JUSTIÇA ELEITORAL
035ª ZONA ELEITORAL DE GILBUÉS PI
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600547-75.2020.6.18.0035 / 035ª ZONA ELEITORAL DE GILBUÉS PI
AUTOR: ANDERSON LUIZ ALVES DOS SANTOS FIGUEREDO
Advogado do(a) AUTOR: GERMANO TAVARES PEDROSA E SILVA - PI5952-A
REU: PAULO LUSTOSA NOGUEIRA, GERALDO BRANCO DE SOUZA NETO, EDILBERTO GONCALVES NOBRE
Advogado do(a) REU: MARCIO PEREIRA DE MOURA - PI19178
Advogado do(a) REU: MARCIO PEREIRA DE MOURA - PI19178
Advogado do(a) REU: MARCIO PEREIRA DE MOURA - PI19178
SENTENÇA
Narra a inicial, em síntese, que o investigado PAULO LUSTOSA na condição de candidato à reeleição se utilizou da máquina pública em prol da sua candidatura, durante as eleições municipais de 2020, praticando condutas vedadas que violaram o princípio da isonomia no processo eleitoral, prejudicando, assim, sobremaneira aqueles concorrentes que não eram do seu grupo político. Em virtude disso, o investigante requereu na exordial: a) citação dos investigados para, querendo, oferecerem resposta, no prazo legal; b) a procedência desta AIJE, reconhecendo o abuso do poder econômico, para o fim de: b.1- cassar o registro de candidatura dos investigados; b.2- Declarar a inelegibilidade do investigado para as eleições dos próximos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito, nos termos do artigo 1º, inciso I, alínea “j” e artigo 22, inciso XIV, ambos da Lei Complementar nº 64/90; c) A oitiva do representante do Ministério Público Eleitoral; e d) produção de todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente por prova testemunhal.
No despacho proferido sob ID 89255732 determinou-se a notificação dos investigados para apresentarem defesa e juntasse documentos e rol de testemunhas. Notificados, os investigados PAULO LUSTOSA NOGUEIRA e GERALDO BRANCO DE SOUZA NETO apresentaram resposta escrita (ID 90206883) requerendo a improcedência dos pedidos autorais, ante a inexistência de provas de qualquer ilícito eleitoral, afirmando que se trata de uma armação política de seus adversários na política. Ao final, ainda requereram que o investigante seja condenado por litigância de má-fé, bem como arrolaram 7 (sete) testemunhas.
Por sua vez, o investigado EDILBERTO GONÇALVES NOBRE afirmou que inexiste prova de qualquer tipo de abuso de econômico ou político, vez que para a comprovação de tal conduta é necessário que demonstre a gravidade das circunstâncias no caso concreto, o que supostamente não teria ocorrido. Arrolou 1 (uma) testemunha.
Designou-se audiência para oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, no dia 30/11/2021, às 11h. Neste ato, foram ouvidos: Willian de Lima Moreira, Widnes Geraldo Passos Pereira, Roselídia Lustosa de Sousa Marques, Luciano Ribeiro da Silva, Carleuzanjo Alves do Nascimento, Silvio Enrique Barreira de Macedo e Fabio Jacinto Melchiades Salvadego. Na ocasião, o advogado da defesa requereu em sede de diligência a realização de perícia nos vídeos anexados aos autos e a abertura de prazos para quesitos.
Não houve pedido de diligência pela parte autora, bem como não houve pedido de diligencia pelo Ministério Público. Ao final, determinou-se a remessa dos autos à Polícia Federal para a realização da perícia no prazo de 30 (trinta) dias.
À ID 102268290 consta ofício da Autoridade Policial, pugnando pelos quesitos a serem respondidos na perícia. Quesitos juntados em ID 90213131. Laudo de Perícia Criminal Federal (registros de áudios e imagens) acostado sob ID 104479546.
A parte autora apresentou alegações finais – Id. 104795974. Por sua vez, as alegações finais dos investigados foram apresentadas sob Id’s. 104800003 (Edilberto); e 104800007 (Paulo Lustosa e Geraldo Branco). Manifestação do Ministério Público Eleitoral Id 108014854.
É o relatório.
Decido.
1 – DAS PRELIMINARES 1.1 – DA REJEIÇÃO DA INÉPCIA DA INICIAL
Não se verifica qualquer defeito na peça do pórtico, capaz de inviabilizar o contraditório ou ampla defesa, ou mesmo que se apontasse vício deflagrador de desrespeito aos requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil. Tanto é assim que o ilustre patrono dos investigados apresentou resposta com abordagens processuais e de mérito. Assim sendo, não merece prosperar a preliminar.
