TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO

JUÍZO DA 070ª ZONA ELEITORAL DE MARÍLIA SP

 

 

 

PROCESSO nº 0600352-60.2020.6.26.0070

CLASSE PROCESSUAL: REGISTRO DE CANDIDATURA (11532)

REQUERENTE: JOSE ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA, RECONSTRUIR MARILIA 10-REPUBLICANOS / 11-PP / 19-PODE / 20-PSC / 25-DEM / 40-PSB / 77-SOLIDARIEDADE / 90-PROS / 51-PATRIOTA / 70-AVANTE, AVANTE - MUNICÍPIO DE MARÍLIA, DEMOCRATAS-COMISSAO PROVISORIA MUNICIPAL DE MARILIA-DEM, PATRIOTA - MUNICÍPIO DE MARÍLIA, PODEMOS - PODE - MUNICÍPIO DE MARÍLIA, COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO PROGRESSISTAS DO MUNICIPIO DE MARILIA-SP, COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL DO MUNICIPIO DE MARILIA, COMISSAO PROVISORIA PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO MUNICIPAL EM MARILIA, COMISSAO PROVISORIA PARTIDO SOCIAL CRISTAO MUNICIPAL EM MARILIA, REPUBLICANOS - MUNICÍPIO DE MARÍLIA, COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO SOLIDARIEDADE DE MARILIA
IMPUGNANTE: ELEICAO 2020 DANIEL ALONSO PREFEITO, PRA FRENTE MARILIA 22-PL / 36-PTC / 55-PSD / 45-PSDB

Advogados do REQUERENTE: MARCELO SANTIAGO DE PADUA ANDRADE - SP182596, HELIO FREITAS DE CARVALHO DA SILVEIRA - SP154003, DAVID APARECIDO ALVES DA SILVA - SP410521, ANA PAULA FUKUNAGA - SP213124
Advogado do IMPUGNANTE: ALEXANDRE SALA - SP312805
Advogado do IMPUGNANTE: ALEXANDRE SALA - SP312805

 

  

SENTENÇA


  

Trata-se de pedido de registro de candidatura de JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, filiado ao Partido PODEMOS, para concorrer ao cargo de Prefeito, sob o número 19, pela Coligação “Reconstruir Marília”.

Foram juntados os documentos exigidos pela legislação em vigor.

Publicado o edital, houve impugnação apresentada pelo candidato a Prefeito Daniel Alonso e pela Coligação “Pra Frente Marília” (ID 13060759).

Alegam os impugnantes os seguintes motivos a justificar a inelegibilidade do requerente:

1)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea "D", da Lei Complementar nº 64/90.

O requerente foi condenado em Ação de Investigação Judicial Eleitoral pelo órgão colegiado do TRE/SP por abuso do poder econômico, em razão do uso indevido dos meios de comunicação nas eleições de 2016, sendo declarada sua inelegibilidade (Recurso Eleitoral nº 357-73.2016.6.26.0070).

2)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea “L", da Lei Complementar nº 64/90.

O requerente ostenta condenações pelo órgão colegiado do Tribunal de Justiça de São Paulo por atos dolosos de improbidade administrativa, que importaram em lesão ao erário e enriquecimento ilícito, sendo aplicada a penalidade de suspensão dos direitos políticos, na Ação Civil Pública nº 9109187-72.2009.8.26.0000 e na Ação Civil Pública nº 0161948-44.2006.8.26.0000

3)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90.

O requerente tem contra si decisão definitiva do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que julgou irregulares contas públicas, por irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, em razão de gastos ilegais, irregulares e antieconômicos com despesas em inauguração de obras (Apartado de Contas – TCE/SP – nº 800269/340/00).

Além disso, também tem contra si decisão definitiva do Tribunal de Contas da União, que julgou irregulares as contas por ele prestadas no âmbito do processo de Tomada de Contas Especial, instaurado pela Câmara dos Deputados para apurar gastos irregulares na utilização dos recursos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), no valor total de R$ 333.520,00 (sem atualização), tratando-se de irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa (Tomada de Contas Especial – TCU – nº 020.018/2016-9).

Em ambos os casos, não houve qualquer decisão judicial suspendendo as decisões dos tribunais de conta.

O requerente foi citado e apresentou contestação (ID 16518749), na qual alega que não estão presentes os pressupostos fáticos e jurídicos imprescindíveis para a incidência de quaisquer das inelegibilidades apresentadas na impugnação, sob os seguintes fundamentos:

1)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea "D", da Lei Complementar nº 64/90.

Contra o acórdão condenatório do TRE/SP no Recurso Eleitoral nº 357-73.2016.6.26.0070 foi interposto Recurso Especial Eleitoral, ao qual foi atribuído efeito suspensivo, o que afasta a alegada causa de inelegibilidade.

2)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea “L", da Lei Complementar nº 64/90.

As condenações por improbidade administrativa nas duas Ações Civis Públicas citadas foram lastreadas somente na ocorrência de violação a princípios (art. 11 da Lei 8.429/92), o que não é suficiente para ensejar inelegibilidade, pois tanto a Lei Complementar 64/90 como remansosa jurisprudência exigem o reconhecimento de ato doloso de improbidade que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito do agente. Ademais, sequer foi reconhecida condutada dolosa em tais casos.

3)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90.

As contas analisadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo no procedimento nº 800269/340/00 (Apartado de Contas) referem-se a sua gestão como Prefeito Municipal, sendo a Câmara Municipal o único órgão competente par julgá-las, tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 848.826, com Repercussão Geral. Assim, a análise das contas pelo TCE não leva à inelegibilidade. Esclarece que não houve qualquer deliberação da Câmara Municipal sobre tais contas. Ademais, a decisão do TCE/SP não narrou a prática de ato doloso de improbidade administrativa, circunstância necessária para ensejar a inelegibilidade.

Já a decisão do Tribunal de Contas da União, na Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9, não é apta a ensejar inelegibilidade de membro do Congresso Nacional, pois não se refere a contas relativas ao exercício de cargos e funções públicas, únicas cuja desaprovação poderia levar à inelegibilidade. A Tomada de Contas Especial é procedimento distinto da Prestação de Contas, tanto que esta é de obrigatoriedade anual, ao passo que aquela não é obrigatória. Dessa forma, somente os julgamentos em procedimento de Prestação de Contas podem ensejar inelegibilidade, mas não os de Tomada de Contas Especial.

Por outro lado, na decisão do TCU não ficou expressamente reconhecida a existência de ato doloso de improbidade administrativa, por irregularidade insanável das contas apresentadas, que são requisitos necessários para configuração da causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90. Ademais, ao contrário do que constou na decisão do TCU, não pode haver presunção de conduta dolosa; esta há de ficar suficientemente provada, o que não ocorreu. Insurge-se também o impugnado contra o mérito da decisão do Tribunal de Contas.

Por tais fundamentos, requer a improcedência da impugnação e o deferimento do registro de candidatura.

Não foram arroladas testemunhas, quer pelos impugnantes quer pelo impugnado.

Como houve a juntada de documentos e foram suscitadas questões de direito na contestação, foi dada oportunidade para os impugnantes se manifestarem, tendo reiterado os argumentos da impugnação (ID 19517692).

O Ministério Público Eleitoral se manifestou pela parcial procedência da impugnação, reconhecendo a causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “L”, da Lei Complementar nº 64/90, em decorrência da condenação do requerente/impugnado na Apelação nº 0161948-44.2006.8.26.0000, interposta na Ação Civil Pública nº 0001268-96.2001.8.26.0344, com o consequente indeferimento do pedido de registro do candidato José Abelardo Guimarães Camarinha. Manifestou-se pelo não reconhecimento das demais causas de inelegibilidade apresentadas na impugnação (ID 19499735).

O impugnado manifestou-se novamente, reiterando os termos da contestação (ID 19618296).

Foi determinado que o requerente/impugnado esclarecesse sobre recurso apresentado junto ao TCU na Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9 (ID 19760060).

O requerente se manifestou e juntou novos documentos (ID 20196441).

Em razão da juntada de documentos, foi concedido prazo para as partes apresentarem alegações finais, tendo impugnantes (ID 24822297) e impugnado (ID 24824019) reiterado, respectivamente, os termos da impugnação e da contestação.

O Ministério Público Eleitoral se manifestou novamente pelo indeferimento do pedido de registro de candidatura, agora também em razão da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90, por haver decisão definitiva do Tribunal de Contas da União que julgou irregulares as contas do requerente/impugnado, por gastos irregulares na utilização dos recursos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, que configuram ato doloso de improbidade administrativa (Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9), não tendo efeito suspensivo o recurso de revisão por ele interposto. Reitera a ocorrência também da causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “L”, da Lei Complementar nº 64/90, em decorrência da condenação do requerente/impugnado na Apelação nº 0161948-44.2006.8.26.0000, interposta na Ação Civil Pública nº 0001268-96.2001.8.26.0344

É o relatório.

Decido.

Não havendo questões preliminares a serem apreciadas, passo à análise das causas de inelegibilidade alegadas na impugnação, na ordem em que constaram no relatório acima apresentado.

