Brasão da República

JUSTIÇA ELEITORAL
 211ª ZONA ELEITORAL DE PATROCÍNIO MG
 

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600841-25.2020.6.13.0211 / 211ª ZONA ELEITORAL DE PATROCÍNIO MG

REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO TRABALHO COM JUSTIÇA E HONESTIDADE

REPRESENTANTE: DEMOCRATAS - DEM, PARTIDO VERDE - PV

Advogado do(a) REPRESENTANTE: LINDOMAR SILVA JUNIOR - MG181610
Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARIA FLÁVIA ALMEIDA GUIMARÃES - MG177.180

INVESTIGADO: AGNALDO FERREIRA DA SILVA, ROMILDO SILVESTRE DA SILVA

Advogados do(a) INVESTIGADO: DENISE HELENA RUTKOWSKI DIAS - MG191728, RENATO COSTA DIAS - MG42611
Advogados do(a) INVESTIGADO: DENISE HELENA RUTKOWSKI DIAS - MG191728, RENATO COSTA DIAS - MG42611

 

 

 

- no dia 12 de novembro de 2020, três dias antes das Eleições Municipaisocorreu uma reunião nas dependências da Prefeitura Municipal de Cruzeiro da Fortaleza/MG da qual participaram Agnaldo Ferreira da Silva, Prefeito e à época candidato à reeleição, Cássio Hebert Caixeta, Secretário Municipal de Administração e os servidores públicos municipais Anderson Rodrigo Zonta, Grasiela Do Rosário Santos Alexandre e Valderi Salvino;
- estão comprovados nos autos não só a compra de votos, como também o abuso do poder econômico e político. Os funcionários presentes à referida reunião são garis, percebem salários de baixo valor, porém, dependem de tais proventos para o sustento próprio e de suas famílias;
 
- caracteriza o abuso de poder econômico a transmutação do voto em instrumento de comércio. Ou seja, é a compra, direta ou indireta, da liberdade de escolha dos eleitores, violando-se, desta forma, a normalidade e a legitimidade do processo eleitoral. O abuso de poder econômico, que se consubstancia no uso ilegítimo do poderio do capital em prol de candidatura própria ou de terceiros, é conduta grave que atinge a normalidade e a legitimidade do processo eleitoral;
 
- analisando-se os autos, constata-se que os Representados realizaram, em suas campanhas eleitorais, ameaça de perda de emprego, promessa de vantagem pessoal por meio do oferecimento de renovação de contratos, além da compra de votos;
 
- a legislação é cristalina em prever no art. 41-A, §1º, da Lei 9.504/97 a desnecessidade do pedido explícito de votos para a configuração do ilícito. No caso em tela, a captação ilícita de sufrágio se dá de forma clara e evidente, sem, inclusive, a necessidade de presunção, pois ocorreu de forma objetiva a promessa e a entrega de quantia em dinheiro;
 
No final de sua petição inicial, os Representantes requerem sejam os Representados condenados pela prática de abuso de poder econômico, político e captação ilícita de sufrágio às penas de multa, inelegibilidade e perda dos diplomas auferidos nos Pleitos Eleitorais de 2020.
 
Em sua contestação os Representados contra-argumentam nos seguintes termos:
 
- a partir do julgamento proferido no Recurso Extraordinário nº 58.3937-1 (Rio de Janeiro, publicada em 18 de dezembro de 2009) fixou o Supremo Tribunal Federal o entendimento, com repercussão geral, de que a prova produzida por meio de gravação colhida de forma unilateral por um dos participantes da conversa sem conhecimento do interlocutor seria lícita quando utilizada na sua defesa em processo crime. Não sendo o caso dos autos, esta prova não pode ser levada em consideração;
 
- a gravação realizada consistiu em uma cilada orquestrada por opositor político dos Representados, o que configura flagrante preparado e crime impossível. Basta ver que o Sr. Anderson Rodrigo Zonta ao mesmo tempo em que procedeu à gravação transcrita nos autos foi também o declarante no Boletim de Ocorrência (Doc. nº 57073289), lavrado dias após a reunião, oportunidade na qual revelou que tudo não passou de uma cilada, apontando, ainda, seus mentores e também os motivos do ato. Nessa ocasião afirmou que foi por vontade própria que recebeu a “gratificação” de cem reais já que passava por dificuldades. Disse que é “genro” de um  opositor político dos Representados, o Sr. Gaspar Moreira da Silva. e que morava junto com sua convivente na casa de Gaspar. Asseverou que se sentiu coagido por Gaspar a gravar clandestinamente a reunião;
 
- na gravação clandestina, trazida aos autos, não consta nenhuma ameaça de que Anderson Zonta perderia o emprego caso não votasse nos Representados;
 
- inexiste potencialidade lesiva no fato narrado no sentido de ser capaz de macular a isonomia e a legitimidade das eleições;
 
- a gravação apresentada, fundamento único da ação, é ilícita por ser clandestina, somente permitida para fins defensivos, não pode prestar-se a motivar o Estado a punir um desafeto, pessoal ou político daquele que promoveu o registro do áudio;
 
- há contradição entre o que foi narrado na petição inicial e o que consta na declaração prestada perante a Polícia Civil pelo Sr. Anderson Rodrigo Zonta;
 
- considerados os elementos subjetivos e psicológicos que antecederam a gravação ilícita, os interesses de quem a motivou, a absoluta falta de gravidade e relevância do que realmente aconteceu no que diz respeito à lisura do pleito eleitoral, impõe-se a improcedência da ação.
 
No final de sua contestação os Representados pedem que seja julgada improcedente a presente AIJE.
 
