competência para julgar as contas públicas. Nesse contexto, explicitou-se que a atuação das cortes de contas se limita à emissão de parecer prévio quando o julgamento cabe ao Poder Legislativo.
5. Da mesma forma, não existe omissão no julgado no que se refere à suposta ausência dos requisitos exigidos no art. 1º, I, g, da LC 64/90 para que a inelegibilidade se configure.
6. O embargante aponta circunstâncias fáticas que, em sua compreensão, deveriam ser analisadas porquanto elidiriam a gravidade das falhas que ensejaram a rejeição das contas públicas, bem como indicariam a ausência de dolo em sua atuação como gestor. Todavia, tais argumentos foram apresentados pela primeira vez em sede de embargos declaratórios, constituindo incabível inovação recursal, conforme jurisprudência desta Corte Superior.
7. Os supostos vícios apontados denotam propósito de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes.
8. Embargos de declaração rejeitados.”
Transcrevo, aqui, trecho da decisão do então Ministro Alexandre de Moraes, do Tribunal Superior Eleitora:
“Conforme se depreende do acórdão recorrido, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, ao dar provimento ao Recurso Ordinário, indeferiu o registro de candidatura em razão da causa de inelegibilidade do artigo 1º, I, g, da LC 64/90, tendo em vista, em síntese, que o Recorrente, ‘na qualidade de Prefeito de Rio Claro/SP, teve suas contas públicas relativas aos exercícios de 2018 e 2019 rejeitadas pelo Poder Legislativo do município’.
Na hipótese, ainda, conferiu interpretação conforme à Constituição Federal ao § 4-A do artigo 1º da LC 64/90, incluído pela LC 184/2021, e afastou sua incidência ao caso, por entender ‘que não se afigura razoável que essa regra seja aplicada de modo absolutamente incompatível com a proteção dos valores da probidade administrativa e da moralidade para exercício de mandato, especialmente destacados no art. 14, § 9º, da CF/88, o que ocorreria caso os chefes do Poder Executivo fossem excluídos de forma quase integral da incidência dessa importante causa de inelegibilidade’. Eis o teor, no ponto, do acórdão:
(...)
Vê-se, assim, que esta CORTE restringiu o alcance do § 4º-A do artigo 1º da LC 64/90 - inovação legislativa decorrente da LC 184/2021 a dispor que ‘a inelegibilidade prevista na alínea ‘g’ do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa’ - às hipóteses de julgamento por tribunais de contas, excluindo, do âmbito de sua aplicação, os casos em que o julgamento das contas constitui atribuição do Poder Legislativo, de modo a compatibilizar o enunciado normativo com o artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, notadamente no que concerne à tutela da probidade administrativa e da moralidade para o exercício de mandato eletivo.”
A matéria alusiva à compatibilidade da incidência do § 4º-A do artigo 1º da LC 64/90 aos casos cujo julgamento de contas de chefe do Poder Executivo seja de competência do Poder Legislativo inclusive, está sendo objeto de análise de repercussão geral do egrégio Supremo Tribunal Federal.
Portanto, por entender este magistrado que o candidato Sebastião Rodrigues Monteiro, no exercício do cargo de Prefeito do Município de Ibertioga, exercício 2003, teve as suas contas rejeitadas por decisão irrecorrível da Câmara Municipal de Ibertioga, com base em parecer técnico do Tribunal de Contas; por irregularidade que é reputada insanável, qual seja, abertura de crédito suplementar sem autorização legal; o que, independentemente do prévio ajuizamento e julgamento de ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, configura ato doloso, que resta perfectibilizada a inelegibilidade do art. 1º, I, ‘g’, da Lei Complementar nº 64/90. Saliento, ainda, que embora mencionado em ação passada, o impugnado ajuizou ação para suspensão ou anulação do ato gerador na inelegibilidade, sem que tenha obtido decisão suspensiva do ato configurador da inelegibilidade.
Calha trazer aqui, ainda, a aplicabilidade do Tema 1199 do Supremo Tribunal Federal, sustentado pelo impugnado:
Tema 1199 - Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.
Relator(a):
MIN. ALEXANDRE DE MORAES
Leading Case:
ARE 843989
Descrição:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, a prescritibilidade dos atos de improbidade administrativa imputados à recorrente, por alegada conduta negligente na condução dos processos judiciais em que atuava como representante contratada do INSS, sem demonstração do elemento subjetivo dolo (Temas 666, 897 e 899 do STF). Delimita-se a temática de repercussão geral em definir se as novidades inseridas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992, com as alterações dadas pela Lei 14.230/2021) devem retroagir para beneficiar aqueles que porventura tenham cometido atos de improbidade administrativa na modalidade culposa, inclusive quanto ao prazo de prescrição para as ações de ressarcimento.
Tese:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Exposto o precedente vinculante, cabe observar o disposto nos artigos 926 a 928 do CPC, que instituíram e disciplinaram o denominado "Sistema Jurisprudencial", cuja finalidade é buscar maior coerência, estabilidade e integridade na atividade judicante, seja no âmbito interno dos Tribunais, seja no âmbito de todo o Poder Judiciário pátrio unitariamente considerado, imperiosa a aplicação do precedente acima citado no caso em tela.
Portanto, o caso ora apresentado não autoriza entendimento outro que não seguir a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal de irretroatividade do disposto na Lei nº 14.230/2021, haja vista que a conduta praticada pelo candidato amolda-se ao que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, como já exposto, reputa ato doloso de improbidade administrativa.
Ao contrário do que sustenta a defesa, esta decisão não está, de modo algum, a violar o princípio da legalidade, haja vista que está a seguir o expresso comando legal. Muito menos há violação à segurança jurídica, pois, repito, todas as vezes em que já instada, quer pela Câmara Municipal, quer em processo de registro de candidatura na eleição passada a Justiça Eleitoral teve por bem reconhecer a inelegibilidade, de modo que, agora, decidir de forma diversa é que implicaria em violação à segurança jurídica, já que não ultrapassado o prazo legal da inelegibilidade. Por fim, a questão da preservação dos direitos políticos do candidato, somente está sendo aplicada a incapacidade eleitoral passiva em razão da necessidade de se primar pela probidade administrativa e segurança jurídica.
Isso posto e por tudo mais que dos autos consta, com base na fundamentação ora exposta, INDEFIRO O REGISTRO DE CANDIDATURA DE SEBASTIÃO RODRIGUES MONTEIRO ao cargo de Prefeito do Município de Ibertioga no pleito de 2024.
Barbacena, 3 de setembro de 2024.
ALEXANDRE VERNEQUE SOARES
Juiz Eleitoral