JUSTIÇA ELEITORAL
092ª ZONA ELEITORAL DE PRAINHA PA
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600198-09.2020.6.14.0092 / 092ª ZONA ELEITORAL DE PRAINHA PA
REPRESENTANTE: ELEICAO 2020 ADRIENE HAGE PIRES PREFEITO
Advogados do(a) REPRESENTANTE: MONALISA DE SOUZA PORFIRIO - PA27616, CAMILA RIBEIRO PEIXOTO - PA17347, LEONARDO DE NOVOA CHAVES - PA018706, MARCELO DA ROCHA PIRES - PA23535, EDER VIEGAS DE CARVALHO - PA30458, MARIA SANTOS DA SILVA - PA20458, APIO CAMPOS FILHO - PA006580
INVESTIGADO: ELEICAO 2020 DAVI XAVIER DE MORAES PREFEITO
Advogado do(a) INVESTIGADO: BENEDITO GABRIEL MONTEIRO DE SOUZA - PA22684
SENTENÇA
RELATÓRIO
1. ADRIENE HAGE PIRES, candidata a Prefeita pela coligação “UM NOVO RUMO UMA NOVA HISTÓRIA”, ajuizou ação de investigação judicial eleitoral em desfavor de DAVI XAVIER DE MORAES, Prefeito eleito pela coligação “Prainha no Rumo Certo”.
2. Alega a impetrante o seguinte: que o representado fez uso de seu gabinete de Prefeito para contratar funcionários públicos temporários em pleno período eleitoral, e que estes estariam desenvolvendo atividades típicas de campanha eleitoral, relacionadas à propaganda eleitoral em benefício de sua candidatura; que a enfermeira DAYSE LUCI DA SILVA BAIA - servidora da Prefeitura Municipal de Itaituba, lotada na respectiva Secretaria Municipal de Saúde - integrou o quadro de funcionários do hospital municipal “Wilson Ribeiro”, fazendo parte da Escala de Serviço em período eleitoral (01/10/2020 a 31/10/2020) como servidora temporária, e que estaria realizando propaganda eleitoral para o investigado.
3. Escala de serviço da unidade mista de saúde Wilson Ribeiro, no período entre 01/10/2020 e 31/10/2020, juntada pela parte autora, demonstra que a Sra. Dayse Luci da Silva Baia atuou durante 23 dias no período, com carga horária total de 180 horas laboradas, ao passo que, do registro da servidora Clayse Fernanda Mota Pingarilho, consta a descrição de licença especial.
4. Documento retirado do portal da transparência do município de Itaituba demonstra que a Sra. Dayse é servidora efetiva do ente, ocupando o cargo de enfermeira cirúrgica (ID nº 12446088). A ficha funcional de ID nº 94272150 enviada pela prefeitura de Itaituba a este juízo confirma essa informação, restando, portanto, a ciência inequívoca quanto a este fato.
5. Notificado, o representado apresentou contestação, alegando o seguinte: que a contratação da servidora Dayse Luci da Silva Baia se deu através de processo administrativo próprio para contratação temporária, para substituição da servidora grávida (grupo de risco), conforme Portaria nº 008/2020-SMS/GB (ID nº 16332884) destinada a afastar do trabalho servidores pertencentes ao grupo de risco; que a servidora Clayse Fernanda Mota Pingarilho foi afastada do serviço por estar enquadrada no grupo de risco do COVID 19 (gestante, conforme laudo médico de ID nº 16334912), surgindo, então, a necessidade de contratação temporária para substituição; que, para cumprir os normativos atinentes à prevenção do COVID 19, que fixaram medidas preventivas até 31.12.2020, o município de Prainha intensificou a atuação das equipes de saúde; que o Ministério Público do Trabalho da 8ª Região ajuizou ação civil pública (ACP nº 000426- 89.2020.5.08.0122) em face do Município de Prainha, feito no qual se proferiu decisão liminar determinando que, entre outras medidas, no prazo de 10 dias, se liberassem das atividades presenciais os trabalhadores pertencentes à grupo de risco (idosos, imunodeficientes, portadores de doenças preexistentes, crônicas ou graves, gestantes e lactantes), sem prejuízo a seus salários e demais direitos e benefícios do contrato de trabalho (ID nº 16332882), o que justificaria a contratação temporária objeto desta ação.
