TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESPÍRITO SANTO

JUIZ ELEITORAL DA 043ª ZONA ELEITORAL DE MARATAÍZES ES - JORGE ORREVAN VACCARI FILHO 

 

REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) - Processo nº 0600155-90.2020.6.08.0043 - MARATAÍZES - ESPÍRITO SANTO

Assunto: [Registro de Candidatura - RRC - Candidato, Cargo - Prefeito, Eleições - Eleição Majoritária]

REQUERENTE: ROBERTINO BATISTA DA SILVA, #-CONTINUAR PARA AVANÇAR 20-PSC / 28-PRTB / 15-MDB / 13-PT / 45-PSDB / 12-PDT, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO - MATRIZ MARATAIZES-ES, DIRETORIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA- PDT, PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO, DIRETORIO MUNICIPAL DO PARTIDO SOCIAL CRISTAO - PSC, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB, PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT
IMPUGNANTE: ELEICAO 2020 NORMA AYUB ALVES PREFEITO, PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO

Advogado do(a) IMPUGNANTE: LARISSA FARIA MELEIP - ES7467

IMPUGNADO: ROBERTINO BATISTA DA SILVA

Advogados do(a) IMPUGNADO: GEDSON BARRETO DE VICTA RODRIGUES - ES17274, RODRIGO BARCELLOS GONCALVES - ES15053, LEONARDO DA SILVA LOPES - ES28526, GREGORIO RIBEIRO DA SILVA - ES16046, ALTAMIRO THADEU FRONTINO SOBREIRO - ES15786, FELIPE OSORIO DOS SANTOS - ES6381

 

SENTENÇA

 

 

1 RELATÓRIO

Trata-se de Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de ROBERTINO BATISTA DA SILVA (“Tininho Batista”), formulado pela Coligação “Continuar Para Avançar”, composta pelos partidos PSC, PRTB, MDB, PT, PSDB e PDT, para concorrer ao cargo de Prefeito de Marataízes/ES, nas Eleições de 2020.

Devidamente instruído o respectivo DRAP (n° 0600123-85.2020.6.08.0043), sobreveio Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) pelo Ministério Público Eleitoral e pela coligação adversária – “Vamos Resgatar o Brilho Da Pérola”, composta pelos partidos DEM, PSD, PSB, PP, PV e REPUBLICANOS.

As impugnações versaram, em síntese, sobre notícia de inelegibilidade, caracterizada pelo art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar n° 64/1990, em razão de condenações do requerente pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, além de ausência de condição de elegibilidade, prevista no art. 14, §5º, da CF/88, que veda o exercício de terceiro mandato para o mesmo cargo.

Em suas razões, sustentam os impugnantes a existência de condenações irrecorríveis contra o candidato, exaradas nos autos dos processos nº 8.085/2014 e nº 6.300/2015, que tramitaram no Tribunal de Contas do Estado - TCE/ES. Além disso, afirma-se que o requerente já exerceu efetivamente o cargo de Prefeito do Município de Marataízes/ES por dois mandatos, o primeiro entre 28.06.2013 a 06.10.2015 – enquanto era Vice-Prefeito e durante período no qual o então chefe do executivo fora afastado por sucessivas ordens judiciais – e, a segunda, a partir de 01.01.2016, quando foi eleito para o mandato ainda em curso.

Nas palavras do Ministério Público Eleitoral, o candidato, então Vice-Prefeito, assumiu as funções de prefeito do Município de Marataízes/ES em 28/0/2013, em razão do “afastamento do então Prefeito Jander Vidal em função do cumprimento de decisão judicial liminar nos autos de n° 0002048- 66.2013.8.08.0069, permanecendo o impugnado no cargo de Prefeito até o dia 06/10/2015”, pelo que não se poderia “considerar que o período em que o impugnado exerceu o cargo de Prefeito tenha sido ínfimo”.

Notificado, o requerente apresentou contestação (ID nº 13890722) argumentando, em síntese, ausência da situação de inelegibilidade apontada pelos impugnantes, bem como o preenchimento das condições de elegibilidade para concorrer ao cargo pleiteado, não havendo que se falar em terceiro mandato, considerando que no período compreendido entre 28.06.2013 a 06.10.2015 exerceu, de forma precária, a função de prefeito.