Em sua impugnação à contestação, os Representantes fazem as seguintes considerações:
 
- a gravação ambiental é prova lícita, seja em ambiente público ou privado, quando produzida unilateralmente por um dos interlocutores e independentemente de autorização judicial;
 
- a conversa registrada prova que ninguém influenciou o Prefeito Municipal de Cruzeiro da Fortaleza para que ofertasse as promessas de continuidade de emprego e entregasse quantia em dinheiro para quem quer que fosse. Tudo fluiu naturalmente. O Prefeito tomou as rédeas da conversa sem qualquer interferência, de modo que não há que se falar em flagrante preparado. O funcionário responsável pela gravação não poderia saber com antecedência, exatamente, qual seria o teor da conversa, vez que fora convidado tão somente a comparecer no gabinete do Prefeito;
 
- no que diz respeito ao documento trazido aos autos pelos Representados e que parecem indicar que o funcionário Anderson decidiu comparecer de livre e espontânea vontade à delegacia de polícia para revelar que tudo não passara de uma armação não retrata a realidade. Na verdade, assim que os apoiadores dos Representados tomaram ciência da gravação, passaram a ameaçar o Sr. Anderson Rodrigo Zonta, dizendo-lhe que poderia perder o emprego caso não retirasse o REDS, haja vista que os Representados ganharam as eleições e tinham o domínio das contratações;
 
- o Prefeito de Cruzeiro da Fortaleza efetivamente entregou quantia em dinheiro e também ofereceu emprego público aos funcionários terceirizados, por mais quatro anos, com a finalidade de obter-lhes os votos;
 
- restou perfeitamente configurado o abuso de poder econômico e político, nos termos da lei, bem como a captação ilícita de sufrágio. 
 
No final de sua impugnação à contestação, os Representantes renovam os pedidos condenatórios da peça exordial.

Os Representantes, em suas alegações finais, se manifestam nos seguintes termos:

- no dia 12 de novembro de 2020, na quinta-feira que antecedeu as Eleições Municipais de 15 de novembro de 2020, o então Prefeito e candidato à reeleição Agnaldo Ferreira da Silva pediu que o Sr. Bruno Thiago Machado (Secretário de Urbanismo) convocasse Anderson Rodrigo Zonta e outros funcionários responsáveis pela limpeza e coleta de lixo do Município de Cruzeiro da Fortaleza/MG para uma reunião em seu gabinete na Prefeitura Municipal;

- o senhor Anderson, após conversar com seu sogro, resolveu gravar a referida reunião como medida de precaução;

- nessa reunião, o Sr. Agnaldo Ferreira da Silva (Ata Notarial de ID nº 57073287 e áudio de ID 57073286) pediu votos aos presentes de forma explícita e, ainda, utilizou de seu poder político e econômico para oferecer nova contratação para os referidos funcionários, mediante a renovação de seus contratos. Além disso, ofertou quantia em dinheiro e os ameaçou rescindir seus contratos de trabalho já na segunda-feira após as eleições, caso não se reelegesse. Finda a reunião, Anderson Rodrigo Zonta narrou todo o ocorrido para o Sr Gaspar, seu sogro, com o intuito de ser orientado sobre como proceder diante da gravidade dos fatos;

- no dia anterior às eleições, 14 de novembro de 2020, considerando a gravidade dos fatos, Anderson levou a gravação e a quantia em dinheiro recebida para a Polícia Civil da comarca da Patrocínio, e lavrou o REDS 2020-054967360-001, ID nº 57073289;

- no dia 17 de novembro de 2020, após as eleições e já com os Representados reeleitos, o Sr. Anderson Zonta sentiu-se coagido a comparecer  na delegacia da polícia civil de Patrocínio/MG, sob a ameaça de que se não se retratasse das acusações anteriormente feitas contra o Prefeito de Cruzeiro da Fortaleza, poderia ser preso, processado e posteriormente condenado ao pagamento de indenização de alta monta;

- a gravação clandestina carreada aos autos é prova lícita, conforme pacificado pelo TSE em consonância com o Recurso Extraordinário nº 583.937. Tal julgamento confirmou ser lícita a gravação ambiental, seja em ambiente público seja em ambiente privado, efetivada de maneira unilateral por um dos participantes sem o conhecimento dos demais interlocutores e independentemente de autorização judicial;

- os argumentos trazidos pelos Representados acerca de uma possível ilegalidade da gravação e suposto flagrante preparado não são aptos a combater a prova obtida. Também os documentos trazidos pelos Representados (segundo REDS) não afastam a legalidade da prova colhida, apenas confirmam o abuso de poder político e econômico exercido por meio da constante pressão e ameaça sobre os envolvidos, conforme entendimento do TSE no Recurso Especial Eleitoral nº 40898, publicado em 2019; 

- a conduta imputada ao Sr. Agnaldo Ferreira da Silva se adequa perfeitamente ao descrito no art. 41-A da Lei 9504/97, vez que prometeu – com todas as letras – a continuidade do emprego de funcionários  municipais sob a condição de que nele votassem. E ainda que o pedido de voto não fosse explícito, como de fato foi, o parágrafo primeiro artigo 41-A, da Lei 9.504/97 é categórico ao dizer que é desnecessária que o pedido de voto seja  explícito, bastando tão somente a intenção (dolo)

- como se não bastasse, restou amplamente comprovada a entrega da quantia de R$100,00 (cem reais) ao Sr. Anderson e ao Sr. Valderi naquela oportunidade, conforme demonstrado em oitiva testemunhal;

- o abuso de poder econômico restou caracterizado com a entrega efetiva de dinheiro para que os servidores votassem no Prefeito. Tais quantias foram dadas a mais funcionários, como restou comprovado, não sendo possível  precisar o quanto efetivamente os Representados gastaram com a compra de votos. Caracteriza, ainda mais, o abuso de poder econômico o fato de que por mais que as quantias entregues fossem uma ajuda de custo para pessoas carentes, conforme depoimentos, essa ajuda somente se fazia perto das comemorações de final de ano (natal, ano novo). Estranha-se o fato de que justamente no ano da eleição, o Prefeito tenha resolvido dar dinheiro aos funcionários na semana antecedente ao pleito, ficando nítida a compra dos votos;

- O abuso de poder econômico e político pode ser observado também por conta da promessa de emprego por mais 04 (quatro) anos, uma vez num município tão pequeno, onde grande parte da renda dos cidadãos advém de empregos públicos patrocinados pela Prefeitura, ver garantido, por mais quatro anos, o recebimento de salário de qualquer monta proporciona segurança aos funcionários. Tal promessa foi feita por aquele que exerce controle sobre a administração pública municipal, ou seja, o Prefeito. 

No final de suas alegações finais os Representantes pedem, uma vez mais, a condenação dos Representados nos termos da exordial.

Em suas alegações finais os Representados complementam suas teses defensivas com os seguintes argumentos:

-  o depoente Anderson era genro do informante Gaspar, aliado político do candidato derrotado de nome Fernando. Gaspar instruiu Anderson a fingir interesse na  reunião que foi gravada. Anderson incutiu nos envolvidos a preocupação de que teriam seus contratos de trabalho com o Município de Cruzeiro da Fortaleza/MG possivelmente encerrados e sem prorrogação. Anderson foi o testa-de-ferro de Gaspar.