6. O Ministério Público Eleitoral requereu que se oficiasse a Secretaria Municipal de Saúde de Itaituba-PA, para que fosse encaminhado a ficha funcional da enfermeira DAYSE LUCI DA SILVA BAIA, assim como o motivo de sua licença, o que foi realizado por meio do ofício de ID nº 94272150, segundo o qual o motivo determinante foi licença maternidade concedida à servidora, de 11/09/2020 a 10/03/2020. O Parquet também requereu que o Secretário Municipal de Saúde de Prainha, Sr. Paulo Ricardo Silva Correa, informasse o seu grau de parentesco com a Sra. Dayse, o que foi feito por meio do ofício de ID nº 54710059, em que o Secretário informou se tratar de sua prima.
7. Em alegações finais, os investigantes reiteraram a tese trazida na petição inicial e confrontaram os argumentos trazidos na contestação, ressaltando que a Sra. Dayse estava de licença maternidade e que, portanto, se enquadraria em situação de risco do COVID 19 (lactante), assim como a Sra. Clayse, que foi substituída justamente por motivo análogo (gestante). Ademais, juntaram folha de pagamento do município entre os meses de agosto e outubro de 2020, citando um aumento de mais de 294 servidores temporários, o que onerou a folha em cerca de R$ 724.793.59. Assim, argumentam que não foi somente a enfermeira Dayse contratada durante o período eleitoral, mas sim mais de 200 (duzentos) servidores temporários, inclusive da educação. Requer-se, ao final, a declaração de inelegibilidade e a cassação dos registros de candidaturas de DAVI XAVIER DE MORAES e de seu vice JOSUÉ PEREIRA DO NASCIMENTO, juntamente com a cominação de multa.
8. Exceção de suspeição foi deferida por este juízo (ID nº 102616565).
9. Os investigados apresentaram alegações finais, ressaltando que a parte autora alterou o suporte fático delimitado na inicial e na defesa, para indicar 294 contratações temporárias, trazendo documentos e informações novas em momento inoportuno, qual seja, em sede de alegações finais. Corroboram a tese trazida na defesa, mencionando que a contratação objeto da inicial não se pautou em conveniência eleitoral, mas, a contratação da servidora se pautou na necessidade excepcional de fazer frente ao combate da COVID 19, requerendo, ao final, a improcedência desta ação.
10 . O Ministério Público Eleitoral (ID nº 96502411) ressalta que a contratação temporária em período eleitoral da Sra. Dayse configura conduta vedada, e que, apesar da justificativa apresentada quando do ato de contratação da servidora temporária, tal ato não é passível de validação, uma vez que foge dos critérios legais e, inclusive, dos princípios administrativos. Acrescenta que a portaria nº 008/2020-SMS/GB, expedida em 02 de outubro de 2020, estabeleceu, em seu art. 1º, inc. B, a suspensão das atividades das servidoras grávidas e/ou lactantes, não se podendo admitir a justificativa da contratação de DAYSE LUCI DA SILVA BAIA, já que estava em gozo de LICENÇA MATERNIDADE pela Prefeitura de Itaituba/PA. Por fim, manifesta-se pela condenação do representado DAVI XAVIER DE MORAES pela prática de conduta vedada aos agentes públicos e sua sujeição ao pagamento da multa estipulada no § 4.º do art. 73, da Lei 9.504/97, no valor de cinco a cem mil UFIR.
11. Vieram os autos conclusos para decisão.
FUNDAMENTAÇÃO
12. Trata-se de investigação judicial eleitoral em que é imputada a prática de conduta vedada do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97 ao Prefeito do município de Prainha DAVI XAVIER DE MORAES, candidato à reeleição à época.