1.2 – DA LEGITIMIDADE
Nos termos do art. 22 da LC n. 64/1990, a titularidade da Ação de Investigação Judicial Eleitoral é conferida a “qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral”. O rol de legitimados da ação é exaustivo, de modo que somente os listados pela lei podem dela fazer uso. Lado outro, podem ocupar o polo passivo da ação o candidato ou pré-candidato favorecidos pelas condutas abusivas, além dos terceiros, agentes públicos ou não, que as tenham praticado.
A propósito, o TSE, em seu Enunciado 40, assentou o entendimento de que os partidos políticos não são litisconsortes passivos necessários em ações que visem à cassação de diploma, como é o caso da Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Entretanto, nada os impede de participarem da demanda na qualidade de assistente simples dos seus candidatos.
No ponto, Branco, Carvalhedo e Kalkmann lecionam que: “A exemplo do que acontece nas impugnações de registro de candidatura, aqui também a jurisprudência do TSE fixou-se no sentido de admitir a participação dos partidos políticos e coligações apenas na qualidade de assistente simples, porquanto, ainda que não se verifique a formação de uma relação processual direta entre o autor da ação e as greis, a ponto de fixá-las obrigatoriamente no polo passivo, há o interesse jurídico da legenda quanto à decisão favorável ao assistido.”
Diga-se, por fim, que no caso presente, a ação foi ajuizada por candidato em face de candidatos que disputaram as eleições municipais de 2020, bem como em desfavor de agente público que, em tese, praticou conduta abusiva que beneficiou os demais investigados. Portanto, satisfeitos os requisitos do art. 22 da LC n. 64/90.
1.2.1) DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INVESTIGADO EDILBERTO GONÇALVES NOBRE
Importa registrar, por oportuno, que, apesar do argumento da defesa do investigado EDILBERTO GONÇALVES NOBRE (Secretário de Meio Ambiente do Município de São Gonçalo do Gurguéia-PI) de que não deveria figurar como parte passiva, porquanto não demonstrada sua participação ou coautoria nos atos irregulares do candidato, tal argumento não deve prosperar, já que existe a possibilidade do litisconsórcio passivo entre o candidato e o agente público que eventualmente haja contribuído para a prática do abuso de poder político.
Até as eleições de 2014, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou se no sentido de não ser imprescindível a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o responsável pela prática do abuso do poder político. Esse entendimento, a teor do que já decidido para as representações que versam sobre condutas vedadas, merece ser reformado para os pleitos seguintes. “[...] No julgamento do Recurso Especial nº 843-56, concluído em 21.6.2016, ficou consignado que o novo entendimento desse Tribunal sobre a necessidade de formação do litisconsórcio passivo, na ação de investigação judicial eleitoral fundada no art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, somente será aplicado a partir das Eleições de 2016, em face do princípio da segurança jurídica e da regra do art. 16 da Constituição da República. [...]” TSE – Respe nº 76440/MG – DJe 8-9-2016, p. 61-62)
A posição atual do TSE é a seguinte: “Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das eleições de (2016), no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados”. (TSE – Ação Cautelar: AC 72240 JAMPRUCA – MG. Relator: JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Julgamento: 21.06. (...) Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo I, 70, Data 02/09 (...) Página 73/74).
1.2.1) DA AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO NO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DE IRINEU SOARES DE SOUSA, EDOAN PEREIRA DE SOUSA E ROSELÍDIA LUSTOSA ELVAS DE SOUSA
Aduz a defesa dos investigados Paulo Lustosa e Geraldo Branco que o investigante deixou de apontar no polo passivo de sua petição inicial, o Sr. IRINEU SOARES DE SOUSA, pai do candidato a Vereador EDOAN PEREIRA DE SOUSA, posto que a coligação dos investigados teria feito um Termo de Doação Condicional a prefeitura Municipal de São Gonçalo do Gurguéia-PI para construção de um poço que supostamente atenderia apenas a casa do Sr. Zé de Isabel.
Além disso, arguiu que a Sra. ROSELÍDIA LUSTOSA ELVAS DE SOUSA, Secretária Municipal de Administração, autorizou e solicitou as contratações advindas dos processos licitatórios: Tomada de Preço nº 009/2020 (iluminação pública) e Tomada de Preço nº 010/2020 não integra o polo passivo. É cediço que o entendimento do TSE é no sentido da existência de litisconsórcio passivo necessário entre o agente público responsável pela prática e os candidatos beneficiários, sob pena de extinção do feito com base no art. 487, II, CPC (RESP – Recurso Especial Eleitoral nº 42270 - DIONÍSIO – MG, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, p. DJE – 27/06/2019).
Ademais, em consonância com o art. 114 do Código de Processo Civil: “O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. Preconiza o parágrafo único do art. 115 do CPC que: “Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo”.