1)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea "D", da Lei Complementar nº 64/90.

O requerente/impugnado ostenta contra si decisão proferida pelo órgão colegiado do TRE/SP no Recurso Eleitoral nº 357-73.2016.6.26.0070, que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral e o condenou por abuso do poder econômico, em razão do uso indevido dos meios de comunicação nas eleições de 2016, sendo declarada sua inelegibilidade (ID nº 13060792, nº 13060793, nº 13060794 e nº 13060790).

Nos termos do art. 1º, inciso I, alínea "D", da Lei Complementar nº 64/90 (com a redação dada pela LC nº 135/2010), são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”.

Assim, a princípio basta a condenação de órgão colegiado da Justiça Eleitoral para o caso em exame, não se exigindo seu trânsito em julgado.

Porém, a própria Lei Complementar nº 64/90, em seu art. 26-C, prevê a possibilidade de suspensão da inelegibilidade estatuída no art. 1º, inciso I, alínea "D".

É certo que o art. 26-C atribui ao órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso (tribunal ad quem, no caso, o colegiado do TSE) a possibilidade de suspender a inelegibilidade, não prevendo esta possibilidade a órgão ou presidente do tribunal recorrido (tribunal a quo, no caso, o TRE/SP), e nem mesmo ao relator do recurso no tribunal ad quem (TSE).

Porém, essa restrita atribuição ao órgão colegiado do tribunal ad quem foi sendo paulatinamente relativizada pela jurisprudência, culminando com a edição da súmula nº 44 do Tribunal Superior Eleitoral, nos seguintes termos:

“O disposto no art. 26-C da LC nº 64/1990 não afasta o poder geral de cautela conferido ao magistrado pelo Código de Processo Civil”.

Portanto, trata-se de questão consolidada na jurisprudência a possibilidade de ser concedido efeito suspensivo a recurso contra decisão colegiada fundada no art. 1º, inciso I, alínea "D", da LC nº 64/90, tanto pelo relator do recurso no tribunal ad quem (no caso, o TSE), como pelo presidente ou vice-presidente do tribunal a quo (no caso, o TRE/SP), além do próprio órgão colegiado do tribunal ad quem (como prevê o art. 26-C).

No caso ora analisado, o presidente do TRE/SP, ao admitir o processamento do recurso especial eleitoral, concedeu-lhe efeito suspensivo, nos termos do art. 1.029, § 5º, III, do CPC (ID 16522177).

Ao ser recebido o recurso no TSE (REsp nº 357-73.2016.6.26.0070), o Ministro relator deixou de apreciar novamente o pedido de concessão de efeito suspensivo, reiterado pelos recorrentes, exatamente porque já fora deferido pelo presidente do TRE/SP (ID 16522180), do que se conclui que o Ministro relator anuiu ao efeito suspensivo concedido no tribunal a quo.

Embora as partes não tenham alegado nestes autos (e muito menos apresentado documentação pertinente) há outras duas situações processuais sobre o Recurso Especial interposto pelo requerente/impugnado que merecem referência nesta decisão, e que foram por mim analisadas quando da prolação de sentença no pedido de registro de candidatura de Elio Eiji Ajeka ao cargo de vereador (Proc. nº 0600385-50.2020.6.26.0070), que também fora condenado pelo TRE/SP no Recurso Eleitoral nº 357-73.2016.6.26.0070, e interpôs o Recurso Especial em conjunto com o aqui requerente/impugnado.

Constei naquela decisão (Proc. nº 0600385-50.2020.6.26.0070):

Ademais, o Ministro relator, após proferir seu voto, em que afastou a inelegibilidade de Elio Eiji Ajeka, manteve os efeitos do deferimento do pedido de efeito suspensivo ao recurso especial (ID 16488248).

Além disso, ao analisar pedido de tutela de urgência incidental apresentada por coligação recorrida naquele recurso especial (ID 16488250), o Ministro relator o indeferiu (decisão de 08/10/2020), mantendo a suspensão da inelegibilidade, e salientando que já indeferira pedido idêntico em 06/08/2020 (ID 16491256).

Portanto, além da decisão do presidente do TRE/SP, há quatro decisões do Ministro relator do recurso junto ao TSE corroborando a suspensão da inelegibilidade dos recorrentes, dentre os quais o aqui requerente/impugnado.”

Assim, não restam dúvidas de que está suspensa a inelegibilidade imposta pelo órgão colegiado do TRE/SP, não se aplicando, neste caso específico, o disposto no art. 1º, inciso I, alínea "D", da Lei Complementar nº 64/90.

2)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea “L", da Lei Complementar nº 64/90.

Antes da análise específica das Ações Civis Públicas nº 9109187-72.2009.8.26.0000 e nº 0161948-44.2006.8.26.0000, cuja procedência, segundo os impugnantes, levaria à inelegibilidade do requerente/impugnado, impõe-se uma breve explicação sobre os efeitos de condenação por atos de improbidade administrativa.

Os atos de improbidade administrativa, e respectivas sanções, estão previstos na Lei 8.429/92, e foram classificados, inicialmente, em 3 espécies: a) Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito, previstos no art. 9º; b) Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário, previstos no art. 10; c) Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública, previstos no art. 11.

Posteriormente, em 2016, foi introduzida uma quarta espécie, com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 157/2016, denominada “Dos Atos de Improbidade Administrativa Decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário”, mas que não dizem respeito aos fatos apurados naquelas ações civis públicas. Assim, restringirei a análise às três espécies inicialmente existentes.

Para todas as espécies de improbidade administrativa (arts. 9º, 10 e 11) está prevista como uma das penalidades a suspensão dos direitos políticos, variando seu prazo de acordo com a gravidade das condutas (art. 12).

Porém, não está o julgador (de primeiro, segundo, terceiro ou de quarto grau de jurisdição) obrigado a aplicar necessariamente a suspensão dos direitos políticos em toda decisão que reconheça a prática de atos de improbidade administrativa, devendo ser analisado quais as penalidades mais adequadas para aquele caso concreto (art. 12, parágrafo único).

Acaso aplicada a pena de suspensão dos direitos políticos e uma vez transitada em julgado a decisão, o condenado não pode se candidatar a cargo eletivo, por lhe faltar uma das condições de elegibilidade previstas no art. 14, § 3º, da Constituição Federal, qual seja, o pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, § 3º, II, art. 15, V, e a rt. 37, § 4º, todos da CF).

Nesta hipótese (trânsito em julgado de decisão que aplicou a suspensão dos direitos políticos) é irrelevante em qual espécie de improbidade administrativa foi incurso o condenado (art. 9º, art. 10 ou art. 11 da Lei nº 8.429/92), ou se se trata de ato doloso ou culposo do agente. Uma vez aplicada a sanção (suspensão dos direitos políticos) e transitada em julgado a condenação, o apenado não pode ser candidato a cargo eletivo.

Porém, tal como previsto também na Constituição Federal (art. 14, § 9º), a Lei Complementar 64/1990 estabeleceu causas de inelegibilidade, dentre as quais algumas que, em razão de sua gravidade, independem de trânsito em jugado de decisão condenatória, sendo suficiente a condenação por órgão judicial colegiado.

No que concerne à prática de improbidade administrativa, dispõe o art. 1º, inciso I, alínea “L”, de referida lei complementar, que são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena (alínea incluída pela Lei Complementar nº 135/2010).

Como se verifica pela própria redação do dispositivo legal, basta a condenação por órgão judicial colegiado (tribunal) à pena de suspensão dos direitos político, por ato de improbidade administrativa, mas desde que seja doloso e importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Ou seja, sem trânsito em julgado de decisão que suspende os direitos políticos por ato de improbidade, a causa de inelegibilidade só se configura se a condenação for por ato doloso, e que concomitantemente importe em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Exige-se, pois, o reconhecimento de atos elencados no art. 9º (Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito) e no art. 10 (Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário) da Lei nº 8.429/92.

A jurisprudência está sedimentada quanto à necessidade de conjugação de todos os requisitos elencados na alínea “L”, do inciso I, do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, para se ter por configurada a causa de inelegibilidade.

Neste sentido:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/90. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que a incidência do art. 1º, I, l, da LC nº 64/90 pressupõe a existência dos seguintes requisitos: a) condenação por ato de improbidade administrativa que importe, simultaneamente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito; b) presença de dolo; c) decisão definitiva ou proferida por órgão judicial colegiado; e d) sanção de suspensão dos direitos políticos.

2. Conforme assentado no acórdão regional, o recorrido foi condenado em ação de improbidade administrativa apenas com base no art. 10 da Lei nº 8.429/92, mas não foi apontado o enriquecimento ilícito na fundamentação ou no dispositivo do acórdão da Justiça Comum. Ademais, o édito condenatório não procedeu à individualização das condutas tidas como ímprobas, ou seja, não indicou se o recorrido, por ter ocupado o cargo de Secretário de Finanças à época dos fatos, seria o responsável ou o beneficiário das quantias sacadas das contas do município, visto que o ex-prefeito e a ex-secretária de Educação também integraram o polo passivo da ação.