- após seu depoimento à Polícia Civil, Anderson arrependeu-se. Prestou novo depoimento à autoridade policial. Confessou a coação moral e o ilícito. Em audiência, novamente voltou atrás em seu depoimento anterior;

- a depoente Grasiela esclareceu, em audiência, que Anderson é um conhecido mentiroso;

- a testemunha Valderi confirma ter conhecimento da pressão de Gaspar sobre Anderson em seu depoimento;

- a testemunha Grasiela – esposa da testemunha Valderi – assevera que Anderson foi à sua casa para convocar seu marido para a tal reunião na Prefeitura (depoimento de Graziela, 42:38; e confirma o fato aos 43:04 minutos) e que nessa conversa Anderson pediu para que “ajudassem” o Fernando para não perderem o serviço;

- em seu depoimento Anderson confirmou que foi o sogro quem o instruiu a gravar a referida reunião. Questionado em audiência acerca do motivo pelo qual  tinha medo de ser mandado embora, uma vez que seu contrato de trabalho iria vencer apenas em dezembro, respondeu que tinha medo de ser mandado embora de uma hora para a outra já que tinha filho;

- também Gaspar, sogro de Anderson, confirmou no curso da audiência de instrução que determinou ao genro que efetuasse a gravação da reunião;

No final de suas alegações finais, os Representados pedem seja julgada improcedente a presente representação.

 

O Ministério Público Eleitoral, em seu Parecer, fez as seguintes considerações:

a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores é meio de prova válido, especialmente quando destinada a comprovar fato ilícito do qual o eleitor é vítima, a exemplo da situação apurada nestes autos;

- tendo em vista o contexto no qual foi gravado o diálogo e levando-se em consideração, ainda, os depoimentos prestados pelas testemunhas, é possível perceber que não houve induzimento ou influência do eleitor ou dos adversários dos Representados no comportamento ilícito do Prefeito Municipal. Basta ver que a intimidação tinha por finalidade alcançar todos os servidores contratados;

- é possível constatar a existência de fatos gravíssimos, ocorridos poucos dias antes dos pleitos eleitorais e capazes de caracterizar abuso de poder político e captação ilícita de sufrágio. Situações dessa espécie são relevantes quando se trata de municípios pequenos, a exemplo de Cruzeiro da Fortaleza-MG, nos quais os servidores contratados pelo Município constituem parcela significativa do eleitorado. In casu, duas questões chamam a atenção: i) a ameaça de rescisão contratual imediata dos servidores, em caso de rejeição do candidato nas urnas, mesmo em se tratando de contrato administrativo com prazo certo; e ii) oferta em dinheiro a servidores, a poucos dias das eleições, em período diferente dos anos anteriores. Importante destacar que a prova testemunhal ainda revelou a existência de uma lista com nomes de outros servidores contratados e quantia em dinheiro, denotando a reiteração da conduta ilícita, isso tudo dentro do ambiente administrativo municipal;

- a prova colhida expôs o uso político e econômico da “máquina administrativa” em prol da campanha eleitoral dos Representados, fatos cuja gravidade e repercussão, indubitavelmente, foram capazes de comprometer  a lisura das Eleições Municipais;

- para a caracterização do abuso de poder, a doutrina tem destacado a necessidade de se demonstrar a relação de causalidade entre os fatos imputados e o desequilíbrio dos pleitos. O Prof. José Jairo Gomes, em seu livro Direito Eleitoral, ao tratar da causa de pedir na ação de investigação judicial, destaca que “é preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral.” (2ª ed., março/2008, Del Rey, pág. 358);

- a prova colhida sob o crivo do contraditório comprovou o desvio de finalidade e o abuso de poder de autoridade na reunião ocorrida dentro da Prefeitura Municipal, já que o chefe do Poder Executivo incutiu grande temor nos servidores contratados por meio da ameaça de rescisão contratual imediata. Tudo isso “na véspera” das Eleições Municipais, com o claro propósito de angariar votos, causando imenso prejuízo ao rito democrático;

- também restou configurada a captação ilícita de sufrágio, na medida em que, efetivamente, houve oferta em dinheiro a eleitores, com pedido implícito de voto, conforme restou demonstrado pela prova colhida em audiência de instrução;

No final de sua manifestação, opina o Ministério Público pela procedência da ação nos termos em que foi proposta pelos Representantes.

É o relatório. Fundamento e decido.

II - Fundamentação

1 - Dos Fatos Incontroversos

Aos Representados incumbe manifestar-se de forma precisa sobre todas as alegações de fato contidas na petição inicial, presumindo-se verdadeiras as que não tenham sido expressamente impugnadas. É preciso destacar que, no caso em tela, os Representados impugnaram  a gravação realizada sob o ponto de vista jurídico, uma vez que afirmaram tratar-se de prova ilícita no que diz respeito à forma como foi obtida, mas não a impugnaram quanto à sua higidez material.

Ademais, a existência da reunião jamais foi negada pelos representados, sendo que quanto ao que foi dito apenas tentam emprestar interpretação que lhes seja mais favorável.

Não se nega que há discussão nos autos acerca da licitude ou ilicitude da gravação, contudo, em nenhum momento os Representados alegaram que a gravação foi editada, alterada ou falsificada de qualquer modo. Por conseguinte, caso a gravação realizada seja considerada prova lícita,  seu conteúdo será analisado em cotejo com as demais provas dos autos, para fins de formação do convencimento deste Magistrado na presente decisão.

 

2- Análise da Licitude das Gravações Clandestinas (Telefônicas e Ambientais) no Direito Eleitoral

No que diz respeito à questão da chamada gravação clandestina, assim compreendida como sendo aquela feita pelo próprio interlocutor, sem o conhecimento do outro, essa pode se dar através do registro da conversa telefônica (gravação telefônica) ou da conversa entre presentes (gravação ambiental). Neste passo, veja-se a doutrina de Renato Brasileiro de Lima (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal - Volume Único. Editora Juspodium, 5ª Edição, pág. 741):

Quanto à (i) licitude da gravação clandestina, é ponto pacífico na doutrina que, por força do princípio da proporcionalidade, a divulgação de gravação sub-reptícia de conversa própria reputa-se lícita quando for usada para comprovar a inocência do acusado, ou quando houver investida criminosa de um dos interlocutores contra o outro. Assim é que dever ser considerada válida uma gravação clandestina em um crime de extorsão, quando produzida para comprovar a inocência do extorquido (...) 