De outra banda, assevera a Súmula 38 do Tribunal Superior Eleitoral: “Nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária”. Avulta registrar, por oportuno, que algumas das condutas vedadas levam ao cancelamento do registro ou diplomação e sua imediata suspensão. O procedimento a ser observado é aquele previsto no art. 22, LC 64/90, com regulamentação e complemento pelas normas do art. 44 e seguintes da Resolução 23.608/2019 – TSE.
A título de argumentação, registra-se que, para o doutrinador Francisco Dirceu Barros, o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. No entanto, no caso dos autos, no que tange especificamente às condutas das pessoas mencionadas pela defesa, esta não demonstrou a efetiva ligação entre tais pessoas e o candidato a Prefeito ou ao vice-prefeito. Com esse quadro, inviável o acolhimento da preliminar ora aduzida.
1.3 – DA TEMPESTIVIDADE
Ab initio, convém ressaltar que para o doutrinador Francisco Dirceu Barros2 deve haver um marco inicial da origem dos fatos, qual seja, devem ser analisados os fatos originados “a partir da data em que o representado se porta como se candidato fosse” (teoria da mera conduta). E, o prazo final, estende-se até a data da diplomação dos candidatos eleitos. Registre-se, ainda, que a última posição do TSE foi no sentido de que o termo inicial para ajuizamento da AIJE é o registro de candidatura. Nesse sentido, veja-se:
TSE: Recurso Ordinário nº 102-65.201.6.13.0000 – Classe 37 – Belo Horizonte – Minas Gerais. Relator: Ministro Gilmar Mendes; PJE – Representação 060000-37.2018.6.00.0000, Brasília/DF, Relator: Ministro Napoleão Nuns Mais Filho, julgamento em 15/02/2018 e publicação no Diário de Justiça Eletrônico em 16/02/2018, págs. 65/67.
De volta ao caso presente, verifica-se que o investigante tempestivamente ajuizou a presente ação, já que foi protocolada no sistema no dia 16/12/2020. Por derradeiro, convém ressaltar que alguns tribunais têm admitido, lastreados na posição da doutrina, com destaque para Francisco Dirceu Barros e Edson Resende de Castro, que defendem a possibilidade da propositura da AIJE antes do pedido do registro de candidatura, já que a Justiça Eleitoral não deve ficar como mera espectadora dos ilícitos, abrindo as portas para a impunidade, devendo desde logo ser admitida a propositura da AIJE contra pretensos candidatos, antes mesmo do pedido de registro da candidatura.
1.4 – DA COMPETÊNCIA
A competência para conhecer e julgar AIJE é de natureza absoluta, quer seja em razão da matéria, que é especializada, quer seja em razão da função – escalonamento e natureza das eleições.3 Nas eleições municipais – como é o caso sob exame –, a AIJE ajuizada é da competência do Juiz Eleitoral, consoante dispõe o art. 24 da LC n. 64/1990:
Art. 24. Nas eleições municipais, o Juiz Eleitoral será competente para conhecer e processar a representação prevista nesta lei complementar, exercendo. BARROS, Francisco Dirceu de. Manual de prática eleitoral. 5 ed. Leme, SP: JH Mizuno, 2020, p. 470. 2 BARROS, Francisco Dirceu de. Manual de prática eleitoral. 5 ed. Leme, SP: JH Mizuno, 2020, p. 475. 3 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2019. VitalBook file, p. 771.
Todas as funções atribuídas ao Corregedor- Geral ou Regional, constantes dos incisos I a XV do art. 22 desta lei complementar, cabendo ao representante do Ministério Público Eleitoral em função da Zona Eleitoral as atribuições deferidas ao Procurador-Geral e Regional Eleitoral, observadas as normas do procedimento ali previstas. No caso dos autos, a ação foi ajuizada perante o Juízo da 35ª Zona Eleitoral de Gilbués, que engloba os termos seguintes: Monte Alegre do Piauí; Santa Filomena; Barreiras do Piauí; e São Gonçalo do Gurgueia, uma vez que a disputa eleitoral se deu em São Gonçalo do Gurgueia.
2- DO MÉRITO
A ação de investigação judicial eleitoral tem origem no art. 237 do Código Eleitoral (CE). Esse dispositivo, tacitamente revogado pelo art. 22 da LC n. 64/1990, previa que o eleitor ou o partido político poderia levar ao conhecimento do Corregedor-Geral ou Regional a existência de fatos e provas do cometimento do abuso de poder econômico ou de autoridade, bem como do uso indevido de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, com vistas a abertura de uma investigação judicial.