13. O processo está apto para julgamento, sem questões processuais preliminares ao mérito pendentes de decisão.
14. Antes de analisar as consequências jurídicas, passo à prova dos fatos alegados pelas partes. Em resumo, o autor afirma que o investigado fez uso de seu gabinete de Prefeito para contratar funcionários públicos temporários em pleno período eleitoral, e que estes estariam desenvolvendo atividades típicas de campanha eleitoral, relacionadas à propaganda eleitoral em benefício de sua candidatura. O réu alega que a nomeação da enfermeira DAYSE LUCI DA SILVA BAIA ocorreu para substituir funcionária gestante, em face da situação epidemiológica que atingia o município, contexto no qual fora proferida decisão liminar pela Justiça do Trabalho em ACP determinando providências imediatas da administração municipal para afastar servidores enquadrados no grupo de risco da COVID 19, dentre eles estariam as gestantes e as lactantes.
15. Esses são os fatos que serão objeto da análise probatória, ressaltando às partes seus ônus: ao autor, do fato constitutivo de seu direito e aos investigados, o do fato extintivo/impeditivo/modificativo do direito do autor.
16. Da contratação temporária de DAYSE LUCI DA SILVA BAIA.
- Com a inicial, foi juntada a escala de serviço da unidade mista de saúde Wilson Ribeiro, no período entre 01/10/2020 e 31/10/2020 (12446085), na qual a Sra. Dayse Luci da Silva Baia atuou durante 23 dias no período, com carga horária total de 180 horas laboradas, ao passo que consta a descrição de licença especial do registro da servidora Clayse Fernanda Mota Pingarilho.
- Documento de ID nº 12446088, extraído do portal da transparência do município de Itaituba/PA, demonstra que a Sra. Dayse é servidora efetiva do ente, ocupando o cargo de enfermeira cirúrgica.
- Documento de ID nº 12447419 se refere à folha de pagamento da mencionada servidora na competência agosto/2020, demonstrando, mais uma vez, tratar-se de funcionária pública vinculada ao executivo municipal de Itaituba/PA.
- A ficha funcional de ID nº 94272150 enviada pela prefeitura de Itaituba a este juízo confirma essa informação, restando, portanto, a ciência inequívoca quanto a este fato.
17. Da decisão judicial para afastamento de servidores em grupo de risco.
18. O investigado juntou aos autos cópia dos autos da Ação Civil Pública nº 0000426-89.2020.5.08.0122 (ID nº 16332882), ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face do Município de Prainha, em que se deferiu tutela provisória de urgência que, dentre outras medidas, determinou que a administração municipal liberasse das atividades presenciais os trabalhadores pertencentes ao grupo de risco (idosos, imunodeficientes, portadores de doenças preexistentes, crônicas ou graves, gestantes e lactantes), sem prejuízo a seus salários e demais direitos e benefícios do contrato de trabalho, sob pena de incidência de multa.
19. Resta evidenciado que a Sra. Clayse Fernanda Mota Pingarilho enquadrava-se no mencionado grupo de risco, conforme comprovante de gravidez juntado aos autos (ID nº 16334912). Ademais, a Portaria nº 08/2020 - SMS/GB, expedida pela Secretaria Municipal de Saúde de Prainha, suspendeu das respectivas atividades os servidores lotados na Secretaria de Saúde que estivessem enquadrados em quaisquer dos seguintes critérios: possuir idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos; estejam grávidas ou lactantes; sejam portadores, comprovadamente, de doenças respiratórias crônicas, doenças cardiovasculares, etc.
20. O memorando 205/2020 - SEMSA (ID nº 16332881) relaciona os servidores que deveriam ser afastados para cumprir a decisão judicial, dentre eles está a Sra. Clayse. Tal documento menciona também a Sra. Julieta Martins de Oliveira (auxiliar de enfermagem), lotada na UMS Wilson Ribeiro, mas se verifica que seu nome está listado na escala de serviço da unidade do mês de outubro de 2020 (ID nº 12446085), com 180 horas mensais previstas de trabalho. Ou seja, conquanto estivesse enquadrada no grupo de risco da COVID-19, assim como a Sra. Dayse, a Sra. Julieta permaneceu trabalhando normalmente.
