JUSTIÇA ELEITORAL
014ª ZONA ELEITORAL DE IBIRAÇU ES
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600853-86.2020.6.08.0014
[Inelegibilidade - Abuso do Poder Econômico ou Político, Abuso - De Poder Político/Autoridade, Percentual de Gênero - Candidatura Fictícia]
AUTOR: PARTIDO VERDE (PV) - JOÃO NEIVA/ES
Advogado do AUTOR: ANDRE LUIZ DA SILVA - ES30470
INVESTIGADOS: PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO (PSD) - JOÃO NEIVA/ES, PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL) - JOÃO NEIVA/ES, PARTIDO PODEMOS (PODE) - JOÃO NEIVA/ES, ELEICAO 2020 LUCAS DA ROS RECLA VEREADOR, ELEICAO 2020 FARAILDES ALVES DE OLIVEIRA DE ALMEIDA VEREADOR, ELEICAO 2020 CELSO LUIZ GUZZO VEREADOR, MARCOS ANTÔNIO SILVA, ROGERIO NIEIRO LEMOS, JOSE GERALDO ADAO, WALDECIR AZEVEDO, SIRLEIDE VIANA DOS SANTOS, MADALENA GASPARINI, ELIZANGELA GUSTAVO CARVALHO, EVA CAROLINA SOARES ARAUJO, CLAUDIONETE GOMES SABINO, JANI MARA NASCIMENTO MINELLI, IVANETI DE BORTOLI RECLA, JAQUELINE GRIPPA RIBEIRO, ENILDA MARTINS DE ARAUJO
Advogados do(a) INVESTIGADOS: MARCOS ANDRE ARAUJO - RJ216404, JOSIEL AMORIM NEPOMUCENO - ES29114, CRISTIAN CAMPAGNARO NUNES - ES17188-A, JEFERSON SOARES AUGOSTINHO - ES33602, FREDERICO POZZATTI DE SOUZA - ES19811, DAIANE RAMOS MARTINS DOS SANTOS DEL CARO - ES23823.
Relatório.
Tratam os autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), com fundamento no artigo 22 da Lei Complementar n.º 64/1990 (Lei de Inelegibilidade), aforada pelo órgão de direção local do Partido Verde (PV) em João Neiva, em razão da suposta apresentação de candidaturas fraudulentas (laranjas) a esta Justiça Especializada pelas siglas Podemos (PODE), Partido Social Democrático (PSD) e Partido Social Liberal (PSL), também requeridos, visando ao prélio eleitoral de 2020 naquele município (ID n.º 54253449).
Além das três agremiações e dos três candidatos eleitos (Faraildes Alves de Oliveira de Almeida, pelo PODE; Celso Luiz Guzzo, pelo PSD; e Lucas da Ros Recla, pelo PSL), beneficiados, em tese, pelas ilegalidades, constam do polo passivo da ação as ditas candidatas laranjas (Eva Carolina Soares Araujo, Madalena Gasparini e Sirleide Viana dos Santos, pelo PODE; Claudionete Gomes Sabino, Elizangela Gustavo Carvalho, Ivaneti de Bortoli Recla e Jani Mara Nascimento Minelli, pelo PSD; e Jaqueline Grippa Ribeiro, pelo PSL), as pessoas dos presidentes dos três partidos (José Geraldo Adão, do PODE; Enilda Martins de Araujo, do PSD; e Waldecir Azevedo, do PSL) e dois cidadãos que seriam os mentores das ilicitudes (Marco Antonio da Silva e Rogério Nieiro Lemos).
Com a inicial foram arroladas testemunhas e juntados documentos.
Indeferido o pedido de tutela de urgência para suspensão da diplomação dos candidatos requeridos eleitos (ID 54779451), foi o autor intimado para requerer a citação de todos os litisconsortes que devessem integrar a lide, o que ocorreu por meio da petição ID n.º 57175677.
Notificados, os investigados apresentaram defesas tempestivamente.
O autor requereu desistência da ação (ID n.º 81291972), pedido que foi objeto de revogação posterior (ID n.º 83947677), tendo este Juízo determinado o regular prosseguimento do feito (ID n.º 90043030).
A candidata Eva Carolina Soares de Araújo (ID n.º 79408381) não nega ter sido laranja, porém atribuiu a suposta fraude ao seu próprio partido e ao investigado Marco Antonio da Silva, e ao fato de possuir pouca instrução. Juntou documentos e não arrolou testemunhas.
Os candidatos eleitos Faraildes Alves de Oliveira de Almeida (ID n.º 80249964) e Celso Luiz Guzzo (ID n.º 80330863), arguiram a inépcia do pedido de investigação (ausência de provas), apresentaram defesa de mérito, juntaram documentos e pediram o depoimento pessoal do representante do partido requerente.
Por meio da petição ID n.º 83737192, os demais investigados (PODE, PSD e PSL, Lucas da Ros Recla, Madalena Gasparini, Sirleide Viana dos Santos, Claudionete Gomes Sabino, Elizangela Gustavo Carvalho, Ivaneti de Bortoli Recla, Jani Mara Nascimento Minelli, Jaqueline Grippa Ribeiro, José Geraldo Adão, Enilda Martins de Araujo, Waldecir Azevedo, Marco Antonio da Silva e Rogério Nieiro Lemos) requereram a extinção do processo sem resolução do mérito em razão da imprestabilidade da prova (inquérito conduzido por autoridade policial incompetente/sem atribuição para apurar ilícito eleitoral), da ilegitimidade passiva dos partidos e de seus dirigentes, da inadequação da via eleita (impossibilidade de desconstituição do DRAP por meio da ação utilizada), da falta de requisito para a propositura da ação/inépcia da inicial por ausência de prova da suposta fraude. Ainda, arguiram a necessidade de julgamento conjunto desta ação com a AIME n.º 0600881-54.2020.6.08.0014. Combateram as razões autorais no mérito, juntaram documentos e não arrolaram testemunhas. Ao fim, pediram a condenação do autor em litigância de má-fé.
Intimado, o autor refutou todas as preliminares e a alegação da litigância de má-fé, e pediu a intimação das testemunhas para a audiência (ID n.º 90810257). Ainda, arguiu conflito de interesses entre os investigados Marco Antonio da Silva e Enilda Martins de Araújo com relação aos demais demandados, todos defendidos pelo advogado Jonilson Correa Santos, ao qual foi atribuída suposta incompatibilidade para o exercício da advocacia (defeito de representação processual), por ser servidor do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCEES), com atuação no gabinete do investigado Marco Antonio.
O Ministério Público Eleitoral pugnou pelo prosseguimento do feito, haja vista as preliminares não obstarem seu processamento (ID n.º 91230618).
Em resposta, os requeridos, por meio do advogado acima nominado, sustentaram a inocorrência de conflito de interesses e de incompatibilidade/defeito de representação processual, reiteraram os pedidos formulados na defesa, requereram a extinção do processo sem resolução do mérito ante a ausência dos litisconsortes passivos necessários (a despeito ter referido na petição ID n.º 92744061 que estavam reiterando pedido anterior, a questão prejudicial fora sustentada apenas na petição ora em destaque), requereram a juntada de cópia dos diplomas e da ata da cerimônia de diplomação dos três primeiros suplentes dos partidos demandados (pedido também formulado apenas no documento ID n.º 92744061, apesar de terem dito que estavam a reiterá-lo), e a expedição de ofício à Superintendência da Polícia Federal, a fim de se manifestar acerca de sua competência em inquéritos em matéria eleitoral. Ainda, arrolaram quatro testemunhas (ID n. 93421450).
Com a ressalva de seu enfretamento por ocasião do julgamento do feito, algumas questões processuais foram resolvidas pela decisão ID n.º 100450312, nos moldes a seguir: não acolhimento da alegação do autor quanto ao conflito de interesses e à incompatibilidade de um dos advogados para o exercício da função; reconhecimento da alegação de conexão/apensamento com a AIME n.º 0600881-54.2020.6.08.0014; indeferimento do pedido de intimação das testemunhas pelo Juízo; indeferimento da oitiva das testemunhas arroladas pelos requeridos fora do prazo (petição ID n.º 93421450); indeferimento do pedido de expedição de ofício à Polícia Federal; deferimento do pedido de juntada de cópias dos diplomas e da ata da cerimônia de diplomação dos candidatos nominados na petição ID n.º 92744061. Foi designada, no mesmo ato, a realização de audiência para oitiva das testemunhas, que deveria ter ocorrido em 21.02.2022.
Embargos de declaração interpostos por alguns dos investigados, visando à oitiva das testemunhas arroladas a destempo, à apreciação da alegação da nulidade da prova relativa ao inquérito supostamente presidido por autoridade sem atribuição e à notificação das testemunhas por oficial de justiça (ID n.º 102310105).
Negado provimento aos embargos, foram os réus advertidos de que nova interposição poderia ser considerada manifestamente protelatória. Como ato de cooperação judicial, todavia, foi determinada a intimação das testemunhas por oficial de justiça (ID n.º 102387936).
Nova petição dos outrora embargantes, agora impugnando a oitiva das candidatas suspostamente laranjas e requerendo o compartilhamento de provas entre esta AIJE e a AIME n.º 0600881-54.2020.6.08.0014 (ID n.º 102752293).
Acolhida a impugnação da oitiva das investigadas, foi determinada a intimação das partes e do parquet para se posicionarem quanto ao compartilhamento de provas (decisão ID n.º 103027818).
Após manifestações favoráveis (ID n.ºs 103148506, 103203928 e 103221298), este Juízo, em audiência, deferiu o compartilhamento de provas (ata ID n.º 103192261) e determinou a redesignação do ato para 14.03.2022, em razão da apresentação de atestado médico pelo advogado Jonilson Correa Santos, dando conta de suposta impossibilidade de seu comparecimento à oitiva (ID n.º 103221294). O profissional nominado representava sozinho os requeridos PODE, PSD, PSL, Lucas da Ros Recla, Madalena Gasparini, Sirleide Viana dos Santos, Claudionete Gomes Sabino, Elizangela Gustavo Carvalho, Ivaneti de Bortoli Recla, Jani Mara Nascimento Minelli, Jaqueline Grippa Ribeiro, José Geraldo Adão, Enilda Martins de Araujo, Waldecir Azevedo, Marco Antonio da Silva e Rogério Nieiro Lemos.
Embargos de declaração interpostos pelo investigante, visando sanar suposta contradição do decisum, com pedido de determinação de condução coercitiva das testemunhas (ID n.º 103769885).
Nova petição do advogado Jonilson Correa Santos (ID n.º 103795971), agora informando impossibilidade de comparecimento à audiência redesignada, também por motivo de saúde, manifestando ainda sua discordância de participar do ato em ambiente virtual e registrando que levaria as testemunhas à sede deste Juízo (Cartório da 14ª Zona).
Decisão proferida em audiência (ID n.º 103787197): embargos não conhecidos, por intempestividade, marcada nova data para a oitiva (11.04.2022) e assinalado prazo para o advogado Jonilson Correa Santos manifestar-se acerca da petição acostada pelos autores à AIME (ID n.º 103821468) e da sua ausência ao ato, tendo o profissional apresentado a petição ID n.º 104012825.
Petição ID n.º 104557557, por meio da qual o mesmo patrono juntou substabelecimento sem reserva de poderes a outro profissional e juntou novo documento médico.
Audiência realizada em 11.04.2022, com as oitivas de três testemunhas dos autores e três dos requeridos (ID n.º 104707975). As contraditas das testemunhas Robson Ribeiro de Araújo (requerentes) e Izabel Cristina Gustavo Carvalho (réus) foram acolhidas.
À exceção de Eva Carolina Soares Araújo, que não se manifestou, as partes apresentaram alegações finais tempestivamente (ID n.ºs 104858332, 104853010, 104853028 e 104857378), com a ratificação das manifestações anteriores (parte autora pela procedência e requeridos pelo reconhecimento das preliminares e/ou improcedência), tendo o Ministério Público (ID n.º 104804440) opinado pela rejeição total dos pedidos iniciais.
A seguir, vieram conclusos.
Fundamentação.
Registro, de início, que a elevada complexidade da matéria objeto dos autos, a pluralidade de partes nesta e na ação conexa, além das diversas questões processuais, demandaram múltiplos provimentos deste Juízo e providências a cargo da serventia eleitoral, que impediram a entrega da prestação jurisdicional em momento anterior.
Igualmente, anoto, com profundo desapontamento, o comportamento do advogado Jonilson Correa dos Santos, expressado em diversos documentos destes autos, que só não colocou em risco a própria defesa do interesse de seus clientes graças a postura deste Juízo, manifestada em suas decisões, que, por exemplo, redesignou duas audiências, mesmo com indícios de abuso do direito de defesa por aquele profissional. Entendi, mesmo sem a prova cabal da impossibilidade de participação do advogado nas audiências, que estas deveriam ser remarcadas em nome do contraditório e da ampla defesa, valores supremos, que merecem ser sempre preservados.
Ainda, verifico que diversos documentos foram acostados pelas partes após os momentos processuais próprios. Aqui, também em nome do contraditório e da ampla defesa, e tendo em vista que não foram impugnados, entendo que devem ser admitidos por se encontrarem no permissivo do artigo 435 do Código de Processo Civil.
Passo a enfrentar as preliminares ainda não decididas.
Inépcia da inicial por ausência de provas, sustentada por todos os requeridos, à exceção de Eva Carolina Soares Araújo.
Aduzem os defendentes, noutras palavras, que a ação mereceria extinção de plano por se basear, dentre outros termos, em meras afirmações, afirmações despregadas de provas, afirmativas genéricas. Não vislumbro, nas razões da inicial, apenas ilações sem sentido, mas fatos bem articulados, narrados de forma adequada e com o enquadramento jurídico devido. Ainda, foram juntados documentos e requerida, na forma da Lei Complementar n.º 64/1990 (Lei de Inelegibilidade), a oitiva de testemunhas. Por óbvio, eventual procedência da ação há de se basear, como bem sugeriram os réus, em provas robustas, valoração esta reservada ao mérito, como aliás ocorreu no julgado acostado aos autos na própria peça de defesa ID n.º 83737192, página 15. No caso em destaque, o TRE/PI, no mérito, entendeu ausente a prova robusta e inconteste da fraude à cota de gênero.
Rejeito, portanto, a alegada inépcia.
Extinção do processo sem resolução do mérito em razão da imprestabilidade da prova, sustentada por todos os requeridos à exceção de Celso Luiz Guzzo, Eva Carolina Soares Araújo e Faraildes Alves de Oliveira de Almeida.