3. Não é qualquer condenação por ato de improbidade que gera a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90, não podendo o julgador interpretar extensivamente normas restritivas de direito, a fim de prestigiar o direito fundamental à elegibilidade e o respeito ao voto popular, pilares do estado democrático de direito.

4. No caso vertente, a alteração das premissas e das conclusões perfilhadas no acórdão da Justiça Comum equivaleria a um rejulgamento da ação de improbidade, providência vedada pela Súmula nº 41/TSE, in verbis: "Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade".

5. Recurso especial desprovido para manter o deferimento do registro de candidatura do recorrido para o cargo de vereador.

(Recurso Especial Eleitoral nº 0000100-49.2016.6.17.0086 - Relatora Min. Luciana Lóssio - Acórdão de 21/02/2017).

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA (RCED). TERCEIRO INTERESSADO. DUPLICIDADE DE AGRAVOS. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA. INELEGIBILIDADE INFRACONSTITUCIONAL PREEXISTENTE AO REGISTRO DE CANDIDATURA. DESCABIMENTO DO RCED. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REQUISITOS CUMULATIVOS. DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, l, DA LC nº 64/90. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 

...

8.Conforme entendimento solidificado na jurisprudência do TSE, a configuração da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90 exige a presença simultânea dos seguintes requisitos: a) condenação à suspensão dos direitos políticos; b) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; e c) ato doloso de improbidade administrativa que tenha causado, concomitantemente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Precedentes do TSE

9. Dos excertos da decisão condenatória por improbidade administrativa reproduzidos no acórdão regional, não figura a prática de ato enquadrado no art. 9º da Lei nº 8.429/92 (enriquecimento ilícito), mas tão somente no art. 10 do aludido diploma legal (dano ao Erário). 

...

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 0000024-98.2017.6.19.0000 - Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto - Acórdão de 19/12/2018).

 

A superação deste entendimento (repita-se, sedimentado, consolidado, na atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral) não se mostra possível neste juízo de primeiro grau de jurisdição, em respeito ao princípio da segurança jurídica. Cabe unicamente ao próprio TSE a alteração de sua jurisprudência, devendo, enquanto não a houver, os demais órgãos da Justiça Eleitoral aplicar o entendimento jurisprudencial atualmente consolidado.

Desta forma, nos termos da legislação em vigor e da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, tem-se o seguinte regramento para as condenações à suspensão dos direitos políticos decorrentes de atos de improbidade administrativa:

  1. Decisão transitada em julgado: impede a candidatura, por ausência de condição de elegibilidade (art. 14, § 3º, CF), qualquer que seja a natureza da conduta (dolosa ou culposa) e a espécie do ato improbo (art. 9º ou art. 10 ou art. 11, da Lei nº 8.429/92);
  2. Decisão não transitada em julgado, mas proferida por órgão judicial colegiado, por ato culposo: não enseja inelegibilidade, não impedindo a candidatura;
  3. Decisão não transitada em julgado, mas proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso que apenas importe e não enseja inelegibilidade, não impedindo a candidatura;
  4. Decisão não transitada em julgado, mas proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso que apenas cause não enseja inelegibilidade, não impedindo a candidatura;
  5. Decisão não transitada em julgado, mas proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso que apenas anão enseja inelegibilidade, não impedindo a candidatura;
  6. Decisão não transitada em julgado, mas proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso que importe ea não enseja inelegibilidade, não impedindo a candidatura;
  7. Decisão não transitada em julgado, mas proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso que cause anão enseja inelegibilidade, não impedindo a candidatura;
  8. Decisão não transitada em julgado, mas proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso que importe e

Passo à análise das decisões proferidas nas ações civis públicas elencadas na impugnação.

Os impugnantes se referem à condenação na Ação Civil Pública nº 9109187-72.2009.8.26.0000. Como bem observado pelo representante do Ministério Público Eleitoral, este é o número da apelação (número no TJSP) interposta contra a sentença proferida nos autos originais nº 0012907-77.2002.8.26.0344, da 5ª Vara Cível de Marília.

A ação versa sobre contratação irregular de vários trabalhadores, sem concurso público, quando o requerente/impugnado era Prefeito Municipal de Marília (ID 13060784 e 13060785).

A ação foi julgada parcialmente procedente, reconhecendo os atos de improbidade administrativa, impondo a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por cinco anos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público (ID 13060784 e 13060785). Ficou expressamente consignado que não houve prejuízo ao Erário (“Assim, não há que se falar em dano material ao erário público, porque ocorreu a prestação de serviços”). A condenação se ateve ao reconhecimento da prática de atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública - art. 11 (“Por outro lado, devem os réus ser condenados nas sanções da Lei de Improbidade, porque advém da infração às normas e princípios constitucionais e não se confunde com o dano material”).

Apenas os réus recorreram, tendo o Tribunal de Justiça de São Paulo dado parcial provimento à apelação tão só para reduzir o valor da multa civil e excluir a perda da função pública (ID 13060786).

No acórdão constou expressamente que os atos de improbidade se subsumiam apenas às hipóteses do art. 11 da Lei nº 8.429/92 (Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública:

E o que se vislumbra da documentação encartada, consoante os documentos públicos e testemunhos colhidos em sede de inquérito civil, e não impugnados na contestação, que os apelantes efetivaram contratações de trabalhadores sem regular processo seletivo. Trazem os apelantes em defesa a alegação do citado convênio firmado entre municipalidade e União, cujo objeto era o combate ao mosquito "aedes aegypti, entretanto, da farta prova dos autos, todos estes trabalhadores ocuparam atividades diversas e sem relação com o real objeto da contratação, o que não afasta a improbidade nos exatos termos do art 11 da Lei n° 8 429/92.”

...

Ora, as sanções mais severas mostram-se mais compatíveis com os atos mais graves, aqueles que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), ou que causam prejuízo significativo ao erário (art. 10), em que o agente público obtém alguma vantagem patrimonial ou econômica Não é o caso dos autos Aqui se cuida de mera contratação irregular de servidores, que, no entanto, prestaram serviços ao poder público, caso que se insere no rol daqueles em que a improbidade se apresenta de menor gravidade (art. 11).”

Assim, embora reconhecida a prática de ato doloso de improbidade, não houve reconhecimento de prejuízo ao erário e tampouco de enriquecimento ilícito.

O requerente/impugnado interpôs Recurso Extraordinário ao STF contra a decisão do TJSP, ao qual foi negado seguimento. Interpôs Agravo Regimental, ao qual foi negado provimento. E finalmente interpôs Embargos de Declaração, os quais foram rejeitados em 17/08/2020. Assim, a decisão condenatória ainda não transitou em julgado (ID8712905).

Portanto, embora aplicada a pena de suspensão de direitos políticos, por ato doloso de improbidade administrativa, mas sem reconhecimento concomitante de enriquecimento ilícito e prejuízo ao Erário, e não tendo a decisão condenatória ainda transitado em julgado, a condenação imposta na Ação Civil Pública nº 0012907-77.2002.8.26.0344, da 5ª Vara Cível de Marília (Apelação nº 9109187-72.2009.8.26.0000 no TJSP) por ora não enseja a causa de inelegibilidade prevista no  art. 1º, inciso I, alínea “L", da Lei Complementar nº 64/90.

Os impugnantes também se referem à condenação na Ação Civil Pública nº 0161948-44.2006.8.26.0000. Como mais uma vez bem observado pelo representante do Ministério Público Eleitoral, este é o número da apelação (número no TJSP) interposta contra a sentença proferida nos autos originais nº 0001268-96.2001.8.26.0344, da 2ª Vara Cível de Marília.

A ação versa sobre atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário público, decorrentes de repasses irregulares de contribuições pela Prefeitura Municipal de Marília à Associação de Incentivo ao Esporte, Cultura e à Cidadania, quando o requerente/impugnado era Prefeito Municipal (ID 8712779 e ID 13060787).

A ação foi julgada procedente, anulando os convênios celebrados, reconhecendo os atos de improbidade administrativa, e impondo a devolução ao erário de R$130.000,00 (valor da época), a suspensão dos direitos políticos por cinco anos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público (ID 8712992).

O aqui requerente/impugnado recorreu da sentença, tendo o Tribunal de Justiça de São Paulo dado parcial provimento à apelação tão só para afastar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sendo mantida as condenações impostas ao réu (ID 8712992 e ID 13060787).

Consta no acórdão (ID 13060787):

Segundo os autos o Poder Executivo Municipal de Marília, nos anos de 1999, 2000 e 2001, celebrou convênios com a Associação de Incentivo ao Esporte, Cultura e à Cidadania.

As contribuições repassadas à Associação foram com base em diversas Leis de iniciativa do Executivo, aprovadas pelo Legislativo em regime de urgência.

Contudo, quando da celebração não foram observados requisitos expressos no artigo 1º, da Lei Municipal n° 1746, de 28 de setembro de 1970, tais como prova do tempo de funcionamento da entidade, certidão de que a entidade é considerada utilidade pública, certidão de registro do Estatuto, prova da personalidade jurídica, dentre outros.

Restou claro, portanto, que a co-ré não estava apta a contratar e nem tampouco receber dinheiro Público.