21. Documento juntado pela defesa (ID nº 16332881) demonstra a solicitação da Secretaria de Saúde de Prainha para a contratação de profissional de enfermagem para laborar na UMS Wilson Ribeiro no período compreendido entre 01/10/20 e 31/12/2020, em face do afastamento da Sra. Clayse, indicando-se, como substituta, a Sra. Dayse, face à sua qualificação para ocupar a função. Tal solicitação da Secretaria de Saúde foi direcionada diretamente à Secretaria de Administração e desta para o Setor de Recursos Humanos. A partir de então, presume-se que foi oficiada a administração municipal do Município de Itaituba para proceder à liberação da Sra. Dayse.
22. No contexto dos autos, não restou comprovado que o Prefeito Municipal intermediou a contratação ou, minimamente, que esteve ciente dela.
23. Da exceção para a contratação para a continuidade de serviços públicos essenciais.
24. A regra do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97 é mitigada pela sua alínea ‘c’, segundo a qual não constitui conduta vedada a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo.
25. Conforme mencionado alhures, a defesa não demonstrou que a contratação da Sra. Dayse Luci da Silva Baia foi consentida de forma expressa e prévia pelo prefeito municipal. O intuito do legislador foi o de excepcionar, ao máximo, o impedimento de contratação de servidores temporários em período vedado. Para tanto, deve-se somar a necessidade de manutenção de serviços públicos inadiáveis - como ocorreu com o serviço de saúde durante o período da pandemia - e de que a autoridade máxima do executivo municipal autorize de forma expressa, prévia e justificada a contratação, dando-se a publicidade devida do ato, para que reste inequívoca que tal conduta amolda-se ao estipulado no art. 73, V, ‘d’, da Lei nº 9.504/97.
26. Não se deve fazer de tábula rasa o conjunto de normas que regem o processo eleitoral, notadamente quando se exige um zelo maior por parte do administrador público, como ocorre no caso da exceção motivada à contratação temporária. Assim, a contratação da Sra. Dayse deveria ter sido consentida expressamente pelo investigado, apresentando-se as justificativas e ressalvas necessárias para o ato de contratação, ainda que no evidente estado de calamidade que assolava a saúde pública. Na qualidade de agente público e, principalmente, de administrador público, o Chefe do Executivo deve adotar todas as condutas necessárias à observância da correta aplicação das normas atinentes ao período eleitoral. Assim, caberia ao investigado atuar com o zelo necessário para instruir sua equipe de que qualquer contratação temporária naquele período deveria observar os estritos requisitos da lei, independentemente das circunstâncias do caso concreto.
27. Esse raciocínio pode gerar eventual arguição de ilegitimidade passiva do investigado em face da ausência de comprovação de sua anuência expressa para a aludida contratação. Entretanto, conforme lições de José Jairo Gomes (2020), a conduta vedada traduz a ocorrência de ato ilícito eleitoral e, uma vez caracterizada, com a concretização de seus elementos, impõe-se a responsabilização tanto dos agentes quanto dos beneficiários do evento. Assim, o investigado foi o beneficiário indireto da conduta vedada, na medida em que se estava em período eleitoral e ele era candidato à reeleição, em um contexto no qual detinha a gerência da administração pública do executivo municipal.