Sustentam os requeridos que o inquérito que serve de arrimo para a ação padece de nulidade absoluta, por ter sido instaurado sem requisição do Judiciário ou do Ministério Público, e conduzido pela Delegacia de Polícia Civil em João Neiva, autoridade sem atribuição para apurar ilícito eleitoral. E mais, revelam que o senhor Laércio Campostrini, candidato a Prefeito de João Neiva em 2020, policial civil lotado em Aracruz, teria participado dos depoimentos colhidos no procedimento de investigação.
A própria peça de defesa informa a possibilidade de atuação da polícia civil na apuração de eventual crime eleitoral supletivamente, como anunciava a Resolução TSE n.º 23.396/2013 (erroneamente referida na peça ID n.º 83737192 como 23.376/2013), nas hipóteses estritas de flagrante ou quando o crime ocorrer em local em que não existam órgãos da Polícia Federal. De início, insta realçar que a norma apontada não se encontra mais em vigor, tendo sido revogada pela Resolução TSE n.º 23.640/2021, segundo a qual o inquérito será instaurado de ofício pela autoridade policial, por requisição do Ministério Público ou por determinação desta Especializada (artigo 9º). Quanto à atuação supletiva da Polícia Civil, a novel norma, assim como a anterior, prevê a possibilidade de a polícia estadual atuar quando não houver órgão da Polícia Federal no local da infração. Os próprios contestantes reconhecem que não há órgão da Polícia Federal em João Neiva, tendo inclusive estimado a distância do órgão da PF mais próximo em oitenta quilômetros. Resta incontroverso, portanto, que uma das exceções previstas na norma (o texto atual nesse ponto repete o revogado) ocorreu no caso concreto, não devendo ser aplicado o tal conceito de longínquo, referido na peça de defesa, pois, além de possuir contornos subjetivos, não consta do texto da resolução.
Referentemente à atuação de um ex-candidato supostamente interessado nos atos do inquérito, tal não restou comprovado de forma cabal. A ata notarial aos autos acostada (ID n.º 83737195) há de ser valorada tendo em conta o fato de que a senhora Ivaneti de Bortoli Recla é ré nesta ação e, portanto, possui interesse em seu deslinde. Não se está a discutir se a pessoa em tela foi ou não ao Tabelionato, se afirmou ou não o que consta no termo, mas se o que afirmara corresponde ou não à verdade dos fatos, pois tais declarações foram firmadas sem a observância do contraditório. A senhora Ivaneti poderia inclusive ter declarado tais fatos perante este Juízo e não o fez por opção própria, pois manifestou-se no sentido de não prestar depoimento pessoal, que fora requerido pela parte autora e indeferido por este Juízo, a pedido da mencionada senhora e de outros requeridos. Quanto à utilização de declarações firmadas por meio de escritura pública no âmbito das ações eleitorais, o TRE/ES, em recentíssima decisão (DJE de 28.06.2022, Acórdão 72/2022, no Recurso Eleitoral n.º 0000260-94.2016.6.08.0031), reconheceu que o valor probante deve ser relativizado, haja vista a ausência de contraditório.
Doutro lado, resta incontroverso que o termo de depoimento da senhora Ivaneti no inquérito fora assinado por ela, pelo senhor Delegado e pela escrivã, não havendo qualquer indício ou elemento que aponte a participação do outrora candidato Laércio.
Não bastasse tudo que fora dito, ainda que se confirmasse qualquer vício no procedimento inquisitorial, o que não ocorreu, vale dizer que se trata de procedimento informativo, prescindível e desprovido do contraditório. Ainda, vale dizer que a ação não se funda exclusivamente no que restou apurado em sede policial, havendo depoimentos prestados em juízo e diversos documentos sem qualquer relação com as apurações realizadas pela Polícia Civil, alguns dos quais de domínio público (composições partidárias, registros de candidatura, prestações de contas de campanha).
Assim, rejeito a preliminar sob comento, antecipando a ressalva de que a valoração da prova produzida em inquérito terá em conta o fato de que fora formada sem a observância do contraditório, assim como os depoimentos prestados por meio de escrituras públicas/atas notariais, conforme já referi neste decisum, por uma questão de coerência e equidade.
Ilegitimidade passiva dos partidos e de seus dirigentes, sustentada por todos os requeridos à exceção de Celso Luiz Guzzo, Eva Carolina Soares Araújo e Faraildes Alves de Oliveira de Almeida.
Pleiteiam os requeridos a extinção do processo sem resolução do mérito em relação aos três partidos demandados (PODE, PSD e PSL) e aos respectivos presidentes, por ilegitimidade.
Assiste razão às greis políticas, na medida em que tais entidades não podem suportar os efeitos de eventual condenação, os quais se circunscrevem à cassação do registro ou do diploma do candidato e à declaração de inelegibilidade do candidato e de terceiros, ainda que não postulantes a mandato eletivo, que tenham concorrido para a fraude, como anunciam as decisões seguintes:
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. AIJE. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. FORMAÇÃO DO POLO PASSIVO. PRESENÇA DO PARTIDO COMO LITISCONSORTE NECESSÁRIO. EXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS DA FRAUDE. CONCLUSÃO DIVERSA. REEXAME DE PROVAS. VEDAÇÃO. ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E PERIGO NA DEMORA. PRESENÇA CONCOMITANTE. NÃO OCORRÊNCIA. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.[...]
4. Na hipótese, os requerentes não demonstraram a probabilidade do efetivo provimento do seu apelo extremo, pois, nos termos da jurisprudência desta Corte, notadamente na AIJE, "[...] o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral" (AgR–AI nº 1307–34, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 25.4.2011)" (REspe nº 243–42, rel. Min. Henrique Neves Da Silva, julgado em 16.8.2016, DJe de 11.10.2016).[...]
RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO/AUTORIDADE. CANDIDATURAS COM INOBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE DE SEXOS DISTINTOS - FRAUDE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.[...] Sanções advindas de eventual procedência dos pedidos atingiriam tão somente as pessoas dos candidatos beneficiados pela prática alegadamente ilícita ou terceiros que concorreram para o fato. Ilegitimidade dos Partidos Políticos, Coligações e seus representantes para figurarem no pólo passivo da demanda. Precedentes desta Corte: RE nº 558-26.2016.6.13.0200, de relatoria deste Juiz João Batista Ribeiro, de 7/2/2018; RE nº 434-49.2016.6.13.0295 e do RE nº 436-19.2016.6.13.0295, ambos de relatoria do e. Juiz Antônio Augusto Mesquita Fonte Boa, de 27/11/2017 e 4/12/2017; e RE nº 211-80.2016.6.13.0074, de relatoria do e. Des. Pedro Bernardes de Oliveira, de 6/11/2017. DETERMINADA A EXCLUSÃO DA LIDE da Coligação "Por uma Ouro Preto Cada Vez Melhor", seus partidos: Partido da Republica (PR), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e seu representante legal, Roberto Leandro Rodrigues Júnior. Preliminar acolhida..[...] RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO PARA MANTER A SENTENÇA. (TRE/MG 0000559-11.2016.6.13.0200. RE - RECURSO ELEITORAL nº 55911 - OURO PRETO – MG. Acórdão de 18/07/2018. Relator(a) Des. João Batista Ribeiro. Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Tomo 141, Data 03/08/2018)
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. ABUSO DE PODER POLÍTICO. LANÇAMENTO DE CANDIDATURA FICTÍCIA PARA ATENDIMENTO DO PERCENTUAL FIXADO PARA A COTA DE GÊNERO. SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO. PRELIMINARES: ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. APLICAÇÃO DA AIJE PARA APURAR PRÁTICA DE FRAUDE À LEI POR ABUSO DE PODER POLÍTICO. PRECEDENTE TSE. ILEGITIMIDADE DOS PARTIDOS E COLIGAÇÕES PARA FIGURAREM NO POLO PASSIVO DA AIJE. EXCLUSÃO "DE OFÍCIO" DA COLIGAÇÃO E DAS AGREMIAÇÕES DO POLO PASSIVO DA DEMANDA. [...] (TRE/SP. 0000409-89.2016.6.26.0031. RE - RECURSO nº 40989 - CAFELÂNDIA – SP. Acórdão de 21/11/2017. Relator(a) Des. Marcus Elidius Michelli de Almeida. Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 27/11/2017)
Assim, por mais que eventual condenação possa repercutir reflexamente nos interesses das agremiações, estas não têm aptidão para sofrer qualquer sanção em razão da procedência da ação, caso assim ocorra.
A mesma conclusão, todavia, não socorre aos dirigentes partidários, que, na hipótese de terem concorrido para os ilícitos, podem ter comprometidas suas respectivas capacidades eleitorais passivas, com a decretação da inelegibilidade. Nesse contexto, perquirir acerca de terem os responsáveis partidários agido ou não com abuso do poder que lhes fora outorgado pelas respectivas siglas demanda a análise do mérito, a partir das provas nos autos produzidas.
Isso posto, acolho em parte a preliminar, para reconhecer apenas a ilegitimidade passiva ad causam dos partidos PODE, PSD e PSL. Rememoro que deixei de analisar preteritamente a questão ora decidida a fim de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa de forma mais abrangente possível.
Inadequação da via eleita, sustentada por todos os requeridos à exceção de Celso Luiz Guzzo, Eva Carolina Soares Araújo e Faraildes Alves de Oliveira de Almeida.
Advogam os defendentes a tese de que as ações destinadas ao enfretamento do abuso de poder político/econômico, como a presente, não se prestariam à desconstituição do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), por meio do qual atesta-se a aptidão de determinado partido ou, no caso de eleição majoritária, coligação, para participação em determinado prélio eleitoral.
Equivocadas as premissas lançadas pela defesa, posto que a AIJE e a AIME prestam-se sim à apuração de fraude que possa afetar o processo eleitoral, como no caso da burla da norma que impõe o mínimo de trinta por cento das vagas a candidaturas de um dos gêneros, impondo, em sentido contrário, que o gênero majoritário nunca ultrapasse setenta por cento.
Outro não é o entendido da Corte Superior Eleitoral:
ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS INTERNOS EM RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. I. PRELIMINARES. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DOS CANDIDATOS ELEITOS EM AIME QUE APURA FRAUDE À COTA DE GÊNERO. POSSIBILIDADE DE CASSAÇÃO DE TODA A COLIGAÇÃO COM QUEDA DO DRAP. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE CANDIDATOS NÃO ELEITOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE NOMEAÇÃO DE ADVOGADO DATIVO NA DESCONSTITUIÇÃO OU RENÚNCIA DE ANTIGO PROCURADOR OU NA DECRETAÇÃO DE REVELIA. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 76 DO CPC DIANTE DA REGRA ESPECÍFICA DO ART. 112 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO DO PARTIDO POLÍTICO EM SEDE DE AIME. ANÁLISE DE FRAUDE À COTA DE GÊNERO EM AIME. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. II. MÉRITO. COTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. COMPROVADA FRAUDE À LEI ELEITORAL. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA DE ATOS DE CAMPANHA. CONJUNTO PROBATÓRIO ANALISADO PELO TRIBUNAL REGIONAL. SÚMULA Nº 24/TSE. CASSAÇÃO DOS MANDATOS ELETIVOS DOS VEREADORES ELEITOS. NULIDADE DOS VOTOS DA COLIGAÇÃO. REDISTRIBUIÇÃO DOS MANDATOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. SÚMULA Nº 27/TSE. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. [...] 1.6. É cabível o ajuizamento da AIME para apurar fraude à cota de gênero. Entendimento contrário acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Precedentes do TSE. […] (TSE. 0000001-62.2017.6.21.0012. RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 162 - CAMAQUÃ – RS. Acórdão de 11/02/2020. Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 127, Data 29/06/2020, Página 49/59)
ELEIÇÕES 2016. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AIME. FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. OMISSÃO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA Nº 27/TSE. COISA JULGADA E SEGURANÇA JURÍDICA. VIOLAÇÃO. AUSÊNCIA. NATUREZA RESCISÓRIA NÃO CARACTERIZADA. ART. 926 DO CPC. ALEGAÇÃO PREJUDICADA. DEPOIMENTOS PESSOAIS. INOCORRÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 72/TSE. PRODUÇÃO POSSÍVEL. PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL E DA TAXATIVIDADE. NULIDADE DOS VOTOS. MANDATOS CASSADOS. DESNECESSIDADE DE COMPROVAR PARTICIPAÇÃO OU ANUÊNCIA DO CANDIDATO. SÚMULA Nº 30/TSE. FRAUDE COMPROVADA. SÚMULAS Nº 24 E 30/TSE. DESPROVIMENTO.[...] Coisa julgada e segurança jurídica (art. 5º, caput, XXXVI, da CF). Ação de impugnação de mandato eletivo (AIME). Natureza rescisória não caracterizada. Art. 926 do CPC. Exame prejudicado. 5. O reconhecimento da coisa julgada demanda identidade plena entre processos, o que não ocorre entre o processo de registro do DRAP e a presente AIME. Somente nesta, em acatamento ao decidido no julgamento do REspe nº 1-49/PI, de relatoria do Ministro Henrique Neves, se apurou a existência de fraude - jamais se objetivou desconstituir uma decisão judicial -, qual seja, a existência de candidaturas femininas fictícias..[...] (TSE. 0000003-19.2017.6.24.0054. RESPE - Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral nº 319 - SOMBRIO – SC. Acórdão de 04/02/2020. Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 049, Data 12/03/2020, Página 16-17)
ELEIÇÕES 2016. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AIME. FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. OMISSÃO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA Nº 27/TSE. COISA JULGADA, SEGURANÇA JURÍDICA E EFEITO RESCISÓRIO. TESES NÃO PREQUESTIONADAS. NATUREZA RESCISÓRIA NÃO CARACTERIZADA. ART. 926 DO CPC. ALEGAÇÃO PREJUDICADA. DEPOIMENTOS PESSOAIS. INOCORRÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 72/TSE. PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL E DA TAXATIVIDADE. NULIDADE DOS VOTOS. MANDATOS CASSADOS. DESNECESSIDADE DE COMPROVAR PARTICIPAÇÃO OU ANUÊNCIA DO CANDIDATO. SÚMULA Nº 30/TSE. FRAUDE COMPROVADA. SÚMULAS Nº 24 E 30, AMBAS DO TSE. DEPROVIMENTO. [...] Coisa julgada e segurança jurídica (art. 5º, caput e XXXVI, da CF). Ausência de prequestionamento. AIME. Natureza rescisória não caracterizada. Art. 926 do CPC. Exame prejudicado.5. Conquanto os agravantes aleguem ofensa à coisa julgada e à segurança jurídica, bem como que a AIME não tem por objeto a rescisão de decisões judiciais imutáveis, tais questões não foram objeto de análise por parte da Corte de origem, o que impossibilita, nos termos da Súmula nº 72/TSE, seu exame nesta instância especial. 6. O reconhecimento da coisa julgada demanda identidade plena entre processos, o que não ocorre entre o processo de registro do DRAP e a presente AIME. Somente nesta, em acatamento ao decidido no julgamento do REspe nº 1-49/PI, de relatoria do Ministro Henrique Neves, se apurou a existência de fraude jamais se objetivou desconstituir uma decisão judicial , qual seja, a existência de candidaturas femininas fictícias.[…] (TSE. 0000002-34.2017.6.24.0054. RESPE - Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral nº 234 - SOMBRIO – SC. Acórdão de 04/02/2020. Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 050, Data 13/03/2020, Página 52/54)
As ações destinadas ao reconhecimento da fraude à cota de gênero não se confundem com ação rescisória, esta incabível no caso concreto. Na AIJE e na AIME aforadas sob o fundamento da existência de candidaturas laranjas o objeto é a apuração da alegada fraude, e não a desconstituição de decisão judicial dada preteritamente em DRAP. Neste caso específico, por ocasião da prolação das sentenças nos DRAPs do PODE, do PSD e do PSL, não se poderia ter conhecimento das alegadas fraudes por razões óbvias: a configuração da candidatura laranja não se completa apenas no momento do preenchimento e apresentação do Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) a esta Especializada, mas se evidencia ao longo da campanha e até após esta, valendo lembrar que ausência de atos de campanha, o desempenho nas urnas e a ausência de movimentação de recursos na prestação de contas são alguns dos elementos indicativos da burla à norma.