Defende que a norma contida no § 5º do art. 14 da CRFB, por restringir direitos, deve sofrer uma interpretação restrita, não sendo permitido ao parquet “criar situação de inelegibilidade” não contemplada no texto constitucional, salientando, para tanto, que não se mostra relevante o tempo em que o então Prefeito Jander foi substituído, até porque, a substituição se deu em período intermediário, sem que houvesse o fechamento do mandato.

Certidão de instrução do processo no evento de ID 17372625.

É o breve relatório.

Decido.

2 FUNDAMENTAÇÃO

De início, esclareço que a matéria controvertida nos presentes autos diz respeito, especificamente: (i) à incidência ou não da causa de inelegibilidade em razão da rejeição de contas do requerente pelo TCE/ES e (ii) à configuração ou não de hipótese de vedação ao exercício imediato de terceiro mandato ao cargo de Prefeito, nos termos do art. 14, §5º, da CF/88.

2.1 Da inelegibilidade por rejeição de contas (art. 1º, inciso i, alínea “g”, da lei complementar n° 64/1990).

No tocante à primeira alegação, extrai-se que o art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei de Inelegibilidades (LC n° 64/1990) preceitua que são inelegíveis, para qualquer cargo, aqueles que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, conforme abaixo destaco:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

 

Depreende-se do mencionado dispositivo que, para configuração da inelegibilidade, exige-se, cumulativamente, os seguintes requisitos: (a) contas públicas rejeitadas; b) irregularidade insanável; c) ato doloso de improbidade administrativa; d) decisão irrecorrível do órgão competente.

No caso, verifico constar dos autos as cópias de duas decisões proferidas pelo Egrégio TCE/ES, nos procedimentos de nº 8.085/2014 e nº 6.300/2015, julgando irregulares despesas ordinárias realizadas à época pelo ora requerente, referentes a reajuste salarial dos secretários municipais e ao pagamento de subsídio a sua irmã, também secretária municipal, em desacordo com a Constituição Federal e a legislação de regência.

Registre-se que tais decisões foram objeto de recurso próprio, os quais não foram providos, razão pela qual ostentam a qualidade de irrecorríveis (Acórdão 00156/2019-8, nos autos dos processos: 01440/2018-7, 08085/2014-3 e Acórdão n.º 00912/2019-1, nos autos dos processos: 08100/2019-5, 01440/2018-7, 08085/2014-3). Ademais, não cabe a este juízo reavaliar as razões dos julgamentos da Corte de Contas, nos termos do verbete de Súmula nº 41, do TSE:

Súmula-TSE nº 41

"Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade".

Entretanto, observo que os referidos acórdãos do TCE/ES não julgaram despesas oriundas de convênios entre o Município e outro ente da Federação, sendo originários, na realidade, da apreciação de contas por atos ordinários de gestão do executivo municipal.

A esse respeito, ressalto que, de regra, a competência para o julgamento das contas de Prefeito é da Câmara Municipal, nos termos do art. 31 da Constituição Federal, cabendo aos Tribunais de Contas apenas a emissão de parecer prévio, que só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal (§2º). Nesse caminhar, somente no caso de rejeição de contas decorrente do julgamento de convênios, por atuação exclusiva dos Tribunais de Contas para deliberar a respeito, é que incidirá a inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar n° 64/1990, uma vez que, nesta hipótese, as contas se submetem a efetivo controle pela Corte de Contas (artigo 71, VI, da Constituição Federal).

É esse o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Eleitorais, conforme arestos destacados abaixo:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA SUJEITA AO CRIVO PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS DE GOVERNO E DE GESTÃO. LEI COMPLEMENTAR 64/1990, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR 135/2010. INELEGIBILIDADE. DECISÃO IRRECORRÍVEL. ATRIBUIÇÃO DO LEGISLATIVO LOCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. I - Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 2º). II - O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República (“checks and balances”). III - A Constituição Federal revela que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o art. 1º, I, g, da LC 64/1990, dada pela LC 135/ 2010, é a Câmara Municipal, e não o Tribunal de Contas. IV - Tese adotada pelo Plenário da Corte: “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”. V - Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF - RE: 848826 CE - CEARÁ 0000879-45.2014.6.06.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 10/08/2016, Tribunal Pleno)

