JUSTIÇA ELEITORAL
002ª ZONA ELEITORAL DE GURUPI TO
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº 0601020-14.2020.6.27.0002 / 002ª ZONA ELEITORAL DE GURUPI TO
REPRESENTANTES: GUTIERRES BORGES TORQUATO, EDUARDO MALHEIRO RIBEIRO FORTES
Advogados do(s) REPRESENTANTES: VITOR GALDIOLI PAES - TO6579, EMMANUELLA AVILA LEITE PALMA - TO9726, SOLANO DONATO CARNOT DAMACENA - TO2433-A, ALINE RANIELLE OLIVEIRA DE SOUSA LIMA - TO4458
REPRESENTADOS(AS): JOSINIANE BRAGA NUNES, GLEYDSON NATO PEREIRA, MAURO CARLESSE
Advogados dos(as) REPRESENTADOS(AS): ADRIANO GUINZELLI - TO2025, JUVENAL KLAYBER COELHO - TO182-A
SENTENÇA
Cuida-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada por GUTIERRES BORGES TORQUATO e EDUARDO MALHEIRO RIBEIRO FORTES candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito nas eleições 2020 em face de JOSINIANE BRAGA NUNES e GLEYDSON NATO PEREIRA candidatos eleitos, respectivamente, aos cargo de prefeito e vice-prefeito nas eleições 2020 e MAURO CARLESSE, Governador do Estado do Tocantins, com a finalidade de apurar abuso de poder político e econômico, e uso indevido dos meios de comunicação.
Aduzem que o investigado MAURO CARLESSE, na qualidade de Governador do Estado do Tocantins, em prol da candidatura de JOSINIANE BRAGA NUNES e GLAYDSON NATO PEREIRA, teria praticado:
(A) abuso de poder político mediante:
(B) abuso de poder político e econômico mediante:
(i) contratação e pagamento de sites de notícias (a) https://claudemirbrito.com.br/, (b) http://www.geronimocardoso.com.br/, (c) https://www.tribunadopovo.net.br/ e, (d) Repórter Bruno Gomes, da Rede TV de Belém/PA) para veicularem matérias em benefício dos investigados, bem como matéria negativa em desfavor dos Investigantes.
Para lastrear o alegado, juntaram à inicial documentos, fotos e vídeos.
Ao final requereram:
(1) o recebimento da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, tendo em vista a prática de abuso do poder político, abuso do poder econômico, condutas vedadas e possível captação e gastos ilícitos em campanha;
(2) a notificação dos investigados para, querendo, apresentarem defesa;
(3) o deferimento de diligências junto (i)ao Secretário da Fazenda e Planejamento; ao Secretário Executivo da Governadoria; à Secretaria da Fazenda, à Secretaria do Planejamento, à Controladoria Geral do Estado e ao Tribunal de Contas do Estado; aos Secretários de Administração, de Comunicação e da Fazenda e Planejamento do Estado para fornecimento de documentos e informações; (ii) a quebra de seus sigilos telefônicos, inclusive, para obter a localização dos respectivos terminais no período de 01/10/2020 a 15/11/2020 dos servidores indicados no item 4.3.4; (iii) ao Hotel D’Leon Eireli, CNPJ 97.530.049/0001-98, situado à Rod. BR 153, KM 652, s/n, Gurupi/TO, para que apresente lista das pessoas que se hospedaram no hotel no período de 01/09/2020 a 15/11/2020; (iv) ao Comando da Polícia Militar do Estado do Tocantins informações pessoais e funcionais dos policiais que aparecem na propaganda eleitoral da Investigada; (v) ao Estado do Tocantins que apresente todos os pagamentos e transferências de recursos à pessoas jurídicas de direito privado e entidades privadas do Município de Gurupi, no período de 01/09/2020 a 15/11/2020, (vi) bem como o encaminhamento dessas informações à Polícia Federal para que investigue eventual prática de captação ilícita e gastos ilícitos de campanha, da forma noticiada no presente feito;
(4) a oitiva de testemunhas e apresentação de todas as provas admitidas em direito;
(5) a notificação do Ministério Público Eleitoral; e
(6) a condenação dos investigados pela prática de abuso de poder político e econômico, em conformidade com o art. 22, XIV e XVI da LC 64/90, com a declaração de inelegibilidade e cassação dos diplomas da primeira e segundo investigados, e a declaração de inelegibilidade do terceiro investigado, bem com a condenação por condutas vedadas aos agentes públicos, conforme previsão no art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei nº 9.504/97.
Recebida a Ação de Investigação Judicial, foram notificados todos os investigados que apresentaram suas defesas no prazo legal.
Os investigados Josiniane Braga Nunes e Gleydson Nato Pereira apresentaram suas defesas em conjunto. Alegaram, em sede de preliminar, a ocorrência do instituto da decadência do direito, com fundamento de que a ação teria sido protocolada horas após a cerimônia na qual foram diplomados.
No mérito, ad cautelam, no caso de indeferimento da preliminar, argumentaram que o conjunto probatório não é robusto o bastante para alterar o resultado das urnas e rebateram todos os supostos ilícitos trazidos na inicial:
Ao final, os investigados requerem que seja acatada a preliminar arguida, e, via de consequência, a declaração de extinção do feito. Em caso contrário, pugnam pela improcedência da presente ação de investigação judicial eleitoral. Requerem, também, que seja certificado pelo Cartório Eleitoral, nestes autos, o horário da diplomação ocorrido no dia 16/12/2020.
O investigado Mauro Carlesse apresentou sua defesa em peça apartada com os mesmos fundamentos, argumentos, pedidos e testemunhas arroladas.
Em despacho saneador, com fundamento na legislação vigente e na jurisprudência assentada no TSE, foi indeferida a preliminar de decadência.
Das diligências requeridas, as consideradas genéricas e/ou de acesso público, passíveis de serem encontradas no Portal da Transparência foram indeferidas. Sendo deferidas:
Em função da situação de pandemia pelo coronavírus (COVID-19) e conforme orientação do CNJ que instrui que as audiências sejam realizadas por meio de videoconferência, foi designada audiência de instrução para o dia 18/08/2021 às 14h00min, realizada pelo sistema Google Meet, cujo link de acesso foi juntado aos autos com antecedência de 10 (minutos) do horário marcado.
Coube às partes a informação/intimação das testemunhas por elas arroladas quanto ao dia, horário e do local/link da audiência designada.
Iniciada a audiência, conforme acordado entre as partes, primeiro foi ouvido, como informante, Júlio Manoel da Silva Neto, arrolado pelos investigados, na sequência, foram ouvidos Hernandes Fonseca da Silva, Luan Henrique Vieira Silva, Neilde Barbosa de Sousa e Alfeu Protásio Ferreira de Lacerda com testemunhas e Ronaldo Fonseca da Silva, como informante, todos arrolados pelos investigantes. E, ao final foi ouvida a contadora Vanda Paiva, como testemunha arrolada pelos investigados.
Concedido prazo para diligências, somente os investigantes requereram novas diligências que foram parcialmente deferidas, uma vez que parte delas já havia sido objeto de análise. Foram deferidas (i) a oitiva das testemunhas Pastor Ariosvaldo Ribeiro Nogueira e Roseli Kolinki da Silva Kochenborges, referidas nos depoimentos de Alfeu Protasio Ferreira de Lacerda e Neilde Barbosa de Sousa; (ii) a juntadas de documentos e; (iii) o requerimento ao Secretário da Fazenda do Planejamento e Desenvolvimento Social para informar/apresentar os documentos relativo à distribuição das cestas básicas no Município de Gurupi, no período de 01/06/2020 a 15/11/2020.
Foi designada audiência para oitiva de Ariosvaldo Ribeiro Nogueira e Roseli Kolinki da Silva Kochenborges, para o dia 25/10/2021, às 15h.
Iniciada a audiência foi ouvido apenas o senhor Ariosvaldo Ribeiro Nogueira, como testemunha, uma vez que as partes verificaram que não houve referência à senhora Roseli Kolinki da Silva Kochenborges nos depoimentos anteriores.
Apresentadas as alegações finais, os investigantes reafirmaram todos os fatos trazidos na inicial e, também, apresentou um batimento detalhado entre as informações apresentadas pelo Hotel D’Leon, no atendimento à diligência requerida e os documentos referentes aos afastamentos dos servidores envolvidos no fato denunciado; bem como destacou os depoimentos das testemunhas/informantes quanto à distribuição indiscriminada de cestas básicas às véspera das eleições, inclusive com a participação do denunciado Gledyson Nato, então candidato à época. Ressaltou que não houve participação da Secretaria Municipal de Ação Social nessa distribuição. Ao final reiteraram os pedidos da inicial, quais sejam, inelegibilidade dos investigados Mauro Carlesse, Josi Nunes e Gledyson Nato, bem como a cassação dos diplomas dos dois últimos.
Por sua vez, os investigados reafirmaram a defesa apresentada na contestação e, em relação à distribuição de cestas básicas afirmaram que se tratou da execução de projeto ligado ao combate não houve participação dos investigados. Rebateram as alegações do Ministério Público quanto à data e ao quantitativo de cestas destinadas ao município de Gurupi. Também destacaram que a maioria das testemunhas não viu e/ou presenciou tal fato, apenas ouviram dizer ou tiveram notícia. E que das três testemunhas que afirmam terem visto a participação do então candidato a Vice-Prefeito, Gleydson Nato, na distribuição das cestas, a senhora Neilde tinha ligação com o investigante Eduardo Fortes, o Senhor Luan, foi orientado por advogado antes da audiência e o senhor Alfeu foi influenciado pela senhora Neilde. Com esses argumentos reiterou o pedido de improcedência da ação, formulado na contestação.
Com vistas, o Representante do Ministério Público exarou parecer pugnando pela improcedência dos fatos denunciados nos tens 2.1 – ABUSO DE PODER POLITICO - Da cessão de servidores públicos de alta confiança do Poder Executivo Estadual para coordenação da campanha eleitoral dos candidatos, ora investigados; 2.2 - ABUSO DE PODER POLITICO - Da cessão de servidores públicos para elaboração de serviços de marketing e produção da propaganda eleitoral dos Candidatos Josi Nunes e Gleydson Nato; 2.3 –ABUSO DE PODER POLITICO - Da utilização de recursos públicos (serviços Públicos contratados) em prol da campanha dos candidatos investigados; 2.5- ABUSO DE PODER POLITICO - Da utilização de veículos oficiais em atos de campanha; e 2.7 - ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO através de contratação e pagamento de sites de notícias para veicular matérias em benefício dos investigados. Quanto ao item 2.4 - ABUSO DE PODER POLITICO - Da utilização de bens e servidores públicos na propaganda eleitoral, considerou haver indícios de irregularidade na participação/utilização dos militares na propaganda eleitoral, porém considerou prejudicada a análise do fato em virtude do indeferimento de diligência requerida, assim também se manifestou pela improcedência do pedido. Por fim, quanto ao item 2.6. ABUSO DE PODER POLITICO - Da distribuição de cestas básicas sem critérios objetivos e em ano eleitoral, considerou que a situação narrada caracteriza abuso de poder político e, por isso manifestou pela procedência da ação, requerendo (i) a declaração a inelegibilidade de todos os investigados, nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020, (ii) a cassação do diploma dos dois primeiros investigados (Josiniane Braga Nunes e Gleydson Nato Pereira); (iii) a imposição aos investigados das multas previstas no artigo 73, §§ 4º e 8º, da Lei nº 9.504/1997. Também requereu (iv) a comunicação aos órgãos correicionais do Estado do Tocantins para que analisem se a participação de Vitória Barreto na campanha dos investigados importou na prática de infração de carácter administrativo/disciplinar.
Após, vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
Superada a preliminar de decadência no despacho saneador, uma vez julgada improcedente, e não havendo nulidades pendentes de apreciação, o feito está maduro para julgamento, razão pela qual passo ao exame do mérito.
Prima facie, cabe ressaltar que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral é instrumento para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato e a normalidade e legitimidade das eleições, nos termos do § 9º do art. 14 da Constituição Federal c/c art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 1990.
Por abuso do poder, compreende-se o mau uso de direito, situação ou posição jurídicas, com objetivo de exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição.
Para o Tribunal Superior Eleitoral, abuso do poder político configura-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre os candidatos. E o abuso do poder econômico caracteriza-se por emprego desproporcional de recurso patrimoniais, públicos ou de fonte privada, de forma a também afetar os referidos postulados.
Doutra banda, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral fixou-se no sentido de que o uso indevido dos meios de comunicação social caracteriza-se pela exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos demais, ocasionando desequilíbrio na disputa eleitoral.
A seu turno, a Lei das Eleições nº 9.504/97 tipificou “condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais”, em seus artigos 73, 74, 75 e 77, impondo sanções.
O princípio básico que deve nortear as condutas dos agentes públicos no período de eleição está disposto no caput do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, ou seja, são vedadas “... condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”. Por vez, o rol das condutas vedadas que, em tese foram praticadas pelos investigados estão elencadas nos incisos e parágrafos do mencionado art. Vejamos.
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;
III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
VI - nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;
b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;
VII - realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.(...)”
§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§ 5o Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4o, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)(...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
(...)”
Cabe alertar que o Tribunal Superior Eleitoral entende que:
“a configuração das condutas vedadas prescritas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 se dá com a mera prática de atos, desde que esses se subsumam às hipóteses ali elencadas, porque tais condutas, por presunção legal, são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, sendo desnecessário comprovar-lhes a potencialidade lesiva.” (REsp nº 45.060, Acórdão de 26/09/2013, relatora Ministra Laurita Hilário Vaz).