A própria ideia de coisa julgada da decisão dada em DRAP deve ser tratada com temperamento, pois após o reconhecimento da regularidade dos atos partidários, verificada na sentença, podem seguir-se diversos outros atos (desistência, morte, substituição de candidato, etc), os quais devem também ter sua regularidade reconhecida. Exemplo disso ocorre quando há substituição de uma candidatura de um gênero por outro, de modo a descumprir os percentuais mínimo e máximo, caso em que o DRAP será comprometido, mesmo com decisão anterior de aptidão. A prevalecer o argumento dos requeridos, a norma seria facilmente burlada.
Lastreado nos fundamentos supra e na jurisprudência pacífica acerca do tema, rejeito a preliminar de inadequação da via eleita.
Má-fé da parte autora, sustentada por todos os requeridos à exceção de Celso Luiz Guzzo, Eva Carolina Soares Araújo e Faraildes Alves de Oliveira de Almeida.
Não vislumbro má-fé na conduta do autor ao ajuizar a presente demanda, senão exercício do direito de ação nos estritos limites legais.
A arguição de eventual participação de terceiros na simulação/criação de situação fático-jurídica que não corresponderia à verdade, a fim de embasar a inicial, não se sustenta. O fato de outras pessoas, além dos participantes processuais, eventualmente terem interesse na lide, notadamente se forem correligionários, filiados ao mesmo partido ou pertencentes ao mesmo grupo político, não conduz ao reconhecimento de abuso do direito de ação. Aqui vale dizer que não se percebeu deslealdade por parte do autor no curso do processo, senão exercício regular e combativo de suas prerrogativas, assim como fizeram os demandados, com a ressalva do reprovável comportamento do profissional que assistiu alguns requeridos, consoante já relatado nesta sentença.
Por outro lado, eventual improcedência da ação não implica em reconhecimento de má-fé, a ensejar, inclusive e em tese, o tipo penal do artigo 25 da Lei Complementar n.º 64/1990. Tal conclusão implicaria em prática abusiva tendente a tolher o exercício do direito de ação, afinal, quando o mérito é resolvido, como acontecerá neste feito, sempre haverá parte vencida e parte vencedora.
Nem o indeferimento de plano da inicial haveria de impor a presunção de que houve má-fé ou conduta temerária na mobilização da máquina judiciária estatal. O exercício abusivo do direito de ação demanda a demonstração e comprovação clara dos tais fatos praticados mediante ardil e simulação, o que não ocorreu. Com muito menos razão no caso presente, em que há farta produção de prova documental e houve a necessidade de realização de audiência para a colheita de depoimentos de testemunhas a seu tempo arroladas.
Logo, rejeito a arguição de má-fé.
Litisconsórcio passivo necessário, sustentado por todos os requeridos à exceção de Celso Luiz Guzzo, Eva Carolina Soares Araújo e Faraildes Alves de Oliveira de Almeida.
Advogam os requeridos a necessidade de extinção do processo com resolução do mérito em razão da decadência, haja vista os candidatos suplentes diplomados pelo PODE, PSD e PSL não terem sido citados para compor o polo passivo da lide.
Conquanto tenha o pedido de acolhimento da prejudicial do mérito sido formulado após a defesa, precisamente na petição ID n.º 92744061, esta merece ser apreciada por ser de ordem pública, cognoscível inclusive de ofício.
Causa espécie que os mesmos requeridos que pleiteiam a extinção do processo por decadência, em razão da não formação do que seria, aos seus olhos, um litisconsórcio passivo necessário, sustentaram, em sentido inverso, a ilegitimidade passiva dos partidos que teriam se beneficiado da fraude e de seus respectivos presidentes. Por mais que a arguição de decadência constitua um direito e uma estratégia de defesa, não se pode negar que o exercício deste direito deva ser exercido com respeito a algumas balizas, dentre as quais, a lealdade e a boa-fé processual. Ora, a ideia de que os demais candidatos do PODE, do PSD e do PSL deveriam compor o polo passivo desta lide, sob o argumento de que poderiam ser atingidos por eventual decisão de procedência da ação, contrapõe-se à tese de que as mesmas greis politicas não deveriam participar da relação processual. Os mesmos efeitos reflexos que os suplentes suportariam seriam sentidos pelos partidos sob os quais concorreram ao prélio de 2020. Nesse ponto, como o fiz na decisão ID n.º 102387936, por ocasião da análise do pedido de imprestabilidade da prova produzida no inquérito, lamento a postura contraditória dos requeridos, que ora pleiteiam a restrição do polo passivo, ora argumentam que ele deveria ser alargado.
Feitas tais considerações, enfrentando especificamente a questão posta, não vislumbro hipótese de litisconsórcio passivo necessário com relação aos candidatos não eleitos. Resta claro que a decisão de procedência em AIJE ou em AIME cujo objeto seja a existência de fraude em cota de gênero, a despeito de possuir reflexos para os suplentes, não os atinge da mesma forma que atinge os eleitos, pois aqueles, no momento de estabilização da relação processual (citação), eram apenas detentores de expectativa de direito. Quando um DRAP é comprometido em razão da inobservância material do percentual mínimo de candidaturas para cada gênero, os eleitos perdem o mandato como decorrência da ilegalidade perpetrada, enquanto que os suplentes são atingidos reflexamente, ainda que venham, após a estabilização da lide, a assumirem o mandato, hipótese em que podem compor a relação processual como assistentes.
Foi justamente nesse sentido que o TSE julgou nos REspe 68480 e 68565, ao estabelecer que os suplentes não suportam efeito idêntico ao dos eleitos em decorrência da invalidação do DRAP, uma vez que são detentores de mera expectativa de direito, e não titulares de cargos eletivos. Assim, não há obrigatoriedade de que pessoas apenas reflexamente atingidas pela decisão integrem o feito. Os suplentes são, portanto, litisconsortes meramente facultativos. Embora possam participar do processo, sua inclusão no polo passivo não é pressuposto necessário para a viabilidade da ação.
Seguiram-se aos precedentes acima inúmeros outros julgados a respeito tema, de modo que atualmente a posição da Corte Superior Eleitoral é pacífica pela não existência de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos nominados no DRAP, conforme a seguir:
AGRAVO INTERNO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR. DECISÃO. JUÍZO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. SUPLENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO CABIMENTO DO MANDAMUS. NEGATIVA DE PROVIMENTO.
1. No decisum monocrático, manteve–se aresto unânime do TRE/SC em que se denegou mandado de segurança impetrado contra ato em tese ilegal do Juiz da 95ª ZE/SC, nos autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por suposta fraude à cota de gênero, cujo polo passivo não foi integrado por todos os candidatos da respectiva legenda.
2. "O mandado de segurança, previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição da República, é remédio constitucional destinado a coibir ilegalidade ou abuso de poder praticados por autoridade, visando à proteção de direito líquido e certo que seja incontroverso e possa ser facilmente percebido" (AgR–MS 0600042–35/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 10/10/2017).
3. No caso, o objeto do writ cinge–se apenas ao reconhecimento do direito de integrar a lide e à consequente anulação do aresto proferido pelo TRE/SC na AIJE. Todavia, o pedido é manifestamente incabível nesta via, porque ausente direito líquido e certo, uma vez que a jurisprudência caminha no sentido da inexistência de litisconsórcio quanto aos suplentes, conforme se decidiu nos AgR–REspE 685–65 e 684–80/MT, redator para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 31/8/2020.
4. Agravo interno a que se nega provimento. (TSE. 0600008-18.2021.6.24.0000. RMS - Agravo Regimental em Recurso em Mandado de Segurança nº 060000818 - JOINVILLE – SC. Acórdão de 17/02/2022. Relator(a) Min. Benedito Gonçalves. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 40, Data 09/03/2022)
DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ANULAÇÃO DO DRAP. SUPLENTES. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. INOBSERVÂNCIA DO ÔNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA E DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.
1. Agravo interno contra decisão monocrática que deu provimento a recurso especial eleitoral para afastar a decadência e determinar o retorno dos autos ao TRE/BA para exame do mérito do recurso eleitoral.
2. Hipótese em que o TRE/BA, de ofício, pronunciou decadência, por ausência de candidatos suplentes no polo passivo da demanda, julgando prejudicado o referido recurso e extinguindo o feito sem resolução do mérito.
3. Conforme assentado na decisão agravada, este Tribunal Superior, no julgamento conjunto dos AgR–REspe nº 685–65/MT e no REspe nº 684–80/MT, firmou entendimento no sentido de que: (i) as ações que discutem fraude à cota de gênero (AIJE ou AIME) não podem ser extintas com fundamento na ausência dos suplentes no polo passivo da demanda. Isso porque eles são detentores de mera expectativa de direito, de forma que os efeitos decorrentes da invalidação do DRAP os atingem apenas de modo indireto; e (ii) os suplentes são litisconsortes meramente facultativos e, embora possam participar do processo, sua inclusão no polo passivo não é pressuposto necessário para a viabilidade da ação.
4. Não se verifica a divergência jurisprudencial suscitada, considerando que o entendimento constante dos acórdãos paradigmas já se encontra superado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Precedentes.
5. As razões do recurso, na forma como apresentadas, são insuficientes para modificar a decisão recorrida. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, o princípio da dialeticidade recursal impõe ao Recorrente o ônus de evidenciar os motivos de fato e de direito capazes de infirmar todos os fundamentos do decisum que se pretende modificar, sob pena de vê–lo mantido por seus próprios fundamentos.
6. Agravo interno a que se nega provimento. (TSE. 0000001-33.2017.6.05.0198. REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 133 - ITACARÉ – BA. Acórdão de 22/04/2021. Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 78, Data 03/05/2021)
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). ART. 14, § 10, DA CF/88. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXIGÍVEL APENAS ENTRE OS ELEITOS. DECADÊNCIA. AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS. NEGATIVA DE PROVIMENTO.
1. No decisum monocrático, reformou–se o acórdão a quo para desconstituir a decadência reconhecida na origem e determinar o retorno dos autos ao TRE/MT a fim de que se reaprecie o recurso eleitoral.
2. No caso, o TRE/MT reconheceu a decadência de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), ajuizada para apurar fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, por falta de litisconsórcio entre todos os candidatos da chapa proporcional supostamente beneficiada pelo ilícito.
3. Reitere–se que no julgamento do AgR–REspe 685–65/MT, finalizado em 28/5/2020, esta Corte decidiu ser inexigível, para as ações relativas ao pleito de 2016 e 2018, a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, sendo ele obrigatório apenas entre os eleitos.
4. Não prospera a alegação de que o provimento do recurso demandou reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 24/TSE, pois o tema é eminentemente de direito.
5. Agravo interno a que se nega provimento. (TSE. 0000002-32.2017.6.11.0010. REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 232 - RONDONÓPOLIS – MT. Acórdão de 11/02/2021. Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 41, Data 08/03/2021)
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. DECISÃO AGRAVADA. SUPLENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL. LEADING CASE. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. OBSERVÂNCIA.
SÍNTESE DO CASO
1. O Tribunal Regional Eleitoral, por maioria, extinguiu a ação de impugnação de mandato eletivo, fundada em suposta prática de fraude eleitoral, quanto ao cumprimento dos percentuais de gênero exigidos no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, em razão da ausência de integração ao polo passivo dos suplentes diplomados.
2. Por meio da decisão agravada, dei provimento a agravo regimental manejado pelo Ministério Público Eleitoral para reconsiderar a anterior decisão proferida, a fim de determinar o retorno dos autos à Corte de origem, para que, afastado o fundamento de decadência do direito de ação por ausência de formação no polo passivo da demanda de litisconsórcio passivo necessário, se prossiga no exame dos recursos eleitorais dos investigados.
ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL
3. No julgamento conjunto dos AgR–REspe 684–80 e 685–65, red. para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 31.8.2020, este Tribunal assentou, por maioria de votos, que: "Não há obrigatoriedade de que pessoas apenas reflexamente atingidas pela decisão integrem o feito. Os suplentes são, portanto, litisconsortes meramente facultativos. Embora possam participar do processo, sua inclusão no polo passivo não é pressuposto necessário para a viabilidade da ação". Conclui–se que as "ações que discutem fraude à cota de gênero, sejam AIJE ou AIME, não podem ser extintas com fundamento na ausência dos candidatos suplentes no polo passivo da demanda".
4. O princípio da colegialidade deve ser prestigiado em nome da estabilidade das relações jurídicas, que impõe atuação uniforme desta Corte Superior.