28. Conforme confronto de provas juntadas aos autos, restou evidenciado que a Sra. Julieta Martins de Oliveira (auxiliar de enfermagem), lotada na UMS Wilson Ribeiro, se enquadrava no grupo de risco e deveria, portanto, ser afastada. Todavia, seu nome consta da escala de serviço da unidade no mês de outubro de 2020 (ID nº 12446085), com 180 horas mensais previstas de trabalho. Ou seja, o argumento de que a contratação temporária decorreu exclusivamente da necessidade de substituir servidora em grupo de risco restou fragilizado. Assim, neste momento, não se argumenta o intuito eleitoreiro da contratação, mas sim a inobservância da exceção disposta no art. 73, V, ‘d’, da Lei nº 9.504/97. Como se observa, os seus critérios não foram suficientemente demonstrados pela defesa.
29. Do bem jurídico ofendido.
30. O caput do art. 73 da Lei das Eleições dispõe que, aos agentes públicos, é proibida a realização dos comportamentos que especifica, porque tendem “a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”. Trata-se, portanto, do bem jurídico que a regra em análise visa a proteger: a igualdade de oportunidades entre candidatos e respectivos partidos políticos nas campanhas que desenvolvem.
31. Considerando que o bem jurídico protegido é a igualdade no certame, a isonomia nas disputas, não se exige que as condutas proibidas tenham aptidão ou potencialidade para desequilibrar o pleito, ferindo-o ou alterando o seu resultado (TSE - AgR-REspe nº 59030/TO - Dje, t. 222, 24-11-2015, p. 190-191; TSE - AgR-REspe nº 20280/RJ - Dje 1-7-2015, p. 5).
32. Portanto, a contratação temporária da Sra. Dayse Luci da Silva Baia configurou conduta vedada do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, afastando-se a exceção da alínea ‘d’, pelos motivos anteriormente elencados. Apesar de comprovada nos autos a contratação de somente um servidor temporário, é uníssono na jurisprudência do E. TSE que é desnecessária a demonstração do concreto comprometimento ou do dano efetivo às eleições, porquanto a prática da conduta vedada, por si só, estabelece a presunção objetiva da desigualdade, sendo suficiente, portanto, que reste demonstrada a mera realização do ato ilícito, o que ocorreu nos autos (TSE - Ag. nº 4.246/MS - Dje 16-9-2005, p. 171; TSE - AgR-REspe nº 20871/RS - Dje, t. 149, 6-8-2015, p. 53-54; TSE - REspe nº 45060/MG - Dje, t. 203, 22-10-2013, p. 55-56).
33. Das sanções aplicáveis.
34. Resta analisar a gravidade da conduta de acordo com sua capacidade para ofender o bem jurídico tutelado, requisito indispensável na dosimetria da pena. Conforme anteriormente destacado, a ofensa restou caracterizada, porém não se pode deixar de observar, mediante um juízo de razoabilidade e de proporcionalidade, a gradação de tal ofensa ao bem jurídico, requisito essencial à dosimetria da sanção a ser aplicada. Confira-se:
DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. APLICAÇÃO DE MULTA. PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO.
[...]
2. O bem jurídico tutelado pelo art. 73 da Lei 9.504/1997 é a igualdade de chances entre os candidatos, a legitimidade e o equilíbrio do pleito eleitoral. O legislador previu a possibilidade de aplicação das sanções pecuniária e de cassação do registro ou diploma, de forma isolada ou cumulativa, a depender das peculiaridades do caso, em especial de sua gravidade e do seu potencial de ofender o bem jurídico tutelado, de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
[...]
4. Não há violação ao princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente quando o Estado atua de modo satisfatório para proteger bens jurídicos relevantes.
(AgRg-RO 1296-24/RR, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 25/2/2019).
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. [...] ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO. VEICULAÇÃO. CRÍTICAS. LIMITES TOLERÁVEIS DO EMBATE ELEITORAL. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS. INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.
[...]
5. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.
[...]
9. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes.
(AIJE 0601754-89/DF, de minha relatoria, DJE de 20/3/2019).