Assim, as condutas vedadas dispensam comprovação de dolo ou culpa do agente, sendo cláusulas de responsabilidade objetiva. Torna-se, portanto, desnecessária a análise da potencialidade lesiva para influenciar o pleito (Respe TSE nº 38.704, rel. Min. Edson Fachin de 13.8.2019).
Nas palavras do Min. Fux, “(...) o rol de condutas vedadas objetiva, precipuamente, combater a assimetria de oportunidades patrocinada por recursos públicos” (Rp nº 1770-34, Min Luiz Fux).
Lado outro, as condutas vedadas submetem-se ao princípio da taxatividade ou legalidade estrita, ou seja, necessitam de prova da adequação típica do ato praticado à norma prevista em abstrato no ordenamento jurídico. Em síntese, pois, somente se configura a conduta vedada caso devidamente comprovado que o fato se ajusta ao texto do conteúdo previsto pela lei eleitoral. Assim, é indispensável que a conduta do agente público se amolde ao comportamento abstratamente estabelecido como ilícito pelo legislador eleitoral. Esse é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:
ELEIÇÃO 2004. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA (ART. 73, IV E VI, B, DA LEI N. 9.504/97). NÃO CONFIGURADA. CASSAÇÃO DO REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. Propaganda divulgada no horário eleitoral gratuito não se confunde com propaganda institucional. Esta supõe o dispêndio de recursos públicos, autorizados por agentes (art. 73, § 1.º, da Lei n. 9.504/97). [...] As condutas vedadas julgam-se objetivamente. Vale dizer, comprovada a prática do ato, incide a penalidade. As normas são rígidas. Pouco importa se o ato tem potencialidade para afetar o resultado do pleito. Em outras palavras, as chamadas condutas vedadas presumem comprometida a igualdade na competição, pela só comprovação da prática do ato. Exige-se, em consequência, a prévia descrição do tipo. A conduta deve corresponder ao tipo definido previamente. A falta de correspondência entre o ato e a hipótese descrita em lei poderá configurar uso indevido do poder de autoridade, que é vedado; não "conduta vedada", nos termos da Lei das Eleições. Recursos Especiais conhecidos, mas desprovidos. Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, Brasília, DF, 26 de outubro de 2004. Tribunal Superior Eleitoral, Brasília, DF, publicado em sessão, 27 out, 2004 (grifei)
Nessa esteira, o juízo de procedência da AIJE, com fundamento na prática de condutas vedadas, se condiciona à presença de três elementos: a) adequação típica, b) gravidade da conduta e c) efetivo benefício de um candidato.
Pois bem.
A exordial estruturou a narrativa dos fatos tidos como ilícitos no item 2.2. Dos abusos praticados, o qual subdividido em 07 (sete) subitens enumerados de 2.2.1 a 2.2.7. Da mesma forma será realizada a análise do mérito.
Os subitens 2.2.1. e 2.2.2 trataram do suposto abuso de poder político consubstanciado na cessão, pelo investigado Mauro Carlesse (então Governador), de servidores públicos do Poder Executivo Estadual para coordenação, marketing e produção de propaganda eleitoral da campanha dos investigados Josi Nunes e Gleydson Nato (atuais prefeita e vice-prefeito eleitos no pleito 2020).
Segundo os investigantes, o investigado Mauro Carlesse cedeu os servidores Elcio de Souza Mendes (Secretário de Estado de Comunicação) e Relton de Oliveira (Diretor de Atendimento do Ciretran de Gurupi), para a campanha dos denunciados Josi Nunes e Gleydson Nato, que atuaram como diretor de marketing e administrador financeiro, respectivamente, sem que os mesmos rompessem seus vínculos com o Estado.
Cedeu, também, mais 05 (cinco) servidores públicos estaduais: Andrea Reis de Sousa, Valdemice Gomes Aguiar, Marciley Alves Dias, Rafaelle Luciano de Aragão, lotados na Secretaria de Estado de Comunicação e Vitoria Barreto Passos, lotada na Central de Execução Fiscal-Gurupi, para elaboração de serviços de marketing e produção da propaganda eleitoral da campanha dos denunciados Josi Nunes e Gleydson Nato.
A defesa de Josi Nunes e Gleydson Nato não negou a participação dos citados servidores na campanha eleitoral de 2020, porém, argumentou que todos eles estavam legalmente afastados: Elcio de Souza Mendes, Andrea Reis de Sousa, Valdemice Gomes Aguiar, Marciley Alves Dias e Rafaelle Luciano de Aragão estavam em gozo de férias; Relton de Oliveira afastou-se em férias e, após, por licença para interesse particular sem remuneração e Vitória Barreto Passos, estava trabalhando em sistema home office. Para lastrear tais justificativas, juntou na contestação documentos de solicitação e deferimento das mencionadas férias e licença (ID 76099460, 76099461, 76099462 e 76099466).
Em seu depoimento, a contadora Vanda Paiva, arrolada pelos investigados, confirmou que houve participação de servidores, vinculados diretamente à campanha e/ou às empresas contratadas, os quais foram orientados para estarem afastados (em férias). Também, confirmou que o pagamento da despesa com hospedagem foi realizado em conformidade com uma relação, pré-determinada em contrato, contendo o nome das pessoas e os respectivos períodos de hospedagem no hotel D’Leon. Vejamos alguns trechos:
Vanda: (...) Porque o D’Leon é o seguinte: foi contratada pela campanha uma agência de hospedagem, porque o D’Leon, ele só forneceria a hospedagem para o pessoal da campanha se pagasse adiantado. Então foi contratada via uma agência que ela deu o prazo... certo? Então eles faturaram para a agência e todas as pessoas que... das agências de publicidade, ehh... Kraho, TV3... nos contratos deles, tinha uma previsão lá de uma quantidade de diária que a campanha ia pagar... então era tantas diárias, em tantos quartos, ehh... durante tanto tempo.
Vanda: Estão na prestação de contas... tanto o contrato da TV3, quanto o contrato da Kraho, dizia lá: são tantas pessoas (...) ... são tantas pessoas, por tantos dias. Então eles deram uma lista de quem seriam essas pessoas... e daquela quantidade de diárias, que foi acertado no contrato de campanha. O Elcio fez doação de trabalho e foi acertado, também que seria pago um determinado número de diárias pra ele do hotel. Então daí, tudo isso, por essa agência que chama P&P... foi feito um contrato com eles. E eles... esse contrato como só tinha valor de diária eh...ele não tinha... e tinha as obrigações, né? .. não era lançado em parcial, (inaudível) lançava pelo...pela nota fiscal. Então na semana que era a última semana de campanha foi feito um acerto, eles mandaram uma relação de todos os hospedes com as datas, a gente conferiu, até aquele número de diárias, acertado com a Kraho, acertado com a TV3, acertado com Elcio e com mais algumas pessoas que trabalharam na campanha, né?... o nosso próprio coordenador administrativo, Tiago. Então todas essas pessoas... a gente somou essas diárias... eles... conferimos e emitiu a nota fiscal da P&P para a gente e, a gente... da campanha, foi efetuado esse pagamento... daí tem uma lista com quem é os hospedes e o período.
Vanda: tá na prestação de contas... tá na prestação de contas o contrato, tá na prestação de contas a fatura, o comprovante de pagamento e a relação dos hospedes com a data. (grifei)
Em suas alegações finais, os investigantes, confrontando os períodos de férias dos servidores acima mencionados com um relatório de hospedagem (ID 99502269) encaminhado pelo Hotel D’Leon, onde os mesmos ficaram hospedados, demonstraram que o período de hospedagem (comprovado com emissão de nota fiscal em nome dos referidos servidores) extrapolou o período de afastamento legal.
“Como prova de que Elcio Mendes estava de férias, juntou formulário de férias e ofício requisitando férias entre os dias 07/10/2021 a 05/11/2021, e posteriormente novo ofício pedindo férias entre o dia 06/11/2021 a 12/11/2021 (IDs76099459 e 76099459).
(...)
Não obstante, ao observar o relatório de hospedagem apresentado pelo Hotel D´Leon (93137675), é possível constatar que o então servidor de primeiro escalão do poder executivo estadual, da maior confiança do terceiro investigado, se hospedou no hotel de 29/09 a 16/11/2021, ou seja, ficou hospedada desde o início da campanha até 1 dias depois, ou seja, antes de estrar de férias até depois delas terem terminado, exclusivamente em decorrência da eleição dos primeiros investigados.
(...), é apresentado um documento referente ao formulário de férias (ID 93631369), com datado do dia 08/10/2020, requisitando férias da servidora Andrea Reis de Sousa, a partir de 06/10/2021 até o dia 04/11/2020
Destarte, Exa., conforme o relatório de Hospedagem apresentado pelo Hotel D’Leon (ID 93137672), a senhora Andrea Reis de Sousa entrou no hotel no dia 30/09/2020 e saiu apenas no dia 16/11/2020, ou seja, assim como o senhor Élcio Mendes, entrou antes de iniciar as férias e saiu após o término das férias, o que demonstrar que efetivamente foi cedida pelo Governo do Estado do Tocantins por alguns dias para prestar serviços na campanha eleitoral dos investigados.
O mesmo se deu em relação à servidora da SECOM Valdemice Gomes de Aguiar. A defesa não nega a participação da mesma na campanha eleitoral e informa que ela estava gozando de férias no período, tendo juntado um formulário de férias com período de gozo entre 06/10/2020 a 20/10/2020 (ID 76099463).
No entanto, ao observar a resposta da diligência do Hotel D’Leon (ID 93139262) e o respectivo relatório de hospedagem (ID 93137672), é possível constatar que a servidora Valdemice Gomes de Aguiar entrou no hotel no dia 06/10/2020 e saiu no dia 12/11/2020, ou seja, 22 dias após o término de suas férias. Assim, é incontroverso que tal servidora ficou à disposição da campanha eleitoral, quando deveria estar trabalhando na Secretaria de Comunicação do Estado do Tocantins.
Não foi diferente com o Diretor de Jornalismo da SECOM-TO, Marciley Alves Dias, que, segundo a defesa estava de férias no período eleitoral, mas conforme os documentos apresentados na própria defesa e diligências (ID 76099463 e ID 93248531) estava efetivamente de férias no período entre 13/10 a 11/11/2020.
Não obstante, conforme a resposta da diligência do Hotel D’Leon (ID 93139262) e o respectivo relatório de hospedagem (ID 93137672), é possível constatar que o servidor Marciley se hospedou entre os dias 30/09 a 16/11/2020, ou seja, esteve à disposição da campanha eleitoral dos investigados por período superior ao período de férias, cerca de 18 dias, para ter mais exatidão.
O mesmo aconteceu com a servidora da SECOM-TO Rafaelle Luciano De Aragão, que, conforme a defesa, estava de férias no período eleitoral, no entanto, conforme os documentos apresentados na própria defesa e diligências (ID 76099463 e ID 93248531), estava efetivamente de férias no período entre 06/10 a 04/11/2020.
Lado outro, conforme a resposta da diligência do Hotel D’Leon (ID 93139262) e o respectivo relatório de hospedagem (ID 93137672), é possível constatar que a servidora Rafaelle ficou hospedada no hotel entre os dias 01/10 a 09/11/2020, ou seja, fez check in no hotel antes de entrar de férias e check out após voltar de férias, o que evidencia, mais uma vez, que referida servidora foi cedida para a campanha eleitoral dos investigados.” (grifei)
Aqui cabe ressaltar, que a verossimilhança dos dados utilizados no batimento realizado pelos investigantes, foi corroborada pelo depoimento da contadora Vanda Paiva, cujos trechos foram acima transcritos. Cinge-se testemunha arrolada pelos investigados e contadora da campanha destes.
A contadora afirma, por várias vezes, em seu depoimento que o pagamento foi realizado para as pessoas relacionadas nos contratos e durante o período pré-determinado nos mesmos contratos. Esses dados foram os mesmos utilizados pelo hotel D’Leon quando da emissão das notas fiscais e, também, os mesmos utilizados no batimento das informações, pelos investigantes.
Registre-se, por fim, que, apesar da contadora Vanda Paiva informar que a agência contratada pagaria as despesas dos servidores/hospedes, para depois receber os valores da campanha, foram emitidas notas fiscais em nome dos servidores Elcio de Souza Mendes e Andrea Reis de Sousa que realizaram pagamento em dinheiro e/ou cartão de crédito.
A Lei nº 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, elenca em seu art. 73 o rol das condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral, dentre as quais está a cessão de servidores públicos, ressalvada a hipótese do servidor licenciado. Vejamos:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(...)
III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado. (grifei)
No mesmo sentido a jurisprudência do Tribunais Regional Eleitoral do Tocantins, com a ressalva de que sendo medida restritiva de direito deve ser interpretada nos exatos termos da lei:
RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. INÉPCIA DA INICIAL. REJEITADA. MÉRITO DOS AUTOS Nº 475-35.2016.6.27.0001. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. GRAVIDADE. NÃO CARACTERIZADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. MÉRITO DOS AUTOS Nº 480-57.2016.6.27.0001. CONDUTA VEDADA ART. 73, III, DA LEI Nº 9.504/97. NÃO CONFIGURADA. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDO O PRIMEIRO (475-35.2016) E PROVIDO O SEGUNDO (480-57.2016).
1. Preliminar de inépcia da inicial. É cristalina e coerente a narrativa dos fatos expostos na exordial, bem como os fundamentos do pedido, os quais individualizam adequadamente as condutas e apontam indícios probatórios que as estariam a elucidar. Rejeição da preliminar.