CONCLUSÃO
Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE. 2112017-60.8004.0.00.0004. REspEl - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 211 - BOM JESUS DO NORTE – ES. Acórdão de 05/11/2020. Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 243, Data 24/11/2020)
Pelo exposto, rejeito a arguição de decadência por ausência de citação dos demais candidatos a vereador de João Neiva pelo PODE, pelo PSD e pelo PSL.
Passo à análise do mérito.
Narra a inicial, noutros termos que, visando ao pleito proporcional de 2020 em João Neiva, o PODE, o PSD e o PSL teriam lançado candidaturas femininas fictícias para driblar a regra do § 3º do artigo 10 da Lei n.º 9.504/1997 (Lei das Eleições), segundo a qual, do número de vagas preenchidas para a eleição das casas legislativas, devem ser respeitados o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.
Apesar de a norma não impor qual seria o gênero minoritário é de clareza solar que se trata de regra que visa incentivar a participação feminina no processo eleitoral e promover, mais do que uma política meramente inclusiva, justiça com as mulheres, historicamente alijadas do processo democrático neste País.
O professor Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira (in Preleções de Direito Eleitoral - Direito Material - Tomo I, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 98), acerca da participação feminina na nossa democracia, lembra que:
Somente em 1930 as mulheres conquistaram o direito de votar e de exercer sua cidadania no Brasil. De acordo com os registros do Tribunal Superior Eleitoral, o voto feminino tornou-se possível a partir da Revolução de 1930.
O voto feminino chegou a ser discutido na Constituinte de 1890, mas adversários da extensão do voto à mulher argumentaram na época que ela não teria capacidade para escolher seu candidato, já que seu valor intelectual era considerado inferior ao do homem.
A Corte Superior Eleitoral (disponível em <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Julho/acoes-do-tse-incentivam-maior-participacao-feminina-na-politica>, acesso em 05.07.2022) , sensível ao tema, anotou que:
Com especial atenção aos números de uma representatividade que cresce a passos lentos a cada eleição e, mais do que isso, a quem está por trás desses números, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem, nos últimos anos, se posicionado de forma decisiva na luta por mais mulheres na política no Brasil.
Elas são maioria entre os 150 milhões de eleitores, somando 53%. No entanto, são minoria nos cargos de representação. Nos últimos 195 anos, a Câmara dos Deputados por exemplo, teve 7.333 deputados, incluindo suplentes. Apesar de conquistarem o direito de serem eleitas em 1933, as mulheres ocuparam somente 266 cadeiras nestes quase 90 anos.
Atualmente, a cidade de Palmas (TO) é a única capital comandada por uma prefeita no Brasil. Em todo o país, foram escolhidas, nas Eleições Municipais de 2020, 666 mulheres para comandar prefeituras, entre os 5.463 eleitos. Isso representa cerca de 12% do total de eleitos. Já para as câmaras municipais, foram 9.277 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%).
Com números assim, dá para entender por que o Brasil está no fim da fila dos países com baixa representação feminina na política, ocupando a 142ª posição entre 191 nações citadas no mapa global de mulheres na política da Organização das Nações Unidas (ONU) e o 9º lugar entre 11 países da América Latina em estudo da ONU Mulheres.
Verifica-se do contexto delineado que o legislador brasileiro demorou muito em reconhecer que o sistema sempre privilegiou os homens em detrimento das mulheres, passando, ainda que tardiamente, a promover ações concretas para a alteração do quadro. Nesse sentido, o § 3º do artigo 10 da Lei das Eleições, em seu texto originário, buscou reservar trinta por cento das vagas para os postulantes a cargos disputados sob o sistema proporcional, medida que, dada a ausência de qualquer caráter coercitivo, teve pouco alcance, tanto que foi objeto de reforma legislativa em 2009, quando foi substituída a locução deverá reservar (como dito, norma até certo ponto vazia) por preencherá, dando a dimensão exata de que as agremiações, para participarem efetivamente das eleições proporcionais, deveriam apresentar à Justiça Eleitoral no mínimo trinta por cento de suas vagas para um dos gêneros.
Regulamentando o dispositivo acima destacado, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução TSE n.º 23.609/2019, disciplinado que:
Art. 17. Cada partido político poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais, no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo nas unidades da Federação em que o número de lugares a preencher para a Câmara dos Deputados não exceder a 12 (doze), para as quais cada partido político poderá registrar candidatos a deputado federal e a deputado estadual ou distrital no total de até 200% (duzentos por cento) das respectivas vagas (Lei nº 9.504/1997, art. 10, caput e inciso II).
§ 1º No cálculo do número de lugares previsto no caput deste artigo, será sempre desprezada a fração, se inferior a 0,5 (meio), e igualada a 1 (um), se igual ou superior (Lei nº 9.504/1997, art. 10, § 4º).
§ 2º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido político preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada gênero (Lei nº 9.504/1997, art. 10, § 3º).
§ 3º No cálculo de vagas previsto no § 2º deste artigo, qualquer fração resultante será igualada a 1 (um) no cálculo do percentual mínimo estabelecido para um dos gêneros e desprezada no cálculo das vagas restantes para o outro (Ac.-TSE no REspe nº 22.764).
§ 4º O cálculo dos percentuais de candidatos para cada gênero terá como base o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político, com a devida autorização do candidato ou candidata, e deverá ser observado nos casos de vagas remanescentes ou de substituição.
§ 5º Para fins dos cálculos a que se referem os §§ 2º a 4º deste artigo, será considerado o gênero declarado no Cadastro Eleitoral (Portaria Conjunta TSE nº 1/2018).
§ 6º A extrapolação do número de candidatos ou a inobservância dos limites máximo e mínimo de candidaturas por gênero é causa suficiente para o indeferimento do pedido de registro do partido político (DRAP), se este, devidamente intimado, não atender às diligências referidas no art. 36.
§ 7º No caso de as convenções para a escolha de candidatos não indicarem o número máximo de candidatos previsto no caput, os órgãos de direção dos respectivos partidos políticos poderão preencher as vagas remanescentes, requerendo o registro até 30 (trinta) dias antes do pleito (Lei nº 9.504/1997, art. 10, § 5º).
§ 8º O partido político, observada a limitação estabelecida no caput, poderá requerer o registro de até 100 candidatos ao cargo de deputado federal, em decorrência do disposto no inciso II do art. 15 da Lei nº 9.504/1997.
§ 9º Nos municípios criados até 31 de dezembro do ano anterior à eleição, os cargos de vereador corresponderão, na ausência de fixação pela Câmara Municipal, ao número máximo fixado na Constituição Federal para a respectiva faixa populacional (Constituição Federal, art. 29, inciso IV).
Portanto, diversamente do que ocorria com o texto originário da Lei n.º 9.504/1997, a norma atual impõe ao partido uma espécie de limitação ao direito de requerer o DRAP, e, via de consequência, dos respectivos registros de candidatura. A grei que materialmente não promover a participação feminina efetiva em seus quadros poderá ver comprometida sua própria atuação nas eleições, ficando alijada do processo democrático por inação.
A despeito de reconhecer que a mudança sob comento e outras que tem se verificado mais recentemente tem sido modestas ou pouco eficazes para a defesa e incentivo da participação da mulher na democracia brasileira, tais regras merecem ser respeitadas e seguidas rigorosamente, devendo a Justiça Eleitoral, quando demandada, responder aos casos de fraude à cota de gênero.
Em sentido contrário, a pretexto de aplicar a regra, não compete ao Judiciário substituir a vontade popular, anulando votos sob o fundamento da existência de meros indícios de candidaturas assim denominadas laranjas. O reconhecimento da fraude à cota de gênero deve firmar-se em análise multidimensional da candidatura. A prova da burla deve ser robusta e incontestável, em respeito ao princípio do in dubio pro sufragio, devendo ser preservado, quando possível, o resultado obtido a partir das urnas.
Por outro lado, o Estado-juiz não pode se eximir de prestar a tutela jurisdicional, pois a própria legitimidade das eleições pode estar em risco, notadamente quando preceitos de caráter imperativo não são cumpridos. Portanto, a esta Especializada, no caso concreto, cabe, sem criar uma espécie de segundo ou terceiro turno de votação, garantir o respeito ao princípio da legitimidade das eleições.
Nesse contexto, assinala José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral, 14ª ed., Atlas, São Paulo, 2018, p. 77) que a observância do procedimento legal que regula as eleições é essencial para a legitimidade dos governantes. Tal procedimento deve desenvolver-se de forma normal, i.e., em harmonia com o regime jurídico do processo eleitoral. Nessa linha, não é normal quando, hipoteticamente, pessoas de um gênero aceitam emprestar seus nomes, imagens e documentos para formalmente ser observado o regime legal do processo de registro de candidaturas, visando ao atendimento dos percentuais de cada sexo.
Retornando aos critérios para o reconhecimento da candidatura ficta, não basta votação zerada ou ínfima para a anulação do DRAP e dos votos dados a seus candidatos. Outros aspectos devem ser observados no caso concreto, como, por exemplo, ausência de despesas com material de propaganda, disputa entre familiares próximos sem notícia de animosidade, atuação na campanha de outros candidatos, semelhança entre processos de prestação de contas, dentre outros, como bem anota a jurisprudência sobre o tema:
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. INOCORRÊNCIA. VERBETE SUMULAR 26 DO TSE. INCIDÊNCIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. VEREADOR. DIPLOMA. CASSAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. VERBETE SUMULAR 30 DO TSE. APLICAÇÃO. [...]
2. Na espécie, o agravo nos próprios autos teve seguimento negado em razão da inviabilidade do recurso especial, pelos seguintes fundamentos:
a) a moldura fática do acórdão regional permite concluir que há elementos de prova suficientes à demonstração da ocorrência de fraude, consistente no registro de candidaturas femininas fictícias, com a finalidade exclusiva de burlar a cota de gênero estatuída no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97;
b) a alteração das conclusões às quais chegou o Tribunal de origem, a fim de acolher a alegação recursal de que não haveria prova robusta de fraude à cota de gênero na espécie, demandaria o reexame do acervo fático–probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial, nos termos do verbete sumular 24 deste Tribunal Superior;
c) incidência do verbete sumular 30 do TSE, tendo em vista que o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que: i) uma vez evidenciada a fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, fica comprometido todo o conjunto de candidaturas vinculado ao DRAP tido como viciado, caso em que, para a decretação da perda de diplomas de todos os candidatos beneficiários, não se requer prova inconteste da sua ciência, anuência ou participação na conduta fraudulenta; e ii) não é possível considerar válidos os votos conferidos ao partido, na medida em que, tal como assinalado pelo Tribunal de origem no acórdão dos embargos de declaração, "ainda que afirmem os embargantes não terem contribuído ou participado da prática de fraude à cota de gênero, encontram–se insertos nos consectários do ato", e porque a orientação desta Corte Superior é no sentido de que a caracterização da fraude em tela acarreta a nulidade dos votos obtidos pela agremiação (AgR–REspe 1–90, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 4.2.2022). (TSE. 0600306-17.2020.6.06.0074. AREspE - Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº 060030617 - CROATÁ – CE. Acórdão de 28/04/2022. Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 82, Data 06/05/2022)
ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS INTERNOS EM RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. I. PRELIMINARES. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DOS CANDIDATOS ELEITOS EM AIME QUE APURA FRAUDE À COTA DE GÊNERO. POSSIBILIDADE DE CASSAÇÃO DE TODA A COLIGAÇÃO COM QUEDA DO DRAP. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE CANDIDATOS NÃO ELEITOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE NOMEAÇÃO DE ADVOGADO DATIVO NA DESCONSTITUIÇÃO OU RENÚNCIA DE ANTIGO PROCURADOR OU NA DECRETAÇÃO DE REVELIA. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 76 DO CPC DIANTE DA REGRA ESPECÍFICA DO ART. 112 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO DO PARTIDO POLÍTICO EM SEDE DE AIME. ANÁLISE DE FRAUDE À COTA DE GÊNERO EM AIME. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. II. MÉRITO. COTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. COMPROVADA FRAUDE À LEI ELEITORAL. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA DE ATOS DE CAMPANHA. CONJUNTO PROBATÓRIO ANALISADO PELO TRIBUNAL REGIONAL. SÚMULA Nº 24/TSE. CASSAÇÃO DOS MANDATOS ELETIVOS DOS VEREADORES ELEITOS. NULIDADE DOS VOTOS DA COLIGAÇÃO. REDISTRIBUIÇÃO DOS MANDATOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. SÚMULA Nº 27/TSE. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. [...]
2.1. Ocorrência de fraude às cotas de gênero verificada na espécie a partir de candidaturas femininas fictícias, como denotam a ausência de movimentação financeira na prestação de contas da pretensa candidata, a votação zerada, a realização de campanha para o marido com postagens em redes sociais sem menção à própria candidatura, a insubsistência lógica das teses defensivas etc.
2.2. O reexame do conjunto fático-probatório delineado no acórdão regional encontra óbice na Súmula nº 24/TSE.
2.3. Há a necessidade de cassação da inteireza da chapa, ainda que a fraude tenha se limitado a algumas candidatas, uma vez que a glosa parcial acabaria por tornar o risco consistente no lançamento de candidaturas laranjas rentável sob o ponto de vista objetivo, pois não haveria prejuízo para partidos, coligações e candidatos que viessem a ser eleitos e posteriormente descobertos pelo ato. (TSE. 0000001-62.2017.6.21.0012. RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 162 - CAMAQUÃ – RS. Acórdão de 11/02/2020. Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 127, Data 29/06/2020, Página 49/59).
A inicial narra uma espécie de conexão entre as siglas envolvidas nas supostas fraudes, as quais teriam apoiado o candidato eleito a prefeito de João Neiva, senhor Paulo Sergio de Nardi, conhecido por Micula. De fato, o então postulante concorrera ao cargo majoritário pela coligação denominada João Neiva Merece Mais, composta por REPUBLICANOS, PSDB, PL, PODE, PSD e PSL. Além disso, dois personagens teriam influência sob as agremiações demandas: o senhor Marco Antonio da Silva, tido como mentor intelectual das ilicitudes e controlador dos três partidos, além de ser esposo da senhora Enilda Martins Araujo (Presidente do PSD) e cunhado de Fabio Martins Araujo (candidato a vereador pelo PSL e potencial beneficiário do esquema); e Rogério Nieiro Lemos, amigo de Marco Antonio e partícipe das tratativas fraudulentas.
Após o pleito, continua a exordial, a legitimidade das eleições teria sido questionada pela sociedade joão-neivense, ensejando representação ao Ministério Público Eleitoral e instauração de inquérito policial.