Essa investigação tinha o caráter administrativo e visava, ao final do procedimento, subsidiar o ajuizamento de outras ações eleitorais como o recurso contra a expedição de diploma (RCED) e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Esse caráter administrativo da AIJE foi completamente modificado pela Lei n. 64/1990, cujo artigo 19, caput, é explícito em afirmar seu caráter jurisdicional:
Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo CorregedorGeral e Corregedores Regionais Eleitorais. (Grifo nosso)
Em apoio a essa ideia de jurisdicionalização da AIJE, os demais dispositivos da LC n. 64/1990 trazem a indicação dos demais elementos da ação, tais como, as hipóteses legais de ajuizamento, os legitimados ativo e passivo, o rito e as sanções aplicáveis. Segundo o TSE, a AIJE possui natureza jurídica de ação cognitiva com carga desconstitutiva e declaratória (RP n. 1176/DF, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 26.6.2007). A carga desconstitutiva é revelada pela cassação do registro ou diploma do candidato, enquanto a declaratória, pela imposição de declaração de inelegibilidade do condenado. Avulta ressaltar, por oportuno, que a AIJE tem origem no art. 14, § 9º, da CF/1988. Essa norma constitucional informa a criação de casos de inelegibilidades, a fim de proteger, entre outros bens jurídicos, a normalidade e a legitimidade das eleições da influência do abuso de poder.
A Constituição cita influência, que é mais abrangente, sendo capaz de englobar até mesmo situações lícitas. A influência significaria a simples difusão ou elemento catalisador sob o prisma do poder político ou econômico. De outra banda, o abuso se mede por um parâmetro de excesso, exagero ou extrapolação na utilização dos elementos econômicos e políticos, que certamente estão presentes em todas as disputas eleitorais. Consoante aduz o Prof. José Jairo Gomes (citado por Amaury Silva): “O que se pretende arrostar é a influência abusiva exercida por detentores de poder econômico ou político, considerando-se como tal a interferência de matiz tendencioso, realizada deliberada ou veladamente em proveito – ou em prejuízo – de determinada candidatura ou grupo político” (Direito Eleitoral. 4. Ed., Editora Del Rey, p. 41).
Destaque-se ainda que a mensagem da norma é firme no sentido de alijar das eleições aqueles que tenham praticado condutas de abuso de poder tendentes a violar a livre manifestação do eleitor. Da leitura do art. 19, parágrafo único, da LC n. 64/90, nota-se que um dos meios escolhidos pelo legislador infraconstitucional para fazer cumprir essa determinação do constituinte originário foi a possibilidade de ajuizamento da AIJE.
Acrescente-se que a AIJE tutela bens coletivos, e não individuais. Assim, a legitimidade atribuída ao candidato para ajuizá-la, embora possa indiretamente lhe beneficiar pelo eventual afastamento de seu adversário político da disputa, não visa a defesa de um bem individual ou a obtenção de um proveito pessoal imediato, mas sim a proteção da lisura e da legitimidade do pleito.
Nesse sentido, não se exige que o autor da ação dispute a mesma eleição do réu. Outrossim, importa destacar que o abuso do poder econômico tem contornos definidos na jurisprudência do TSE: Conforme jurisprudência deste Tribunal, o abuso do poder econômico “configura-se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou de fonte privada, vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e isentas”. (AgR-RO 8044–83, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 5.4.2018)
De mais a mais, sobreleva notar que o que justifica a procedência de uma AIJE é a presença cumulativa da: a) Existência da conduta abusiva de poder; b) Comprovação da gravidade do ato; e c) Existência de benefício eleitoral para candidato.
É sabido que inexiste vedação legal para realização de obras públicas no período eleitoral e, no caso, o candidato ocupava o cargo de Prefeito, concorrendo à reeleição, justificando, assim, a feitura das obras em virtude do exercício do cargo.
Ademais, é cediço que o simples fato de as obras terem se iniciado no ano eleitoral – sem que haja a mínima correlação com o pleito – não é motivo suficiente para comprovar a ocorrência de ilicitude e caracterizar abuso de poder, sob pena de impor aos munícipes o ônus de suportar, nesse período, uma administração pública omissa na realização de obras importantes para a conservação e a melhoria do município.
Ocorre que, pelo que se verificou a realização das citadas obras promovidas pelos investigados, ocorreu com conotação eleitoral, já que apesar de não ter restado comprovado pedido de votos, publicidade institucional, oferecimento de dádivas, presença dos investigados nos canteiros de obras, inaugurações, etc., verifica-se publicidade eleitoral, conforme se denota da postagem foi feita pelo Sr. Francys Viana Ribeiro, membro do grupo de WhatsApp “Povo do Songa”, funcionário da prefeitura de São Gonçalo do Gurguéia, nomeado em 10 de setembro de 2020, com publicação no DOM (anexo), no dia 14 de setembro de 2020, para compor o Comitê de Acompanhamento da Implementação da Lei Aldir Blanc no Município de São Gonçalo do Gurgueia.