Mérito dos autos nº 475-35.2016.6.27.0001:
2. A prática das condutas do art. 73 da Lei das Eleições não implica, necessariamente, a cassação do registro ou diploma, devendo a pena ser proporcional à gravidade do ilícito. Diante das circunstâncias fáticas delineadas nos autos, a conduta atribuída aos recorridos não ostenta gravidade suficiente para ensejar a cassação de seus diplomas, sanção prevista no § 5º do art. 73 da Lei nº 9.504/97. Decisão unânime. Mérito dos autos nº 480-57.2016.6.27.0001:
3. Para a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, III, da Lei nº 9.504/97, faz-se necessária a prova de utilização de funcionário público, em atos de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, e, ainda, cumulativamente, que essa atuação ilícita tenha ocorrido durante o horário normal de expediente.
4. A conduta prevista no art. 73, III, da Lei das Eleições é de tipicidade estrita, não se admitindo o uso de analogia que implique prejuízo à parte a quem se esteja imputando a prática do ato dito lesivo.
5. Na espécie, assiste razão aos recorrentes Ronaldo Dimas Nogueira e Fraudineis Fiomare Rosa, tendo em vista a atipicidade da conduta à luz do dispositivo em testilha, eis que não ficou comprovado que houve "cessão de servidor" ou "utilização de seus serviços" "para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação". Decisão majoritária.
6. Recursos conhecidos e improvido dos autos nº 475-35.2016.6.27.0001 e provido dos autos 480-57.2016.6.27.0001.
(RECURSO ELEITORAL n 47535, ACÓRDÃO n 47535 de 03/04/2017, Relator(aqwe) AGENOR ALEXANDRE DA SILVA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 61, Data 06/04/2017, Página 2) (grifei)
Esse também é o entendimento assentado no Tribunal Superior Eleitoral:
DIREITO ELEITORAL AGRAVO INTERNO EM RECURSOS ESPECIAIS COM AGRAVOS ELEIÇÕES 2016 AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL CONDUTA VERDADE ART. 73, INCISOS I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. Agravo interno interposto contra decisão monocromática que deu provimento aos agravos nos próprios autos para: (i) negar seguimento ao recurso especial interposto pela coligação e (ii) dar provimento ao recurso especial de Edenilson Luís Palauro e outros, julgando improcedente ação de investigação judicial eleitoral, afastando a condenação por afronta ao art. 73, inciso III, da Lei nº 9.504/1997. O art. 73 da Lei nº 9.504/1997, por encerrar norma restritiva de direitos, deve ser interpretado restritivamente, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei. Para incidência da vedação do art. 73, III, relativa a sessão dos servidores ou utilização de seus serviços em benefício de candidato, partido político ou coligação, é necessário que se verifique o uso efetivo do aparato estatal em prol de determinada campanha. O mero engajamento eleitoral de servidor público, fora do exercício das atribuições do cargo, não caracteriza a prática de conduta vedada. No caso, a exteriorização de apoio político nos perfis pessoais dos servidores na rede social Facebook, ainda que durante horário de expediente, não configurou a conduta vedada prevista no art. 73, III, da Lei nº 9.504/1997. Isso por que não restou demonstrado que teriam: (i) se ausentado do local de trabalho ou se deslocado do serviço para a campanha do candidato; (ii) utilizado bens públicos (computadores) do município; e (iii) apoiado candidato por ordem da chefia. Agravo interno que se nega provimento. (TSE-AI: 00001262220166160168 MANGUEIRINHA-PR. Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 13/06/2019, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 16/08/2019) (grifei)
Na esteira do dispositivo legal e da jurisprudência acima colacionados e, analisando os afastamentos legais dos servidores cedidos nos exatos termos do tipo previsto na lei, desconsiderando, portanto, o período de férias, compensação de horário, os finais de semana e feriados, os quais são exceções à vedação estampada no art. 73, III, da Lei nº 9.504/97, ainda restou comprovada a cessão ilegal dos servidores:
Quanto aos servidores Valdemice Gomes Aguiar e Relton de Oliveira, os documentos juntados pelos investigados dão conta da regularidade de seus afastamentos durante o período em que trabalharam na campanha.
Em relação à servidora Vitória Barreto Passos, como dito pelo ‘parquet’, durante a instrução não se comprovou que o terceiro investigado tivesse cedido Vitória Barreto para que trabalhasse na campanha dos dois primeiros investigado, bem como, que os dois primeiros investigados tivessem ciência de que Vitória Barreto não estava afastada de seu labor durante o período que trabalhou na campanha.
Cinge-se que referida servidora - diferentemente de outros servidores indicados que não residem na sede do juízo - reside e trabalha nesta urbe, e, considerando que houve a juntada de folhas de ponto, e à míngua de prova que trabalhou na campanha no mesmo horário que deveria estar prestado serviço no Central de Execução Fiscal, não verifico qualquer conduta ilegal, sendo despiciendo qualquer comunicação a órgão correcional.
Repise-se que o Tribunal Superior Eleitoral entende que a configuração das condutas vedadas prescritas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 se dá com a mera prática de atos, desde que esses se subsumam às hipóteses ali elencadas, porque tais condutas, por presunção legal, são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, sendo desnecessário comprovar-lhes a potencialidade lesiva. Vejamos:
“para configurar a prática de abuso de poder é necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e não sua potencialidade para alterar o resultado da eleição, isto é, deve-se levar em conta o critério qualitativo - a aptidão da conduta para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos -, e não o quantitativo, qual seja a eventual diferença de votos entre o candidato eleito para determinado cargo e os não eleitos. [...]”(Ac de 5.2.2019 no REspe nº 114,rel. Min. Admar Gonzaga) no mesmo sentido o Ac de 5.12.2017 no AgR-RO nº 804483, rel. Min. Jorge Mussi.) (grifei)
Assim, nas palavras do Ministro Edson Fachin (Respe TSE nº 38704) anteriormente citadas, uma vez que as condutas vedadas são cláusulas de responsabilidade objetiva, dispensam comprovação de dolo ou culpa do agente, bem como, desnecessária a análise da potencialidade lesiva para influenciar o pleito. (grifei)
Diante de todo o exposto, temos que, os investigados não lograram êxito em desconstituir os fatos denunciados nos itens 2.2.1 e 2.2.2 da inicial, os quais foram materialmente comprovados pelo conjunto probatório juntados aos presentes autos. Portanto, configurada a ofensa ao art. 73, III, da Lei 9.504/97, a procedência do pedido é medida que se impõe.
No subitem 2.2.3, os investigantes denunciam a utilização de recursos públicos (serviços Públicos contratados) em prol da campanha dos candidatos investigados. Alegam haver “robustos indícios de que o custeio da hospedagem destes servidores foi feito por meio de repasses à pessoa jurídica P & P Turismo Ltda –ME, empresa que possui contratos MILIONÁRIOS com o Governo do Estado do Tocantins” (sic). Juntou farta documentação comprovando que a referida empresa mantém contratos com o Governo do Estado desde 2015. Considerou “estranho” os investigados contratarem uma empresa de outro Estado e incluírem o pagamento dessa despesa na prestação de contas apenas depois de veiculada no Blog do Jornalista Paulo Albuquerque notícia de supostas irregularidades nessas contratações.
A defesa alegou que “o contrato entre a campanha dos candidatos Josi Nunes e Gleydson Nato e a empresa P&P foi juntado na prestação de contas destes desde o início, e previa que seria sobre demanda, por isso quando fechou a fatura foi informado no relatório do dia 14.11, um dia antes da eleição. Porém, a nota foi emitida no dia 13.11, antes da notícia que trazem os autores ser veiculada pela imprensa, no Blog do Jornalista Paulo Albuquerque(...)” (sic).
Não restaram dúvidas quanto ao vínculo contratual entre o Governo do Estado do Tocantins e a Empresa P&P deste 2015 e os vultosos pagamentos realizados durante esse período. Entretanto, os investigantes não lograram a mesma sorte em comprovar que o pagamento das despesas realizadas pela campanha foi feito com recursos públicos.
As possíveis irregularidades que possam existir nas contratações da empresa P&P pelo Governo do Estados não constituem matéria afeta a seara eleitoral, mas, sim, a seara cível e, como bem salientou o Órgão do Ministério Público, não cabe a este Juízo Eleitoral adentrar em matérias afetas ao Juízo Cível competente.
Também não há nenhum óbice legal para contratação de fornecedores/empresas de outros Estados pelas campanhas eleitorais.
Lado outro, os investigados comprovaram o pagamento com recursos declarados na prestação de contas e o fato de ser realizado de uma só vez ao final da campanha, não compromete a análise das contas.
Ademais, a alegação de “robustos indícios”, de per si, não tem o condão de cominar em condenação por abuso de poder econômico e/ou político. Esse é o entendimento pacificamente assentado no Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins e no Tribunal Superior Eleitora. Vejamos.
ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. condutas vedadas. distribuição gratuita de bens. Administração. propaganda institucional. matérias jornalísticas. promoção pessoal. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS E INCONTROVERSAS. RECURSO DESPROVIDO.
1. Para caracterizar a captação ilícita de sufrágio, exige-se prova robusta de pelo menos umas das condutas previstas no artigo 41-A da Lei Nº 9.504/97, da finalidade de obter o voto do eleitor e da participação ou anuência do candidato beneficiado.
2. Na hipótese dos autos, cabe destacar, que não se conseguiu demonstrar o nexo causal entre os brindes distribuídos e candidatura futura a reeleição.
3. Para a configuração da prática de conduta vedada prevista no art. 73, inciso IV, da Lei n.º 9.504/97, é necessária a prova inequívoca de que a distribuição gratuita de bens e serviços para fins de promoção do candidato em período eleitoral, foram custeados com recursos públicos, o que não foi possível identificar nos autos.
4. O abuso de poder hábil a ensejar a desconstituição dos mandatos obtidos nas urnas não pode se fundamentar em presunções e alegações não comprovadas.
5. Na espécie, não se vislumbra nas matérias citadas referência favorável à candidatura à reeleição do então prefeito de Lajeado, mas tão somente menções a este sem o suposto excesso ou abuso no emprego de meio de comunicação social aventado na inicial e no recurso.
6. Soma-se a isso o fato de que as matérias foram publicadas antes do período eleitoral, sem valoração desarrazoada da pessoa do gestor.
7. Recurso conhecido e não provido. (RECURSO ELEITORAL n 0600328-06.2020.6.27.0005, ACÓRDÃO n 060032806 de 28/09/2021, Relator(aqwe) MÁRCIO GONÇALVES MOREIRA, Publicação:)
“ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DE PODER E CONDUTA VEDADA. REEXAME DE PROVAS. NEGADO PROVIMENTO. 1. O Tribunal de origem concluiu que não ficou comprovado o abuso do poder econômico ou político com gravidade suficiente para justificar as sanções de inelegibilidade e de cassação dos diplomas. A inversão do julgado encontra óbice no reexame de provas, vedado nesta instância. 2. Não se admite a condenação pela prática de abuso do poder econômico ou político com fundamento em meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos impugnados e ao benefício eleitoral auferido pelos candidatos. 3. A partir dos fatos como registrados no acórdão recorrido não é possível concluir, com grau de certeza, que os atos descritos foram graves de modo a caracterizar abuso do poder econômico ou político, não cabendo condenação por presunção. [...]” (Ac. de 2.4.2019 no AgR-REspe nº 28634, rel. Min. Og Fernandes.)
Pelo exposto, verifico não haver razão no pedido e nos argumentos dos investigantes, restando, assim, improcedente o pedido.
O subitem 2.2.4 denuncia a utilização de bens e serviços públicos na propaganda eleitoral, consubstancia pela gravação/encenação de vídeos/imagens com participação de integrantes das polícias militar e civil e servidores ligados a essas entidades, veiculadas na propaganda eleitoral gratuita e em redes sociais.
Os investigantes lastrearam suas alegações com vídeo (ID 59431514) e fotos (ID 59431528).
Na contestação, assim como nas alegações finais, apresentadas, os investigados não impugnaram a verossimilhança das fotos e/ou vídeo. Porém, alegam que se tratava de “mera filmagem”, “não passando de meras cenas cotidianas da comunidade local”:
“Na espécie, nada mais houve do que mera filmagem de serviços prestados pela Polícia Militar, com veículos das corporações e, por isso, de ilícito nada têm, ainda mais se efetivada sem qualquer interferência nos trabalhos.
Não passam de meras cenas cotidianas da comunidade local! Do contrário, se afrontaria o princípio da proporcionalidade, tendo em vista que decorre de ato único, não sendo passível de responsabilização individual, inexistindo motivo para a aplicação de qualquer pena, uma vez que o fato de divulgação destas imagens cotidianas foi isolado e não teve repercussão na campanha eleitoral.”(sic)
Em suas alegações, o Ministério Público entendeu o fato não se trata de mera captura de imagens, porém, absteve-se de pugnar pela cassação por entender prejudicada a análise dos fatos denunciados em virtude do indeferimento da diligência requerida pelos investigantes. Entretanto, entendo não cabível tal argumento, pois, uma vez que os fatos foram confirmados pela parte prejudicada, tornando-se incontroversos, desnecessária se faz a dilação probatória. Não é outro o teor do art. 374, III, do CPC/2015, subsidiário do processo eleitoral:
Art. 374. Não dependem de prova os fatos:
I - notórios;
II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III - admitidos no processo como incontroversos;
IV – em cujo valor milita presunção legal de existência ou de veracidade. (grife)
Pois bem.
Como já mencionado, o bem tutelado pelo caput do art. 73 é a igualdade de condições na disputa eleitoral e o rol de condutas vedadas objetiva, visa, precipuamente, combater a assimetria de oportunidades patrocinada por recursos públicos.