A Administração Pública só poder agir de acordo com a lei, todavia, no presente caso, seus atos foram em total desacordo com a Lei Municipal 1746/70.

Os atos praticados pelos réus, portanto, atingiram diretamente os princípios da moralidade, da legalidade e da honestidade administrativa.” (o grifo não consta no original).

Contra o acórdão do TJSP foram interpostos Recurso Especial e Recurso Extraordinário, sendo ambos inadmitidos (ID 8712992). Contra a denegação do Recurso Especial foi interposto Agravo de Instrumento, tendo o Superior Tribunal de Justiça dado parcial provimento, determinando que o TJSP analisasse o elemento subjetivo dos atos de improbidade (dolo ou culpa).

Em cumprimento à ordem do STJ, o Tribunal de Justiça complementou o acórdão da apelação, reconhecendo o dolo na conduta do lá réu José Abelardo Guimarães Camarinha, mantendo-se as demais considerações e determinações (ID. 13060788).

Neste segundo acórdão do TJSP constam as seguintes fundamentações, cuja análise se faz necessária para verificar os efeitos da decisão condenatória nesta esfera eleitoral:

 “Dessa forma, uma vez demonstrado que os atos praticados pelos réus atingiram os princípios constitucionais basilares de moralidade, legalidade e honestidade administrativa, faz-se necessário esmiuçar a improbidade administrativa de que trata o art. 11 da Lei nº 8.429/92.

Quando da avaliação do ato de improbidade, é preciso verificar a existência de conduta desonesta daquele que comete o ato ímprobo, prestando-se a lei a punir aqueles que agem com desonestidade, falsidade, desonradez e corrupção”.

...

Com efeito, a tipificação da conduta descrita no art. 11 da supracitada lei depende de prova do dolo do administrador público e dos demais réus em infringir os princípios da Administração Pública.

...

Desse modo, forçoso concluir que tendo sido irregulares as doações feitas pelo Poder Executivo à Associação ré, também configurado o dolo na conduta praticada por José Abelardo Guimarães Camarinha, consistente em criar leis que autorizaram contribuições e repasse de dinheiro público ao arrepio de exigências legais preexistentes, veiculadas na Lei Municipal nº 1.746/70”.

...

Também configurada a conduta dolosa dos demais réus, considerando que aceitaram os repasses efetivados, sem observância das exigências legais.

Neste ponto, importante ressaltar que em se tratando de violação de princípios em sede de improbidade administrativa, os dispositivos legais prescrevem um tipo aberto, que engloba ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade das instituições e, nesta perspectiva, o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário quanto ao elemento subjetivo necessário para configuração de referida violação é tão somente o de que imprescindível apenas dolo genérico de realizar a conduta que atente contra os princípios da Administração Pública.

Desta feita, em que pese ser necessária a presença de elemento subjetivo para caracterização de improbidade administrativa, desnecessária a presença de dolo específico, mas tão somente dolo genérico no sentido de realizar a conduta ímproba, a despeito dos princípios constitucionais que deveriam ter sido observados.

Neste ponto, importante destacar orientação firmada pela Primeira Seção do E. STJ, no julgamento do REsp 951.389/SC, Rel. Herman Benjamim, DJE 04.05.2011, no sentido de que “o elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.492/1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de dolo específico.” (os grifos não constam no original).

Desta forma, embora reconhecido ato doloso de improbidade administrativa, o acórdão se ateve ao reconhecimento de atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, fazendo expressa referência, em mais de uma oportunidade, unicamente ao art. 11 da Lei nº 8.429/92.

Poder-se-ia admitir que houve reconhecimento tácito também de atos que causaram prejuízo ao erário (art. 10, Lei nº 8.429/92), já que uma das penalidades aplicadas ainda em primeiro grau de jurisdição, e mantida pelo TJSP, foi a devolução ao erário de R$130.000,00 (valor da época), do que se conclui que este foi o prejuízo ao erário público.

Porém, como acima explicado, a conjugação de atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) com atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11) não é suficiente para ensejar a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea “L", da Lei Complementar nº 64/90, acaso não tenha transitado em julgado a decisão condenatória. Mostra-se imprescindível a coexistência de ato que cause prejuízo ao erário (art. 10) com ato que importe enriquecimento ilícito (art. 9º), conforme atual e sedimentada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, acima comentada.

E contra o novo acórdão do TJSP o requerente/impugnado interpôs Recurso Especial e Recurso Extraordinário, sendo aquele inadmitido e a este negado seguimento. Então, foram interpostos Agravo em Recurso Especial e Agravo Interno, respectivamente, ambos ainda pendentes de julgamento (ID8712992).

Portanto, na ausência do trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de suspensão dos direitos políticos, e não havendo na decisão colegiada (TJSP)  reconhecimento concomitante de enriquecimento ilícito e prejuízo ao Erário, conforme exige a legislação de regência e a consolidada jurisprudência do TSE, a condenação imposta na Ação Civil Pública nº 0001268-96.2001.8.26.0344, da 2ª Vara Cível de Marília (Apelação nº 0161948-44.2006.8.26.0000 no TJSP) por ora não enseja a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea “L", da Lei Complementar nº 64/90.

Consigno que além das duas ações civis públicas referidas na impugnação, há diversas outras em que o requerente/impugnado figura como réu, sendo-lhe imputada a prática de atos de improbidade administrativa. Com o pedido de registro de candidatura foram juntadas todas as certidões respectivas.

Embora não objeto da impugnação, analisei todas elas (como é dever de ofício do juiz eleitoral).

Em algumas houve trânsito em julgado de decisão condenatória, mas sem aplicação da pena de suspensão dos direitos políticos, o que não impede a candidatura, pois permanece pleno o exercido dos direitos políticos (cumprida a condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, II, da CF).

Em outras, embora aplicada a suspensão dos direitos políticos, ainda não houve o trânsito em julgado da condenação, e não se referem a reconhecimento concomitante de ato que importe enriquecimento ilícito (art. 9º) e que causa prejuízo ao erário (art. 10), hipótese na qual bastaria a condenação por órgão judicial colegiado, para gerar inelegibilidade.

Portanto, até o momento, de nenhuma das ações civis públicas ajuizadas contra o requerente (de acordo com as certidões carreadas aos autos) emerge a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea “L", da Lei Complementar nº 64/90, ou a ausência da condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, II, da Constituição Federal.

3)Inelegibilidade por força do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90.

Os impugnantes apontam duas decisões de tribunais de contas que levariam à inelegibilidade do requerente/impugnado.

A primeira delas proferida pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que julgou irregulares contas públicas do requerente/impugnado como Prefeito Municipal de Marília, em razão de gastos ilegais, irregulares e antieconômicos com despesas em inauguração de obras (Apartado de Contas – TCE/SP – nº 800269/340/00).

Nos termos do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90 (com a redação dada pela LC nº 135/2010), são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.

No que concerne às contas do Prefeito Municipal, já decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por decisão transitada em julgado, que compete à Câmara Municipal julgá-las:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA SUJEITA AO CRIVO PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS DE GOVERNO E DE GESTÃO. LEI COMPLEMENTAR 64/1990, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR 135/2010. INELEGIBILIDADE. DECISÃO IRRECORRÍVEL. ATRIBUIÇÃO DO LEGISLATIVO LOCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

 I - Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 2º).

II - O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República (“checks and balances”).

 III - A Constituição Federal revela que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o art. 1°, I, g, da LC 64/1990, dada pela LC 135/ 2010, é a Câmara Municipal, e não o Tribunal de Contas.

IV - Tese adotada pelo Plenário da Corte: “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”.

V- Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 848826/CE - Relator(a): Min. Roberto Barroso. Julgamento: 10/08/2016).

No caso ora analisado, nada veio aos autos a indicar que as contas do requerente/impugnado como Prefeito de Marília tenham sido julgadas pela Câmara Municipal. Há nos autos apenas a decisão do TCE/SP (ID 13060768, ID 13060771 e ID 13060773), julgando irregulares algumas despesas do ano 2000, o que, como visto, não enseja a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90.

Ademais, não se depreende da sentença da conselheira do TCE/SP (ID 13060768) ou do voto do conselheiro relator (ID 13060773), que a desaprovação de algumas despesas do exercício de 2000 decorra de, em tese, ato doloso de improbidade administrativa, pois se limitaram aos seguintes gastos para inauguração de obras públicas: a) Empenho nº 1684/00 - R$8.200,00, relativos a serviços fotográficos e de filmagem, refeições, faixas e apresentação musical; b) Empenho nº 3062/00 - R$8.700,00, relativos a apresentação musical, arranjos de flores, divulgação de imagens, faixas e refeições, para inauguração de creche e EMEI; c) Empenho nº 3291/00 - R$45.000,00, dos quais R$ 36.736,00 foram desembolsados com a apresentação da dupla sertaneja Cezar e Paulinho na inauguração do Poço do Bairro Palmital e o saldo remanescente foi destinado ao pagamento de serviços de segurança de palco, locação de aparelho de som, refeições e divulgação do evento; d) Empenho nº 4977/00 - R$3.200,00, relativos a refeições, divulgação em rádio, serviços fotográficos, locação de aparelho de som e aquisição de flores; e) Empenho nº 6350/00 - R$3.000,00, relativos a refeições para a banda Municipal, faixas e serviços de divulgação em caixa de som; f) Empenho nº 7618/00 - R$ 6.000,00, relativos à locação de aparelho de som, apresentação musical, divulgação de inaugurações e bandeirinhas.