Reconhecido o direito de toda pessoa de gravar sua própria conversa, a gravação clandestina dever ser considerada prova lícita, salvo se sua obtenção violar princípios e garantias constitucionais, tais como o direito à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas, à inviolabilidade do domicílio, à vedação da tortura e tratamento desumanos e degradantes, etc.

 

É fato incontroverso nos autos que os diálogos gravados e transcritos nos autos foram gravados em reunião ocorrida na Prefeitura Municipal de Cruzeiro da Fortaleza/MG, portanto em ambiente público, não havendo que se falar em violação à privacidade ou intimidade de quem quer que seja. Nesse sentido posiciona-se José Jairo Gomes 

 

Sempre que a captação de imagens e sons for realizada em ambiente público ou cujo acesso é franqueado ao público, lícita será a prova assim obtida. Isso porque em espaço público não há que se falar em proteção da privacidade nem da intimidade. (GOMES. José Jairo. Direito Eleitoral, 16ª edição. Editora gen/atlas pág. 913)

 

Ainda sobre a questão da licitude da gravação ambiental vejamos os seguintes julgados:

 

(...) É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento do outro. Precedente do STF decidido em repercussão geral (RE 583.937, Rel. Min. Cezar Peluzo). (..) STJ - Ap nº 693/PA - Corte Especial - Rel. Min. Raul Araújo - DJe 4-8-2015.

(...) É pacífico, neste Superior Tribunal e no Plenário Excelso, que a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, com o objetivo de preservar-se diante de autuação desvirtuada de legalidade, prescinde de autorização judicial. Fica sem objeto o pedido de trancamento da ação penal diante da superveniente condenação da ré. Precedentes. Recurso ordinário julgado prejudicado, em parte, e, no mais, não provido (STJ - RHC nº 31.356/PI - 6º T. - Rel Min. Maria Thereza de Asssis Moura - DJe 24-3-2014).

 

Não merece prosperar a tese defensiva dos Representados no sentido de que a prova clandestina ou ambiental somente será lícita quando utilizada no âmbito do Direito Penal, ou seja, em Processos Criminais e para a defesa daqueles que são vítimas de crime ou acusados injustamente. É que no Direito Eleitoral, no Processo Eleitoral e na Justiça Eleitoral, também deve prevalecer o interesse público e a proteção dos valores e dos bens jurídicos imprescindíveis à lisura dos Pleitos Eleitorais, e não os interesses meramente privados. Ainda mais quando crimes e ilícitos eleitorais são praticados em órgãos públicos por agentes políticos. E conforme bem adverte a jurisprudência do STJ : "as garantias constitucionais não podem servir para proteger atividades ilícitas ou criminosas, sob pena de inversão de valores jurídicos" (STJ - HC n 222.818/MS - 5º T - Rel. Min. Gurgel de Faria - DJe 25-11-2014).

 

É tranquila a jurisprudência no sentido de que a gravação ambiental ou clandestina é considerada lícita no âmbito da Justiça Eleitoral. Vemos os seguintes acórdãos:

 

"Eleitoral. Processo civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Compra de votos. Gravação de conversas feita por um dos interlocutores: licitude. Súmula 279 do STF. A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. Precedentes (..) STF - AI nº 666.459 AgR/SP - 1º T - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - DJe 152, 30-11-2007).

(...) lícita é a prova resultante de gravação ambiente  (TSE - AgR-REsp nº 54.178/AL - DJe, t.230, 30-11-2012, p.6). 

 

Compreensão essa reiterada em recentes julgados:

 

Admite-se, em regra, como prova do ilícito eleitoral a gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem prévia autorização judicial, seja em ambiente público ou privado (TSE - REspe nº 40898/SC - j. 9-5-2019).

(...) deve ser admitida a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, avaliando-se, com cautela, caso a caso, a prova obtida mediante gravações ambientais, de modo ao ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetem a lisura e a legitimidade das eleições. (...) TSE - REspe nº 45502/PR - DJe,  t98, 27-5-2019, p. 38-39)

 

Como se vê, em julgados recentes, o próprio Tribunal Superior Eleitoral se alinhou à pacífica jurisprudência dos tribunais superiores (STF e STJ), ao assentar "a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado" (TSE - REsp - nº 45502/PR - DJe, t.98, 27-5-2019, p. 38-39; TSE - REspe nº 40898/SC - j. 9-5-2019).

 

3- Da "Cilada Orquestrada". Do "Flagrante Preparado". Do "Crime Impossível".

 

Aduzem os Representados que a gravação da reunião realizada no dia 12 de novembro de 2020, três dias antes das Eleições Municipais de 2020, nas dependências da Prefeitura Municipal de Cruzeiro da Fortaleza/MG, foi o resultado de uma espécie de "cilada" de "flagrante preparado" e de "crime impossível" engendrado pelo servidor Anderson Rodrigo Zonta e por seu sogro Gaspar Moreira da Silva.

Em linhas gerais, a cilada orquestrada teria consistindo no seguinte: Com o escopo de ajudar os candidatos de oposição, o Sr. Anderson Rodrigo Zonta e seu sogro,  Gaspar Moreira da Silva, decidiram arquitetar um plano que fosse capaz de incriminar, de prejudicar de algum modo, a candidatura à reeleição do Prefeito Municipal de Cruzeiro da Fortaleza. Em linhas gerais, o suposto plano teria sido delineado do seguinte modo: Anderson Rodrigo Zonta iria promover uma reunião com o Sr. Agnaldo Ferreira da Silva, oportunidade na qual, portando aparelho capaz de gravar o som ambiente, iria induzir o Prefeito Municipal a praticar infrações eleitorais. Em momento posterior, juntamente com seu sogro, iria se dirigir a Delegacia de Polícia do Município de Patrocínio/MG para registar  ocorrência policial. 

Neste ponto, é preciso esclarecer que o denominado flagrante preparado ocorre quando alguém (particular ou autoridade policial), de forma insidiosa, instiga o agente à prática do delito com o objetivo de prendê-lo em flagrante, ao mesmo tempo em que adota todas as providências para que o delito não se consume. Logo, diante da ausência de vontade livre e espontânea dos autores e da ocorrência de crime impossível (CP, art. 17), a conduta dever ser considerada atípica. Em casos tais, cuidando-se de flagrante preparado e, por conseguinte, ilegal, pois alguém se vê preso em face de conduta atípica, afigura-se cabível o relaxamento da prisão pela autoridade judiciária competente (CF, art.5º, inciso LXV).