Nessa esteira, para concluir se ficaram ou não configuradas as condutas vedadas pelo art. 73, I e III, necessário se faz verificar se a cessão ou utilização dos bens e agentes públicos foi feita em benefício de determinado candidato ou era acessível ao público e/ou quaisquer outros candidatos.
É pacifico o entendimento nos Tribunais Eleitorais que a simples captação de imagens de bens e agentes públicos, sem a demonstração da sua efetiva utilização para fins diversos do que era a finalidade da propaganda, não viola a isonomia entre aqueles que participaram da disputa eleitoral. Vejamos recente julgado do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins.
EMENTA: RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2020. CONDUTA VEDADA. BENS E AGENTES PÚBLICOS. GRAVAÇÃO DE PROGRAMA ELEITORAL. MERA CAPTAÇÃO DE IMAGENS. BENEFÍCIO A CANDIDATURA. AUSÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. As condutas vedadas aos agentes públicos, servidores ou não, tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais estão relacionadas no artigo 73 e seguintes da Lei 9.504/97.
2. É vedado ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, bem como ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado (art. 73, incisos I e III, da Lei nº 9.504/97).
3. Para configuração da conduta vedada descrita no art. 73, incisos I e III, da Lei nº 9.504/97, é necessário que a cessão ou utilização de bem e agentes públicos seja feita em benefício de candidato, violando-se a isonomia do pleito, pois o que a lei veda é o uso efetivo do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público. Precedentes do TSE.
4. A simples captação de imagens de bens e agentes públicos, sem a demonstração da sua efetiva utilização para fins diversos do que era a finalidade da propaganda, não viola a isonomia entre aqueles que participaram da disputa eleitoral.
5. Recurso conhecido e desprovido. (RECURSO ELEITORAL n 0600540-39.2020.6.27.0001 - Araguaína/TO, ACÓRDÃO n 060054039 de 25/01/2021, Relator(aqwe) JOSÉ MÁRCIO DA SILVEIRA E SILVA, Publicação: ) (grifei)
No mesmo sentido os julgados colacionados abaixo dos Tribunais Regionais de Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente.
RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. SENTENÇA ULTRA e EXTRA PETITA. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I, LEI 9.504/97. DIVULGAÇÃO DE VÍDEO EM FACEBOOK. CAPTAÇÃO E GRAVAÇÃO EFETUADAS NAS DEPENDÊNCIAS DA UNIDADE DE FARMÁCIA BÁSICA. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Ao decidir além dos limites do pleito, o juiz de primeiro grau proferiu sentença ultra petita da qual deve ser retirada, em observância ao princípio da congruência, a parte que extrapola o que foi pedido ao Judiciário.
2. Nula a sentença no que tange à condenação de pessoa estranha à lide.
3. O vídeo trazido aos autos não se presta a comprovar por si só infração ao art. 73, I, da Lei das Eleições, mas mera captação de imagens que não afronta a legislação invocada.
4. Recurso conhecido e provido. (RECURSO ELEITORAL nº 9654, Acórdão de , Relator(a) Des. Jesus Crisóstomo de Almeida, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 024, Data 07/02/2018, Página 24-27.) (grifei)
RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA AO AGENTE PÚBLICO. ART. 73, INCISO I DA LEI Nº 9.504/97. UTILIZAÇÃO DE IMAGENS DE DEPENDÊNCIAS DE PRÉDIOS PÚBLICOS DURANTE A EXIBIÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL VEICULADA NA TELEVISÃO. CAPTAÇÃO DE IMAGENS DO FUNCIONAMENTO NORMAL E CORRIQUEIRO DE ESCOLAS E BIBLIOTECA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL. SIMPLES GRAVAÇÃO EM BENS PÚBLICOS, COM O FIM DE UTILIZAÇÃO EM CAMPANHA ELEITORAL NÃO É CONDUTA PROIBIDA. ALEGAÇÃO DA RECORRENTE DE QUE NÃO TEVE O MESMO ACESSO AOS PRÉDIOS PÚBLICOS. AFIRMAÇÃO NÃO DEMONSTRADA NOS AUTOS. IRREGULARIDADE INEXISTENTE. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CONDUTA VEDADA. RECURSO DESPROVIDO. (RECURSO ELEITORAL nº 157382, Acórdão, Relator(a) Des. Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 19/12/2016) (grifei)
RECURSO ELEITORAL. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. GRAVAÇÃO DE IMAGENS EM FUNDAÇÃO MUNICIPAL. DIVULGAÇÃO NO PROGRAMA ELEITORAL DE CANDIDATA À REELEIÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE PROPAGANDA IRREGULAR. PERMITIDA A VEICULAÇÃO DE ATOS DA ADMINISTRAÇÃO DO GOVERNANTE EM SUA CAMPANHA. PRECEDENTES DO TSE. A caracterização da conduta ilícita requer o uso efetivo do aparato estatal. Insuficiente a simples captação de imagens. Ausência de desigualdade na disputa eleitoral. Não caracterização do abuso. Dependência de circunstâncias graves para sua configuração. Desprovimento do recurso. (RECURSO ELEITORAL - CLASSE RE nº 95571, Acórdão, Relator(a) Des. Bernardo Moreira Garcez Neto, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 174, Data 09/08/2013, Página 06/08) (grifei)
As circunstâncias do caso em concreto permitem concluir que são cenas do cotidiano e, caso quisessem, os demais candidatos teriam possibilidade de capturar cenas de agentes policiais trabalhando para criticarem e/ou fundamentar suas propostas de governo.
Ademais, as cenas capturas de prédios, veículos e agentes e utilizadas na propaganda eleitoral não chegam a 25 (vinte e cinco) segundos, não havendo nos autos indicativos de repercussão anormal da sua veiculação. Assim, como a participação dos servidores/militares não caracterizou cessão e/ou uso de seus serviços por comitê de campanha em horário de expediente normal, sendo, portanto, condutas atípicas, não configurando ofensa ao art. 73, I e III, da Lei 9.504/97.
Diante do exposto e não restando, pois, configurada a conduta vedada, art. 73, incisos I e III, da Lei nº 9.504/1997, a improcedência do pedido é medida que se impõe.
No subitem 2.2.5, os investigantes narram que foi realizada carreata no dia 07/11/2020, da qual participou o investigado Mauro Carlesse, utilizando veículos locados pelo Estado, configurando conduta vedada.
Acostaram aos autos imagens da aludida carreata e dos veículos (placas FUE 5077, QWC 7248, QKJ 9759, QWF 1121 E QKM 8461) os quais seriam locados pelo governo do Estado.
Na defesa, os investigados alegam que (i) o evento mencionado na denúncia era uma caminhada e não uma carreata e que os (ii) carros foram utilizados para transporte dos seguranças do governador. Juntaram o Ofício n.º 009/2021 – Assejur/Gab/CAMIL SGD 2021/09079/001483 informado que apenas os veículos com placas FUE 5077, QWC 7248 e QWF 1121 foram locados pelo Estado e estavam a serviço da segurança pessoal do govenador e o Decreto nº 6.055/2020, que dispõe sobre as áreas de segurança estadual e estabelece como área de segurança estadual “todo espaço físico necessário para a realização de procedimentos de segurança institucional do Governador do Estado, do Vice-Governador e de seus respectivos familiares, bem assim de dignatários quando determinado pelo Governador o Estado”.
Ficou demonstrado pelas fotos, vídeos e depoimentos que o evento foi uma caminhada e que a segurança do Governador foi realizada dentro dos parâmetros estabelecidos pelo mencionado decreto.
Em seu depoimento, o então comandante Silva Neto, da Casa Militar, informou que a Casa Militar envia agentes de segurança em todas as viagens do Governador independente de qual seja o compromisso. E, que o mesmo esteve com seus seguranças por várias vezes em Gurupi. Mas, não soube informar se veio alguma vez exclusivamente para a campanha, pois, até por uma questão de segurança, a agenda do Governador não é divulgada.
Os investigantes não lograram êxito em desmontar nos autos que os deslocamentos do Governador foram realizados no único intuito de participar de atos/eventos da campanha eleitoral dos outros investigados.
Ademais, como já mencionado anteriormente, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é que as condutas vedadas estão sob o julgo do princípio da taxatividade ou legalidade estrita. É imprescindível que estejam provados todos os elementos descritos na hipótese de incidência do ilícito eleitoral para a imputação das severas sanções de cassação de registro ou de diploma. (AI TSE nº 5.871, rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos).
No caso em comento, a utilização dos veículos na caminhada é conduta atípica, pois não foram utilizados em benefício dos candidatos e sim em função da pessoa do Governador.
De todo o exposto, tenho que o pedido de procedência não deve prosperar.
No item 2.2.6, os investigantes alegam que houve abuso de poder político mediante distribuição de cestas básicas sem critérios objetivos e em ano eleitoral. Afirmam que, em consulta ao Portal da Transparência identificaram 11 (onze) processos de aquisição de cestas básicas destinadas ao Município de Gurupi e, que embora a distribuição de cestas básicas seja parte do programa de enfrentamento à COVID-19, o Governo do Estado utilizou a máquina pública para direcionar as doações a entidades e grupos vinculados à campanha dos Investigados, bem como promoveu a distribuição indiscriminada em ruas e residências, sem qualquer critério, em desatenção, portanto, às normas eleitorais.
Pois bem.
Em 21 de março de 2020, em virtude da pandemia causada pelo coronavírus, foi publicado o Decreto nº 6.072 decretando estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Tocantins afetado pela COVID-19. E, uma das ações de enfrentamento aos efeitos da pandemia executada pelo governo estadual foi a aquisição e distribuição de cestas básicas entre as famílias em situação de vulnerabilidade e risco social nos 139 (cento e trinta e nove) municípios tocantinenses.
Cabe aqui ressaltar que, não compete a esta Justiça Especializada quaisquer julgamentos referentes à origem dos recursos financeiros gastos, à regularidade nos processos de aquisição/licitação e nem aos critérios de distribuição eleitos pelo Governo Estadual, responsável pela gestão/execução dos recursos destinados à aquisição/distribuição dessas cestas básicas.
A análise dos dados apresentados na denúncia, na defesa dos investigados e nas diligências realizadas durante a instrução processual procurou apenas verificar se a ação/projeto desenvolvida pelo Governo Estadual foi, ou não, utilizada no intuito de beneficiar os investigados Josi Nunes e Gleydson Nato, candidatos eleitos no pleito/2020.
Compulsando os autos, nos documentos que acompanham a inicial (ID 5956159 a 59562190) foram identificados 12 (doze) processos destinados à aquisição e distribuição de cestas básicas à população atingida pela pandemia, sendo 09 (nove) relativos a emendas parlamentares, 01 (um) reconhecimento de despesa custeada com recursos do Tesouro Estadual e, 02 (dois) projetos: Tocantins Solidário e Tocantins Educando e Alimentando, ambos também custeados com recursos do Tesouro Estadual.
O município de Gurupi foi contemplado em 08 (oito) emendas parlamentares, nos 02 (dois) projetos e em 01 (um) reconhecimento de despesa. Em relação ao Projeto Tocantins Educando e Alimentando, os documentos acostados à inicial são referentes à locação de 06 (seis) caminhões baús, não há nos autos nenhum processo de aquisição de cestas básicas, em que pese o projeto destinar maior parte de seus recursos para esse fim.
Em apertada síntese, após análise de todos os processos constantes dos presentes autos, restaram as seguintes informações:
I – Projeto Tocantins solidário
Apresentado e desenvolvido pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social-SETAS, o Projeto Tocantins Solidário, teve um aporte financeiro de R$ 14.730.000,00 (quatorze milhões, setecentos e trinta mil reais), originários do Tesouro Estadual e destinados ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza - FECOEP-TO, por meio da Portaria 01/2020 de 31/03/2020. Esses recursos foram utilizados para aquisição e distribuição de 200.000 (duzentas mil) cestas básicas, entre famílias em situação de vulnerabilidade social, cadastradas ou não no CadÚnico, nos 139 (cento e trinta e nove) municípios tocantinenses.
Segundo o projeto, o quantitativo necessário de cestas básicas para o atendimento de cada município no Estado, foi estabelecido pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social-SETAS, com base nas informações disponibilizadas pelos municípios. O transporte seria executado por 04 (quatro) caminhões baú da própria Secretaria e a distribuição seria realizada diretamente em cada município, com apoio das unidades do CRAS. Com essa logística, o atendimento de todos os 139 (cento e trinta e nove) municípios ficou estimado de 45 (quarenta e cinco) a 60 (sessenta) dias.
De acordo com o cronograma do Projeto, as cestas básicas seriam entregues nos municípios nos meses de abril a junho de 2020, sendo realizado concomitantemente, um relatório de atividades e monitoramento e a prestação de contas ao FECOEP/TO deveria ocorrer em agosto/2020.
O valor inicial foi reduzido para R$ 14.417.282,10 e a quantidade de cestas para 195.756 (portaria SETAS nº 47 de 01 de abril de 2020).
Foram selecionados por meio de dispensa de licitação:
Esmeralda Distribuidora Ltda – 45.000 cestas – processo 202 41000 000106 – contrato 20/2020 – valor R$ 3.314.250,00 (três milhões, trezentos e quatorze mil duzentos e cinquenta reais).
Satélite Comércio de Alimentos– 50.252 cestas – processo 202 41000 000106 – contrato 21/2020 – valor R$ 3.701.509,80 (três milhões, setecentos e um mil cinquenta e nove reais e oitenta centavos).
Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária Terra Livre Ltda – 50.252 cestas – processo 202 41000 000106 – contrato 22/2020 - valor R$ 3.701.509,80 (três milhões, setecentos e um mil cinquenta e nove reais e oitenta centavos).