35. Conforme os arestos destacados, em caso de configuração de conduta vedada, o legislador possibilitou ao julgador a possibilidade de aplicação de sanção pecuniária e de cassação do registro ou do diploma, de forma isolada ou cumulativa. Assim, configurada a conduta vedada nos autos, não há que se falar em aplicação automática e cumulativa das sanções previstas nos parágrafos 3º e 5º do art. 73 da Lei nº 9.504/97, sem que, antes, se exerça um juízo de ponderação sobre as circunstâncias do caso concreto. É essa a jurisprudência atual do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral quanto à matéria:
"nem toda conduta vedada, nem todo abuso do poder político acarretam a automática cassação de registro ou de diploma, competindo à Justiça Eleitoral exercer um juízo de proporcionalidade entre a conduta praticada e a sanção a ser imposta" (REspe 336-45, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 17/4/2015 e AgR-REspe 99-34/PE, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 7/12/2017).
36. In casu, a contratação de uma servidora temporária em período vedado não atrai a cassação do diploma, pois não foi grave o suficiente para macular a legitimidade e o equilíbrio do pleito em circunscrição que possuía à época 20.652 eleitores.
37. De outra parte, a contratação na área da saúde foi fundamentada pelo investigado na real existência de interesse público, a saber, "para substituição da servidora grávida (grupo de risco), conforme Portaria 008/2020 destinada a afastar do trabalho, servidores pertencentes ao grupo de risco". Dessa forma, não se verifica gravidade na conduta, uma vez que não visou impulsionar a candidatura do investigado.
38. O fato de a servidora Dayse também enquadrar-se, em tese, ao grupo de risco, por si só, não demonstra que a sua contratação foi alheia ao interesse público. A parte autora não demonstrou nos autos tal interesse político, restando evidenciado, pelo contexto apresentado, ausência de coordenação e organização no âmbito da Secretaria quando da necessidade de adequar-se às medidas restritivas impostas liminarmente pela Justiça do Trabalho. Inclusive ficou demonstrado que uma servidora listada em portaria como integrante do grupo de risco continuou laborando durante o período em que deveria ser afastada.
39. A experiência pública mostra que a necessidade de suprir postos de trabalhos com contratações temporárias não é comumente coordenada, tampouco requerida pelo Chefe do Poder Executivo, mas pelos seus Secretários, como aliás comprovam os documentos trazidos aos autos. Desse modo, não é plausível sustentar que o investigado DAVI XAVIER DE MORAES agiu com manifesta má-fé ou dolo no momento da admissão emergencial em período vedado pela legislação eleitoral, sobretudo se considerarmos as suas inúmeras atribuições administrativas e a confiança que deve emprestar aos seus colaboradores diretos, os Secretários Municipais.
40. Não bastasse a inexistência de conduta dolosa, inexiste elemento probatório tornando evidente o intuito eleitoreiro dos ajustes trabalhistas firmados pela administração municipal. Não há nos autos qualquer comprovação de oferta de emprego público em troca de votos. Também não há nenhum documento apontando o uso da contratação temporária como instrumento para impulsionar a campanha do candidato demandado.
41. Neste contexto, apesar de evidente a configuração de conduta vedada em um cenário de inobservância das diligências necessárias pelo Chefe do Executivo, no sentido de obstar contratações desse tipo em período vedado, não se vislumbra que as contratações tenham nítido caráter eleitoral. Isso porque a contratação possuiu justificativa própria e encontra-se pautada, prima facie, em preceitos legais (funcionamento inadiável de serviço público essencial). Inegável que, apesar de seu enquadramento para fins do art. 73, os serviços de saúde pública possuem altíssima relevância social, notadamente no período da pandemia da COVID19, sendo impensável que permaneçam parados ou sofram prejuízos, que afetam a parcela mais carente da população. Ademais, não há nem ao menos prova de que a contratada fosse eleitora em Prainha. Pelo contrário, a ficha funcional enviada a este juízo pela Prefeitura de Itaituba/PA (ID nº 94272150) demonstra que Dayse possuía domicílio eleitoral na 83ª ZE/PA (Santarém) . Afinal, não é incomum que pessoas se desloquem de municípios diversos a fim de exercerem suas funções em outras cidades.