 

 No caso em análise não há que se falar em flagrante preparado pelas seguintes razões: (i) em nenhum momento da gravação, transcrita nos autos, há qualquer indício de que os funcionários contratados pelo Município de Cruzeiro da Fortaleza/MG, para o serviço de limpeza urbana, tenham instigado ou induzido o Prefeito Municipal, Sr. Agnaldo Ferreira da Silva, a praticar qualquer crime. Em verdade, do começo ou fim dos diálogos, quem conduz a conversa, quem a inicia, desenvolve e conclui é o próprio Prefeito Municipal,  permanecendo os funcionários em posição secundária no diálogo tanto em relação à questão da perda de seus empregos quanto em relação às vantagens oferecidas pelo Chefe do Poder Executivo local; (ii) a aludido encontro não foi acompanhado por agentes ligados à segurança pública, sendo que os fatos ocorridos na reunião foram comunicados às autoridades polícias somente dois dias depois, quando os ilícitos já haviam se consumado, razão pela pela qual não há que se falar em crime ou ilícito impossível por conta da ineficácia do meio empregado para a sua realização; (iii) no bojo da Ação de Investigação Judicial Eleitoral não há que se falar em flagrante preparado e crime impossível, vez esta espécie de ação versa sobre a prática de ilícitos cíveis.

 

Neste sentido, segue a jurisprudência abaixo:

 

 

 (...) a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, é, em regra, lícita, ficando as excepcionalidades, capazes de ensejar a invalidade do conteúdo gravado, submetidas à apreciação do julgador no caso concreto, de modo a ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetam a lisura e a legitimidade das eleições. 6. No caso, analisando o teor da conversa transcrita e o contexto em que capturado o áudio, a gravação ambiental afigura-se lícita, visto que os recorrentes protagonizaram o diálogo, direcionando-o para oferta espontânea de benesses à eleitora, de modo que restou descaracterizada a situação de flagrante preparado. [...]”

(Ac. de 9.5.2019 no REspe nº 40898, rel. Min. Edson Fachin.) 

 

 

 

4 - Da Captação Ilícita de Sufrágio Prevista no art. 41 - A da Lei 9504/97

 

Narram os Representantes, em todas as sua manifestações, que o Sr. Agnaldo Ferreira da Silva praticou o ilícito previsto no art. 41-A da Lei 9504/97 durante reunião ocorrida no dia 12/11/2020 na sede da Prefeitura Municipal de Cruzeiro da Fortaleza/MG. Ainda segundo os autores, referida infração à legislação eleitoral ocorreu mediante a entrega de quantia em dinheiro e promessa de renovação do contrato de trabalho de funcionários públicos municipais responsáveis pela limpeza urbana do Município.

Uma vez que a reunião, acima mencionada, foi gravada por um de seus participantes e levando-se em consideração, ainda, que o conteúdo dos diálogos gravados e posteriormente transcritos na ata notarial localizada nos autos ( folha de nº 9 , ID n° 57073287) restaram incontroversos, uma vez que os Representados em nenhum momento alegaram que o conteúdo gravado foi objeto de edição, alteração ou falsificação de qualquer espécie, são verdadeiros os diálogos registrados, cuja transcrição parcial segue abaixo:

 

 