Mercado das Carnes Eireli– 50.252 cestas – processo 202 41000 000106 – contrato 23/2020 - valor R$ 3.701.509,80 (três milhões, setecentos e um mil cinquenta e nove reais e oitenta centavos).
De acordo, com os contratos firmados com os fornecedores selecionados na dispensa de licitação, a empresa contratada deveria iniciar o fornecimento dos produtos no máximo em 03 dias após o recebimento da autorização de fornecimento, embalado e prontos para carregar, devendo a entrega das cestas ser integral em até 180 dias. A SETAS seria responsável pela entrega das cestas básicas nos CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, Secretaria Municipal de Assistência Social, entidades religiosas, associações filantrópicas e abrigos dos 139 municípios. Todos os contratos foram assinados em 17/04/2020 Não constou do. projeto e nem dos contratos o quantitativo destinado para cada município nem qual seria a logística de distribuição nos munícipios.
Conforme consta das notas fiscais emitidas pelos 04 fornecedores selecionados na dispensa de licitação, a entrega das cestas à SETAS teve início no mês de maio e foi concluída em julho/2020, sendo que
(i) até 29/05/20 foram entregues 48,91%;
(ii) até 29/06/20, o total acumulado foi de 80,85%; e
(iii) até 27/07/20 os fornecedores concluíram 100% das cestas.
II – Projeto Tocantins Educando e Alimentando
Esse projeto tem como escopo a continuidade do combate aos efeitos negativos da pandemia caudada pelo coronavírus;
Segundo consta do projeto inicial, o mesmo recebeu um aporte financeiro de R$ 16.102.423,30 (dezesseis milhões, cento e dois mil, quatrocentos e vinte e três reais e trinta centavos), originários do Tesouro Estadual e destinados ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza - FECOEP-TO, por meio da Portaria 03/2020 de 24/07. Esses recursos destinavam-se à locação de 06 (seis) caminhões baú e aquisição e distribuição de 200.000 (duzentas mil) cestas básicas, entre famílias em situação de vulnerabilidade social, cadastradas ou não no CadÚnico, nos 139 (cento e trinta e nove) municípios tocantinenses;
Nos termos de sua apresentação, esse projeto não foi uma prorrogação ou continuação do projeto Tocantins Solidário, mas um projeto acessório com maior abrangência e com novos parceiros;
Foram novos parceiros, a Secretaria da Educação, Juventude e Esportes - SEDUC, que participaria da logística de entrega, disponibilizando locais, caminhões e identificação de familiares de alunos, bem como demais secretaria municipais de todo o Estado do Tocantins;
As Secretarias de Assistência Social dos municípios e unidades dos CRAS continuariam sendo referência na captação de famílias;
De acordo com o cronograma do Projeto, as cestas básicas seriam entregues nos municípios nos meses de julho, agosto e setembro de 2020, sendo realizado um relatório de atividades e monitoramento e a prestação de contas ao FECOEP/TO deveria ocorrer em novembro/2020.
Não consta dos autos documentação relativa à aquisição das 200 mil cestas básicas do Termo de referência, nem a logística da distribuição.
Consta dos autos o processo de dispensa de licitação nº 2020 41000 000304, referente à locação de 06 (seis) caminhões baú por um período de 05 (cinco) meses, vigência 06/10/2020 a 06/03/2021, no qual foram selecionados:
JP Multi Shows e Eventos Eireli – (01 caminhão) – Valor: R$160.000.00;
Transportadora APMO Eireli – (02 caminhões) – Valor: R$ 320.000,00;
PJP Transporte e Logística Ltda – (03 caminhões) – Valor: R$ 480.000,00
Quanto à execução dessa locação, constam dos autos apenas 03 (três) Notas Fiscais, emitidas uma por cada empresa:
JP Multi Shows e Eventos Eireli – NFe nº 07 – Valor: 32.000,00 – Data: 21/10/2020 – veículo locado: MWH3912 CARRETA: ETU2575;
Transportadora APMO Eireli - NFe nº 105 – Valor: 64.000,00 – Data: 21/10/2020 – veículo locado não identificado;
PJP Transporte e Logística Ltda - NFe nº 894 – Valor: 96.000,00 – Data: 22/10/2020– veículo locado não identificado.
III – Emendas Parlamentares
As emendas nas quais o município de Gurupi fora comtemplado com as cestas básicas foram executadas pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social-SETAS, nos meses de junho, julho, agosto e outubro/2020, por meio de dispensa de licitação. O contrato assinado pelos fornecedores seguiu a mesma minuta do contrato utilizada nos projetos descritos acima.
Dep. – Ricardo Ayres – Processo: 2020100000110
1.1 Foram disponibilizados R$ 299.952,00 (duzentos e noventa e nove mil, novecentos e cinquenta e dois reais) para aquisição de 4.800 (quatro mil e oitocentas) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 07 (sete) municípios;
1.2 Entrega das cestas à SETAS em 01/06/2020, conforme atestado na nota fiscal.
Dep. Leo Barbosa – Processo: 2020100000170
2.1 Foram disponibilizados R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para aquisição de 4.800 (quatro mil e oitocentas) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 05 (cinco) municípios;
2.2 Entrega das cestas à SETAS em 21 e 30/07/2020, conforme atestado nas notas fiscais.
Dep. Amélio Cayres – processo: 2020100000125
3.1 Foram disponibilizados R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para aquisição de 8.000 (oito mil) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 44 (quarenta e quatro) municípios;
3.2 Entrega das cestas à SETAS em 16/06 e 03/07/2020, conforme atestado nas notas fiscais.
Dep. Zé Roberto – Processo: 2020100000143
4.1 Foram disponibilizados R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) para aquisição de 19.200 (dezenove mil e duzentas) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 81 (oitenta e um) municípios;
4.2 Entrega das cestas à SETAS em 22/06, 28/07, 14/08 e 15/10/2020, conforme atestado nas notas fiscais.
Dep. Issam Saado– Processo: 2020100000156
5.1 Foram disponibilizados R$ 322.500,00 (trezentos e vinte e dois mil e quinhentos reais) para aquisição de 5.160 (cinco mil, cento e sessenta) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 14 (quatorze) municípios;
5.2 Entrega das cestas à SETAS em 30/07/2020, conforme atestado na nota fiscal.
Dep. Elenil da Penha – Processo: 2020100000246
6.1 Foram disponibilizados R$ 312.500,00 (trezentos e doze mil e quinhentos reais) para aquisição de 5.000 (cinco mil) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 43 (quarenta e três) municípios;
6.2 Entrega das cestas à SETAS em 31/08/2020, conforme atestado na nota fiscal.
Dep. Toinho Andrade – Processo: 2020100000253
7.1 Foram disponibilizados R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para aquisição de 4.800 (quatro mil e oitocentas) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 44 (quarenta e três) municípios.
7.2 Entrega das cestas à SETAS em 31/08/2020, conforme atestado na nota fiscal
Dep. Issam Saado - Processo: 2020100000346
8.1 Foram disponibilizados R$ 322.500,00 (trezentos e vinte e dois mil e quinhentos reais) para aquisição de 5.160 (cinco mil, cento e sessenta) cestas básicas, para serem distribuídas em Gurupi e mais 13 (treze) municípios;
8.2 Não consta dos autos nota fiscal emitida e nem atesto de recebimento.
IV – Reconhecimento de despesa
Consta dos autos processo nº 2020100000108, relativo a reconhecimento de despesa com aquisição de 5.000 (cinco mil) cestas básicas, no valor de R$ 312.500,00 (trezentos e doze mil e quinhentos reais), custeadas com recursos do tesouro estadual, distribuídas em Gurupi e mais 67 municípios.
Na sequência, a tabela 01- Quantidade de cestas entregue/estocadas na SETAS por mês, condensa o quantitativo de cestas básicas entregue mensalmente pelos fornecedores à SETAS e prontas para distribuição, considerando apenas os processos em que o município de Gurupi aparece como comtemplado na ação.
Tabela 01 – Quantidade de cestas em entregue/estocadas na SETAS por mês
Origem das cestas básicas | Meses em que consta entrega de cestas básicas à SETAS referentes aos processos nos quais o município de Gurupi fora contemplado | ||||||
Abril | Maio | Junho | Julho | Agosto | Outubro |
| |
Projeto Tocantins Solidário | 00 | 95.744 | 62.524 | 37.488 | 00 | 00 |
|
Projeto Tocantins Educando e alimentando | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 |
|
Emendas Parlamentares | 00 | 00 | 14.400 | 17.960 | 14.600 | 4.800 |
|
Reconhecimento de despesa | 5.000 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 |
|
TOTAL DO MÊS | 5.000 | 95.744 | 76.924 | 55.448 | 14.600 | 4.800 |
|
TOTAL ACUMULADO | 233.116 | 19.400 |
Fonte: Documentos: ID 5956159 a 59562190
Em comum, todos os termos de referência/contratos dos processos descritos nos itens I, II, III e IV (a) foram fundamentados no Decreto n° 6.070, de 18 de março de 2020, que determinou situação de emergência no Tocantins, em virtude dos impactos do novo Coronavírus; (b) autorizaram as aquisições por meio de compra direta/dispensa de licitação; (c) determinavam a obrigatoriedade de os fornecedores entregarem as cestas básicas embaladas (prontas para entrega) em sacos plásticos transparentes e resistentes; (d) estabeleciam que o transporte até os municípios seria realizado pela SETAS (com caminhões próprios e/ou locados); (e) informavam que a SETAS entregaria as cestas básicas nos CRAS-Centro de Referência de Assistência Social, Secretaria Municipal de Assistência Social, entidades Religiosas, Associações Filantrópicas e Abrigos; (f) determinavam que a entrega dos materiais seria acompanhada, controlada e avaliada por servidor responsável por essa atribuição (gestor do contrato indicado por portaria); e (g) tinham como objetivos específicos (i) garantir a segurança alimentar e (ii) o acesso e alimentação de qualidade.
O projeto Tocantins Solidário (autorizado em março/20) tinha a previsão de atender todos os municípios do Estado entre 45 (quarenta e cinco) e 60 (sessenta) dias. Já no projeto Tocantins Educando e Alimentando (autorizado em julho/20), a SETAS em parceria da SEDUC e com a contratação de 3 (três) caminhões estipulou a expectativa de conclusão do processo logístico em 90 (noventa) dias para atender todos os municípios do Estado.
Pelas informações condensadas acima, ficou cristalino o caráter de emergência/urgência da ação. Com a decretação do estado de calamidade pública em 18/03/2020, foi elaborado o Projeto Tocantins Solidário que teve seus recursos autorizados em 31/03/2020, a realização da dispensa de licitação concluída com assinatura dos contratos com os fornecedores em 17/04/2020 e a entrega à SETAS de 95.744 (noventa e cinco mil, setecentas e quarenta e quatro) cestas básicas em 29/05/2020, embaladas e prontas para distribuição, o que representa quase 50% (cinquenta por cento) das 195.756 (cento e noventa e cinco mil, setecentas e cinquenta e quatro) cestas básicas adquiridas no projeto. Ou seja, em menos de 02 (dois) meses, o governo do Estado já havia executado um projeto de mais de quatorze milhões de reais, tamanha a necessidade de amparo à sociedade.
Registre-se aqui que, a justificativa dos termos de referência, padrão para todas as aquisições foi:
(...) viabilizar o atendimento direto às famílias do estado do Tocantins, em resposta ao impacto financeiro causado pelas mediadas de prevenção e combate a transmissão do COVID-19 (corona vírus) e seus efeitos diretos na população do Estado do Tocantins, à necessidade de respeito à dignidade humana, sobretudo, em um momento de risco, perda e danos à integridade pessoal e familiar. (grifei)
Entretanto, em que pese o projeto Tocantins Solidário ter previsto atender todos os municípios do Estado entre 45 (quarenta e cinco) e 60 (sessenta) dias e o projeto Tocantins Educando e Alimentando estipular um prazo de 90 (noventa) dias para atender todos os municípios do Estado, não constam dos autos nenhum documento que comprove essa entrega no município de Gurupi dentro desse prazo.
Ressalte-se que, apesar do município de Gurupi ter sido contemplado no Projeto Tocantins Solidário e nas outras 10 (dez) ações descritas acima, que juntas totalizaram 233.116 (duzentas e trinta e três mil, cento e dezesseis) cestas, conforme demostrado na tabela 01, as únicas informações relativas a entrega de cestas básicas às famílias gurupienses antes do dia 05 de novembro de 2020 resumem-se em (i) um registro fotográfico (datado de 03 e 15/04/20) anexado ao Processo de reconhecimento de despesa (ID 59562182) mostrando a entrega de cestas básicas ao CRAS de Gurupi, sem indicar quantidades e, (ii) a matéria “Governo do Tocantins entrega cestas básicas para taxistas e mototaxistas em Gurupi, nesta quarta-feira, 13” (ID 59562158), publicada em 12/05/2020, noticiando a entrega de 642 (seiscentas e quarenta e duas) cestas básicas, cujos trechos são transcritos abaixo:
“(...)
Nesta quarta-feira, 13, a entrega dos mantimentos será para os profissionais de Gurupi. A ação ocorre na Central dos taxistas e mototaxistas de Gurupi.
O gestor da Setas, José Messias Araújo, destacou a determinação do Governo do Tocantins em atender a todos os 1.800 profissionais, taxistas e mototaxistas, do estado, nesse momento em que não conseguem trabalhar para prover a alimentação de suas famílias. “O Governo do Estado está presente cuidando da população tocantinense”, reafirmou.”
(...)