Consta dos autos que há fortes indícios de fraude a processo licitatório, in casu, a tomada de preço 09/2020, cuja data de abertura passou do dia 15 de julho de 2020 para o dia 29 de julho de 2020, não se verificando a republicação no site do Tribunal ou em jornal de grande circulação acerca do aviso de relançamento de licitação. Além disso, tem-se que a adjudicação, a homologação e o extrato do contrato do supracitado procedimento licitatório foram publicados no dia 09 de setembro de 2020, porém, desde o dia 26 de agosto de 2020, já havia na cidade indícios de que a obra havia iniciado antes do efetivo cumprimento das formalidades legais.
Pertinente anotar que, após o fim da eleição, a obra foi paralisada e decorrido mais de um mês do fim da eleição a obra encontrava-se paralisada, o que demonstra o seu caráter eleitoreiro, que tinha por única finalidade repercutir durante o processo eleitoral, o que foi, inclusive, corroborado pela prova testemunhal. Em juízo, a testemunha Luciano Ribeiro da Silva informou, quando perquirido pelo causídico da defesa, que foram realizados dois procedimentos, as tomadas de preço 009 e 011 de 2020, tendo a 009 sido realizada a licitação em julho e a 011 em meados de setembro.
Questionado sobre o início das obras, informou que a 009 teria ocorrido em 30 de julho. Interrogado sobre possíveis licitações em 2019 para a aquisição de tratores, informou que havia a licitação em 2019, no entanto, o trator só chegou, em maio de 2020, e a grade do trator, em dezembro de 2020. Perguntado se esse trator teria sido utilizado em algum programa do governo em 2020 respondeu que não, pois a grade teria chegado apenas em dezembro de 2020, e a falta desse equipamento impediria a utilização do veículo.
Indagado pelo advogado da parte autora quantas licitações com objetivo de prestar serviços de iluminação ocorreram no período em que o depoente trabalha no setor de licitações e contratos, respondeu que apenas duas, e que, no tocante, a possível cadastro do caminhão em sistema da Prefeitura, respondeu que não se recordava. Questionado pelo Parquet sobre o que era essa “grade” do trator, informou que era um complemento do trator.
Que não sabia como funcionava, mas que obstava a sua utilização, e que se lembrava de que a grade chegou em dezembro. Perguntado diretamente, se sem a grade o trator não poderia ser manuseado, respondeu que pelo que sabia não poderia ser manuseado. Ao ser interpelado acerca das tomadas de preço 009/2020 e 011/2020, mais especificamente, sobre as datas de abertura, respondeu que a 009 foi em junho tendo o contrato sido assinado em julho, e a 011 em setembro.
Perquirido se sabia quem era o fiscal de contratos dos procedimentos licitatórios e sobre quais as áreas que ensejaram o procedimento 011, aditivo da 009, respondeu que não sabia informar. Por sua vez, a testemunha Roselídia Lustosa de Sousa Marques, afirmou, em juízo, que houve diversas obras de construção de poços fora do período eleitoral. Informou que conhecia a Sra. Lindacir que era diretora da UBS.
Perguntada sobre a licitação para aquisição de um trator, informou que houve a licitação em 2019. Informou que a prefeitura recebeu doação de terrenos para a abertura de poços, no entanto, não doou nenhum. Sobre a aquisição do trator, respondeu que foi feita uma solicitação ao Ministério da Agricultura e após análise da Caixa Econômica Federal, o recurso foi disponibilizado. Indagada sobre quando ocorreu a assinatura do contrato do trator, respondeu que ocorreu em 2019, no ano da licitação. Perquirida sobre a entrega, respondeu que se deu em maio de 2020.
Por fim, respondeu que em 2020 a Prefeitura abriu um cadastro para que a população recebesse auxílio do trator. Já a testemunha Widnes Geraldo Passos Pereira, afirmou, em juízo, que é o responsável pela empresa vencedora de licitação referente a obras de pavimentação asfáltica em São Gonçalo do Gurguéia no ano de 2020. Informou que houve paralisações em 2020 por conta das chuvas/pandemia/desabastecimento, no entanto, a obra foi entregue em 29 de julho e realizada conforme o projeto. Indagado sobre a ordem de serviço, respondeu que foi assinada no segundo semestre de 2020, o prazo era 180 dias, mas atrasou.
Disse, ao final, que as chuvas inviabilizaram as obras, e estas ficaram paralisadas até março de 2021. A testemunha Willian de Lima Moreira, auxiliar administrativo na Prefeitura, em juízo, quando perguntado se sabia informar se em 2019 houve licitação para compra de trator, respondeu negativamente. Disse ainda que não se sabia informar se em 2020 o trator teria sido utilizado em algum programa do governo ou beneficiando algum cidadão, pois a grade aradora chegou apenas em dezembro de 2020. Que quando começou a trabalhar na prefeitura, o trator e grade aradora já estavam no município, pois só começou a trabalhar em 2021.