(inintelegível) (Não identificado) Dia, Anderson. CÁSSIO HEBERT: E aí, Anderson, bão? AGNALDO SILVA: Bom dia procês tudo. Fizeram uma passeata lá improvisada, você viu? (HOMEM NÃO IDENTIFICADO) Não. AGNALDO SILVA: Cento e tantos carros. AGNALDO SILVA: É, uai, improvisado, hein, e de sábado até agora tá com 170 bandeiras. O trem lá moeu lá ontem. (ininteligível) AGNALDO SILVA: Cê viu? Ou, improvisado que eles fez, eu tava pedindo voto nas casa (HOMEM NÃO IDENTIFICADO) Credo , uai AGNALDO SILVA: Trem lá fechou tudo agora. (HOMEM NÃO IDENTIFICADO) Andou nas ruas tudo? AGNALDO SILVA: Andou nas rua tudo, e buzina, e motoca e o trem lá quarou o pau [ininteligível]. Improvisado. Agora o seguinte, gente, ó, é... a eleição é domingo, eu preciso docêis lá. Tamo junto, quero que ocêis vote lá caladinho, porque, o que acontece, se der errado segunda-feira eu tenho que demitir todo mundo pra mim fechar as conta, né? Não é só ocêis não, é os outros funcionário tudo, né? Então, é, tô só orientando ocêis é porque .. o inter urbano [ininteligível] o trem da bao demais, acho que não vai ter erro. A pesquisa tá dando alta, né? Tem que conversar com ocês, né? [ininteligível] Ocêis não [ininteligível]. CÁSSIO HEBERT: Dando uma oportunidade pra vocês aí, né, e tal, a gente sabe que [ininteligível] ... AGNALDO SILVA: [ininteligível]. CÁSSIO HEBERT: Seu sogro dando bobeira demais lá, mas a gente não vai olhar isso. Isso aí você pode ter certeza, Agnaldo nunca foi vingativo nesse ponto. Isso aí não vai... AGNALDO SILVA: Isso aí eu sei que cêis vai... [MULHER, ininteligível] AGNALDO SILVA: ... com nós mesmo, vota caladinho lá, não precisa manifestar, importante é ir lá e votar. Nâo é? ANDERSON ZONTA: É. AGNALDO SILVA: É porque depois, cê pode ter certeza que eles já arrumou até outros pra entrar no lugar de vocês. [HOMEM NÃO IDENTIFICADO] O povo é assim memo (risos) AGNALDO SILVA: Então cê sabe né? Eles falou que vão mandar os contratado tudo embora, então vocês é contratado. [HOMEM NÃO IDENTIFICADO] Eles falou pra mim ali agora, arrumar a lista la agora, mas não li a lista não, mas quando é assim, né? AGNALDO SILVA: Uai, então, quando é assim cêis tá no meio. ANDERSON ZONTA: Mas deixa eu te perguntar, mas nosso contrato é até dezembro. AGNALDO SILVA: Não tem problema. Vou assinar ele mais... eu ganhando vocês vai ficar mais os quatro anos. Compromisso que eu faço com vocês. Caladin, tá? ANDERSON ZONTA:  Sei. AGNALDO SILVA: Nós vamo ganhar a eleição, pelo que tudo indica. E cê sabe que zona rural é tudo nosso. Lá no Brejo agora fechou (ininteligível) (MULHER ininteligível). AGNALDO SILVA: Pois é... é o seguinte, vocês gosta de tomar uma cervejinha, você vai beber uma domingo hora que vocês votar, isso aqui é pra você compra ao menos um leite lá procê e pros seus [ininteligível] menino [ininteligível] e beber uma domingo e vocês vota caladinho lá, cêis não fala nada não. Porque, é o seguinte, aí dezembro cê pode vir aqui que eu assino procêis até... até... o período que eu estiver nos quatro anos cês vai tá aqui comigo ainda. [...] AGNALDO SILVA: [ininteligível] né? Porque é ruim cês... cês... ficar também falando [ininteligível]. ANDERSON ZONTA: Tem que ficar calado. AGNALDO SILVA: Você vai lá, vota, pega esses cem reais, vai beber cerveja, comer uma carne o resto do dia, tranquilo...[...] AGNALDO SILVA: Então vocês vai lá e aperta (ininteligível) a sua esposa continua também com você trabalhando, tranquilo, de boa (...) AGNALDO SILVA: Não, se eles falar... eles foi lá te pedir voto, não foi? [HOMEM NÃO IDENTIFICADO] Uai, no começo foi [ininteligível] de proposito, mas só que não tava à altura que eles... AGNALDO SILVA: Não, mas assim, cêis falou que ia votar, né? [HOMEM NÃO IDENTIFICADO] Eu falei com ele que eu votava. AGNALDO SILVA: Então, é isso aí, importante falar não, voto, [ininteligível], porque o que pode acontecer, aí depois, se eles têm uma lista vocês tá na lista dos contratado. [HOMEM NÃO IDENTIFICADO] Ele falou assim, vim só pedir o voto procê mas eu não prometo nada, então... CÁSSIO HEBERT: Aí! [risos]. AGNALDO SILVA: Eu falei procê! CÁSSIO HEBERT: [risos] Ou seja... ou seja... se eu ganhar eu não te prometi nada... não te prometi nada, e aí? Tinha outros compromisso com outros. ANDERSON ZONTA: Também tô na lista, né? [ininteligível] CÁSSIO HEBERT: E se ele ganhar ele vai falar, eu te falei que não te prometia nada, uai. AGNALDO SILVA: Aí ele falou assim, aí ele [ininteligível] porque entrou o que vai dar uma canetada só e mandar os contratado tudo embora. ANDERSON ZONTA: Credo. AGNALDO SILVA: Então, assim, cês vota caladinho lá, se eles for atrás de você “não, beleza, eu vou votar em vocês, não voto no Agnaldo não”. Você acha que... [HOMEM NÃO IDENTIFICADO] ou seja, ele tinha que tá trabalhando outras coisa, se prometesse, tal, tal, se eu ganhar, tal, né, aí pronto. Prometo nada não. AGNALDO SILVA: Ele tá falando isso pra todo mundo. Diz que vai mandar tudo, os contratado tudo embora. [HOMEM NÃO IDENTIFICADO] Então o que ele falou, não prometo nada, é porque [ininteligível] [ininteligível] AGNALDO SILVA: E você vai esquentar com seu sogro e coisa, que é efetivo na prefeitura, você vai perder seu serviço (...) AGNALDO SILVA: Você vai lá, vota, pega esses cem reais, vai beber cerveja, comer uma carne o resto do dia, tranquilo (...) AGNALDO SILVA: Não, eu tô falando porque eu confio em vocês...ANDERSON ZONTA: Pode confiar. AGNALDO SILVA: ...porque eles fizeram uma lista dos que contratados vai tudo pra rua. Então quer dizer que você tá (ininteligível), você tá na lista (...) AGNALDO SILVA: Isso aí então, vocês vai embora caladinho, qualquer coisa vocês veio receber aqui, se perguntar o que que foi que vocês tá aqui, "tava recebendo" (...) AGNALDO SILVA: ... Que aí em dezembro nós ... eu arrumo procês mais quatro anos. 

 

 

Dispõe o art. 41-A da Lei 9504/1997 o seguinte:

 

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.               (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1o  Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.  

§ 2o  As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.      

 

Tendo em mira o dispositivo legal, acima transcrito, a captação ilícita de sufrágio implica na ocorrência do chamado ato ilícito eleitoral que viola a vontade do eleitor. Exige responsabilização dos agentes e beneficiários do evento. Para sua configuração basta que a eleitor seja oferecido, prometido ou entregue bem ou vantagem com a intenção de obter-lhe o voto. É preciso lembrar que também ocorrerá a infração nos casos em que houver coação, isto é, a prática de atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

 Em síntese, a captação ilícita do sufrágio configura-se (i) com a realização de alguma das condutas levadas a cabo pelo próprio candidato ou por terceiro com ciência do candidato, (ii) quando a ação tiver o propósito de obtenção de voto (dolo específico), ainda que o pedido não seja expresso, (iii) com destinatário certo, (iv) durante o período eleitoral, (v) mediante prova robusta, (vi) não sendo necessária a configuração efetiva da compra de voto e nem a comprovação de que  houve desequilíbrio entre os concorrentes nas eleições.

Resta claro, portanto, que a captação ilícita de sufrágio não exige que a compra de voto tenha se concretizado. O ilícito decorre da própria promessa de bem ou vantagem sendo indiferente que o autor tenha efetivamente auferido a vantagem ou que tenha votado no candidato - até porque o voto é secreto. A consumação da promessa ( o recebimento da vantagem pelo eleitor) pode ser relevante apenas para facilitar a prova e para a gradação da sanção aplicada. 

No caso em tela, o Sr. Agnaldo Ferreira da Silva, Prefeito Municipal de Cruzeiro da Fortaleza, preencheu todos os requisitos exigidos pela lei para a configuração do ilícito de captação ilícita de sufrágio e em três de suas modalidades possíveis, quais sejam, oferecimento de vantagem, entrega de bem e coação ou grave ameaça a pessoa. 