Ainda nesta quarta-feira, em Gurupi, a Setas entregará mais cestas básicas para outros trabalhadores autônomos e mais famílias vulneráveis. Segundo o secretário, “serão destinadas 200 cestas básicas aos mototaxistas, 80 para taxistas, 174 para famílias atendidas pela Apae de Gurupi, 60 para beneficiar famílias apoiadas pela liga de Combate ao Câncer, 68 cestas destinadas aos profissionais freteiros e ainda 60 aos chapas, totalizando 642 cestas básicas". (grifei)
Em suas contestações, os três investigados alegaram que (i) a distribuição de cestas básicas faz parte do programa de enfrentamento à COVID 19, sem a utilização da máquina pública para direcionar as doações a entidades e grupos vinculados à campanha dos Investigados, (ii) que não houve participação dos investigados nos supostos eventos e (iii) nem há provas de entrega destas em troca de votos.
Ressaltaram que a Lei nº 9.504/97, permite a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública nos casos de calamidade pública e que é público e notório o Decreto de Calamidade Pública publicado pelo Estado do Tocantins, que vige até a presente data, em razão da Pandemia ocasionada pelo COVID-19.
Como bem ressaltado na defesa dos investigados, os casos de calamidade pública são exceção à vedação de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, no ano em que se realizar eleição. Não é outro o teor do art. 73, § 10, da Lei das Eleições, já colacionado nesta decisão.
Entretanto, repiso, não é a distribuição das cestas básicas que está sendo denunciada, mas sim, o fato dessa distribuição ter sido realizada, com possível intuito eleitoreiro, somente às vésperas das eleições municipais, considerando que o Decreto de Calamidade Pública fora publicado em março/2020 e que entre os meses de abril e julho/2020 o governo do Estado já havia recebido dos fornecedores (e estocado) 233.116 (duzentas e trinta e três mil, cento e dezesseis) cestas básicas, prontas para serem distribuídas.
Os investigados não impugnaram os dados (valores, quantidades e datas de entrega pelos fornecedores) que comprovam a aquisição e recebimento pelo governo das cestas básicas acostados na inicial.
Doutra banda, o investigado Mauro Carlesse, governador do Estado também, não trouxe aos autos nenhum documento/informação no intuito de comprovar que a distribuição das cestas no município de Gurupi, fora realizada regularmente à medida que elas iam sendo entregues pelos fornecedores a partir de abril/2020 e continuado normalmente no decorrer do período eleitoral, pois como já esclarecido, esse seria um caso de exceção à vedação legal.
A participação e responsabilidade do investigado Mauro Carlesse é inquestionável, além de ser responsável pela gestão dos recursos destinados às ações de enfrentamento à COVID-19, como chefe do Poder Executivo tem, inerente ao cargo que ocupa, o dever de zelo.
Cabe ao governado do Estado, além de buscar recursos para amenizar o caos gerado pela pandemia, zelar por sua regular aplicação.
Os investigantes anexaram à inicial (ID 59562156) cópia da matéria “Governo do Tocantins entrega cestas básicas para famílias afetadas pela pandemia na região sul do Estado”, publicada em 06/11/2020, na página da Secretaria de Estado de Comunicação do Tocantins- Secom, onde o secretário da SETAS, José Messias Araújo, que esteve em Gurupi para acompanhar o início das entregas das cestas básicas, declarou:
“Em março, quando teve início a ação emergencial, o governador Mauro Carlesse determinou que fizéssemos um trabalho voltado para ajudar as famílias vulneráveis e as famílias impactadas pelo isolamento social. A ação começou em março de 2020 e a equipe da Setas não parou. A determinação do Governador é para que o alimento chegue à mesa dos mais necessitados, garantindo a segurança alimentar, o que é fundamental nesse momento de pandemia”. (grifei)
Também foi anexada à inicial (ID 59562157) matéria publicada no portal de notícias do governo do Tocantins: “Governo do Tocantins atende 17 entidades religiosas com a entrega de cestas básicas, em Gurupi”, publicada em 10/11/20, informando que:
“A ação de entrega de cestas básicas, executada pelo Governo do Tocantins, teve início com o Decreto n° 6.070, de 18 de março de 2020, quando o governador Mauro Carlesse determinou situação de emergência no Tocantins, em virtude dos impactos do novo Coronavírus. A aquisição e a distribuição de mais de 410 mil cestas básicas, por compra direta, são uma ação emergencial do Governo do Tocantins, por meio da Setas, para minimizar os efeitos da pandemia nas famílias mais vulneráveis do Estado.” (grifei)
A jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que é a responsabilidade pela prática ilícita é do Chefe do Executivo, pois, o agente público executor da conduta vedada atua como mero mandatário daquele. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO E VICE. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA.
Para os fins do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, há que se distinguir as situações em que o agente público que executa a conduta vedada atua com independência em relação ao candidato beneficiário, fazendo-se obrigatória a formação do litisconsórcio, e aquelas em que ele atua como simples mandatário, nas quais o litisconsórcio não é indispensável à validade do processo.
Na espécie, não existe litisconsórcio passivo necessário entre os agravantes chefes do Poder Executivo de Três Barras do Paraná/PR, candidatos à reeleição no pleito de 2012 e a secretária municipal de ação social que distribuiu o material de construção a eleitores no ano eleitoral, pois ela praticou a conduta na condição de mandatária daqueles.
Agravo regimental não provido. (AgR-REspe n° 311-08/PR, reI. Mm. João Otávio de Noronha, julgado em3.2014) (grifei)
À minga das informações prestadas pelos investigados, em especial pelo investigado Mauro Carlesse, responsável direto pela ação/projeto, realizada por meio da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – SETAS, durante a instrução, por meio do ofício nº 2424/2021-PRES/2ªZE (ID 96731996), foram solicitados a essa Secretaria informações/documentos relativos à distribuição das cestas básicas no Município de Gurupi, no período de 01/06/2020 a 15/11/2020, bem como os dados/documentos/informações referentes ao Projeto Tocantins Solidário, cuja liberação de recursos foi aprovada pela Res. 01/2020, de 31 de março de 2020, especificamente quanto ao (i) Resultado da “coleta de dados para levantamento de demandas”; (ii) Relatório de atividades e monitoramento e; (iii) Prestação de contas ao FECOEP, ainda que parcial.
Essa solicitação não foi atendida. Na resposta dada, sequer mencionaram tal projeto. Em vez disso, trouxeram informações acerca do projeto Tocantins Educando e Alimentando que, conforme detalhamento dos projetos e emendas parlamentares anexados à inicial, nos quais o município de Gurupi fora contemplado, não consta a execução da parcela dos recursos desse projeto destinada à aquisição das cestas básicas, mas apenas a execução da parcela destinada à locação de caminhões baú para distribuição dessas cestas nos municípios do Estado. Importante ressaltar que, essas 200.000 (duzentas mil) cestas básicas informadas na resposta à diligência sequer foram somadas na planilha apresentada.
Feitos esses esclarecimentos, vamos às informações/justificativas/documentos apresentadas pela SETAS.
Foram encaminhados dois ofícios, no primeiro (ID 97219425), OFÍCIO Nº 1369/2021GABSEC, de 27/09/2021, a SETAS informou que (i) tais cestas foram oriundas do processo nº 293/2020, cujo objeto é aquisição de 200.000 (duzentas mil) cestas básicas, para atender famílias em vulnerabilidade e risco social no Estado do Tocantins, em razão do estado de emergência e calamidade pública provocado pela pandemia da COVID-19, (ii) que a entrega das cestas básicas é realizada através da seleção de Entidades e Associações sem fins lucrativos, as quais enviaram solicitação via Ofício e Lista de Beneficiários, e (iii) comprovada mediante assinatura de Termo de Entrega. Juntou ao ofício cópia da portaria de viagem nº 307/2020 (ID 97219427) autorizando o deslocamento do veículo L200, placa QKJ 5793, para Gurupi, no período de 09 a 12/11/2020, para transportar servidores para realizar entrega de cestas básicas e, cópias de 20 termos de entrega (ID 97219426) referentes à distribuição de 3.510 (três mil quinhentas e dez) cestas básicas, no período de 05/11 a 10/11/20, para as entidades listadas na tabela abaixo.
Tabela 02 – Entidades beneficiadas com as cestas básicas x quantidade x data de entrega
Entidade beneficiada | Quantidade | Data de entrega |
Igreja do Evangelho Quadrangular | 1.000 | 05/11/2020 |
APODEFITINS | 110 | 05/11/2020 |
ASCOME-Associação de Compositores e Músicos de Gurupi | 154 | 05/11/2020 |
ASCOME-Associação de Compositores e Músicos de Gurupi | 53 | 05/11/2020 |
AGABE | 190 | 05/11/2020 |
APAE | 173 | 06/11/2020 |
Creche Espírita Pré-Escola Maria Madalena | 288 | 06/11/2020 |
Instituição Beneficente Irmã Dulce | 522 | 06/11/2020 |
Creche Irmã Dulce | 150 | 06/11/2020 |
Associação Berçário Espírita Maria de Nazaré | 40 | 06/11/2020 |
Igreja Pentecostal Pescando Almas para Jesus Cristo | 200 | 06/11/2020 |
Paróquia Nossa Senhora da Conceição | 50 | 07/11/2020 |
Casa Resgatando Vidas Maanaim | 125 | 07/11/2020 |
Associação Pró Ambiente | 11 | 07/11/2020 |
Igreja Evangélica Assembleia de Deus | 66 | 07/11/2020 |
Núcleo da Liga Feminina de Prevenção do Câncer de Mama | 73 | 07/11/2020 |
Sociedade São Vicente de Paulo | 49 | 07/11/2020 |
Sociedade São Vicente de Paulo | 89 | 07/11/2020 |
Igreja Evangélica Assembleia de Deus Ministério de Madureira | 67 | 07/11/2020 |
Igreja Assembleia de Deus Madureira | 100 | 10/11/2020 |
TOTAL | 3.510 |
|
Fonte: Termos de entrega - ID 97219426
No segundo ofício (ID 98173655), o secretário do Trabalho e Desenvolvimento Social anexou ofício do presidente do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza - FECOEP-TO (ID 98173666), apresentando manifestação “favorável à Prestação de Contas Parcial apresentada”.(sic)
Segundo o presidente do FECOEP, o ofício a ele encaminhado (OFÍCIO Nº 817/2021/GABSEC - SGD: 2021/41009/007277. PROCESSO 2021/40000/000071), refere-se à Prestação de Contas Parcial do Projeto – Educando e Alimentando, para ao qual apresentou as seguintes informações:
“Considerando que o Projeto foi aprovado pela Resolução Nº 03/2020, de 24 de julho de 2020, no valor de R$ 16.102.423,30 (dezesseis milhões cento e dois mil quatrocentos e vinte e três reais e trinta centavos) e aditivado no valor de R$ 13.519.694,00 (treze milhões quinhentos e dezenove mil seiscentos e noventa e quatro reais), conforme Resolução Nº 04/2020, de 16 de dezembro de 2020, totalizando um valor de R$ 29.622.117,30 (vinte e nove milhões, seiscentos e vinte e dois mil, cento e dezessete reais e trinta centavos; Considerando que foram apresentados relatórios financeiros e técnicos comprovando a execução de R$ 20.621.934,00 (vinte milhões, seiscentos e vinte e um mil e novecentos e trinta e quatro reais), quais sejam 69,62% do projeto; Considerando que foram comprovadas, mediante os processos apresentados, as ações em execução, necessárias ao cumprimento do Projeto, e que o mesmo encontra-se em situação regular quanto ao desenvolvimento pretendido; Diante das considerações aqui expostas, e, cumpridas todas as exigências básicas para a continuidade do Projeto, cumpre a este Conselho se manifestar favorável à Prestação de Contas Parcial apresentada”. (grifei)
A esse ofício foi anexado o “ACOMPANHAMENTO POR MUNÍCIPIO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS RECURSO FECOEP/TOCANTINS EDUCANDO E ALIMENTAND EM ATENDIMENTO A PANDEMIA DA COVID-19 - EXECUÇÃO - Processo 2020 4100 000293”, assinado pela Diretora do Sistema Único de Assistência Social e Programas Especiais, que se consubstanciou em uma tabela com a distribuição de 200.000 (duzentas mil) cestas básicas entre os 139 (cento e trinta e nove) municípios do Tocantins. De acordo com essa tabela, o município de Gurupi foi contemplado com 32.978 (trinta e duas mil, novecentos e setenta e oito) cestas básicas. Na sequência do anexo foi apresentado um “relatório fotográfico referente às entregas em Gurupi” (sic).
Da análise conjunta das informações estampadas nos dois ofícios encaminhados pela SETAS, temos que as 3.510 (três mil, quinhentas e dez) cestas básicas distribuídas às entidades listadas na tabela 02, no período de 05/11 a 10/11/20, são parte do projeto Tocantins Educando e Alimentando, o qual destinou ao município de Gurupi, 32.978 (trinta e duas mil, novecentos e setenta e oito) das 200.000 (duzentas mil) cestas básicas adquiridas com recursos destinados ao projeto em julho e dezembro de 2020.
Quanto às informações constantes do ofício do presidente do FECOEP, relativas ao projeto Tocantins Educando e Alimentando, verificamos que, apesar de ter sido declarado pelo presidente que o projeto se encontra com 69,62% (sessenta e nove virgula sessenta e dois por cento) dos recursos regularmente executados, de acordo com a soma dos 20 termos de entrega anexados no primeiro ofício, o município de Gurupi recebeu apenas 3.510 (três mil, quinhentas e dez) das 32.978 (trinta e duas mil, novecentos e setenta e oito) cestas básicas que lhes fora destinadas, ou seja, apenas 10,64% (dez virgula sessenta e quatro por cento) do total que teria direito.