EMENTA: ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. DEPUTADA FEDERAL. ART. 1°, 1, G, DA LC N° 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS. PREFEITA. COMPETÊNCIA. CÂMARA MUNICIPAL. INELEGIBILIDADE AFASTADA. DECISÃO MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO. A competência constitucional para julgar as contas dos Prefeitos, sejam elas de governo ou de gestão, é das Câmaras Municipais, e não dos Tribunais de Contas. (Precedentes: STF, RE5 n° 848.826 e n° 729.744). In casu, a rejeição das contas da Agravada decorreu de parecer emitido pela Corte de Contas, e não pela Câmara de Vereadores, cuja competência é exclusiva, consoante orientação fixada pelo STF, em sede de repercussão geral. A decisão agravada não merece reparos, ainda que pelas razões relativas à competência do órgão julgador de contas. Agravo regimental desprovido (Agravo regimental no recurso ordinário n° 357-45.2014.6.05.0000, Ac. de 13.9.2016. rel. Min. Luiz Fux)

EMENTA: ELEIÇÕES 2014 - REGISTRO DE CANDIDATO - IMPUGNAÇÃO - REJEIÇÃO DE CONTAS DE PREFEITO (LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990, ART. 1º, I, G) - DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO - TOMADA DE CONTAS ESPECIAL E PARECER PRÉVIO - NÃO INCIDÊNCIA - COMPETÊNCIA DA CÂMARA DE VEREADORES PARA JULGAR AS CONTAS - DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTA DA UNIÃO - CONVÊNIO - ÓRGÃO COMPETENTE - CONDUTA ADMINISTRATIVA IRREGULAR SEM IMPLICAR A PRÁTICA DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE - IMPROCEDENTE - PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE E AUSÊNCIA DE CAUSA DE INELEGIBILIDADE - DEFERIMENTO. "A competência para o julgamento das contas de Prefeito é da Câmara Municipal, nos termos do art. 31 da Constituição Federal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, inclusive em casos em que o Prefeito atua como gestor ou ordenador de despesas" (RO n. 436006, de 08.11.2012, Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES). Somente "quando se tratar de contas atinentes a convênios, hipótese em que lhe compete decidir e não somente opinar (artigo 71, VI, da Constituição Federal)" (AR-REspe n. 2321, de 08.11.2012, Min. LAURITA HILÁRIO VAZ). (TRE-PB - RE: 13628 Patos - PB, Relator: RICARDO DA COSTA FREITAS, Data de Julgamento: 26/09/2016, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Volume 09:46, Data 26/09/2016)

Com efeito, a inclusão do nome candidato na lista de gestores com contas irregulares não implica, necessariamente, situação de inelegibilidade, justamente por constituir documento de natureza informativa e não vinculante.

Vejamos, a propósito, o entendimento do Colendo TSE:

EMENTA: ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR (COLIGAÇÃO ALTO ALEGRE UNIDO PARA VOLTAR A CRESCER - PMDB/PTN/PSDC/PTC/PSDB/ PSD/SD). INDEFERIDO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE. DIRETOR FINANCEIRO. CÂMARA MUNICIPAL. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO. IRREGULARIDADES GRAVES EM PROCESSOS LICITATÓRIOS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONFIGURAÇÃO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTE PROVIMENTO JUDICIAL SUSPENSIVO. (...) 4. A mera inclusão do nome do agente público na lista remetida à Justiça Eleitoral pelo Órgão de Contas, nos termos do § 5º do art. 11 da Lei nº 9.504/97, não gera, por si só, presunção de inelegibilidade e nem com base nela se pode afirmar ser elegível o candidato, por se tratar de procedimento meramente informativo. Precedentes. (Recurso Especial Eleitoral nº 42781, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 72, Data 11/04/2017, Página 37/38)