Relatou, ainda, que o cadastro de cidadãos foi feito para fazer o levantamento afim de se saber quantas pessoas precisariam do trator. Perguntado se existia algum programa com essa finalidade, respondeu que não. Afirmou que o trator se encontrava em serviços de aragem de terra e que havia um cadastro que iniciou em agosto de 2021 para que a população pudesse usufruir dos serviços do trator, começando os trabalhos em meados de outubro.
Que o trator chegou em dezembro de 2020 até a grade aradora chegar, o trator ficou na garagem da Prefeitura. Disse, por fim, que sem a grade o trator não funciona. Em juízo, Jasmine Pereira de Sena disse que, em 2019, não estava na pasta, mas que o trator chegou em 2020 e não foi utilizado no referido ano, pois não tinha grade. Sobre o cadastro, informou que recebia os interessados, com seus documentos, e informava a quantidade horas disponibilizadas, quando possível fazer a aragem. Informou que não existe nenhum programa com este intuito.
Questionada se a prefeitura publicou algum edital para o cadastro de famílias, respondeu que não, no entanto, o levantamento foi amplamente divulgado. Informou que os cadastros se deram em setembro de 2020. Ouvida em juízo, a testemunha Sílvio Enrique Barreira de Macedo, em juízo, informou que mora no bairro Sol Nascente em São Gonçalo do Gurguéia, e sua residência foi atendida por um projeto de iluminação pública. Informou que houve um abaixo-assinado para que houvesse providências pelo poder público. Igualmente, Carleuzanjo Alves do Nascimento, em juízo, disse que é morador do bairro Sol Nascente e que sua residência foi beneficiada pelo projeto de iluminação pública, e a população do bairro, teria confeccionado um abaixo na época do gestor anterior.
Indagado pelo parquet sobre a época da petição reafirmou que datava de 2016, na época do gestor anterior. Vê-se, pois, que existe nos autos prova incontroversa sobre a pretensa distribuição de bens ou serviços, visto que, em setembro de 2020, em pleno período eleitoral a Prefeitura deu início ao cadastramento de trabalhadores rurais para que adquirissem o benefício de hora/trator agrícola, com serviço de aração de terra, mesmo o trator sequer estar no ponto de executar o serviço por falta da grade aradora.
Além documentação administrativa referente à realização de obra de iluminação pública e pavimentação asfáltica. Dessa forma, a condutas realizadas pelos candidatos se amoldam às condutas descritas no artigo 73 da Lei nº 9.504 /97. Logo, não resta outra opção a não ser concluir pela ocorrência de conduta vedada e abuso de poder político. Saliente-se, por oportuno, que o referido trator foi adquirido por meio de um convênio do município com Ministério da Agricultura teve o custo de R$ 136.986,30, com contrapartida de R$ 6.013,70 do município de São Gonçalo do Gurguéia-PI, segundo demonstrado nos autos.
Outrossim, pelo que consta das provas amealhadas, a contratação de empresa para prestação de serviços de pavimentação asfáltica em diversas ruas do Município de São Gonçalo do Gurguéia-PI teve como único desiderato causar repercussão durante o pleito eleitoral como mecanismo para empatia em favor dos investigados. Tanto é assim que, no dia 05 de novembro de 2020, próximo à data das eleições municipais, o investigado autorizou a pavimentação com pré-mistura usinada a frio em diversas ruas do município de São Gonçalo do Gurgueia-PI, ocasião em que fora passado apenas uma camada de óleo em algumas ruas do município, de forma desordenada e sem obedecer ao projeto básico.
Assim, no curso do processo eleitoral em discussão, praticaram de modo ostensivo e indisfarçável um abuso de poder político, suprimindo a estabilidade das relações democráticas e com atos potencialmente lesivos que pode ter impactado o resultado do pleito uma vez que um dos investigados logrou êxito em reeleger-se. Não se pode olvidar que desde os três meses anteriores ao pleito até a posse dos eleitos, na sua circunscrição eleitoral, não pode ocorrer, sob pena de nulidade do ato, qualquer proclamação administrativa referente ao pessoal que envolver nomeação, contratação, admissão, demissão (sem justa causa), supressão, readaptação de vantagens ou outras medidas para embaraçar, dificultar ou impedir o exercício funcional, bem como a remoção de ofício, transferência ou exoneração do servidor público – art. 73, V, da Lei 9.504/97.