Assim, da decisão do Tribunal de Contas do Estado não resta configurada a causa de inelegibilidade.

A outra decisão apresentada pelos impugnantes como ensejadora da causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90, foi proferida pelo Tribunal de Contas da União no procedimento de Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9.

Passemos a sua análise.

O procedimento de Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9 foi instaurado pela Câmara dos Deputados, após determinação do TCU (nos termos do art. 8º da Lei nº 8.443/92) para apurar a ocorrência de gastos irregulares do ex-Deputado Federal José Abelardo Guimarães Camarinha na utilização dos recursos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), durante os anos de 2011 a 2014 (ID 13060778).

Após a regular tramitação do procedimento, em 25/09/2018 o TCU julgou irregulares as contas do ex-parlamentar, condenando-o ao pagamento de R$333.520,00 (valor sem correção) ao Tesouro Nacional, além de aplicar multa de R$20.000,00 (ID 13060778).

Contra esta decisão, o ex-Deputado Federal interpôs Recurso de Reconsideração (art. 32, I, e art. 33, da Lei nº 8.443/92), ao qual o TCU negou provimento, mantendo a decisão de desaprovação das contas e a respectiva condenação, em sessão realizada em 02/07/2019 (ID 13060780).

Em sua contestação nestes autos de pedido de candidatura, alega o requerente/impugnado, inicialmente, que esta decisão do Tribunal de Contas da União não é apta a ensejar inelegibilidade de membro do Congresso Nacional, pois não se refere a contas relativas ao exercício de cargos e funções públicas, únicas cuja desaprovação poderia levar à inelegibilidade. Ademais, a decisão foi proferida em Tomada de Contas Especial, que é procedimento distinto da Prestação de Contas, esta cuja decisão pode ensejar inelegibilidade, mas não a daquela.

Sem razão o requerente/impugnado nesta alegação.

O Deputado Federal, membro do Congresso Nacional, é ocupante de cargo público. É agente político, investido no cargo por meio de eleição. Basta simples leitura do parágrafo 6º do art. 14 da Constituição Federal para se concluir que os agentes políticos são ocupantes de cargos públicos (“Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.”).

E como ocupante de cargo público, eventuais valores e dinheiro públicos pelos quais seja responsável, ou a prática de irregularidades de que resulte prejuízo ao erário público, devem ser objeto de análise e julgamento pelo Tribunal de Contas da União, nos termos dos artigos 70, parágrafo único e 71, II, da Constituição Federal, e artigos 1º, incisos I e IX, e 5º, incisos I, II e VI, da Lei nº 8.443/92.

Como visto, o procedimento do TCU apurou gastos irregulares do ex-Deputado Federal na utilização dos recursos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), durante os anos de 2011 a 2014.

É certo que o ex-parlamentar (que não era membro da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados) não era ordenador de despesas, não era responsável por atos de gestão da Casa Legislativa, e por tal motivo não apresentava Prestação de Contas (em sentido estrito) anualmente.

Porém, como Deputado Federal tinha direito à Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), que se destina a custear gastos exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar, nos termos do Ato nº 43/2009 da Mesa da Câmara dos Deputados.

A utilização da Cota se dá por meio de serviços disponibilizados pela própria Câmara dos Deputados ou mediante reembolso (art. 3º, Ato da Mesa nº 43/2009), devendo o Deputado apresentar a documentação pertinente para ser ressarcido das despesas (art. 4º).

Embora o reembolso seja autorizado pela Mesa Diretora (que é o órgão administrativo da Câmara dos Deputados), é de inteira responsabilidade do Deputado a regularidade do uso do dinheiro público que lhe foi disponibilizado mediante reembolso, com as despesas que alegou ter suportado (art. 4º, caput, e §§ 4º e 11, do Ato nº 43/2009).

Assim, por utilizar dinheiro público (Cota Parlamentar), mediante sua inteira responsabilidade, o Deputado tem o dever de prestar contas ao TCU pelos reembolsos que teve da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, nos termos dos artigos 70, parágrafo único, e 71, II, da Constituição Federal, e artigos 1º, inciso I, e 5º, incisos I, e VI, da Lei nº 8.443/92.

E a análise e julgamento das contas de Deputado Federal oriundas do uso da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar ocorrem mediante o procedimento de Tomada de Contas Especial, nos termos dos artigos 8º e 9º da Lei nº 8.443/92, artigos 197/200 do Regimento Interno do TCU, e da Instrução Normativa TCU nº 71/2012.

Desta forma, a decisão do TCU em procedimento de Tomada de Contas Especial de Deputado Federal, relativa ao uso dos recursos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, que julgue irregulares as contas e o condena nas sanções cabíveis, é apta a ensejar inelegibilidade, desde que presentes, obviamente, as demais condições do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90.

Neste sentido já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral:

É irrelevante para a incidência do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 a natureza do procedimento apuratório das contas, sendo necessário conferir (i) se a irregularidade insanável configurou ato doloso de improbidade administrativa em decisão irrecorrível proferida por órgão competente e (ii) se a referida decisão não foi suspensa por órgão do Poder Judiciário. Precedentes. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 0000158-28.2016.6.19.0076. Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto. Acórdão de 17/10/2019).

Portanto, cabe prosseguir na análise da decisão do Tribunal de Contas da União, a fim de verificar se preenche os requisitos que ensejam inelegibilidade.

Nos termos do dispositivo legal em comento, somente leva à inelegibilidade a decisão que rejeite as contas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.

O Tribunal de Contas, ainda quando rejeita as contas apresentadas e aplica sanções ao agente público, não analisa se se trata de ato doloso de improbidade administrativa, pois esta questão não se insere entre suas atribuições constitucionais e legais. Esta análise se dá no bojo de ação civil pública que impute ao agente os atos descritos nos artigos 9º, 10, 10-A e 11 da Lei nº 8.429/92. Também não costumam as cortes de contas afirmar, de maneira cristalina, se a rejeição se deu por irregularidade sanável ou insanável.

Desta forma, cabe à Justiça Eleitoral, quando do julgamento do pedido de registro de candidatura, analisar se os fundamentos que levaram à rejeição das contas pelo órgão competente têm natureza de irregularidade insanável e se configuram ato doloso de improbidade administrativa.

É remansosa a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido:  

 “Compete à Justiça Eleitoral verificar, na decisão de rejeição de contas, a presença dos requisitos previstos no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990, para, consequentemente, indeferir o registro de candidatura, ‘salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário’. Recurso especial eleitoral provido para deferir o registro.(REspe nº 12460, rel. Min. Gilmar Mendes. Acórdão 17/12/2014).

[...] 3. Recurso do candidato. A inelegibilidade prevista no art. 1°, inciso l, alínea g, da LC n° 64/1990 não é imposta pela decisão que desaprova as contas do gestor de recursos públicos, mas pode ser efeito secundário desse ato administrativo, verificável no momento em que o cidadão requerer o registro de sua candidatura.  4.  Nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade do art. 1°, inciso l, alínea g, da LC n° 64/1990, somente as que preenchem os requisitos cumulativos constantes dessa norma, assim enumerados: i) decisão do órgão competente; ii) decisão irrecorrível no âmbito administrativo; iii) desaprovação devido a irregularidade insanável; iv) irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa; v) prazo de oito anos contados da decisão não exaurido; vi) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.  5.  Contas desaprovadas pelo Tribunal de Contas da União: a liminar deferida na Justiça Federal suspendendo os efeitos dos acórdãos que rejeitou a prestação de contas do candidato é suficiente para afastar a inelegibilidade prevista no art. 1°, inciso l, alínea g, da LC n° 64/1990.  Recurso provido para deferir o registro de candidatura.(RO nº 117146, rel. Min. Gilmar Mendes. Acórdão 02/10/2014).

... Como o dano ao erário pode ocorrer de forma culposa ou dolosa, segundo a doutrina de Direito Administrativo, compete à Justiça Eleitoral verificar a presença, na decisão de rejeição de contas, de elementos mínimos que demonstrem que a conduta foi praticada dolosamente e que se enquadra em uma das figuras típicas da Lei de Improbidade, não sendo suficiente, para fins de inelegibilidade da alínea g, o dano ao erário decorrente de conduta culposa. Circunstância ausente no caso concreto. 5. Nem toda desaprovação de contas por descumprimento da Lei de Licitações gera a automática conclusão sobre a configuração do ato doloso de improbidade administrativa, competindo à Justiça Eleitoral verificar a presença de elementos mínimos que revelem essa conduta. Precedentes. Inexiste no caso concreto conduta que configure ato doloso de improbidade administrativa, mormente quando se verifica que o serviço foi efetivamente prestado, tampouco o acórdão do TCE mencionou eventual superfaturamento da obra, e a própria unidade técnica do TCE ‘não constatou a existência de atos dolosos de improbidade administrativa do gestor e novas irregularidades’. 6. Recurso desprovido.(RO nº 58536, rel. Min. Luciana Lóssio, red. designado Min. Gilmar Mendes. Acórdão 03/10/2014).