EMENTA: ELEIÇÕES 2014. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO. ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA g, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. NÃO INCIDÊNCIA NA INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/1990, somente as que preenchemos requisitos cumulativos constantes dessa norma, assim enumerados: i) decisão do órgão competente; ii) decisão irrecorrível no âmbito administrativo; iii) desaprovação devido a irregularidade insanável; iv) irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa; v) prazo de oito anos contados da decisão não exaurido; vi) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário. 2. Conquanto o Tribunal de Contas não julgue improbidade administrativa, compete à Justiça Eleitoral, no processo de registro de candidatura, verificar elementos mínimos que apontem conduta que caracterize ato ímprobo praticado na modalidade dolosa. 3. Recurso desprovido, mantido o deferimento do registro de candidatura. (RO - Recurso Ordinário nº 43081 - Recife/PE, Acórdão de 27/11/2014, Relator (a) Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicado em Sessão, Data 27/11/2014)

Nestes termos, por se tratar de irregularidade decorrente do julgamento de contas decorrentes de atos ordinários de gestão, e não havendo notícia de que a Câmara Municipal ratificou as decisões do TCE/ES, não se mostra atendido o requisito essencial constante na alínea “g” do inciso I do art. 1º da Lei nº 64/90, restando, portanto, prejudicado o enfrentamento dos demais requisitos da inelegibilidade.

Ainda que assim não fosse, pelos próprios contornos da decisão proferida pela Corte de Contas, não haveria elementos seguros a implicar que a Justiça Eleitoral reconhecesse que a rejeição das contas tenha se dado pela prática de ato doloso de improbidade administrativa, como quer fazer crer o órgão Ministerial.

 

2.2 Da vedação ao exercício de terceiro mandato (art. 14, §5º, da CF/88).


 

No que tange à alegação de incidência do art. 14, § 5º, da CF/88, com o objetivo de conter a possibilidade de perpetuação do candidato na chefia do Poder Executivo Municipal, em razão de suposto terceiro mandato, é preciso, antes de tudo, reconhecer que o caso em tela cuida de situação atípica e sem precedentes idênticos na jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo e do Tribunal Superior Eleitoral, razão pela qual a ratio decidendi deverá ser alcançada após prudente interpretação, com observância das normas e preceitos constitucionais, num contexto de análise dos precedentes das cortes superiores e das particularidades do singular caso e, eventualmente, da aplicação da técnica do distinguishing.

Pois bem! Da análise dos autos, verifica-se que, de fato, o requerente esteve à frente do Poder Executivo Municipal por duas ocasiões, a primeira entre 28.06.2013 a 06.10.2015 e a segunda quando foi eleito para o mandato de Prefeito, ainda em curso, que se iniciou em 01.01.2017.

Em 28.06.2013, o requerente, então vice-prefeito, assumira o poder público municipal em razão do afastamento do prefeito eleito, cargo que ocupou ininterruptamente por aproximadamente 27 (vinte e sete) meses (06.10.2015), o que implica dizer que a perpetuação fática na chefia do Executivo Municipal ultrapassou mais da metade do mandato ordinário – 2 anos, 3 meses, e 9 dias – tendo sido, assim, Prefeito por mais tempo que o próprio mandatário eleito.

Depreende-se das impugnações que, uma vez à frente do Poder Público, o ora requerente atuou na qualidade de prefeito de forma integral, apresentando-se publicamente e se autodenominando chefe do Poder Executivo do município de Marataízes/ES. Em diversas ocasiões participou de inaugurações de obras públicas, festividades, foi ordenador de despesas, negociou com o Legislativo, representou a municipalidade, assinou contratos, deu início a projetos de lei, inclusive LDO e LOA, realizou concurso público etc..

Destaco que esses fatos são incontroversos, bem como que as contas rejeitadas pelo TCE/ES mencionadas no capítulo anterior se deram enquanto o requerente exercia “interinamente” a chefia do executivo municipal, sendo perceptível que havia um ambiente propício à compreensão de que esse exercício se daria até o fim do mandato, considerando o ajuizamento sucessivo, pelo Ministério Público Estadual, de mais de uma dezena de ações civis públicas por improbidade administrativa em desfavor do prefeito eleito, grande parte delas com liminares de afastamento deferidas.

Consta dos autos, ainda, que, nas eleições seguintes (ano de 2016), o ora requerente foi eleito para o cargo de Prefeito do Município de Marataízes/ES, posição que vem ocupando até os dias de hoje, pelo que, ao fim do presente quadriênio (2017-2020), o impugnado terá exercido o cargo de Prefeito por 6 (seis) anos, 3 (três) meses e 9 (nove) dias, o que implica em dizer que, na hipótese de sagrar-se vitorioso nas eleições de 2020, o deferimento do registro de candidatura resultará na inusitada autorização para o exercício de mandatos consecutivos por além de 10 (dez) anos.