Com as considerações comuns a todos os partidos envolvidos na suposta fraude e anotando que o envolvimento das pessoas que possam ter concorrido para as ilicitudes serão oportunamente tratadas, passo a analisar os casos trazidos à apreciação, separando-os por partidos, com suas peculiaridades.
Antes, porém, merece realce a arguição da defesa com relação à excepcional situação vivenciada por ocasião do pleito de 2020, em razão da pandemia da Covid-19. Por óbvio, a situação sanitária que assolou todo o planeta trouxe condicionantes e restrições a toda e qualquer atividade, incluindo a política. Doutro lado, vale dizer que a capacidade eleitoral passiva (direito de ser candidato, observadas às normas à espécie aplicáveis) deve ser exercida sempre voluntariamente, de modo que quem optou por se candidatar por certo o fez tendo em conta o momento epidemiológico então experimentado. Portanto, a incomum situação não pode ser utilizada para descumprir a lei, com a não realização de campanha, materialmente falando, mas apenas para contextualizar aquele momento (contexto que se aplica a todos os postulantes ao pleito de 2020), em que houve sim restrições, mas sem impedir a prática efetiva de atos de campanha.
Candidatas do PODE.
O Podemos teria lançado as candidaturas fictas de Eva Carolina Soares Araujo, Madalena Gasparini e Sirleide Viana dos Santos, tendo sido eleita como beneficiária das fraudes Faraildes Alves de Oliveira de Almeida.
Consta da peça de ingresso que a candidata demandada Eva Carolina dos Santos teria sido convencida pelo requerido Marco Antonio da Silva a concorrer apenas formalmente sob a promessa de recebimento de dois salários mínimos, proposta que teria aceitado, haja vista possuir dívidas na praça. A afirmativa teria sido corroborada pelos depoimentos colhidos na esfera policial, em que foram ouvidos Robson Ribeiro de Araujo Filho e Liliane Borges Batista, além de Eva e de outros depoentes.
Em emenda à inicial, teriam sido apontadas todas as pessoas supostamente envolvidas nas fraudes.
Foram acostados documentos diversos.
Em sua defesa, Eva Carolina Soares Araújo confirma que sua candidatura era fictícia, pois, no seu entender, fora convidada por Marco Antonio e Rogerio para trabalhar para a campanha de Fabio Martins mediante a promessa de pagamento de dois salários mínimos. A candidatura em questão teria sido descoberta poucos dias antes do prélio.
A requerida Faraildes Alves de Oliveira de Almeida, além da preliminar de inépcia, já enfrentada, aduz que não teria participado de qualquer prática supostamente fraudulenta e que as provas produzidas nos autos, incluindo as peças do inquérito, demonstram que Eva teria sido candidata e posteriormente desistido em razão de desinteligência com Marco Antonio, que não teria cumprido com a promessa de destinar os dois salários mínimos acordados anteriormente. Sustenta que, assim como as supostas laranjas, diversas outras candidaturas teriam apresentado desempenho inexpressivo na votação, incluindo postulantes coligados ao requerente. Fundamentou suas razões e juntou julgados para corroborar a tese de defesa. Além do depoimento de Eva, foram citadas oitivas de terceiros e juntados documentos com a resposta.
Os demais requeridos arguiram diversas preliminares, todas já apreciadas. No mérito, apesar de destinarem tópicos para discorrerem sobre a conduta de cada demandando, limitaram-se a afirmar que teriam sido a eles atribuídas apenas afirmativas genéricas, à exceção dos defendentes Marco Antonio da Silva, Eva Carolina e Ivaneti de Bortoli, que tiveram teses de defesa específicas. Neste momento, a decisão cuidará apenas dos fatos relacionados a Eva e às demais postulantes pelo Podemos.
Alega a defesa que Eva compreendeu erroneamente a forma, a origem e a destinação dos recursos que lhe seriam entregues, os quais não proveriam da pessoa do senhor Marco Antonio, mas da parcela do Fundo Especial de Financiamento d3 Campanha (FEFC) destinada ao PODE. Em razão da expectativa não confirmada de receber de R$ 3.000,00 (três mil) a R$ 4.000,00 (quatro mil reais) do FEFC, Eva então teria desistido da campanha. Eva e seu filho de nome Robson teriam ameaçado o casal Marco Antonio e Enilda, esta última ainda teria sido vítima de extorsão. Juntou documentos diversos, dentre os quais termos de depoimentos, de peças de prestações de contas e de registros de candidatura, documentos de filiações partidárias, documentos relacionados ao estado de saúde de alguns demandados.
Dos autos do inquérito, acostado pelas partes ao caderno processual eletrônico, consta depoimento da requerida Eva Carolina Soares Araujo (fls. 29/31 do ID n.º 80249973), o qual merece relevância no contexto dos acontecimentos. A pessoa em questão, em razão do não cumprimento da promessa de recebimento de recursos financeiros, que teria sido verbalizada por outro réu, o senhor Marco Antônio da Silva, desentendeu-se com este, motivo pelo qual é de se supor que a dita laranja não teria mais razão para encobrir o suposto esquema de candidaturas fictícias. O mesmo comportamento seguiu-se em sua defesa nestes autos, em que não apenas reconheceu que sua candidatura não teria sido levada a efeito até o fim, como continuou a atribuir a terceiros, notadamente Marco Antonio, a fraude objeto dos autos.
Releva anotar que, por ocasião de sua oitiva perante a autoridade policial, dona Eva reconheceu que foi candidata, inclusive tendo a pessoa de Eliete como sua cabo eleitoral, além de outras meninas. Se a desinteligência com Marco Antonio da Silva, por sua falta de palavra, foi tamanha a incentivar Eva a entregar todo o esquema, entendo que seu depoimento apresenta especial importância.
À fl. 39 do inquérito, Liliane Borges Batista, afirmou que Eva, devido o não cumprimento do acordo prometido pelo Marcos, resolveu retirar verbalmente sua candidatura.
Eliete Azevedo (fl. 45 do inquérito), por seu turno, narra que no sábado, 14/11/2020, véspera da eleição, Eva telefonou para a depoente e pediu para a depoente não votar nela; que Eva não explicou motivo para não votar nela; que a depoente então votou em outro candidato. Ora se Eva não era candidata de fato não havia qualquer sentido em pedir para não votarem nela. O candidato laranja, dado seu descompromisso óbvio com a campanha, não pede votos para si mesmo. A ação negativa, no sentido de pedir para pessoas não votarem em si, denota que, antes, houve movimento positivo no sentido de obter votos.
O competente e diligente Delegado, concluiu, pois, que Eva fora candidata e desistiu posteriormente.
É verdade que a desistência poderia denotar, em tese, conluio entre a postulante que abandona a campanha, o partido e eventuais terceiros, mas essa não me parece ser a hipótese de dona Eva, dado o elevado grau de desinteligência que ocorreu dias antes do pleito.
Reprovável sem dúvida o comportamento de oferecer dinheiro em troca de candidatura, ainda que esta venha efetivamente a ser implementada. Tal conduta revela um grande e preocupante problema nacional, a desigualdade social, que fornece campo fértil ao oferecimento de vantagem financeira a terceira pessoa, em verdadeira exploração de quem se encontra em situação de vulnerabilidade. Por mais que indique conduta abjeta, o suposto acordo entre Marco Antonio e Eva não conduz à conclusão de que houve candidatura fictícia. Se houve ilícito este é de outra ordem e poderá ser apurado por provocação do parquet.
Quanto à ocorrência do fato em si (promessa de transferência de valor para Eva pelo senhor Marco Antonio), narrada no depoimento de Eva para a autoridade policial e de terceiras pessoas no inquérito e nestes autos, esta foi corroborada pelo comportamento de Marco, que repassou de fato ao menos R$ 1.000,00 (um mil reais) a Eva.
Com relação à demandada Eva, mesmo sendo pessoa de pouca instrução e vulnerável em razão das alegadas dificuldades financeiras, seu comportamento não deixa de ser reprovável, ainda que menos do que o de quem lhe convidou (Marco Antonio) a concorrer ao prélio mediante pagamento de recursos, do FEFC ou privados, seja lá qual foi de fato a tratativa realmente firmada. Que houve oferecimento de quantia à dona Eva, houve, estou convencido disto.
Dos depoimentos colhidos em juízo, referentemente à senhora Eva, destaco os seguintes, esclarecendo desde logo que não são transcrições literais dos áudios contidos nos autos:
Testemunhas do autor:
Robson Ribeiro de Araújo Filho (ID n.º 104764155): 16min25s, afirma que a pessoa de Eliete de Azevedo foi namorada de seu irmão e na época da política andava junto de sua mãe fazendo campanha. 18min54s, afirma não conhecer Enilda Martins de Araujo. 19min21s, esclarece que o trabalhar com isso aí, a que se referiu antes, seria sua mãe trabalhar para ser vereadora.
Robson Ribeiro de Araújo Filho (ID n.º 104764156): 02min32s não sabe dizer se sua mãe foi de fato candidata ou se emprestou o nome; 03min52s, afirma que sua mãe Eva saia de carro com Eliete de Azevedo para fazer a corrida do dia, tendo esclarecendo que a corrida do dia era a campanha dela; 04min47s, afirma que viu os santinhos da sua mãe, os quais teriam sido distribuídos por ela.
Liliane Borges Batista (ID n.º 104764157): 02min42s, afirma que não tem conhecimento de que Eva havia sido contratada para trabalhar para Fabio Martins, mas que sabe que Eliete foi contratada para trabalhar para Eva: 11min48s, afirma que pediu voto para dona Eva e que sequer sabe quem é esse Fábio e que recebeu um cheque de R$ 500,00 (quinhentos reais) de dona Eva; 13min52, que Eliete e dona Eva saiam todo dia para fazer campanha; 14min28s, que dona Eva tinha santinhos e que o cheque que recebeu fora assinado por Eva; 16min53s, não sabe dizer se dona Eva foi candidata de fato ou não.
Testemunhas dos requeridos:
Cleidimar Costa (ID n.º 104764158): 11min57, afirma conhecer Eva Carolina e a presenciou fazendo campanha em seu bairro.
Magno da Silva Dias (ID n.º 104764161): 11min58s, afirma que Eva fez campanha no bairro, assim como Jaqueline e Ivaneti.
O desastroso desempenho de dona Eva nas urnas (um voto), que não teria recebido nem seu próprio voto, não é decisivo e tampouco justifica o reconhecimento da fraude, senão ratifica seu depoimento colhido perante a Autoridade Policial, de ter desistido dias antes do pleito e feito uma espécie de contrapropaganda em seu desfavor. A postulante ainda arrecadou recursos públicos do FEFC e os destinou para pagar pessoas que teriam trabalhado em sua campanha, vez mais ratificando os testemunhos prestados à polícia e aqui. As informações sobre o resultado da votação e da prestação de contas estão disponíveis no sítio da Justiça Eleitoral e são de domínio público.
No caso concreto não há o menor indício de participação do partido especificamente na desistência de Eva, tampouco poder-se-ia exigir da agremiação qualquer medida junto a esta Especializada, pois a decisão de descontinuar a campanha, tomada dias antes do pleito, foi da candidata em oposição ao grupo político, ainda que este possa ter dado causa ao não cumprir com o prometido.
Com relação às demandadas Madalena Gasparini (quatro votos) e Sirleide Viana dos Santos (três votos), além da pífia votação e da similitude de informações nas prestações de contas - arrecadaram também R$ 1.000,00 (um mil reais) em FEFC -, não há outros fatos específicos e provas que possam confirmar que suas candidaturas tenham sido fictícias, valendo rememorar que indícios não são suficientes para decretar a nulidade de votos de todos os candidatos do partido, sob o fundamento da burla à cota de gênero. Com relação às nominadas postulantes destaco que, em consulta ao sítio do TSE (https://resultados.tse.jus.br/oficial/#/divulga-desktop) e ao cadastro eleitoral (Sistema Elo), verifico que, nas respectivas seções de votação, as candidatas receberam um (Madalena - seção 49) e dois votos (Sirleide - apesar de ser da seção 81, em 2020 votou na seção 40, em razão da transferência temporária de eleitores (TTE) de ofício naquele pleito específico, em que algumas seções deixaram de funcionar e seus eleitores foram transferidos para outras).
Em conclusão, apesar de não estar convicto de que todas as candidaturas questionadas foram de fato levadas a efeito, o pedido inicial quanto às candidatas demandadas do Podemos merece ser indeferido por ausência de prova robusta e incontestável das fraudes.
Candidatas do PSD.
Claudionete Gomes Sabino, Elizangela Gustavo Carvalho, Ivaneti de Bortoli Recla e Jani Mara Nascimento Minelli teriam composto a chapa de laranjas do PSD, a fim de a grei política atender ao mínimo de trinta por cento da cota de gênero. O vereador eleito Celso Luiz Guzzo teria sido o beneficiário do esquema.
Consta da peça inaugural que Marco Antonio Silva, assim como o fizera com a candidata Eva, teria convidado a senhora Ivaneti de Bortoli Recla para compor o rol de postulantes do PSD à Câmara Municipal de João Neiva, tendo a senhora Ivaneti, apesar de suposta relutância, fornecido seus documentos a Marco Antonio. Posteriormente, a senhora Ivaneti teria solicitado por intermédio da pessoa de Enilda Martins Araujo, presidente da agremiação e esposa de Marco Antonio, sua retirada da campanha.
Quanto à arguição autoral de que o Ministério Público teria dado parecer contrário ao DRAP (processo n.º 0600388-77.2020.6.08.0014), em razão do não cumprimento dos percentuais de gênero (ID n.º 57175681, acostada com a emenda ID n.º 57175677), tal petição fora protocolizada em 02.10.2020, à vista da publicação do edital de pedido coletivo de registro de candidaturas do PSD. Em 08.10.2020 consta informação da serventia eleitoral dando conta do não cumprimento dos percentuais, após o que o partido, devidamente intimado, adequou suas candidaturas aos números legais, conforme certificado pelo Cartório Eleitoral, tudo de acordo com o rito procedimental previsto na Resolução TSE n.º 23.609/2019. A manifestação ministerial, portanto, não possui relevância para o deslinde da questão, pois foi anterior ao prazo disponibilizado à sigla para adequação do DRAP.
Ainda, alega a parte autora estranheza na prestação de contas da candidata Ivaneti (petição ID n.º 59136789), que teria juntado aos respectivos autos declaração apócrifa com intuito de justificar a ausência de movimentação financeira na campanha.