Em relação a essas informações encaminhadas pela SETAS, o Membro do Ministério Público, em alguns trechos de seu parecer asseverou que:
“O Estado do Tocantins pecou na forma de distribuição, pois, conforme informado no OFÍCIO Nº 1369/2021GABSEC, parte das cestas básicas foi entregue por entidades e associações sem fins lucrativos, ou seja, o Estado delegou a essas entidades a entrega das cestas, sem se preocupar com a destinação dada aos alimentos, não fiscalizando a entrega efetiva dos mantimentos e quais os critérios de eleição dos beneficiários”
(...)
Chama a atenção que todas as entidades acima relacionadas receberam as cestas na primeira quinzena do mês de novembro/2020, a poucos dias da eleição municipal, o que demonstra o claro intuito do terceiro investigado, então Governador do Estado, de interferir no resultado das eleições municipais, ao entregar cestas básicas nas vésperas do pleito.
Um outro dado ainda mais estarrecedor merece atenção: o exorbitante número de cestas básicas distribuídas em Gurupi, quando comparado aos demais municípios do Estado.
De acordo com o OFICIO Nº 1436/2021/GABSEC, juntado no ID nº 98173655 e tabela de “ACOMPANHAMENTO POR MUNICIPIO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS RECURSO FECOEP/TOCANTINS EDUCANDO E ALIMENTAND EM ATENDIMENTO A PANDEMIA DA COVID-19 - EXECUÇÃO - Processo 2020 4100 000293”, juntada no ID Nº 98173666, do total de 200.000 (duzentas mil) cestas básicas distribuídas no Estado do Tocantins, o Município de Gurupi foi beneficiado com 32.978 (trinta e duas mil novecentas e setenta e oito) cestas básicas.
A proporção de cestas básicas distribuídas por habitante no Município de Gurupi foi muito superior às dos demais municípios do Estado, senão vejamos:
Município | População estimada pelo IBGE no ano 2021 | Cestas distribuídas | Relação cesta /habitante |
PALMAS | 313.300 | 56.118 | 0,18 |
ARAGUAÍNA | 186.200 | 9.149 | 0,05 |
GURUPI | 88.400 | 32.978 | 0,37 |
PORTO NACIONAL | 53.600 | 5.649 | 0,11 |
PARAÍSO DO TOCANTINS | 52.500 | 2.370 | 0,05 |
(...)
Também merece destaque que do total de 32.978 (trinta e duas mil novecentas e setenta e oito) cestas básicas distribuídas em Gurupi, apenas 3510 (três mil quinhentas e dez) foram distribuídas pelas entidades relacionadas, sendo as demais supostamente distribuídas pelas caminhonetes, de bairro em bairro, conforme relatado pelas testemunhas, ou na residência do pai do investigado Gleydson Nato, conforme declarações resumidas das testemunhas/informantes arroladas pelos investigantes.”
Razão assiste ao Mistério Público ao considerar que o Estado “pecou na forma de distribuição (...), não fiscalizando a entrega efetiva dos mantimentos e quais os critérios de eleição dos beneficiários” (sic), pois, nas exatas palavras do secretário da SETAS, exaradas no ofício nº 1369/2021GABSEC, de 27 de setembro de 2021:
“(...)
2. Informamos também, que a entrega das cestas básicas é realizada através da seleção de Entidades e Associações sem fins lucrativos, as quais nos enviam solicitação via Ofício e Lista de Beneficiários, e a entrega é comprovada mediante assinatura de Termo de Entrega.” (grifei)
Observa-se, também, no trecho transcrito que, nem todas as Entidades e Associações sem fins lucrativos do município foram selecionadas, ficando ao arbítrio do Estado selecioná-las sem informar quais critérios utilizados e, também que a lista de beneficiados foi elaborada pelas entidades/associações, sem nenhum controle pelo governo do Estado.
Ocorre que tal informação é diametralmente oposta ao previsto na apresentação do projeto em comento (ID 59490847, p. 7/8) que determinava:
(...)
Este projeto visa o atendimento de famílias tocantinenses em processo de exclusão social, por fatores econômicos, ou seja, em situação de vulnerabilidade social. Assessório a este perfil de público alvo, para este projeto será concomitantemente atendidos em parceria com a SEDUC - Secretaria da Educação, Juventude e Esportes, bem como demais secretaria municipais de todo o estado do Tocantins, famílias dos alunos da rede pública estadual e municipal que se encontram nas condições especificadas neste e no parágrafo anterior.
(...)
A parceria com a Secretaria Estadual da Educação, Juventude e Esporte, visa facilitar o atendimento e o processo logístico da entrega das cestas, onde a mesma disponibilizará caminhões para tal processo e com informações necessárias para identificar familiares de alunos, bem como o local de necessidade de entrega das mesmas.
A parceria com as Secretarias de Assistência Social dos municípios e unidades dos CRAS continuam sendo referência na captação de famílias”. (grifei)
Como se vê, toda a seleção/identificação dos beneficiários desse projeto deveria ser realizada pela SEDUC - Secretaria da Educação, Juventude e Esportes, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Assistência Social e Unidades do CRAS e não da forma como foi realizada.
Evidencia-se, portanto, que apesar da clareza do pedido, o investigado Mauro Carlesse, que conforme demostrado nos trechos das reportagens acima, tinha conhecimento e participava ativamente da ação, não logrou êxito em demonstrar que a distribuição das cestas básicas realizada em Gurupi foi parte de uma ação legalmente autorizada. Ao contrário, os únicos documentos apresentados e informações prestadas dão conta de uma distribuição feita às vésperas das eleições (dez dias anteriores) e sem nenhum dos critérios estabelecidos no projeto inicial.
Na produção da prova oral, os investigados afirmaram que nos testemunhos “a maioria não viu e/ou presenciou tal fato, quando muito, “ouviram dizer” ou “tiveram notícias”(sic) e, quanto aos testemunhos de Neilde Barbosa de Sousa, Luan Henrique Vieira Silva e Alfeu Protásio Ferreira de Lacerda que afirmam terem visto a participação do então candidato a Vice-Prefeito, Gleydson Nato na distribuição de cestas básicas, destacam que a primeira tem fortes ligações com o investigante Eduardo Fortes, o segundo tem interesse na ação e foi orientado pelo advogado Thiago Benfica e o terceiro manteve contato direito com a testemunha Neilde, sendo influenciado por ela.
Nesse ponto, necessário ponderar o prejuízo que é para a busca da verdade real, a oitiva de partes e testemunhas em ambiente virtual, principalmente pela falta de contato direto com a prova e dificuldade de controlar quem esta assistindo os depoimentos anteriores, ou seja, não há garantia de incomunicabilidade das testemunhas, não obstante em razão da pandemia covid-19, não há outra alternativa. Nesse toar, esta modalidade de prova deve ser analisada com muita parcimônia, nos precisos termos do art. 23 da Lei Complementar 64 de 18 de maio de 1990.
Foi com esse cuidado que este Juízo ponderou tudo que foi dito pelos depoentes.
Durante as audiências de oitivas, as testemunhas arroladas pelos investigados não acrescentaram nenhuma informação relevantes nem apresentaram fatos que confirmassem a regularidade da distribuição das cestas básicas em Gurupi.
Já as testemunhas indicadas pelos investigantes, estou convencido que a maioria não tem a idoneidade necessária para trazer certeza ao meu convencimento, salvo os depoimentos de ALFEU PROTÁSSIO FERREIRA DE LACERDA e ARIOVALDO RIBEIRO NOGUEIRA.
Verifico que a testemunha RONALDO FONSECA não pode ser considerada suas declarações porque ouviu parte do depoimento anterior, tendo sido ouvida como informante.
A testemunha ERNANDES FONSECA, apesar de negar que tenha interesse na causa, relatou que participou de carreata da coligação investigante, e, no seu desejo de não prejudicar os investigantes, relatou que não sabe se houve distribuição de cestas básicas pela municipalidade, fato este notório, principalmente para ele que tinha cargo comissionado na administração municipal, ficando claro que suas declarações não merecem credibilidade.
A terceira testemunha ouvida NEILDE BARBOSA DE SOUSA, também compromissada, não merece credibilidade suas informações, de chofre observo que a mesma relatou que não estava sozinha em seu depoimento, informando que sua filha estava no mesmo local, como dito anteriormente esta é uma dificuldade da audiência virtual, qual seja a falta de incomunicabilidade da testemunha. Cinge-se que no evento (93928443 outros documentos Part15, aos 04:58), pede ajuda para a filha responder pergunta, sendo que mais a frente confessa que durante todo depoimento a filha estava presente, evento (93928444 outros documentos part16, aos 0:35 segundos).
Já a testemunha Ariovaldo Ribeiro Nogueira, de forma segura e espontânea, relatou em síntese, que recebeu a cesta em sua casa, transportadas por camionetes do Estado e com a participação de Denisvan (conhecido como Denis) que trabalhou na campanha dos investigados e pedia apoio à candidata Josi Nunes. Também informou que para receber a cesta era necessário informar os números do CPF e do título de eleitor. Cinge-se que a testemunha ALFEU PROTASSIO informou que tinha conhecimento que ARIOVALDO recebeu cesta.
Desta forma, apesar de todos os percalços citados acima quanto à realização de audiência virtual, os senhores ALFEU PROTÁSSIO FERREIRA DE LACERDA e ARIOVALDO RIBEIRO NOGUEIRA corroboraram os fatos trazidos na inicial.
Em suas alegações finais, os investigados repisam que a distribuição das cestas se deu por ato do Governo do Tocantins em decorrência da necessidade de se enfrentar os reveses da pandemia causada pela COVID-19 e que não há nos autos provas de que participaram dos supostos eventos e nem de entrega de cestas em troca de votos.
Como já esclarecido anteriormente, na hipótese da conduta vedada de que trata o art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, a responsabilidade do investigado Mauro Carlesse, Chefe do Executivo Estadual é automática, inerente ao próprio exercício do cargo, assim como lhe é inato o dever de zelo pela coisa pública.
Doutra banda, o apoio do investigado Mauro Carlesse aos investigados Josi Nunes e Gleydson Nato foi declarado desde o início da Campanha, inclusive com participação em propagandas eleitorais, caminhadas, divulgação em redes sociais e demais meios de propaganda permitido. Inúmeras são as fotos e vídeos juntados aos autos que comprovam esse apoio (ID 59412951).
Cabe relembrar que no subitem 2.2.5 desta sentença, que trata especificamente da utilização de veículos por seguranças que acompanharam o governador na caminhada realizada em 07/11/2020, o então comandante Silva Neto, da Casa Militar, em depoimento, informou que a Casa Militar envia agentes de segurança em todas as viagens do Governador independente de qual seja o compromisso. E, que o mesmo esteve com seus seguranças por várias vezes em Gurupi.
Não restam dúvidas do prévio conhecimento dos fatos pelo investigado Mauro Carlesse, bom como de responsabilidade na distribuição das cestas com intuito final de beneficiar a campanha dos investigados Josi Nunes e Gleydson Nato.
Ressalte-se, assim que, nos termos do art. 73, §§ 5º e 8º da Lei 9.504/97, os investigados Josi Nunes e Gleydson Nato, uma vez beneficiados pela conduta vedada, devem ser alcançados pelas sanções previstas na citada lei. No mesmo sentido é a jurisprudência assentada no Tribunal Superior Eleitoral. Vejamos:
“[...] Conduta vedada a agentes públicos. Prefeito e vice-prefeito. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97. [...] Candidatos beneficiados. Incidência da penalidade de multa. Vínculo político entre agente público e beneficiários. [...] 3. As penalidades pela prática de conduta vedada recaem tanto sobre os agentes públicos que praticaram o ilícito quanto sobre os beneficiários do ato, tenham ou não, estes, vínculo com a Administração Pública, nos termos do art. 73, § 8º, da Lei das Eleições. 4. Na hipótese vertente, a Corte Regional goiana consignou que o agente público responsável pela prática da conduta descrita no art. 73, § 10, da Lei das Eleições foi o então prefeito de Castelândia/GO, cujo ato beneficiou as candidaturas dos ora recorrentes, em razão da estreita relação política entre eles e o notório apoio dado à campanha destes. [...]” (Ac. de 15.8.2019 no AgR-AI nº 24771, rel. Min. Edson Fachin.) (grifei)
Quanto a alegação de que não há provas da entrega de cestas em troca de votos, devo esclarecer que o bem jurídico protegido pelo no art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 não é outro senão a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral. Não versa a denúncia de ilícitos pertinentes à captação ilícita de voto.
Nas palavras do Min. Admar Gonzaga, proferidas no voto-vista do REspe nº 45-35.2016.6.13.0337/MG, em 19/06/2018, para a configuração do ilícito eleitoral previsto no art. 73 da Lei n° 9.504/97 basta, puro e simplesmente, o desequilíbrio entre os candidatos ao pleito vindouro, não se tratando do comprometimento propriamente dito do voto livre do eleitor. Vejamos:
Finalmente, aponte-se o declínio de todas as alegações, porquanto todas as que compõem as razões de recurso são irrelevantes para o deslinde da questão, seja bastante, para fins de configuração do ilícito previsto no art. 73, § 10, da Lei das Eleições e aplicação das sanções previstas nos §§ 4° e 50 do mesmo dispositivo legal, que ocorra a distribuição gratuita de benefícios por parte da Administração Pública em ano eleitoral, como ocorreu e nestes autos resta comprovada.