42. Portanto, seria insustentável afirmar que a admissão temporária foi realizada para satisfazer interesses eleitorais tão somente com base no que foi coligido nos autos. Revelam os autos, em verdade, que o contrato administrativo, embora firmado objetivamente de forma irregular, objetivou atender ao interesse público de implementar ou manter a prestação de serviços essenciais na área da saúde.
43. Afastam-se as sanções mais severas dos arts. 73, § 5º, da Lei 9.504/97 e 22, XIV, da LC 64/90, haja vista o menor grau de reprovabilidade da conduta e sua incapacidade de influência sobre o equilíbrio da disputa eleitoral. Todavia, diante da inobservância de regra expressa do art. 73 da Lei das Eleições, que não pode ser feita de tábula rasa pelo administrador público, é de se impor a sanção estabelecida pelo art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/97.
44. Da inovação fática em sede de alegações finais.
45. Os representantes trouxeram a seguinte inovação fática no momento da apresentação de suas alegações finais: folha de pagamento dos meses de agosto a outubro de 2020, com um aumento de mais de 294 servidores temporários, onerando a folha de pagamento em mais de R$ 724.793.59 nesse período (juntada de doc. de ID nº 101465294).
46. Nesse momento, a questão controvertida é de direito e não de fato, porquanto houve inovação fática em sede de alegações finais. No caso vertente, alegam-se fatos que não foram aludidos na inicial e, conforme o princípio da congruência, correlação ou adstrição previsto nos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil, o juiz restringe-se aos elementos objetivos da demanda, tais como deduzidos na inicial, de modo que um julgamento fora dos limites do pedido ou da causa de pedir gera nulidade do respectivo ato decisório.
47. Nesse contexto, em compasso com a teoria da estabilização objetiva da demanda, o pedido e a causa de pedir podem ser modificados até a fase de saneamento do processo e desde que anuído pelo demandado, reabrindo-se o prazo para o contraditório e para que se produzam provas, diferentemente da hipótese dos presentes autos. Portanto, por questão de ordem, afasta-se da análise os elementos ou fatos que não figuraram na peça inaugural, ultrapassando as causas de pedir da demanda.
48. Assim, admitir tais fatos como determinantes para o julgamento da lide redundaria na violação dos princípios do devido processo legal e do contraditório: quando não há indicação de produção de provas no momento oportuno, é de se impor a declaração da preclusão temporal ou, conforme o caso, da preclusão consumativa. In casu, houve encerramento da instrução, sem que as partes se manifestassem em contrário no momento oportuno, e este juízo facultou a apresentação de alegações finais com base no disposto no inciso X, do artigo 22 da LC nº 64/90. Nesse momento, foi oportunizado às partes manifestarem-se sobre pontos controvertidos da demanda, não havendo que se falar em apresentação de fatos novos tampouco de juntada de documento para servir como prova alheia aos limites objetivos trazidos na exordial.
49. Conforme precedentes, não se permite a inovação da causa de pedir em sede de alegações finais, sob pena de se violarem a ampla defesa e o contraditório. Dessa forma, por questão de direito, deixo de apreciar as provas e fatos novos apresentados em alegações finais, afastando-os, portanto, do juízo meritório da presente ação.
DISPOSITIVO
50. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, para:
50. 1. impor ao investigado DAVI XAVIER DE MORAES multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), na forma do art. 73, § 4º, da Lei n.º 9.504/97;
50. 2. indeferir o pedido referente às sanções dos arts. 73, § 5º, da Lei n.º 9.504/97 e 22, XIV, da LC 64/90, haja vista o menor grau de reprovabilidade da conduta e sua incapacidade de influência sobre o equilíbrio da disputa eleitoral.
51. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Ciência ao Ministério Público Eleitoral.
52. O Cartório deverá providenciar os expedientes necessários ao cumprimento.
Prainha – PA, datado e assinado eletronicamente.
Dr. Thiago Tapajós Gonçalves
Juiz Eleitoral