Compreende-se, desse modo, que os atos são proscritos, na circunscrição do respectivo pleito, a partir dos três meses antes de sua realização até a data da posse dos candidatos eleitos. Nesse viés, cabe registrar, que a Resolução TSE n° 23.624/2020 promoveu ajustes normativos nas resoluções aplicáveis às eleições municipais de 2020, em cumprimento ao estabelecido pela Emenda Constitucional (EC) nº 107, de 2 de julho de 2020, promulgada em razão do cenário excepcional decorrente da pandemia da Covid-19, vejamos: Art. 1º As eleições municipais previstas para outubro de 2020 realizar-se-ão no dia 15 de novembro, em primeiro turno, e no dia 29 de novembro de 2020, em segundo turno, onde houver, observado o disposto no § 4º deste artigo. (EC 107/2020)
Lado outro, consta dos autos, que, no dia 16 de setembro de 2020, o investigado em mera represália política exonerou a Sra. Lindaci Maria Cipriano do cargo de Diretora da Unidade Básica de Saúde do Município de São Gonçalo do Gurguéia, em razão de o vice prefeito, à época, não apoiar a candidatura do investigado que disputava a reeleição. Acrescente-se que a vedação em exame significa a tutela do serviço público, com foco na pessoa do servidor, evitando-se que haja sua manipulação, ameaça ou constrangimento em decorrência de interesse eleitoral, não condizente com a probidade e impessoalidade que devem permear o vínculo administrativista.
Sobreleva notar que o destinatário das proibições é todo aquele que mantiver com a Administração Pública direta, indireta ou fundacional a qualidade de ator público, conforme consagrado no art. 73, § 1º, da Lei 9.504/97: § 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional. Logo, a destinatária do ato normativo emanado pelo investigado é servidora pública devido ao conceito amplo de servidor ou agente público.
Registre-se ainda, Excelência, por ser relevante, que segundo consta dos autos, a Prefeitura de São Gonçalo do Gurguéia tem um convênio com a FUNASA, desde o ano de 2013, o qual prevê a construção vários poços tubulares que deve obedecer a uma série de requisitos, e.g., uma rede de distribuição para beneficiar a população local de forma indiscriminada, mas, durante o pleito eleitoral se verificou que em diversas localidades o investigado (atual gestor), após quase 4 anos, fez várias ligações clandestinas nestes poços, durante o período eleitoral, para beneficiar famílias determinadas, com ligações diretas, visando em contrapartida aproveitamento político-eleitoral.
Presente mais outro fato que corrobora a desigualdade da disputa por abuso do poder político e econômico. Sabe-se que abuso de poder não pode estar baseado em ilações, sendo, imprescindível, prova robusta de sua configuração e a comprovação da gravidade das circunstâncias do caso concreto que caracterizam a prática abusiva, de forma a macular a lisura do pleito, nos termos do disposto no art. 22 , XVI , da Lei Complementar nº 64 /90, justamente o que se constata no caso dos autos, uma vez que as provas carreadas demonstram que é patente que tenha havido o uso da máquina pública com fins eleitorais.
Cumpre assinalar, neste ponto, que para não serem desacobertados os interesses legítimos da Administração Pública, que não cessa suas atividades e funções durante o período eleitoral, obviamente que deveria existir, como de fato existe, um cenário de exceções para resolverem pendências inadiáveis ou mesmo formatar de modo equilibrado a necessidade de restrição com a própria atuação administrativa.
Todavia, não é isso que se verificou da situação em análise, pois inviável se cogitar que o episódio em questão não tenha potencialidade lesiva para desequilibrar o pleito, pois foi alçado como um ingrediente da campanha eleitoral com o intento de extrair proveito político dos anseios da população.
Vê-se, pois, que ao assim agir resta demonstrado que o investigado perpetrou conduta grave em que se evidencia que a máquina pública deixou de atender ao interesse público para servir ao seu interesse eleitoral, caracterizando abuso de poder econômico. O festejado mestre Fávila Ribeiro (apud Francisco Dirceu Barros) já alertava: “A interferência do poder econômico traz sempre por resultado a venalização no processo eleitoral, em maior ou menor escala... À proporção que a riqueza invade a disputa eleitoral, cada vez se torna mais avassaladora a influência do dinheiro, espantando os líderes políticos genuínos, que também vão cedendo, em menor escala, a comprometimentos econômicos que não conseguem de todo escapar, sendo compelidos a se conspurcarem com métodos corruptores”. BARROS, Francisco Dirceu de., op. cit, p. 445.
A título de informação, a doutrina abalizada de Amaury Silva , em sua obra “Ações Eleitorais: Teoria e Prática”, faz o seguinte apontamento: “Assim, não incidem as vedações nos seguintes casos: a) proibição é relativa para, a pedido do funcionário, remoção, transferência ou exoneração; b) a proibição atinge somente a circunscrição eleitoral; c) nomeação e exoneração para cargos em comissão; d) designação ou dispensa em funções de confiança (função gratificada); e) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público dos Tribunais de Contas e dos órgãos da Presidência da República; f) a nomeação dos aprovados em concurso público, desde que o resultado tenha sido homologado três meses antes da data da eleição; g) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe Executivo (a essencialidade pode ser contestada, ou a inadiabilidade da nomeação ou contratação; autorizada pelo Chefe do Executivo, este também será responsável pelo ato, se vier a ser desfeito pela Justiça Eleitoral, porque desbordante na realidade de autorização concedida pela lei; h) a transferência ou a remoção de militares (aí compreendidos os policiais militares), de policiais civis e de agentes carcerários; i) demissão por justa causa.