"Eleições 2012. Prestação de contas relativa ao FUNDEB realizada em conjunto pelo gestor e pelo prefeito. [...] Rejeição de contas. Enquadramento jurídico das irregularidades pela Justiça Eleitoral. Possibilidade. Atos de improbidade ou que impliquem dano ao erário. Vícios insanáveis. [...] Causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90. Necessidade de imputação em sede de ação penal ou civil pública. [...] 4.  Para a incidência dos efeitos legais relativos à causa de inelegibilidade calcada no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90, não é imprescindível que a ocorrência de ato doloso de improbidade administrativa seja decidida por meio de provimento judicial exarado no bojo de ação penal ou civil pública.[...]" (AgR-REspe. nº 56970, rel. min. Laurita Vaz. Acórdão 20/11/2012).

Mas não cabe à Justiça Eleitoral reanalisar os fatos apreciados pelo Tribunal de Contas, mas apenas valorar aqueles tais como julgados pela corte de contas. Ou seja, a Justiça Eleitoral não analisa a ocorrência ou não dos fatos que levaram à rejeição das contas, mas tão somente se tais fatos configuram irregularidade insanável e ato doloso de improbidade administrativa.  É vedado à Justiça Eleitoral o rejulgamento ou a alteração das premissas adotadas pelo Tribunal de Contas, a teor da Súmula nº 41 do TSE, segundo a qual "não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade". 

Neste sentido:

Eleições 2012. Recurso especial. Registro de candidato. Prefeito. Rejeição de contas. Vícios insanáveis. Atos dolosos de improbidade administrativa. Recurso provido. Registro indeferido. 1. De acordo com a assente jurisprudência deste Tribunal, cabe à Justiça Eleitoral analisar a decisão do órgão competente para o julgamento das contas, com a finalidade de proceder ao enquadramento jurídico dos fatos aos requisitos legais contidos na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. 2. Não cabe a esta Justiça especializada a análise do acerto ou desacerto da decisão da Corte de Contas, o que inviabiliza o exame de alegações que tenham por finalidade afastar os fundamentos adotados para a rejeição das contas, sob pena de grave usurpação de competência. 3. As rejeições das contas do recorrido, relativas a quatro processos, em sede de tomadas de contas especiais, com imputação de débito, indicação de dano ao erário e da prática de ato ilegal, ilegítimo, antieconômico e de infração à norma legal ou regulamentar, além da ocorrência de omissão no dever de prestar contas e de julgamento à revelia, demonstram a má administração dos recursos públicos, o descaso com a coisa pública, a conduta consciente do agente no descumprimento de normas as quais estão vinculados todos os administradores de bens e valores públicos e a configuração de ato de natureza ímproba, a atrair a inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. 4. Recurso especial provido para indeferir o registro da candidatura(REspe nº 2437, rel. Min. Dias Toffoli. Ac de 29.11.12).

Assim, não cabe neste procedimento de pedido de registro de candidatura perquirir sobre os fatos já apurados e julgados pelo Tribunal de Contas da União, tal como pretende o requerente/impugnado na contestação e nas alegações finais, mas tão só analisar se tais fatos configuram irregularidade insanável e ato doloso de improbidade administrativa.

Como se observa do acórdão originário do TCU (que rejeitou as contas do ex-Deputado Federal e o condenou ao ressarcimento ao erário -ID 13060778), e do acórdão que negou provimento ao Recurso de Reconsideração (ID 13060780), o então parlamentar solicitou e recebeu reembolso, através da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, mediante a apresentação de notas fiscais de empresa da qual detinha 50% do capital social (Rádio Clube de Vera Cruz Ltda) e de empresa de seu sócio (Wilson Mattos Promoções Artísticas S.C. Ltda – ME), por supostos serviços de Divulgação de Atividades Parlamentares.

Consignou em seu voto o Ministro Augusto Nardes, relator do primitivo acórdão, acompanhado pelos demais ministros da corte:

Fundamentalmente, o responsável requereu reembolso e assumiu obrigação pela liquidação de despesas efetuadas de forma direta e indireta (por intermédio da empresa Wilson Mattos Promoções Artísticas), à empresa Rádio Clube de Vera Cruz Ltda. (da qual detinha participação societária, 50%), entre janeiro/2011 e dezembro/2014, no valor histórico de R$ 333.520,00, o que propiciou o uso irregular da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, conforme bem explicado pela comissão de tomada de contas especial (peça 3, fls. 306-308):

36. Compulsando os autos, esta Comissão de TCE verificou novo traço de irregularidade, até então inobservado tanto pela Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado do Tribunal de Contas da União, quanto pelos órgãos técnicos da Câmara dos Deputados — Coordenação de Gestão da Cota Parlamentar e Assessoria Técnica da Diretoria-Geral.

37. Consta nos autos documentação referente a despesas efetuadas pelo ex-deputado Abelardo Camarinha, a título de "divulgação da atividade parlamentar", em favor da empresa Agência Wilson Mattos Promoções Artísticas, posteriormente reembolsadas com recursos da CEAP, fls. 78 a 301. Dentre o conjunto de documentos, encontra-se declaração do ex-deputado, cujo teor atesta que os serviços prestados pela Agência Wilson Mattos referem-se a "inserções que faço quase que diariamente na Rádio: divulgando o meu trabalho na Câmara dos Deputados e o meu posicionamento relativo a questões de alta relevância", fl. 85.

Depreende-se, portanto, que a empresa Wilson Mattos agenciava inserções de conteúdo do interesse do ex-deputado em veículos de imprensa, notadamente empresas de radiodifusão — o que se torna explícito nos documentos de fls. 98 e seguintes, em razão dos extratos das rádios Clube de Vera Cruz, Diário FM de Marília e Dirceu de Manilha, com detalhamento do número de inserções em cada dia de programação.

38. Um fato particularmente instigante é a presença de extratos da Rádio Clube de Vem Cruz, referentes a notas fiscais emitidas pela Agência Wilson Mattos — indicativo irrefutável que esta intermediava a inserção, junto àquela, de matérias de interesse do ex-parlamentar Abelardo Camarinha. É o que se constata, por exemplo, na Nota Fiscal de Prestação de Serviços N 2 835 da Agência, acompanhada de extrato da Rádio Clube, em cujo campo "GRAVACOES DISPONIVEIS" consta a informação "Inserções na emissora referente emendas e recursos para Manha e região conforme nota fiscal da Agencia Wilson Promoções Artísticas s/c Ltda — Me. n.835 de 17 de fevereiro de 2011.", fls. 100 e 101.

39. A partir de tal constatação, torna-se imperioso concluir que o então deputado Abelardo Camarinha transgrediu o Ato da Mesa no 43 de 2009 - no tocante à vedação contida em seu Art. 4, §13 -, não apenas por meio de reembolsos dos pagamentos efetuados diretamente a empresa de sua propriedade, mas também de forma indireta, na medida em que a atuação da Agência Wilson Mattos consistia em intermediar a inserção de conteúdos junto à Rádio Clube, dentre outras empresas de radiodifusão. O fato de o senhor Wilson Novaes Matos, proprietário da Agência, constar como sócio do ex-deputado Abelardo Camarinha na Rádio Clube apenas reforça os traços de ilegalidade da transação, agravando a responsabilidade do então parlamentar pelo dano ao Erário decorrente do direcionamento de recursos públicos em benefício próprio.” (ID 13060778).

O voto do Ministro Relator Raimundo Carreiro, no acórdão que negou provimento ao Recurso de Reconsideração interposto pelo ex-Deputado Federal, sendo acompanhado pelas demais Ministros, reitera as conclusões fáticas e jurídicas do primitivo acórdão:

Reproduzo a seguir a análise e as conclusões a que chegou a unidade técnica ao examinar o presente recurso de reconsideração:

“5.2. Os argumentos do recorrente não merecem prosperar. De acordo com o §13 do artigo 4º do Ato da Mesa da Câmara dos Deputados n. 43/2009, não se admitirá a utilização da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por empresa ou entidade da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o Deputado ou parente seu até o terceiro grau.

5.3. Ao contrário do que alega a parte, as investigações no âmbito desta Corte e da própria Câmara dos Deputados identificaram que o recorrente é detentor de 50% das cotas da empresa Rádio Clube de Vera Cruz Ltda. (CNPJ 52.053.873/0001-66), sendo os outros 50% de propriedade de Wilson Novaes Matos, sócio administrador, conforme documentos solicitados à Junta Comercial de São Paulo e não refutados pelo responsável (peça 1, p. 35-37).

5.4. Logo, os pagamentos realizados à Rádio Clube de Vera Cruz Ltda. com verbas da Ceap, que estão demonstrados nas notas fiscais e outros documentos distribuídos nas peças 1-3 dos autos, afrontam a norma específica da Câmara dos Deputados e o princípio da moralidade, pois constituem transferências de recursos públicos de responsabilidade do parlamentar para si mesmo.