Antes de conhecermos o histórico da jurisprudência específica sobre o assunto, volveremos os olhos para as denominadas inelegibilidades relativas, que nos interessam, conceituadas como as restrições específicas e eventuais a certos tipos de cargos ou funções eletivas, afetando a capacidade passiva. Tais acontecem quando o cidadão, num dado momento, é relativamente inelegível, por questões – que inviabilizam a candidatura e o tornam inapto para receber votos – decorrentes de vínculos funcionais, de parentesco ou até de domicílio e, assim, uma vez passados os períodos das restrições, a capacidade eleitoral passiva retoma sua plena higidez.

O Professor Eleitoralista Rodrigo López Zilio conceitua elegibilidade como sendo “o direito de ser eleito, ou, em sentido mais largo, de participar do processo eletivo, com vista a obter acesso a um mandato” (Direito Eleitoral. 3 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 142) e, portanto, a inelegibilidade é tida como um requisito negativo que obsta a que certo candidato pleiteie determinado mandato eletivo.

Conforme doutrina constitucional do Prof. Uadi Lammêgo Bulos, em seu Curso de Direito Constitucional – São Paulo: Saraiva. 2007, p. 680/684, ao tratar, notadamente, da inelegibilidade relativa funcional por motivo de reeleição (artigo 14, § 5º, da CF), e dos reflexos que a Emenda Constitucional n. 16/97 (que quebrou a tradição constitucional brasileira que vedava a reeleição para a chefia do executivo) trouxe no campo da reeleição para mandatos executivos e na jurisprudência, observamos o seguinte:

[…].

O Texto de 1988 desdobrou a inelegibilidade relativa nos seguintes tópicos:

* inelegibilidade funcional por motivo de reeleição (art. 14, § 5º);

* inelegibilidade funcional por motivo de desincompatibilização (art. 14, § 6º);

* inelegibilidade reflexiva – casamento, parentesco ou afinidade (art. 14, § 7º);

* inelegibilidades militares (art. 14, § 8º); e

* inelegibilidades legais (art. 14, § 9º).

b.1) Inelegibilidade funcional por motivo de reeleição (art. 14, § 5º)

A inelegibilidade relativa funcional por motivo de reeleição foi introduzida no Brasil pela Emenda Constitucional n. 16/97, que, modificando completamente o § 5º do art. 14, assim dispôs:

§5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente’.

[…].

Essa verdadeira inelegibilidade por motivo funcional para o mesmo cargo não possui precedentes imediatos no direito comparado, embora guarde certa similitude com preceitos de algumas constituições da atualidade, a exemplo das de Portugal, China e Argentina.

[…].

Registre-se, ainda, que no Anteprojeto Constitucional da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (Comissão Afonso Arinos ou Comissão dos Notáveis), entregue ao Presidente da República em 18 de setembro de 1986, a reeleição era proibida. [o art. 221 do anteprojeto previa: ‘O mandato do Presidente e do Vice-presidente da República é de seis anos, vedada a reeleição’]

[…].

Aliás, muitos textos constitucionais estrangeiros, a exemplo do Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos, proíbem a reeleição para cargos executivos.

[…].

Reeleição é a possibilidade de o titular do mandato eletivo pleitear nova eleição para o próprio cargo que estava ocupando. É também chamada de recandidatura, pois o candidato à reeleição candidata-se, sucessivamente, à função que já exerce.

Aplicam-se à reeleição as mesmas regras e princípios de uma eleição qualquer.

Antes da Emenda Constitucional n. 16/97 preponderavam, no Brasil, duas tendências distintas:

* admitir a reeleição nos cargos legislativos (senadores, deputados e vereadores) e

* proibir a reeleição nos cargos executivos (presidentes, governadores e prefeitos).

Mas a Emenda Constitucional n. 16/97, alterando o art. 14, § 5º, da Carta Maior, admitiu a reeleição para mandatos executivos, maculando a história constitucional brasileira, que nunca aceitou o continuísmo, o privilégio, a postergação no poder, ainda que por um único período subsequente.