Celso Luiz Guzzo, além da preliminar de inépcia, já enfrentada, aduz que não teria participado de qualquer prática supostamente fraudulenta e que as provas produzidas nos autos, incluindo as peças do inquérito, demonstram que Ivaneti teria sido candidata e desistido posteriormente para ajudar a cuidar de sua mãe, em Timbuí, município de Fundão. Afirma também que a candidatura de Ivaneti em nada alteraria os fatos com relação ao requisito mínimo de trinta por cento de mulheres para composição da chapa. Mais, advoga a tese de que as candidaturas de Ivaneti, Claudionete, Elizangela e Jani ocorreram regularmente e decorrem do exercício dos respectivos direitos políticos.
Os demais requeridos, relativamente à arguição que toca às candidaturas do PSD, afirmaram que teriam sido atribuídas aos defendentes apenas afirmativas genéricas, tendo, com relação especificamente a Ivaneti, sustentado que houve registro de fato de sua candidatura e posterior desistência, em razão do estado de saúde de sua mãe, desistência essa informada ao partido, e não a esta Especializada. Adverte que o procedimento investigatório teria sido irregular e que não sabia o que assinou em sede policial, pois não detém conhecimento jurídico.
Quanto ao inquérito, a alegada irregularidade foi enfrentada e afastada em tópico próprio desta decisão. Chama atenção a peça de defesa sustentar que a senhora Ivaneti não sabia o que assinava, por falta de conhecimento, tendo a mesma petição de defesa manifestado que a pessoa em questão teria desistido e não comunicado a quem de direito, a Justiça Eleitoral. Ora, ao tomar conhecimento de que a senhora Ivaneti não poderia participar da eleição e que a comunicação apenas ao partido não era suficiente, sob o mesmo raciocínio de que referida pessoa não dispõe de conhecimento necessário, o partido, por sua presidente Enilda, deveria ter promovido as comunicações devidas ou ao menos orientado Ivaneti, e não o fez por alguma razão, a despeito de ter tomado ciência da suposta causa de impedimento há mais de um mês antes do prélio.
Não vislumbro, outrossim, substanciais distorções entre o depoimento prestado pela senhora Ivaneti e o que consta destes autos, notadamente a prova produzida pela própria defesa. Em diversos pontos, os fatos são corroborados, a destacar: Marco Antônio teria participado das tratativas com Ivaneti visando seu ingresso como candidata; Ivaneti teria indicado, não apenas a dificuldade em praticar atos de campanha, mas pouca familiaridade com o importante papel de ser candidata, tendo expressamente, em mensagem trocada com Enilda, referido que não teria tempo pra isso; Enilda, em certo momento, aparenta não exercer de fato a função de presidente do PSD, mas sim Marco, a ponto de Ivaneti solicitar o número do celular de Marco para a própria Enilda; a cronologia narrada no depoimento foi confirmada pelos prints do aplicativo WhatsApp, que demonstram, assim como narrou Ivaneti ao senhor Delegado de Polícia, que, após a eleição, ao saber por sua irmã que tinha sido candidata, solicitou o contato de Marco, a quem teria ligado para reclamar do fato (fls. 08, 09 e 11 do inquérito ID n.º 80249973).
Ainda com relação à questão temporal dos fatos narrados no depoimento colhido pela polícia, destaco que alguns deles são confirmados pelo processo de registro de candidatura de Ivaneti (processo n.º 0600463-19.2020.6.08.0014), segundo o qual em 08.10.2020, foi expedida intimação para Ivaneti complementar sua comprovação de escolaridade, o que veio a ocorrer em 13.10.2020, por meio de declaração de escolaridade de próprio punho, justamente como foi registrado pela Policia Civil, demonstrando fidelidade aos fatos assim como ocorridos.
Além da senhora Ivaneti, prestaram depoimento no inquérito o seu esposo Afonso Luiz Recla, o filho Edemilson Recla e quatro testemunhas (fls. 15/16, 19/20, 74./75, 78/79, 82/83 e 84/85 do inquérito ID n.º 80249973), todas tendo afirmado que não viram Ivaneti fazer caminhada ou pedir votos, que não viram materiais de promoção da campanha, que os vizinhos de Ivaneti não sabiam que ela era candidata, enfim que a candidatura de fato não ocorreu.
Referentemente a um dos depoimentos prestados em sede policial, em que teria sido assentado que se tomou conhecimento de que Ivaneti era formalmente candidata, pelo fato de seu nome ter sido veiculado em uma rede social, a defesa rechaçou tal possibilidade, com o intuito de comprovar que a candidatura de fato teria ocorrido. A possibilidade de acessar informações de candidatos pelas redes sociais ou aplicativos de mensagens é real, pois os dados e as informações de candidaturas são de domínio público e podem ser replicados em múltiplas plataformas. Portanto é possível que se tenha tomado conhecimento de que algumas pessoas foram candidatas formalmente, sem ter havido ato de campanha e disputa real.
A ata notarial acostada pela defesa (ID n.º 83737195), quanto aos fatos objeto destes autos, ratifica o que foi apurado no inquérito: Ivaneti foi convidada por Marco e Enilda a ser candidata.
No dia da audiência (11.04.2022), precisamente instantes antes de seu início, a defesa fez acostar aos autos uma outra ata notarial, por meio da qual Glorinha Belo Silva teria confirmado que a Sra. Eva Carolina que foi candidata pelo Podemos, Jaqueline que foi candidata pelo PSL e a Sra. Ivanete que foi candidata pelo PSD, e que viu elas fazendo campanha durante as eleições (sic). A seguir, tendo acessado as imagens das candidatas, completou que vi todas elas, inclusive pegaram material no comitê (ID n.º 104726203). No mesmo sentido, a declaração tomada do senhor Antonio Mauricio Frigini, em que afirmou que estava ciente da candidatura das Sra. Ivaneti De Bortoli Recla, Sra. Jaqueline Grippa Ribeiro e Sra. Eva Carolina Soares Araújo, pois as vi fazendo campanha e vi a lista de material dos candidatos no comitê (ID n.º 104726205).
Claro está que as pessoas nominadas compareceram ao Cartório de Notas e de Registro Civil de João Neiva para, espontaneamente ou não, "esclarecerem" fatos relacionados às eleições de 2020. Todavia, em sentido contrário, as afirmações mostram-se inverossímeis com a tese de defesa dos próprios requeridos (ID n.º 83737192, página 29), assim expressamente:
Equivoca-se o Eminente Delegado de Polícia, afinal, nenhum material de campanha ficou pronto antes do dia 10/10/2020, quando a Sra. Ivanete comunicou sua desistência, sendo evidente que a campanha somente se efetiva nos últimos 30 dias, por questão de custo, e, sendo a eleição realizada em 15/11/2020, os santinhos e adesivagem não começaram antes de 15 de outubro, até depois desta data, dada a demora de chegar o material das gráficas que se encontravam lotadas de serviços.
Ora, como poderiam as pessoas de Glorinha e Antonio Mauricio terem visto material de propaganda da senhora Ivaneti, se a própria alega que tais materiais não existiram?
Já manifestei nesta decisão que o valor da ata notarial há de ser considerado dentro do contexto de produção de outras provas do processo. Não bastasse isso, no caso em tela, os documentos públicos produzidos perante o tabelionado foram desmentidos, repito, pelos próprios requeridos que os juntaram aos autos.
Colho dos depoimentos prestados neste juízo, relativamente à senhora Ivaneti de Bortoli Recla, que:
Testemunhas dos requeridos:
Cleidimar Costa (ID n.º 104764158): 12min50, afirma que Jaqueline foi candidata, mas não sabe dizer se Ivaneti de Bortoli foi candidata, não conhecendo referida pessoa, tendo em seguida afirmado que alguns candidatos teriam desistido da campanha, o senhor Luis Carlos, chamado de Cacá, o senhor Raulino Pinto, tendo se recordado que Ivaneti teria também desistido em razão de problema de saúde dela ou de alguém da família.
Cleidimar Costa (ID n.º 104764159): 02min12s, que não conhece Ivaneti mas sabe que ela desistiu por motivo de doença.
Izabel Cristina Gustavo Carvalho (ID n.º 104764160): 01min05s, confirma que é irmã de uma requerida e que também foi candidata; 03min27, que as candidatas Jaqueline, Ivaneti e Eva teriam desistido de prosseguir no final na campanha, não sabendo dizer se Ivaneti foi por causa de dinheiro, pois a mãe de Ivaneti estava com problema de saúde; 04min15 que viu Eva, Jaqueline e Ivaneti fazendo campanha para as respectivas candidaturas e que elas tinham seu material de divulgação para trabalhar; 05min27, afirma que as candidatas entraram na campanha para valer; 07min22s, que tem relacionamento normal com sua irmã, que foram candidatas por livre e espontânea vontade, tendo a depoente sido candidata outras vezes; 09min37, afirma que o presidente do seu partido é Azevedo, mas não sabe o nome dele completo, apesar de sua filiação ter sido negociada com seu Azevedo, e não tem intimidade com Marco e Rogerio; 14min17, afirma que não lembra com quem seu partido coligou, que se recorda que, de proposta concreta, seu partido propunha na campanha melhoria dos bairros.
Magno da Silva Dias (ID n.º 104764161): 11min58s, afirma que Eva fez campanha no bairro, assim como Jaqueline e Ivaneti; 14min39s, afirma que alguns candidatos desistiram, sabendo declinar o nome da senhora Ivaneti, que teria desistido da campanha por causa de dinheiro e por problema de saúde de sua mãe, apesar de não conhecê-la muito.
Estranhamente, Cleidimar, testemunha dos requeridos, mesmo sem conhecer de fato Ivaneti e sem saber se ela tinha ou não sido candidata, afirma que referida pessoa desistiu. Magno, também sem conhecer Ivaneti, igualmente disse que ela teria desistido. Assim como as pessoas que prestaram declaração diante da Tabeliã, as testemunhas Izabel e Magno, arroladas pelos réus, afirmam terem visto material de campanha de Izabel, fato que foi por ela mesmo negado em sua defesa, devidamente assistida por advogado, quando disse, noutros termos, que o material de campanha, por questão de custo, somente foi produzido posteriormente, de modo que nenhum material existia antes do dia 10.10.2020, data em que a tal desistência teria ocorrido.
Extraio outro fato intrigante que envolve a alegada candidatura laranja de Ivaneti: um pedido de renúncia juntado aos autos no dia do pleito e ao fim da votação (16h45min54s), por meio do advogado Jonilson Correa Santos (servidor do Tribunal de Contas do Estado, vinculado e subordinado a Marco Antonio da Silva), sem a assinatura da então candidata. Transcrevo trechos da decisão acerca da renúncia, nos termos que seguem (processo n.º 0600463-19.2020.6.08.0014):
Trata-se de pedido de renúncia formulado por advogado com procuração acostada aos autos, que, justamente em razão disso, não merece ser acolhido. Sem adentrar no mérito de o pedido de registro ter sido deferido com decisão transitada em julgado, o fato é que a renúncia não observou o disposto no artigo 69 da Resolução n.º 23.609/2019, que exige ato expresso em documento datado, com firma reconhecida por tabelião ou assinado na presença de servidor da Justiça Eleitoral.
Logo, o ato personalíssimo em questão não pode ser praticado por procurador.
Não bastasse o descumprimento da regra em destaque, o pedido foi protocolizado no dia do pleito, já ao fim da votação, o que torna ainda mais absurda a pretensão. No dia da eleição, a única hipótese de tornar um candidato inapto para a disputa é a decorrente de pedido de cancelamento formulado pelo partido respectivo no caso de expulsão de postulante, em processo no qual lhe tenha sido assegurada ampla defesa (artigo 71 da resolução).
Assim, indefiro, deixo de homologar a renúncia e determino o retorno dos autos ao arquivo.
Há indício, portanto, de que o ato em questão, desprovido de requisito mínimo para sua efetivação, fora apresentado para dar ar de veracidade à narrativa da desistência ou até para servir de justificativa de Marco Antonio à própria Ivaneti, pois esta afirmou, em sede de inquérito, que Marco Antonio prometera tirar seu nome da urna. Por outro lado, o pedido de renúncia no registro de candidatura confirma a tese da parte autora de que documentos apócrifos foram produzidos à revelia da candidata.
Com relação ao print do aplicativo de WhatsApp, que retrata conversa entre Ivaneti e Enilda, tratasse de elemento de prova incontroverso, citado inclusive pela defesa. Colhe-se da imagem que Ivaneti teria dito: Enilda eu não vou ter tempo para isso. foi o que falei para vc, preciso ir ajudar cuidar de minha mãe. É lá em Timbuir na roça (sic). A mensagem não diz que sobreveio doença da mãe que impôs desistência, mas que ela precisava de cuidar da mãe e que não tinha tempo para ISSO (denotando claro descompromisso com a campanha eleitoral). Não se está diante de hipótese de desistência legítima, pois candidatura nunca existiu de fato.
Não bastasse toda a fundamentação até aqui apresentada, Ivaneti, que obteve apenas um voto, não recebeu qualquer voto em sua própria seção (apesar de estar registrada na seção 53, em 2020 ela estava apta a votar na seção 55, em razão de transferência temporária de ofício) e não apresentou movimentação de recursos, ainda que estimáveis.
Claudionete Gomes Sabino, Elizangela Gustavo Carvalho e Jani Mara Nascimento Minelli, além da votação irrisória (um, quatro e dois votos, respectivamente), não movimentaram recursos financeiros ou estimáveis (contas zeradas). Não bastasse, compulsando os respectivos registros de candidatura (0600484-92.2020.6.08.0014, 0600487-47.2020.6.08.0014 e 0600486-62.2020.6.08.0014), denoto que as três postulantes tiveram seus registros sido requeridos como vagas remanescentes no dia 11.10.2020, após o partido ter sido intimado do não cumprimento dos percentuais de gênero nos autos do DRAP (0600388-77.2020.6.08.0014).
As similitudes nas prestações contas não param na ausência de movimentação: em consulta ao Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (DivulgaCandContas), no sítio eletrônico do TSE, disponível em <sistema de divulgação de candidaturas e contas eleitorais>, denoto que as candidatas tidas por laranja do PSD tiverem os mesmos responsáveis pela administração financeira da campanha (as pessoas de Jefeson Soares Augustinho ou Jeferson Soares Augostinho, e Marcia Monfardini Deoclecio), e acostaram nota explicativa apócrifa nos termos seguintes:
Prezados,
Declaro que as despesas com serviços contábeis e despesas com serviços advocatícios, foram pagas pelo majoritário. Dessa forma não foram discriminadas e nem detalhadas na prestação de contas informada.