A primeira modalidade de captação ilícita de sufrágio, qual seja, a promessa de vantagem ou benefício, ficou caracterizada no instante em que Prefeito Municipal pediu aos servidores terceirizados do Município de Cruzeiro da Fortaleza, quais sejam, Anderson Rodrigo Zonta, Grasiela Do Rosário Santos Alexandre e Valderi Salvino, que nele votassem com a promessa de que, caso se sagrasse novamente reeleito Prefeito, iria renovar seus respectivos contratos de trabalho por mais quatro anos: 

 

AGNALDO SILVA: Não tem problema. Vou assinar ele mais... eu ganhando vocês vai ficar mais os quatro anos. Compromisso que eu faço com vocês. Caladin, tá? (...) Então vocês vai lá e aperta (ininteligível) a sua esposa continua também com você trabalhando, tranquilo, de boa 

 

 

A segunda modalidade típica do ilícito ocorreu com a entrega da quantia de R$100,00 (cem) reais para os funcionários Anderson Rodrigo Zonta e Valderi Salvino, o que foi confirmando por ambos e pelo próprio informante Cássio Heberth Caixeta, Secretário Municipal, na audiência de instrução que pode ser vista no seguinte link: https://midias.pje.jus.br/midias/web/site/login/?chave=XgUpT0UknB68W90YoGYE (fl. 47. ID nº 91447877). Neste passo, é preciso dizer que Valderi Salvino disse que o recebimento da referida "gratificação" ocorre todo final de ano, contudo, à luz dos depoimentos prestados, conclui-se que eventuais "gratificações" até podem ter sido oferecidas nos meses de dezembro dos anos anteriores, mas jamais tinham sido entregues no mês de novembro (três dias  antes dos pleitos eleitorais) como é narrados nos autos:

 

AGNALDO SILVA: Pois é... é o seguinte, vocês gosta de tomar uma cervejinha, você vai beber uma domingo hora que vocês votar, isso aqui é pra você compra ao menos um leite lá procê e pros seus [ininteligível] menino [ininteligível] e beber uma domingo e vocês vota caladinho lá, cêis não fala nada não.

AGNALDO SILVA: Você vai lá, vota, pega esses cem reais, vai beber cerveja, comer uma carne o resto do dia, tranquilo (...) AGNALDO SILVA: Não, eu tô falando porque eu confio em vocês.

 

A terceira modalidade de captação ilícita de sufrágio ocorre nos casos em que haja alguma espécie de coação assacada contra os eleitores. Segundo o ensinamento de José Jairo Gomes (GOMES. José Jairo. Direito Eleitoral, 16ª edição. Editora gen/atlas pág. 773), por coação eleitoral devemos entender o seguinte: "A coação de que cogita o legislador eleitoral é do tipo moral, psicológica o relativa (...) o agressor atua sobre o campo psicológico da vítima, dirigindo-lhe ameaça iminente e grave. Sua intenção é fomentar a insegurança, o medo, o temor. Tais sentimentos instalam-se na consciência do coato, provocando-lhe tensão, estresse, insegurança e, em certos casos, pânico. Isso para que ele vote no candidato apontado pelo coator (...) Não é qualquer ameaça que a configura, mas sim aquela que cause abalo, como e,g, o assassinato ou o sequestro de alguém, a exposição a escândalo, a destruição de coisas, a divulgação de informações que possam comprometer a vítima em seu círculo social, familiar ou de trabalho, a demissão ou a transferência de servidor público (...).

 

Ora, a coação sobre a vontade dos funcionários que dependem da contraprestação pecuniária da municipalidade para sobreviver, restou caracterizada quando o alcaide os advertiu de que no caso de não ser reeleito teria que rescindir seus contratos de trabalho na segunda-feira seguinte à realização das Eleições Municipais de 2020. Vejamos:

 

Agora o seguinte, gente, ó, é... a eleição é domingo, eu preciso docêis lá. Tamo junto, quero que ocêis vote lá caladinho, porque, o que acontece, se der errado segunda-feira eu tenho que demitir todo mundo pra mim fechar as conta, né? Não é só ocêis não, é os outros funcionário tudo, né? (...) E você vai esquentar com seu sogro e coisa, que é efetivo na prefeitura, você vai perder seu serviço (...) porque eles fizeram uma lista dos que contratados vai tudo pra rua. Então quer dizer que você tá (ininteligível), você tá na lista

 

 



A análise dos trechos, acima mencionados, bem como dos depoimentos prestados em juízo, principalmente pelo Sr. Aderson Rodrigo Zonta, comprovam que o Sr. Agnaldo Ferreira da Silva incorreu na prática de captação ilícita sufrágio em  pelo menos três de suas modalidades típicas, conforme acima elencado.

Em relação aos depoimentos colhidos em audiência, existe contradição parcial entre o que disse o Sr. Anderson Rodrigo Zonta e o que foi narrado pelo informante Cássio Hebert Caixeta, Secretário Municipal de Administração e pelos terceirizados Grasiela Do Rosário Santos Alexandre e Valderi Salvino. Aqui, é preciso dizer que apenas o depoimento prestado pelo Sr. Anderson Rodrigo Zonta encontra-se em total acordo com os áudios transcritos, razão pela qual goza de maior credibilidade. 

Especificamente em relação aos depoimentos prestados pelo Sr. Anderson Rodrigo Zonta, é preciso mencionar o seguinte:  

Afirmam os Representados que a "cilada" engendrada pelo Sr. Anderson Rodrigo Zonta, juntamente com seu sogro, Sr. Gaspar Moreira da Silva, foi por ele confessada perante a autoridade policial.

De fato, compulsando os autos, verifica-se que no dia 14/11/2020 o Sr. Anderson Rodrigo Zonta registrou ocorrência na Delegacia de Polícia Civil de Plantão de Patrocínio/MG (Doc. pág. 11. ID nº 57073289) por meio da qual relatou à autoridade policial que nos dia 12 de novembro de 2020 o Sr. Agnaldo, Prefeito Municipal de Cruzeiro da Fortaleza, na companhia do Secretário de Administração, Sr. Cássio Herbert Caixeta, o convidou, assim como também ao Sr.Valderi Salvino e sua esposa Grasiela, todos contratados do Município de Cruzeiro da Fortaleza, para uma reunião no prédio da Prefeitura Municipal daquele município. Nessa ocasião, apenas três dias antes das Eleições Municipais, o Prefeito entregou aos servidores a quantia de R$100,00 (cem) reais e também os ameaçou de demissão caso não votassem nele. Afirmou, ainda, que o Prefeito teria uma lista com o nome de todos os contratados que manifestaram voto contrário a ele e que todos esses seriam demitidos. 