5.5. Do mesmo modo, os técnicos na Câmara dos Deputados identificaram que outras despesas do então parlamentar, ressarcidas pela Cota, ocorreram em favor da empresa Agência Wilson Mattos Promoções Artísticas S.C. Ltda.-ME (CNPJ 54.704.945/0001-13), de propriedade de seu sócio na empresa Rádio Clube de Vera Cruz Ltda., destinadas aos custos de inserção de conteúdos referentes à atuação parlamentar do ex-deputado, em programação da própria Rádio do recorrente.

5.6. Esses gastos contradizem, de forma indireta, o disposto no §13 do artigo 4º do Ato da Mesa 43/2009, pois os pagamentos eram realizados para empresa interposta do sócio administrador da Rádio em favor do próprio veículo de comunicação (peça 3, p. 306-308, itens 36-39), estratégia que restava por ocultar o percurso do dinheiro. Por óbvio, esses gastos não se apresentam como consultoria regular, como sustenta a parte.

5.7. Igualmente, ao contrário do que afirma o recorrente, o acatamento da denúncia não decorreu de favorecimento, mas sim do uso irregular da verba da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, sendo ele o responsável pela liquidação das despesas e pelo cumprimento dos normativos aplicáveis.

5.8. Além disso, a alegação do recorrente de que os argumentos do recurso podem ser comprovados por funcionários da Rádio Clube Vera Cruz não se sustentam. Nos termos de pacífica jurisprudência desta Casa, as declarações de terceiros provam tão-somente a existência da declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado demonstrar a veracidade do alegado (Acórdão 2.455/2013 – Plenário, relatado pelo Ministro José Jorge).

5.9. Por fim, diferentemente do que entende o recorrente e conforme a jurisprudência desta Casa, no contexto de administração de recursos governamentais, a boa-fé não pode ser presumida ou acatada a partir de mera alegação, devendo ser demonstrada e comprovada a partir dos elementos que integram os autos, corroborada em contexto fático propício ao reconhecimento dessa condição em favor dos responsáveis (Acórdão 4.667/2017 – Primeira Câmara, relatado pelo Ministro Bruno Dantas). – ID 13060780.

Resta evidente, portanto, que o então Deputado Federal foi ressarcido com o dinheiro da Cota Parlamentar (dinheiro público), mediante apresentação por ele próprio de notas fiscais emitidas pela empresa da qual era sócio (Rádio Clube de Vera Cruz Ltda) e por empresa de seu sócio (Wilson Mattos Promoções Artísticas S.C. Ltda.-ME), por “supostos serviços de Divulgação de Atividades Parlamentares”.

Não se tratou de fato isolado, mas de reiterada conduta do aqui requerente/impugnado, pois foram 20 pagamentos desta forma, entre janeiro de 2011 a dezembro de 2014, totalizando R$333.520,00 (valor original).

A conduta do ex-Deputado afronta de forma cabal a norma que instituiu a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ato da Mesa nº 43/2009), que em seu art. 4º, § 13, estatui que “Não se admitirá a utilização da Cota para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por empresa ou entidade da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o Deputado ou parente seu até o terceiro grau.”

Com os reiterados ressarcimentos em seu favor de valores oriundos da Cota Parlamentar, com base em despesas relativas a supostos serviços prestados pela empresa da qual era sócio, o então Deputado não apenas atentou contra os princípios da honestidade e legalidade, como também locupletou-se ilicitamente, em prejuízo ao erário público.

E não restam dúvidas de que sua conduta foi dolosa, eis que sócio (de 50%) da empresa cujas notas fiscais usou para embasar seus pedidos de ressarcimento, e não desconhecia a vedação legal que impedia seu intento (art. 4º, § 13, Ato da Mesa nº 43/2009).

Portanto, emerge claramente das decisões do Tribunal de Contas da União na Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9 que a rejeição das contas relativas ao exercício do cargo de Deputado Federal por José Abelardo Guimarães Camarinha se deu por irregularidade insanável e que configura ato doloso de improbidade administrativa.

Em questões semelhantes já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral:

 “Eleições 2014. [...]. Registro de candidatura deferido. Deputado estadual. Art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/1990. Incidência na inelegibilidade. [...] 1. A inelegibilidade referida no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/1990 não é imposta pela decisão que desaprova as contas do gestor de recursos públicos, mas pode ser efeito secundário desse ato administrativo, verificável no momento em que o cidadão requerer o registro de sua candidatura.  [...] 3. Verificam-se dos autos elementos mínimos que revelam ato de improbidade administrativa praticado na modalidade dolosa, porquanto o Tribunal de Contas, acerca do uso indevido de verbas de gabinete, ao consignar que a irregularidade de nota fiscal não constituiu fato isolado, havendo forte indício de montagem nas prestações de contas, demonstrou a existência de má-fé do gestor público, importando em dano ao erário.  4. A conclusão regional está em desacordo com a jurisprudência deste Tribunal firmada nas eleições de 2012, para fins de incidência na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/1990, em que se considerava ‘insanável a irregularidade consistente no pagamento irregular de verbas de gabinete’ (AgR-REspe nº 215-25/SP, rel. Min. Arnaldo Versiani, julgado em 27.9.2012). 5. É de rigor reconhecer a inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/1990. [...](RO nº 55027, rel. Min. Gilmar Mendes. Acórdão 02/10/2014).

Registro. Inelegibilidade. Rejeição de contas. [...] 2.  É insanável a irregularidade consistente no pagamento irregular de verbas de gabinete. [...]” (AgR-REspe nº 9180, rel. Min. Arnaldo Versiani. Acórdão 30/10/2012).

[...] Indeferimento do registro. Rejeição de contas. Vícios insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa. [...] 1. Utilização de recurso público em benefício próprio e pagamentos irregulares a servidores são vícios insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa. [...](AgR-REspe nº 33874, rel. Min. Dias Toffoli. Acórdão 23/10/2012).

Resta verificar se a decisão do Tribunal de Contas da União na  Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9 é irrecorrível.

Alega o requerente/impugnado em suas alegações finais (ID 248240190) que a decisão do TCU ainda não é definitiva, pois foi interposto Recurso de Revisão (na contestação não apresentou esta alegação, embora já tivesse interposto tal recurso - ID 16518749).

O primeiro julgamento proferido na Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9 ocorreu em 25/09/2018, quando o TCU julgou irregulares as contas do ex-Deputado e o condenou ao pagamento de R$333.520,00 (valor sem correção) ao Tesouro Nacional, além de aplicar multa de R$20.000,00 (ID 13060778).

Contra esta decisão, o ex-Deputado Federal interpôs Recurso de Reconsideração (art. 32, I, e art. 33, da Lei nº 8.443/92), ao qual o TCU negou provimento, mantendo a decisão de desaprovação das contas e a respectiva condenação, em sessão realizada em 02/07/2019 (ID 13060780).

Em 25/09/2020 o ex-Deputado interpôs Recurso de Revisão (ID 20196444 e ID 20196445).

Resta saber se o Recurso de Revisão, interposto mais de um ano após a decisão do Recurso de Reconsideração, tem a prerrogativa de afastar a natureza de irrecorribilidade do acórdão datado de 02/07/2019.

A Lei nº 8.443/92 e o Regimento Interno do Tribunal de Contas da União regulamentam a atuação do órgão, inclusive o processo de julgamento das prestações e tomadas de contas.

Contra a decisão em processo de prestação ou tomada de contas, inclusive especial, cabe Recurso de Reconsideração, que tem efeito suspensivo. Deve ser interposto no prazo de 15 dias, contados da publicação do acórdão recorrido no Diário Oficial da União (artigos 32, I, e 33 da Lei nº 8.443/92, e art. 285 do Regimento Interno).

Com o julgamento do Recurso de Reconsideração, e de eventual Embargos de Declaração (artigos. 32, II, e 34 da Lei nº 8.443/92, e art. 287 do Regimento Interno), esgotou-se a jurisdição ordinária o TCU. Tanto assim, que no caso ora analisado, após a prolação do acórdão que julgou o Recurso de Reconsideração, e não interpostos Embargos de Declaração, em 16/08/2019 foi certificado o trânsito em julgado da decisão que julgou irregulares as contas do ex-Deputado e o condenou ao ressarcimento ao erário e pagamento de multa (- ID 13060774).

A Lei nº 8.443/92 (assim como o Regimento Interno do TCU) também prevê o que denomina de “Recurso de Revisão”, em seus artigos 32, III, e 35.

Embora denominado “Recurso”, na verdade se trata de um instrumento processual para sanar falhas graves, admissível em situações excepcionais, com requisitos de admissibilidade de caráter bastante restritivo, como se observa do art. 35 da Lei nº 8.443/92.  Tanto assim, que o prazo para sua interposição é de 5 anos, o que denota que seu objetivo não é a mera revisão do julgado, mas a correção de erros grosseiros que tenham se verificado no procedimento. Não se presta para simples reanálise da matéria fática e jurídica já apreciada, razão pela qual não tem efeito suspensivo.