Declaro também que não abri nenhuma conta durante o período eleitoral no CNPJ informado como de minha campanha.
Estou aberto a futuras explicações e comprovações, caso se faça necessário.
João Neiva-ES 05/12/2020
Com a ressalva de que o parágrafo destinado a justificar a ausência de conta bancária não constou de todas as notas explicativas, não se pode negar que, assim como as candidaturas em si eram apenas formais para cumprimento da cota legal, as contas trazidas à apreciação desta Especializada também constituíram formalidade e foram marcadas por grande similaridade entre as candidatas consideradas laranjas. E não se argumente que eventual decisão de aprovação de contas tem o condão de, em sentido contrário, induzir à compreensão de que as candidatas concorreram efetivamente, pois o exame de contas é formal, simplificado, informatizado e baseia-se nas informações transmitidas à Justiça Eleitoral pelos próprios prestadores, o que aliás fiz questão de anotar em algumas das sentenças, como na PCE n.º 06000742-05.2020.6.08.0014, da senhora Jani Mara Nascimento Minelli, nos termos a seguir:
Preambularmente, não poderia deixar de sublinhar que o julgamento das contas de campanha, além de seu caráter formal, é limitado ao que é declarado por seu prestador e, no caso específico desta Zona, conforme já dito, caracteriza-se pelo exame técnico simplificado e informatizado, de sorte que eventual provimento jurisdicional favorável à regularidade das contas de campanha não deve conduzir ao reconhecimento da inexistência de qualquer ilícito no curso do prélio eleitoral, notadamente no que importa à arrecadação de recursos. Cumpre esclarecer que as considerações em questão não se dirigem especificamente ao caso ora analisado e constam/constarão de forma genérica nas decisões proferidas por este Magistrado nos processos de idêntica natureza em curso neste Juízo.
Ainda preliminarmente, cabe anotar que a candidatura em questão é objeto de impugnação via Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), fato que não guarda relação com o presente feito, por se tratar este processo de análise das formalidades puramente contábeis, não traduzindo o resultado do julgamento em discussão acerca da regularidade da candidatura.
Com relação a Claudionete, há a peculiaridade de não ter recebido qualquer voto mesmo em sua seção (esteve apta para votar na seção 48 em 2020, apesar de ser originariamente da seção 111, por motivo de TTE de ofício).
Já Elizangela Gustavo Carvalho é irmã de outra candidata, a senhora Izabel Cristina Gustavo Carvalho, que disse o seguinte, em seu depoimento judicial:
Izabel Cristina Gustavo Carvalho (ID n.º 104764160): 01min05s, confirma que é irmã de uma requerida e que também foi candidata; 02min33, confirma que foi candidata pelo PSL e que viria verba do fundo partidário, mas que veio apenas para o Podemos; 07min22s, que tem relacionamento normal com sua irmã, que foram candidatas por livre e espontânea vontade, tendo a depoente sido candidata outras vezes.
Não é normal que irmãs que tenham relacionamento normal, no mínimo amistoso, sejam concorrentes de fato ao mesmo cargo. Mas é normal quando ao menos uma das concorrentes não disputa à vera (Elizangela), mas apenas empresta seu nome, e não se preocupa em conquistar votos, inclusive dentro da mesma família. É normal quando uma das irmãs se propõe a formalizar um ato jurídico para ajudar um partido, que, coincidência ou não, é acusado de possuir o mesmo modus operandi da sigla da outra irmã e são controlados, em tese, pelas mesmas pessoas.
Há provas incontestáveis de que Claudionete Gomes Sabino, Elizangela Gustavo Carvalho, Ivaneti de Bortoli Recla e Jani Mara Nascimento Minelli apenas compuseram a chapa de candidatos a vereadores do PSD em João Neiva no pleito de 2020 para atingimento do percentual mínimo de cotas de cada gênero, pois as votações recebidas foram ínfimas, não houve movimentação de recursos financeiros ou estimáveis, há grande similitude entre as prestações de contas das candidatas (quase idênticas, aliás), três dessas candidaturas foram apresentadas apenas após a intimação da Justiça Eleitoral do descumprimento dos percentuais (Claudionete, Elizangela e Jani foram indicadas na cota de vaga remanescente justamente para cumprir o mínimo de trinta por cento), ao menos duas candidatas sequer votaram nelas próprias (Ivaneti e Claudionete) e uma das postulantes concorreu contra uma irmã no mesmo pleito e para o mesmo cargo, apesar de não possuírem divergências ou rivalidades políticas (Elizangela, candidata laranja pelo PSD, é irmã de Izabel Cristina Gustavo Carvalho, candidata a vereadora pelo PSL e que prestou depoimento neste processo).
Considerando que, com o reconhecimento da fraude nas quatro candidaturas acima apontadas, o PSD apresentou de fato apenas doze postulantes à Câmara Municipal de João Neiva (excluídas do quantitativo as quatro laranjas), dos quais apenas duas mulheres, o percentual de candidaturas femininas representou apenas 16,67% (dezesseis, vírgula sessenta e sete por cento) do total de candidatos informados na respectiva chapa, razão pela qual revogo o DRAP objeto do processo n.º 0600388-77.2020.6.08.0014 e determino a anulação dos votos dados a todos os candidatos do PSD, com os seus consectários.
Candidata do PSL.
Segundo a inicial, Jaqueline Grippa Ribeiro teria se encarregado de ser a candidata fictícia do PSL, cujo esquema teria beneficiado a eleição de Lucas da Ros Recla. Destacada postulante, além de ter apresentado votação zerada, não movimentou recursos financeiros ou estimáveis por ocasião da campanha. A parte autora informa que a alegação de desistência da candidatura, dada pela senhora Jaqueline em sede de inquérito, seria insubsistente, ante a ausência de formalização de qualquer pedido nesse sentido.
Com relação à arguição de que o Ministério Público teria dado parecer contrário ao DRAP (processo n.º 0600389-62.2020.6.08.0014), em razão do não cumprimento dos percentuais de gênero (ID n.º 57175680, acostada com a emenda ID n.º 57175677), tal petição fora protocolizada em 02.10.2020, à vista publicação do edital de pedido coletivo de registro de candidaturas do PSL. Em 08.10.2020 consta informação da serventia eleitoral dando conta do não cumprimento dos percentuais, após o que o partido, devidamente intimado, adequou suas candidaturas aos números legais, conforme certificado pelo Cartório Eleitoral, tudo de acordo com o rito procedimental previsto na Resolução TSE n.º 23.609/2019. A manifestação ministerial, portanto, não possui relevância para o deslinde da questão, pois foi anterior ao prazo disponibilizado à sigla para adequação do DRAP.
Alega a parte autora estranheza na prestação de contas da candidata Jaqueline (petição ID n.º 59136789), que teria juntado aos respectivos autos declaração apócrifa com intuito de justificar a ausência de movimentação financeira na campanha. Quanto a esse ponto, entendo que assiste razão ao demandante e aponto, desde logo, o primeiro indício de que a candidatura de fato é laranja, a similitude informações com as prestações de contas de outras postulantes, notadamente das quatro candidatas do PSD, cuja fraude já reconheci nesta decisão. Jaqueline, assim como o fizeram as candidatas do PSD, não arrecadou recursos, utilizou-se dos mesmos administradores financeiros da campanha e teria anexado, por seu advogado, nota explicativa apócrifa, visando justificar a ausência de movimentação recursos.
Os demais requeridos, incluindo o eleito Lucas da Ros Recla, afirmaram, relativamente à arguição que toca à candidatura do PSL, que teriam sido atribuídas à senhora Jaqueline apenas afirmativas genéricas.
Relativamente às provas nos autos produzidas, constam termo de depoimento da senhora Jaqueline prestado no inquérito policial, documentos relacionados aos processos de registro de candidatura e de prestação de contas, uma ata notarial e um termo de depoimento constante de escritura pública, além da prova testemunhal colhida judicialmente.
À autoridade policial (ID n.º 80249973, fl. 54), Jaqueline afirma que foi candidata por vontade própria, que abriu conta bancária, que recebeu material de campanha e que veio a desistir da candidatura por falta de recursos, pois não recebeu dinheiro do partido, e por não dispor de tempo, haja vista trabalhar em um laboratório de sete às dezesseis horas.
Transcrevo, assim como o fiz por ocasião da análise do caso relacionado ao PSD, trecho da ata notarial, em que Glorinha Belo Silva teria confirmado que a Sra. Eva Carolina que foi candidata pelo Podemos, Jaqueline que foi candidata pelo PSL e a Sra. Ivanete que foi candidata pelo PSD, e que viu elas fazendo campanha durante as eleições. A seguir, tendo acessado as imagens das candidatas, completou que vi todas elas, inclusive pegaram material no comitê (ID n.º 104726203). No mesmo sentido, a declaração tomada do senhor Antonio Mauricio Frigini, em que afirmou que estava ciente da candidatura das Sra. Ivaneti De Bortoli Recla, Sra.Jaqueline Grippa Ribeiro e Sra. Eva Carolina Soares Araújo, pois as vi fazendo campanha e vi a lista de material dos candidatos no comitê (ID n.º 104726205).
Afirmei outrora que os fatos narrados por Glorinha e Antonio Mauricio eram inverossímeis com relação à laranja do PSD Ivaneti. Quanto à Jaqueline, há contradição entre o que teria sido dito pelas pessoas em destaque e as informações da prestação de contas da campanha, pois se houve recebimento de materiais, estes deveriam, via de regra, ter sido declarados, o que não ocorreu. Prestado tal esclarecimento, tenho que não se pode dar como certo que Glorinha e Antonio possam atestar a candidatura de Jaqueline, valendo rememorar que, no mesmo contexto e frase, faltaram com a verdade, ao afirmarem terem visto o material de campanha de Ivaneti, material esse que nunca existiu, como a própria Ivaneti afirmara em sua defesa (ID n.º 83737192), o que foi corroborado pelos dados de sua prestação de contas.
Reitero que o valor probante da ata notarial há de ser considerado dentro de um contexto em que diversas outras provas são produzidas, não servindo para substituir ou contrapor, por si só, o depoimento prestado em juízo. Não bastassem todas essas considerações, no caso em tela, os documentos públicos produzidos perante o tabelionado foram desmentidos, repito, pelos próprios requeridos que os juntaram aos autos e pela prestação de contas da senhora Jaqueline.
Destaco abaixo passagens dos depoimentos colhidos judicialmente das testemunhas arroladas pelos requeridos:
Cleidimar Costa (ID n.º 104764158): 12min50, afirma que Jaqueline foi candidata, mas não sabe dizer se Ivaneti de Bortoli foi candidata, não conhecendo referida pessoa, tendo em seguida afirmado que alguns candidatos teriam desistido da campanha, o senhor Luis Carlos, chamado de Cacá, o senhor Raulino Pinto, tendo se recordado que Ivaneti teria também desistido em razão de problema de saúde dela ou de alguém da família.
Cleidimar Costa (ID n.º 104764159): 01min25s, que Jaqueline esteve nas ruas e que pediu votos, não sabendo dizer se ela abriu conta e quantos votos ela teve.
Izabel Cristina Gustavo Carvalho (ID n.º 104764160): 03min27, que as candidatas Jaqueline, Ivaneti e Eva teriam desistido de prosseguir no final na campanha, não sabendo dizer se Ivaneti foi por causa de dinheiro, pois a mãe de Ivaneti estava com problema de saúde; 04min15 que viu Eva, Jaqueline e Ivaneti fazendo campanha para as respectivas candidaturas e que elas tinham seu material de divulgação para trabalhar; 14min17, afirma que não lembra com quem seu partido coligou, que se recorda que, de proposta concreta, seu partido propunha na campanha melhoria dos bairros.
Magno da Silva Dias (ID n.º 104764161): 07min49s, que foi candidato a vereador pelo PSL; 11min08, que alguns candidatos ficaram chateados por não terem recebido a verba prometida, declinando os nomes de Jair Pereira, Eva, Edmilson; 11min58s, afirma que Eva fez campanha no bairro, assim como Jaqueline e Ivaneti; 14min39s, afirma que alguns candidatos desistiram, sabendo declinar o nome da senhora Ivaneti, que teria desistido da campanha por causa de dinheiro e por problema de saúde de sua mãe, apesar de não conhecê-la muito.
Magno da Silva Dias (ID n.º 104764164): 01min15s, afirma que muitos candidatos passaram fazendo campanha em seu bairro, inclusive Jaqueline, apesar de o depoente não conhecê-la muito, não sabendo declinar qual horário que Jaqueline passava em seu bairro.
As testemunhas teriam visto Jaqueline fazer campanha, muito embora uma delas, o senhor Magno, não a conhecesse direito, o que causa estranheza. Doutro giro, à exceção de Izabel, nenhuma delas afirmou que Jaqueline teria desistido, nem mesmo o senhor Cleidimar, que, não obstante residir em Aracruz, mostrou-se um grande conhecedor dos meandros da politica de João Neiva, notadamente do Podemos, do PSD e do PSL, ao trazer informações detalhadas de nomes, números, etc.
Estranheza também colho da oitiva da senhora Izabel, que, se por um lado conhece muito bem fatos relacionados a diversas candidaturas, sequer soube declinar com quem seu partido teria se coligado ou quais suas propostas concretas de campanha, tendo apenas feito afirmações genéricas. Izabel, assim como Glorinha e Antônio Mauricio, informaram que Jaqueline possuía material de campanha, embora sua prestação de contas dissesse o contrário, material que Ivaneti também possuía, segundo Izabel, Glorinha e Antônio Maurício, apesar de a própria Ivaneti ter desmentido sua existência.
Os depoimentos colhidos em juízo e os prestados perante a senhora Tabeliã não demonstraram que a senhora Jaqueline de fato foi candidata; ao contrário, trouxeram contradição com os documentos que dos autos constam.
Penso que a questão central é determinar se Jaqueline de fato desistiu da campanha, pois só a desistência seria capaz de justificar seu desempenho nas urnas (nem ela votou em si própria), a falta de movimentação financeira e estimável em suas contas e a ausência de demonstração da existência de material de campanha.