Em novo depoimento prestado, no dia 17 de novembro de 2020, perante as autoridades polícias da cidade de Patrocínio/MG (Doc. pág. 16. ID nº 75842250) o Sr. Anderson Rodrigo Zonta modificou o depoimento que anteriormente prestara e dessa vez informou que fizera as declarações anteriores contra o Sr. Agnaldo Ferreira da Silva porque fora coagido por seu sogro Gaspar e pelo advogado do partido.

Posteriormente, em novo depoimento prestado durante a audiência de instrução, ocorrida neste juízo em 09 de julho de 2021, afirmou que disse a verdade nas declarações que fizera perante as autoridades policiais de Patrocínio no dia 14/02020 e que faltou com a verdade em seu depoimento posterior, datado de 17/11/2020, em razão das ameaças que sofrera por parte dos Representados.

Diga-se, ainda, que grande parte das informações constantes do áudio da reunião são confirmadas pela por todas as testemunhas, sendo que todas as testemunha ouvida informam que houve a entrega dos R$ 100,00 (cem reais), sendo que as testemunhas Anderson e o informante Cássio Heberth informaram que o dinheiro foi entregue para que pudessem gastar no domingo (inclusive o informante Cássio Heberth afirma que o representado Agnaldo disse que o dinheiro "era para eles tomarem uma cervejinha no domingo"). Nesse ponto, fica descaracterizada, mais uma vez, qualquer alegação de que os valores eram ajuda que o Prefeito Municipal sempre dava aos servidores. Apesar de haver, em especial por parte do informante Cássio Heberth Caixeta, de emprestar interpretação diversa para a fala do representado Agnaldo, esta vertente restou isolada no processo e não merece ser tida como elemento probatório hábil a descontruir as robustas provas da captação ilícita do sufrágio. Por fim, a vinculação da entrega do dinheiro pelo representado Agnaldo ao seu gasto no domingo (dia da eleição) não deixa margem de dúvida quanto a intenção de quem a entregou(elemento subjetivo - dolo) e, de uma análise de todas as provas do processo, não deixa qualquer dúvida do recado que foi passado para quem recebeu o valor (a entrega do mesmo como um benefício para a votação no representado na Eleição de 15/11/2020).

 

5 - Do Abuso de Poder 

 

O abuso de poder político é uma forma típica de abuso de poder, prevista: i) no art. 14, § 9º, da CF ("abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta"); ii) no art. 237 do Código Eleitoral ("desvio ou abuso do poder de autoridade"); iii) no art. 19 da LC 64/1990 ("abuso de poder político"); iv) no art. 22 da LC 64/1990 ("uso indevido, desvio ou abuso do poder de autoridade"); v) no art. 22, XIV, da LC 64/1990 ("desvio ou abuso do poder de autoridade").

Com efeito, dispõe a Constituição Federal no Capítulo IV que trata dos Direitos Políticos e mais especificamente em seu art. 14, § 9º, o seguinte:

 

Art. 14 § 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

Também o Código Eleitoral veda o abuso de poder, em todas as suas modalidades, nos termos do art. 237, que dispõe que a interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

É preciso lembrar que para configuração do ato abusivo não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade do ato praticado a depender das circunstâncias em que ocorreu, nos termos do que dispõe o art. 22, XVI, da LC 64/1990: para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Para a configuração do abuso de poder, em qualquer uma de suas modalidades, é preciso que os atos praticados pelo infrator sejam revestidos de gravidade capaz de macular os Pleitos Eleitorais, ainda que não sejam determinantes para o resultados obtido nas urnas. 

Em que pese a captação ilícita de sufrágio praticada pelo Sr. Agnaldo Ferreira da Silva ser absolutamente reprovável, não foi capaz, por si só, de gerar impacto significativo nos Pleitos Eleitorais. Ademais, ressalte-se que houve informação, em especial pela testemunha Grasiela em seu depoimento que ficou sabendo que outros funcionários foram convocados para reuniões semelhantes no Gabinete do Prefeito Municipal, citando como pessoas que teriam participado de reuniões e recebido valores as Sras. Valdirene e Taciana, demonstrando que a grave conduta se repetiu com outras pessoas no município de Cruzeiro da Fortaleza, reforçando essa repetição a gravidade do fato e a configuração inegável de abuso de poder.

 

III - Dispositivo

 

Ante todo o exposto acima, tendo em vista que, nos termos da Súmula nº 38 do TSE, a chapa é una e indivisível, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral e determino a CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS do Prefeito de Cruzeiro da Fortaleza/MG, Sr. Agnaldo Ferreira da Silva e do Vice-Prefeito, Sr. Romildo Silvestre da Silva por conta da prática de captação ilícita de sufrágio e solidariamente ao pagamento de multa no valor de 25.000 (vinte e cinco) mil Ufir nos termos do art. 41-A da Lei 9504/97 e  art. 22 da LC 64/90. Declaro, ainda a inelegibilidade dos representados por 08(oito) anos subsequentes à eleição de 2020, nos termos do art. 22, XIV da LC 64/1990.

Para a realização de novas eleições, será observado o decidido pelo STF na ADI 5525 e do constante do art. 224, § 3º do Código Eleitoral.

Com o trânsito em julgado, lance-se o ASE 540 no Cadastro Eleitoral dos investigados Agnaldo e Romildo para sua verificação quando de eventual candidatura e arquivem-se os autos. Decorrido o prazo de inelegibilidade, caso não haja inativação automática do ASE 540, lance-se o ASE 558 para inativação.

Também com o trânsito em julgado, intimem-se os investigados para pagamento da multa imposta no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de inscrição do débito em dívida ativa da União e cobrança, inclusive por meio de protesto junto ao Serviço de Registro de Protestos competente.

Lance-se o ASE 264 correspondente a imposição de multa nas inscrições eleitorais dos investigados e, com o respectivo pagamento, lance-se o ASE 612 referente ao pagamento.

Por fim, arquivem-se os autos, com as cautelas de estilo.

P.R.I.

Cumpra-se.

 

Em Patrocínio, data da assinatura eletrônica.

 

Marcos Bartolomeu de Oliveira

Juiz Eleitoral da 211ª ZE/MG