Neste sentido, tem-se comportado a jurisprudência ao esgotamento quando releva a potencialidade de a conduta comprometer o resultado do pleito, esta condição indispensável para a configuração do ilícito eleitoral, previsto no art. 73 da Lei n° 9.504/97, esclarecendo-se aqui por necessário, que se não trata de discutir captação ilícita de sufrágio, dado não dizer respeito ao comprometimento propriamente dito do voto livre do eleitor, mas, pura e simplesmente, do equilíbrio entre os candidatos ao pleito vindouro. E não é qualquer distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios que se reconhece aqui como apta a afrontar o § 10 do art. 73, dizendo esta, somente respeito àquelas capazes de ofender o bem jurídico tutelado pela lei eleitoral: a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral. Em suma, os atos e ações do Poder Público, incapazes de desequilibrar a disputa eleitoral ou de influenciarem no resultado das eleições (art. 73, caput, da Lei Eleitoral), não foram aqueles que estão a sofrer, neste caso, limitação, pelo Direito Eleitoral que ora se aplica, pois o bem jurídico, a igualdade ante a submissão ao sufrágio, protegida pela lei eleitoral, precisa ser salvaguardada. O Direito Eleitoral nunca pretende impor injustificadas barreiras às atividades normalmente desenvolvidas pela Administração Pública, salvo aquelas inseridas na própria Constituição da República (art. 14, § 9°), sob pena de afrontar outros princípios constitucionais. (...)
VOTO-VISTA: (REspe nº 45-35.2016.6.13.0337/MG) – Ministro Admar Gonzaga- sessão 19/06/2018 (grifei)
Os investigados também afirmam que, a documentação probatória constante dos autos, demonstram que as cestas foram direcionadas ao município de Gurupi/TO, pelo Governo do Tocantins, em período que antecedeu e muito ao período de campanha eleitoral, e que já estavam sendo distribuídas desde a data de 01/06/2020, sendo que, consoante solicitação deste Juízo, informou-se o total destinado a Gurupi/TO até data de 15/11/2020.
No meu sentir, não há dúvidas quanto ao fato de que as cestas foram adquiridas em decorrência da necessidade de se enfrentar os efeitos negativos causados pela COVID-19. Isso ficou claro na análise dos 11 (onze) processos detalhados acima. Entretanto, em momento algum restou comprovado o envio/distribuição dessas cestas no município de Gurupi, na regular execução da ação acobertada pela exceção do estado de calamidade pública. O que consta do conjunto probatório juntado pelos investigantes são provas de que os fornecedores entregaram regularmente à SETAS todas as cestas que o Governo do Estado adquiriu, e, isso sim, se iniciou em 01/06/2020, conforme bem detalhado na tabela 01 acima.
Esclareço, também, que numa leitura com mais vagar, será possível para os investigados perceberem que a informação encaminhada a este Juízo pela SETAS, acerca do quantitativo de 32.978 (trinta e nove mil, novecentas e setenta e oito) cestas básicas, das quais foram distribuídas apenas 3.510 (três mil, quinhentas e dez), se refere apenas ao projeto Tocantins Educando e Alimentando que tinham recursos destinados à aquisição de 200.000 (duzentas mil) cestas básicas e locação de 06 (seis) caminhões para realizar o transporte dessas cestas para todos munícipios tocantinenses. Com a simples soma do quantitativo destinado a cada município, chega-se ao total geral apenas desse programa. Não existindo, a menor possibilidade, matemática, desse total se referir “ao total destinado a Gurupi/TO até data de 15/11/2020” (sic), uma vez que, o município de Gurupi também fora contemplado nos outros 10 (dez) processos de aquisição de cestas básicas, quais sejam, nas 08 (oito) emendas parlamentares, em 01 (um) reconhecimento de dívida e em 01 (um) projeto: Tocantins Solidário.
Registro que documentos (enviados pelo próprio Governo, por meio da SETAS) que informam/comprovam que a camionete L200 utilizada na distribuição das cestas (nas ruas e residências às vésperas da eleição/20) estava a serviço do Estado, com autorização de deslocamento para Gurupi, no período de 09 a 12/11/2020, para transportar servidores para realizar entrega de cestas básicas (ID 97219427).
Restou evidenciado nos autos que, o Governo do Estado utilizou as cestas básicas adquiridas para amenizar o caos que assolou as famílias gurupienses em função da pandemia para beneficiar a campanha dos investigados Josi Nunes e Gleydson Nato, utilizando para isso a máquina administrativa do Estado. Desviando-se, pois, da finalidade precípua da ação desenvolvida e, via de consequência praticando a conduta vedada no § 10, do art. 73, da Lei 9.504/97.
A jurisprudência do TSE é no sentido de que a vedação do § 10, do art. 73, da Lei 9.504/97 é para proteger o eleitorado não o deixando à mercê dos programas assistencialista, por isso as exceções são para casos extremamente graves como as calamidades públicas. Vejamos:
O art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, ao vedar em ano eleitoral a "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública", estabelece, como exceções, as hipóteses de "calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior".
O objetivo, primordial do legislador é salvaguardar a vontade do eleitorado - e, por conseguinte, a lisura do pleito e a isonomia entre candidatos - de programas assistenciais de cunho oportunista, por meio dos quais se manipula a miséria 'humana e a negligência do Estado 'em áreas sensíveis como, por exemplo, saúde e educação. RESPE Nº 4535 (REspe) - MG, Ac. DE 19/06/2018, Relator(a) Min. Jorge Mussi
No mesmo sentido, quanto ao tema, a doutrina de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 2017 p. 786) dispõe que:
[...] Quer-se evitar a manipulação dos eleitores pelo uso de programas oportunistas, que, apenas para atender circunstâncias políticas do, momento, lançam mão do infortúnio alheio como tática deplorável para obtenção de sucesso nas urnas.(grifei)
Repiso, não é a distribuição das cestas básicas em função do estado de calamidade pública que está sendo julgado, mas sim, o fato dessa distribuição ter sido realizada, com intuito eleitoreiro, somente às vésperas das eleições municipais, considerando que o Decreto de Calamidade Pública fora publicado em março/2020 e que entre os meses de abril e julho/20 o governo do Estado já havia recebido dos fornecedores (e estocado) 233.116 (duzentas e trinta e três mil, cento e dezesseis) cestas básicas, prontas para serem regularmente distribuídas.
Observo que numa matemática simples, como informado pelo “parquet’, foram distribuídas 0,12 cestas por habitantes do Estado do Tocantins, enquanto que em Gurupi foram distribuídas 0,37 cestas por habitante, ou seja o triplo do Estado. Concluir que esta desproporcionalidade é mera coincidência, tendo acontecido na cidade em que o excelentíssimo Governador Mauro Carlesse tem seu reduto eleitoral e teve participação ativa na campanha, nem com uma ingenuidade Franciscana é possível concluir que não havia interesse de cunho eleitoral. Lembro que política não é palco para inocentes.
Por certo que a aquisição de cestas básicas em momento pandêmico, tem valor humanitário elevado, mas daí, utilizar este momento excepcional, em que boa parte da população esta passando dificuldades financeiras, obviamente passando fome, para desvirtuar a liberdade do voto, isto se traduz também em corrupção.
Por todo o exposto, tenho que o conjunto probatório carreado aos presentes autos, demonstram que Mauro Carlesse procurando se albergar na exceção prevista no citado § 10, do art. 73, da Lei 9.504/97, deliberadamente, distribuiu cestas básicas aos eleitores de Gurupi às vésperas da eleição municipal/2020, desequilibrando a igualdade de oportunidade entre os candidatos e, via de consequência, beneficiou os investigados eleitos Josi Nunes e Gleydson Nato.
Diante do exposto e restando, pois, configurada a conduta vedada, art. 73, §10, da Lei nº 9.504/1997, a procedência do pedido é medida que se impõe.
No item 2.2.7. foi denunciado o abuso de poder político e econômico através de contratação e pagamento de sites de notícias para veicular matérias em benefício dos investigados.
Narram os investigantes que o investigado Mauro Carlesse teria contratado, indiscriminadamente em ano eleitoral, os portais jornalísticos (a) https://claudemirbrito.com.br/, (b) http://www.geronimocardoso.com.br/, (c) https://www.tribunadopovo.net.br/ e (d) Repórter Bruno Gomes-Rede TV de Belém/PA, com o claro objetivo de promover ilegalmente a candidatura dos Investigados Josi Nunes e Gleydson Nato Pereira, bem como prover propaganda eleitoral negativa contra os investigantes.
Verifica-se que os investigantes juntaram farta documentação que comprova que o Estado realiza sua publicidade por meio das agências de publicidade: Agência Casa, TV3, Public Propaganda, Ginga Propaganda e Propaganda Desigual e que Claudemir Brito, Tribuna do Povo e Gerônimo Cardoso foram remunerados por esses contratos. Entretanto, não lograram êxito em demonstrar vínculo entre essas contratações e a companha dos investigados Josi Nunes e Gleydson Nato.
Como bem ressaltado pelos investigados, a liberdade de expressão é garantida pela Constituição Federal/88.
Observo que as mídias apresentadas não vieram ao mundo com o signo do anonimato. Também, verifica-se que nas matérias veiculada nos portais os jornalistas/repórteres se restringiram a emitir opinião própria acerca de fotos ocorridos.
Ademais, como também constatado pelo Órgão do Ministério Público, as notícias mencionadas relatam fatos, não se observando a existência de invencionices com o propósito deliberado de prejudicar os investigantes. (sic)
É certo, que embora seja livre a manifestação do pensamento, tal direito não é absoluto. Assim, os órgãos da imprensa devem sempre estar atentos à veracidade das notícias, buscando fontes fidedignas, ouvindo as partes interessadas e afastando qualquer dúvida quanto à veracidade do que veiculará.
Ressalto que, a intenção da norma estampada no art. 326-A, do Código Eleitoral é deixar claro a necessidade de segurança na informação e estancar condutas temerárias como o flagelo das notícias falsas.
Entretanto, utilizar o novel dispositivo para retirar de circulação toda e qualquer notícia que cause desagrados, seria distorcer o espírito da norma.
Por fim, como dito anteriormente, o fato desses sites serem utilizados na contratação de propaganda institucional pelo Governo do Estado, por si só, não leva a conclusão de que a propaganda realizada a favor dos investigados e em descredito dos investigantes tenham sido pagas pelos cofres públicos. Assim, a denúncia relativa a esse item não deve prosperar.
Realizada, portanto, a análise dos fatos à luz das premissas estabelecidas com fundamento na legislação eleitoral vigente e na melhor jurisprudências dos tribunais eleitorais em especial do Tribunal Superior Eleitoral, restou fartamente comprovado a prática dos ilícitos constantes dos subitens 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.7.
Antes, porém, de passar ao dispositivo desta sentença cabe ressaltar que razão assiste aos investigados quando alegam na contestação e repisam nas alegações finais que "para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral verificar, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, a existência de abuso de poder e de conduta vedada graves, suficientes para ensejar a severa sanção eleitoral." (sic)
Outro não foi o trabalho desenvolvido por esta Justiça Especializa.
Sem dúvidas, o resultado das eleições é uma das principais manifestações da soberania popular, lembro o disposto na Carta Magna, art. 1º, parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, entretanto, esse poder só será legítimo se o eleitor puder exercer seu direito constitucional de votar de forma livre e consciente.
Por certo que o fundamento do processo eleitoral é a liberdade democrática, decorrente de eleições legítimas, obviamente livre do abuso de poder político ou econômico. E, conforme jurisprudência pacificada, compete à Justiça Eleitoral zelar pela lisura do processo eleitoral e dos bens tutelados pelo Direito Eleitoral que são, entre outros, a legitimidade e normalidade das eleições, higidez da campanha, igualdade na disputa e liberdade do eleitor. Não obstante, fundado nesse mesmo dever de zelo, a presente decisão deverá ser cumprida somente após o trânsito em julgado, pois todos jurisdicionados merecem editos judiciais certos, visando proporcionar a todos indistintamente segurança jurídica.
DISPOSITIVO
ISTO POSTO, por medida de inteira Justiça, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados na petição inicial e, via de consequência:
1) DECLARO AS INELEGIBILIDADES de MAURO CARLESSE, JOSINIANE BRAGA NUNES e GLEYDSON NATO PEREIRA pelo prazo de 8 (oito) anos, subsequentes à eleição em que se verificou a ocorrência das condutas ilícitas apuradas (ano de 2020), pela prática de abuso de poder político, nos termos do art. 22, inciso XIV e XVI, da LC 64/90;
2) CASSO OS DIPLOMAS E MANDATOS ELETIVOS de JOSINIANE BRAGA NUNES, do cargo de Prefeita, e de GLEYDSON NATO PEREIRA, do cargo de vice-prefeito obtidos nas Eleições Municipais de 2020, com fundamento no art. 73, § 4º e 5º, da Lei 9.504/97, por terem sido diretamente beneficiados pela interferência do poder político, consubstanciada na prática das condutas vedadas descritas no inciso III e no § 10, todos do art. 73, da Lei 9.504/97, por MAURO CARLESSE;
3) DETERMINO o afastamento do cargo de Prefeita e Vice-Prefeito do Município de Gurupi/TO dos investigados JOSINIANE BRAGA NUNES e GLEYDSON NATO PEREIRA, respectivamente, após o trânsito em julgado;
4) DETERMINO a remessa de cópia dos presentes autos ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estados para, querendo, apurem possíveis ilícitos afetos às searas cível, penal e administrativa;
PRI
Após o trânsito em julgado, ao Cartório Eleitoral para as anotações de praxe.
Gurupi/TO, 04 de dezembro de 2021.
NILSON AFONSO DA SILVA
Juiz da 2ª Zona Eleitoral