Trata-se de instrumento que guarda estreita relação com a ação rescisória prevista no Código de Processo Civil (artigos 966/975 do CPC), que, como se sabe, tem por pressuposto a existência de decisão de mérito transitada em julgado (art. 966, CPC), e que não impede o cumprimento da decisão rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória (art. 969, CPC).

Assim também o “Recurso de Revisão”, que tem por pressuposto a existência de decisão definitiva (no sentido técnico – art. 10, § 2º, Lei da Lei nº 8.443/92) já transitada em julgado. A decisão definitiva (repita-se, em sentido técnico, entendida como aquela que julga as contas, seja regulares, regulares com ressalva ou irregulares), mas não transitada em julgado, deve ser objeto do Recurso de Reconsideração, e não de “Recurso de Revisão.

O Regimento Interno do TCU evidencia a natureza excepcional do “Recurso de Revisão”, verdadeira ação rescisória no procedimento administrativo de prestação ou tomada de contas.

Dispõe seu art. 288, caput: “De decisão definitiva em processo de prestação ou tomada de contas, inclusive especial, cabe recurso de revisão ao Plenário, de natureza similar à da ação rescisória, sem efeito suspensivo, interposto uma só vez e por escrito pelo responsável, seus sucessores, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de cinco anos, contados na forma prevista no inciso IV do art. 183, e fundar-se-á: I – em erro de cálculo nas contas; II – em falsidade ou insuficiência de documentos em que se tenha fundamentado o acórdão recorrido; III – na superveniência de documentos novos com eficácia sobre a prova produzida”.

Discorrendo sobre o tema, em artigo publicado na Revista do Tribunal de Contas da União (Vol. 46), Amadeu Batista de Amorim Filho preleciona o seguinte:

Além disso, conforme Henneberg (2005, p. 59/65), em que pese sua denominação, o recurso de revisão pode ser classificado como uma ação híbrida, peculiar à processualística do controle externo. É semelhante à rescisória quando tende a desconstituir uma decisão irrecorrível; quando ocorre a reabertura das contas, em razão de “fato novo” (ou como consta do Regimento: “elementos eventualmente não examinados pelo Tribunal”), há algo equivalente ao que seria um ajuizamento de uma nova ação de contas, que poderá, inclusive, levar à instauração de contraditório em relação ao gestor já arrolado como responsável ou quanto a novos agentes envolvidos.”

...

Reside em suas naturezas jurídicas a distinção mais facilmente perceptível entre o recurso de revisão, dos processos de controle conduzidos pelo Tribunal de Contas da União, e a ação rescisória, instrumento do Direito Processual Civil. O primeiro é ação híbrida, conforme explanação no subitem anterior; o segundo pode ser classificado como “ação tendente à sentença desconstitutiva”, de acordo com Bueno Vidigal (apud Theodoro Jr., 2008, p. 778). Registre-se que, embora ambos sejam meio de impugnação de decisões, nenhum deles, a rigor, é recurso.”

...

Ressalte-se que, na realidade, nenhum deles é recurso. A ação rescisória é, como o próprio nome define, ação que tende ao proferimento de sentença desconstitutiva. Por sua vez, o recurso de revisão, a despeito de sua denominação e de ser tratado como recurso em diversos momentos no TCU, também é ação que visa à desconstituição da decisão impugnada e que, além disso, pode resultar na reabertura das contas e no retorno do processo ao seu início, com a apreciação dos elementos novos.” (Análise Comparativa entre o Recurso de Revisão e a Ação Rescisória. Revista do Tribunal de Contas da União. vol. 46, n. 130, p. 20–33, maio/ago., 2014 ).

O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o Recurso de Revisão perante o TCU ter natureza jurídica semelhante à Ação Rescisória:

“[...] O recurso de revisão está previsto no art. 35 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/92), in verbis:

‘Art. 35. De decisão definitiva caberá recurso de revisão ao Plenário, sem efeito suspensivo, interposto por escrito, uma só vez, pelo responsável, seus sucessores, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de cinco anos, contados na forma prevista no inciso III do art. 30 desta Lei, e fundar-se-á:

I - em erro de cálculo nas contas;

II - em falsidade ou insuficiência de documentos em que se tenha fundamentado a decisão recorrida;

III - na superveniência de documentos novos com eficácia sobre a prova produzida.

Parágrafo único. A decisão que der provimento a recurso de revisão ensejará a correção de todo e qualquer erro ou engano apurado.’

Em precedente plenário, esta Suprema Corte afirmou ser inadmissível a outorga de efeito suspensivo ao recurso de revisão apresentado contra decisão do TCU, dado sua natureza, no plano administrativo, de ação rescisória prevista na esfera jurisdicional. Vide:

 

‘Mandado de segurança. Efeito suspensivo a recurso de revisão interposto perante o Tribunal de Contas da União. - Pela disciplina desse recurso de revisão, faz ele as vezes, no plano administrativo, da ação rescisória no terreno jurisdicional, com relação à qual a jurisprudência desta Corte tem entendido inadmissível a outorga cautelar de eficácia suspensiva ao ajuizamento dela, para obstar os efeitos decorrentes da coisa julgada (vejam-se, a propósito, os acórdãos na RTJ 54/454 e na RTJ 117/1). Mandado de segurança indeferido’ (MS nº 22.371/PR, Relator o Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ de 7/3/1997).’ [...]”(STF. Re. Ministro Dias Toffoli, j. 28/06/2012.

Portanto, a mera interposição do Recurso de Revisão contra as decisões do Tribunal de Contas da União não tem o poder de suspender os julgados emanados pelo seu Plenário, em virtude de não possuir efeito suspensivo e não tirar o caráter de definitividade das decisões daquela Corte de Contas (art. 35 da Lei n. 8.443/92).

Somente com a concessão de efeito suspensivo no próprio Recurso de Revisão (portanto, na própria esfera administrativa), ou de decisão do Poder Judiciário suspendendo os efeitos do acórdão do TCU, fica afastada a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90.

Neste sentido vem decidindo o Tribunal Superior Eleitoral:

“[...] 2. A atual jurisprudência do TSE é no sentido de que o recurso de revisão interposto perante o Tribunal de Contas, quando recebido com efeito suspensivo, afasta o caráter irrecorrível do julgado e, por consequência, a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. Precedentes.

3. Esse entendimento deve ser mantido, pois confere maior efetividade ao direito fundamental à elegibilidade. Apesar de o recurso de revisão possuir natureza jurídica de ação rescisória, nada impede que o Tribunal de Contas, ao verificar a probabilidade do direito alegado e o perigo da demora, confira, excepcionalmente, efeito suspensivo à decisão que proferiu.

4. Essa possibilidade decorre da teoria dos poderes implícitos, que permite aos Tribunais de Contas a adoção das medidas necessárias ao cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição. Se a Constituição atribui aos Tribunais de Contas a competência para julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos (art. 71, II, da Constituição), permite, também, a adoção de medidas cautelares necessárias ao cumprimento dessa função, no que se inclui a possibilidade de concessão de efeito suspensivo às suas decisões.” (Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 060089125, Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Acórdão 23/10/2018).

No caso ora analisado, o requerente/impugnado não trouxe nenhuma informação sobre ter sido concedido efeito suspensivo ao Recurso de Revisão por ele interposto contra a decisão do TCU já transitada em julgado (ID 20196445).

Nesta data, por precaução consultei o andamento do Recurso de Revisão no Portal do TCU (https://portal.tcu.gov.br/inicio/). O recurso foi interposto em 25/09/2020, não constando até hoje qualquer decisão que lhe tenha deferido efeito suspensivo.

Em exame preliminar (art. 278, caput, do Regimento Interno) consta manifestação da unidade técnica (Secretaria de Recursos - SERUR) pela não admissibilidade do Recurso de Revisão, estando o procedimento no momento aguardando parecer o Ministério Público de Contas.

Também não trouxe o requerente/impugnado nenhuma informação sobre decisão judicial que tenha suspendido ou anulado a decisão definitiva do Tribunal de Contas da União.

Assim, quanto ao julgamento das contas de José Abelardo Guimarães Camarinha na Tomada de Contas Especial nº 020.018/2016-9, julgando-as irregulares e o condenando ao pagamento de R$333.520,00 (valor original) ao Tesouro Nacional, e aplicação de multa de R$20.000,00, tem-se que foram preenchidos os requisitos cumulativos ensejadores da causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90, quais sejam:

Desta forma, configurada a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea "G", da Lei Complementar nº 64/90, impõe-se o indeferimento do pedido de registro de candidatura do requerente/impugnado.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a impugnação, e INDEFIRO o pedido de registro de candidatura de JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA para concorrer ao cargo de Prefeito, sob o número 19, pela Coligação “Reconstruir Marília”, com opção de nome para urna: CAMARINHA.

Consigno que nesta mesma data deferi o requerimento de registro de candidatura do candidato ao cargo de vice-prefeito pela Coligação “Reconstruir Marília”, Paulo Jorge de Oliveira Alves (Processo PJE nº 0600421-92.2020.6.26.0070).

Publique-se no mural eletrônico e dê-se ciência o Ministério Público Eleitoral.

                                     

Marília, 31 de outubro de 2020.

 

 

 

LUÍS CESAR BERTONCINI

Juiz Eleitoral