É incontroverso que renúncia no respectivo processo de registro nunca houve (0600481-40.2020.6.08.0014). Dito isso, causa espécie a razão narrada por ela de que teria deixado de seguir na campanha por falta de recursos e por falta de tempo, já que a candidata em questão ingressou na campanha tardiamente, por meio de vaga remanescente, tendo requerido o registro apenas em 11.10.2020, portanto há pouco mais de um mês da eleição. Sem o ingresso de Jaqueline o PSL não teria atingido o mínimo de trinta por cento de candidaturas femininas - nos autos do DRAP do PSL (0600389-62.2020.6.08.0014), a agremiação fora intimada em 08.10.2020 para suprir a irregularidade da distribuição de vagas por sexo, tendo sanado a questão justamente com o ingresso de Jaqueline em seu rol postulantes. Logo ela, a mesma Jaqueline que passou a integrar a relação de candidatas do PSL tardiamente, descobriu, ainda mais tarde, que não teria tempo para a campanha.
O festival de excentricidades da candidatura de Jaqueline não para por aí: por ocasião do julgamento de suas contas (processo n.º 0600797-53.2020.6.08.0014), assentei que:
O exame técnico identificou, todavia, as falhas consistentes na ausência do extrato de todo o período da campanha, em sua forma definitiva (como bem apontado no item 2.2 do parecer ID n.º 83303269, a falta do extrato não há de conduzir à desaprovação, haja vista referido documento ter sido acessado em meio eletrônico, no SPCE WEB, e anexado aos autos) e descumprimento do prazo de abertura da conta bancária destinada à movimentação de outros recursos (a conta foi efetivada apenas em 16.11.2020, portanto, após a eleição), que deveria ter sido implementada em até 10 (dez) dias após a concessão do CNPJ (11.10.2020).
A candidata veio aos autos pugnar pela aprovação das contas, sustentando que a pandemia da Covid-19 teria impedido o cumprimento do prazo. Apesar de reconhecer que, naquela ocasião, algumas agências bancárias restringiram o atendimento como medida de prevenção sanitária, o fato é que, no município de João Neiva, os candidatos em geral conseguiram promover à abertura da conta no prazo ou poucos dias após o seu vencimento. Portanto, implementar a conta após a eleição, como o fez a candidata, corresponde à não abertura.
O que leva uma candidata a abrir conta da campanha um dia após o pleito, senão o seu propósito de cumprir formalmente regras / ludibriar a Justiça Eleitoral? Qual o sentido de implementar conta bancária após eleição? Mais, se houve desistência a ponto de justificar a ausência de votos e arrecadação, não se pode admitir que esta tenha ocorrido às vésperas da eleição. E se não foi às vésperas da eleição, a senhora Jaqueline poderia estar dispensada de abrir a conta, na forma do artigo 8º, § 4º, II, da Resolução TSE n.º 23.607/2019, segundo o qual, o candidato que renunciar ou desistir da campanha dentro dos dez dias da concessão do CNPJ está dispensado de abrir conta. Toda essa trama intrigante se justifica: não houve desistência, nunca houve candidatura de fato.
O desinteresse de Jaqueline pela campanha não pode ser encarado como renúncia ou desistência na forma da lei, que só se consuma quando homologada pelo juízo do registro. Em sentido contrário, desinteresse pela campanha denota ausência de candidatura, porque candidatura laranja nada mais é do que candidatura inexistente, desprovida de interesse pela busca do convencimento popular. Tudo isso é corroborado por outros fatos incontroversos: Jaqueline não recebeu qualquer voto, nem o dela; sua prestação de contas foi zerada; os dados e a forma de elaborar a prestação de contas são similares, quase idênticos, aos de outras candidatas laranja, incluindo a juntada de documento sem sua assinatura. Por outro lado, admitir que a desistência ocorreu só com a afirmação da candidata e de algumas testemunhas (inclusive pessoas que sequer a conhecem direito) seria desprezar por completo a norma que impõe percentual mínimo de vagas para cada gênero: bastaria aos partidos indicarem quaisquer candidatas desinteressadas pela disputa e, depois, dizerem que desistiram, sem desistir.
Logo, estou convicto pela prova dos autos, que houve fraude na apresentação da candidatura de Jaqueline.
Considerando que, com o reconhecimento da candidatura fictícia, o PSL apresentou de fato apenas quinze postulantes à Câmara Municipal de João Neiva (excluído do cômputo o nome de Jaqueline), dos quais apenas quatro mulheres, o percentual de candidaturas femininas representou apenas 26,67% (vinte e seis, vírgula sessenta e sete por cento) do total de candidatos informados na respectiva chapa, razão pela qual revogo o DRAP objeto do processo n.º 0600389-62.2020.6.08.0014 e determino a anulação dos votos dados a todos os candidatos do PSL, com os seus consectários.
Da análise das condutas dos requeridos para os fins dos artigo 1º, I, d e j, e 22, XIV, da Lei Complementar n.º 64/1990.
Como consequência da procedência desta AIJE aos candidatos há a imputação da inelegibilidade pelo prazo da eleição para a qual concorreram, bem como para as eleições que se realizarem nos oito anos seguintes. A mesma restrição à capacidade eleitoral passiva atinge todos que hajam contribuído para a ilicitude.
Apesar de, à primeira vista, a leitura dos dispositivos sugerir que todos os candidatos cassados em razão de decisão dada em investigação judicial eleitoral seriam atingidos pela inelegibilidade, tal consequência não é automática. Se, por um lado, os candidatos são atingidos com a cassação do mandato independentemente da prova de sua participação, ciência ou anuência na fraude, a inelegibilidade, doutra banda, só os alcança se restar demonstrada sua participação no ilícito ou ao menos se com ele tiverem anuído, como bem assinalou o TSE nos julgados dados nos processos 0600651-94.2020.6.05.0046 (AREspE - Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº 060065194 - JACOBINA - BA. Acórdão de 10/05/2022. Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos. Relator(a) designado(a) Min. Alexandre de Moraes. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 123, Data 30/06/2022) e 0600103-74.2020.6.18.0089 (REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 060010374 - PIMENTEIRAS - PI. Acórdão de 06/05/2021. Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 100, Data 02/06/2021).
Por óbvio não há se discutir acerca da inelegibilidade do presidente e das candidatas do Podemos, pois, quanto à sigla nominada, a ação foi improcedente.
Com relação aos candidatos eleitos pelo PSD (Celso Luiz Guzzo) e PSL (Lucas da Ros Recla) não há o menor indício de que tenham participado da fraude. Não há elemento algum que sequer aponte que as pessoas em questão tenham tomado conhecimento prévio da fraude, de modo que a restrição não pode ser aplicada por presunção.
As candidatas tidas por laranjas aceitaram a participação no esquema fornecendo seus nomes, dados, imagens e documentos. Logo, a elas deve ser imposta a inelegibilidade.
Já os presidentes dos dois partidos, por razões óbvias, tiveram participação direta nos episódios, pois a eles cabe o convite para ingresso nas respectivas siglas e a apresentação dos pedidos de registro de candidaturas em juízo. Com relação especificamente à senhora Enilda, cumpre rememorar que ela foi advertida, em 10.10.2020, que Ivaneti não tinha tempo para isso, tendo Enilda no mínimo sido omissa quanto a não candidatura de fato de Ivaneti com mais de uma mês de antecedência da eleição.
Há provas de que o senhor Marco Antônio da Silva não apenas orientava sua esposa Enilda, como de fato dirigia, além do PSD, o PODE e o PSL. Extrai-se do inquérito dez depoimentos em que Marco Antonio fora citado em situações diversas: convidando candidatas, oferecendo dinheiro para ao menos uma postulante, orientando no preenchimento de documentos (fls. 10/12, 15/16, 19, 21/22, 29/31, 36/37, 39, 41/42, 45 e 69/71 do ID n.º 80249973).
Rogerio Nieiro Lemos (fls. 41/42 do ID n.º 80249973), que alega ser amigo de Marco Antonio, confirmou o encontro deste com Eva, a quem teria sido franqueada a possibilidade de se filiar e candidatar por três partidos, justamente o Podemos, o PSD e o PSL. Tal afirmação reafirma que as três agremiações eram controlados pelo mesmo grupo, encabeçado por Marco Antonio.
Dos depoimentos colhidos em juízo, destaco os seguintes:
Testemunhas do autor:
José Luiz Rodrigues (ID n.º 104764152): 07 min, alega que Marco Silva e Rogerio são envolvidos com política, fato conhecido da comunidade de João Neiva por todos envolvidos com política na localidade, e que Marco comanda três partidos e indicou pessoas na Administração de João Neiva, podendo citar ao menos a cunhada do senhor Marco como Secretária de Assistência Social.
Robson Ribeiro de Araújo Filho (ID n.º 104764155): 05min52s, afirma que o senhor Marcos havia prometido em torno de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para participar da campanha, mas a mãe só teria recebido R$ 1.000,00 (um mil reais); 12min29s, afirma que ligou para Marcos para cobrar o valor que havia prometido que iria depositar, mas depositou apenas R$ 1.000,00 (um mil reais); 18min54s, afirma não conhecer Enilda Martins de Araujo.
Liliane Borges Batista (ID n.º 104764157): 04min11s, afirma que dona Eva e Marcos, chamado de Marquinhos, foram à casa da depoente e a convidaram para se filiar ao seu partido, ela informou que não, mas ele não insistiu; 07min49s, confirma o que foi dito na esfera policial, que dona Eva lhe disse que Marco lhe ofereceu dinheiro para ser candidata, mas não estava presente no momento da suposta proposta e que teria estado com Marco apenas uma vez, momento em que Marco teria pedido a ela para se filiar no partido, pois ele precisava de uma quantidade de mulheres, e nunca mais o teria visto.
Testemunhas dos requeridos:
Cleidimar Costa (ID n.º 104764158): 02min20s, que não tem interesse no processo, não tem amizade íntima, mas foi funcionário de Marco, com quem trabalhou por oito anos.
Magno da Silva Dias (ID n.º 104764161): 07min49s, que foi candidato a vereador pelo PSL; 22min43, que o papel de Marco Silva na coligação era nenhum, tendo o depoente se dirigido à casa de Marco buscar o seu material de campanha.
Magno da Silva Dias (ID n.º 104764164): 01s, afirma que foi à casa de Marco Silva buscar o material porque sua esposa era presidente do partido PSL, agremiação que estava coligada ao Podemos.
As testemunhas confirmam Marco Antonio na cena política de João Neiva, chamando atenção as declarações de Magno que, na tentativa aparente de esconder a figura de Marco, desnudou, em sentido contrário, sua importância no cenário: Magno candidato do PSL, diz ter ido à casa de Marco para buscar material pela coincidência de ele (Marco) ser esposo de Enilda, que, segundo Magno, seria presidente do PSL, o que não corresponde à verdade, pois ela era dirigente do PSD. Se Magno foi à casa de Marco Antonio buscar material é porque lá se encontrava de fato a direção não apenas do PSD de Enilda, mas do PSL e também do Podemos (vale lembrar que Eva, candidata pelo PODE, e seu filho também foram à casa de Marco para tratar de pendências de sua candidatura).
Além de ter convidado pessoas a se filiarem e se candidatarem, de ter orientado nos procedimentos de registro, prometido e entregue vantagem pecuniária (Eva recebeu ao menos um mil reais, fato que não foi impugnado), Marco Antonio providenciou ou ao menos permitiu que o advogado Jonilson Correa Santos patrocinasse o interesse de diversos candidatos nos processos de registro de candidatura e de prestação de contas, além da defesa nesta ação. Por mais que a relação advogado-cliente seja privada, não se pode negar que a sujeição hierárquico-administrava de Jonilson a Marco Antonio no Tribunal de Contas do Estado (fato também não impugnado) revela indício de que o controle de todas as ações sempre esteve nas mãos de Marco Antonio. Não se está a discutir a regularidade da representação processual nestes autos, o que aliás foi reconhecida em decisão pretérita, mas não se pode negar que Jonilson, o advogado de diversos requeridos, é ou era subordinado a Marco Antonio.
Reconheço, portanto, a participação direta de Marco Antonio Silva nas fraudes reconhecidas nestes autos.
A Rogerio Nieiro Lemos foi atribuído por uma das testemunhas o fato de estar envolvido com política em João Neiva (o que é corroborado pela circunstância de ter sido secretário-geral do Podemos à época dos fatos, conforme noticia a certidão ID n.º 54259611), o que não permite presumir sua participação nos fatos objeto destes autos. Apesar de ter sido confirmada sua presença em alguns eventos relacionados às fraudes, não se pode confirmar sua efetiva participação nos fatos, razão pela qual merece ser rejeitado o pedido formulado na ação com relação à pessoa em questão.
Dispositivo.
Pelo exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva dos órgãos de direção municipal em João Neiva do Podemos, PSD e PSL.
Julgo improcedente o pedido inicial com relação às candidaturas do Podemos em João Neiva e, via de consequência, com relação ao seu presidente José Geraldo Adão e às candidatas Faraildes Alves de Oliveira de Almeida, Eva Carolina Soares Araujo, Madalena Gasparini e Sirleide Viana dos Santos.
Julgo improcedente o pedido inicial com relação ao senhor Rogério Nieiro Lemos.
Acolho o pedido inicial quanto às candidaturas do PSD e do PSL, determinando a revogação dos respectivos Demonstrativos de Regularidade de Atos Partidários (DRAPs) para as Eleições Municipais de 2020 em João Neiva, a cassação dos candidatos eleitos vinculados aos mencionados DRAPs e a nulidade dos votos obtidos pelo PSD e PSL, bem como por todos seus candidatos, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário, nos termos do artigo 222 do Código Eleitoral.
Declaro, para os fins da incidência da inelegibilidade, a participação nas fraudes dos requeridos Claudionete Gomes Sabino, Elizangela Gustavo Carvalho, Ivaneti de Bortoli Recla, Jani Mara Nascimento Minelli, Jaqueline Grippa Ribeiro, Enilda Martins de Araujo, Waldecir Azevedo e Marco Antonio da Silva.
Considerando que a prolação desta decisão impõe o fim do sigilo deste processo (artigo 17 da Resolução TSE n.º 23.326/2010), determino a adoção das providências devidas para o levantamento do segredo de justiça, observando-se, doravante, as normas gerais acerca da tramitação de processos, sem qualquer restrição.
Transitada em julgado, oficie-se à Câmara Municipal de João Neiva e arquivem-se com as cautelas e formalidades de praxe.
P.R.I.
Ibiraçu/ES, 28 de novembro de 2022.