A remoção voluntária não se encontra abrangida no leque das proibições.” Cumpre relembrar, ainda, por necessário, que as condutas vedadas atreladas ao período eleitoral sensível de maior exposição da prática de utilização da máquina administrativa em favor de candidatos e partidos significam a acentuação na quebra do equilíbrio entre as oportunidades dos disputantes, e podem ser catalogadas como uma modalidade de abuso, seja de poder político ou econômico.
Consigne-se, inclusive, que essas anomalias abusivas podem ser identificadas mesmo fora do trimestre anterior ao pleito. A propósito do tema, veja-se o seguinte julgado: “Mesmo que as contratações tenham ocorrido antes do prazo de três meses que antecede o pleito, a que se refere o art. 73, V, da Lei das Eleições, tal alegação não exclui a possibilidade de exame da ilicitude para fins de configuração do abuso do poder político, especialmente porque se registrou que não havia prova de que as contratações ocorreram por motivo relevante ou urgente, conforme consignado no acórdão recorrido” (REspe nº 1522-10/MG, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 4.12.2015).
Na situação dos autos, a documentação carreada foi suficiente para demonstrar o abuso do poder político praticado pelo representado já que este se utilizou da máquina pública administrativa municipal a seu favor, utilizando-se para fins eleitorais, driblando-se a real necessidade da Administração Pública para se fincar uma vantagem indevida de simpatia do eleitorado, violando o livre exercício do direito de sufrágio.
Nesse ponto, vale ressaltar que o ato abusivo, segundo a literalidade da lei, pode ser configurado independentemente de a potencialidade resultar na alteração das eleições, bastando a gravidade das circunstâncias – art. 22, XVI, LC 64/90 (redação dada pela Lei da Ficha Limpa – LC 135/2010). É cediço que o vértice principal do abuso de poder econômico ou político é aquele centrado na alínea “d”, art. 1º, I, LC 64/90, em regulamentação ao disposto no art. 14, § 9º, da Constituição Federal. SILVA, Amaury, op. cit, p. 184.
Consoante aduz o Prof. José Jairo Gomes (apud Amaury Silva ): O que se pretende arrostar é a influência abusiva exercida por detentores de poder econômico ou político, considerando-se como tal a interferência de matiz tendencioso, realizada deliberada ou veladamente em proveito – ou em prejuízo – de determinada candidatura ou grupo político (Direito Eleitoral. 4. Ed., Editora Del Rey, p. 41). Ao discorrer sobre a matéria, Pedro Henrique Távora Niess (apud Amaury Silva.) busca justamente identificar o ponto desafiador da ilicitude que irá traduzir as condutas como abusivas: Nada há de errado com o poder, desde que não interfira na liberdade, respeitando o direito.
Abusar do poder é ir além do permitido. E qual é a fronteira lícita, no campo do Direito Eleitoral, do uso do poder? O objeto da tutela jurídica, no tema dissertado, é a liberdade de votar. As primeiras regras a respeito estão no art. 14, da CF. (...) Não condena a Constituição a influência do poder econômico no pleito eleitoral. O exercício do poder é lícito, tanto que é regulado. É a má influência, a excessiva intervenção do poder econômico que deve ser coibida: recusa-se a sua influência na normalidade e legitimidade das eleições. (In: Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Edipro, 1996, p. 24).
Ante o exposto, em harmonia com o Ministério Público Eleitoral, JULGO PROCEDENTES os pedidos veiculados nesta Ação de Investigação Judicial Eleitoral, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, pelos fundamentos apresentados, para:
1) Declarar a prática de ABUSO DE PODER POLITICO E ECONOMICO, nos termos do art. 14, § 9°, da Constituição Federal de 1988 e art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar 64/90;
2) Determinar a CASSAÇÃO DO DIPLOMA do Prefeito PAULO LUSTOSA NOGUEIRA e do vice prefeito GERALDO BRANCO DE SOUZA NETO, cominando-lhes a sanção de INELEGIBILIDADE para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou (eleições 2020), consoante art. 1º, I, “d”, c/c o art. 22, caput e inciso XIV, ambos da Lei Complementar nº 64/1990, c/c art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988;
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Expedientes necessários.
Havendo Recursos, remetam-se os autos ao E. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí para o regular processamento dos recursos interpostos pelas partes.
Cumpra-se.
Gilbués (PI), datado e assinado eletronicamente.
ANTONIO OLIVIERA
Juiz da 35ª Zona Eleitoral/PI