Numa palavra, nossas Constituições – inclusive a de 1988 em seu texto originário – jamais aceitaram a reeleição para cargos executivos.

[…].

O motivo é simples: o Brasil é uma república – forma de governo que prima pela alternância no poder. A reeleição, ainda que por um período, abre as portas para a malfadada perpetuidade no gozo da soberania, burlando o princípio republicano, que apregoa a limitação, rigorosamente temporária, de mandatos eletivos. No momento que funções efêmeras se convertem em permanentes, o uso da máquina administrativa do Estado pode vir à tona, ainda que se envidem esforços para coibir fraudes, aparelhando melhor a Justiça Eleitoral e o Ministério Público. Não raro, os que buscam reeleger-se não medem esforços para alcançar seu intento. Alegam que só estão começando a trabalhar e que o tempo em que estiveram no cargo foi curto para realizar tudo que pretendiam. Porém, a contingência acidental de certos fatos sociais não autoriza que se convertam governantes em monarcas. Estes, sim, governantes por toda a vida, sepultando-se, apenas, com a morte, que a todos iguais. Essa é a nossa opinião.

[…].

Seja como for, o certo é que desde a Emenda Constitucional n. 16/97 vigora, no Brasil, a regra da inelegibilidade relativa funcional por motivo de reeleição, o que veda a possibilidade de presidentes, governadores e prefeitos, bem como seus sucessores ou substitutos, candidatarem-se a um terceiro mandato sucessivo, limitando-lhes, pois, a elegibilidade (capacidade eleitoral passiva).

Mas, afinal, qual a inteligência do art. 14, §5º, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 16/97?

Essa norma, que consagra uma autêntica inelegibilidade por motivo funcional para o mesmo cargo, deve ser interpretada com isenção de ânimo. Embora sejamos, particularmente, contrários à reeleição, vamos estudá-la como prevista na Carta Magna, evitando que nossa opinião desfavorável influencie no entendimento de sua disciplina constitucional.

Analisando o art. 14, §5º, veremos o que ele PERMITIU e o que PROIBIU.

*PERMITIU: a reeleição para cargos executivos – Presidente da República, governadores e prefeitos, bem como seus substitutos ou sucessores, podem concorrer à reeleição.

*PROIBIU: a renúncia do segundo mandato sucessivo, antes do término deste, para permitir a reeleição – Presidente da República, governador ou prefeito, no exercício do segundo mandato sucessivo, que renunciarem, não podem concorrer à reeleição. O ato de renúncia, embora seja um direito subjetivo do mandatário, e, por isso, um ato válido, não serve de instrumento para reconduzi-lo a um terceiro mandato consecutivo, algo que violaria o art. 14, §5º, da Carta de Outubro. [citação à Consulta n. 366/DF - TSE]

*PERMITIU: a candidatura à reeleição do vice que, apenas, substituiu o titular – o vice-presidente da República, o vice-governador ou o vice-prefeito que tenham somente substituído o titular podem candidatar-se à chefia do Poder Executivo, para um único período subsequente. Nessa hipótese, o vice não exerceu o cargo de modo efetivo e definitivo, apenas assumiu a co-liderança. Isso não lhe retira o direito de disputar, no mandato seguinte, o posto de Chefe do Executivo. A função constitucional de substituir o Presidente, no caso de impedimento, ou sucedê-lo, no de vacância (art. 79), não é uma punição, uma camisa-de-força, um cerceamento às aspirações políticas do vice, e sim uma nobilitante tarefa de natureza institucional. Por isso, os vices podem candidatar-se à chefia do Executivo, e, se eleitos, é-lhes facultado disputar a reeleição. Esse é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. [citação às Consultas n. 689/DF e n. 707/DF, do TSE]

*PROIBIU: o vice, que se tornou eletivo em face da vacância definitiva do cargo, concorrer a uma segunda reeleição, exercendo três mandatos sucessivoso vice que assume, efetivamente, a titularidade do Executivo, em virtude da vacância definitiva do cargo, passa ao posto de Chefe. Logo, só poderá candidatar-se à reeleição por um único período subsequente. Pouco importa o tempo em que exerceu, como titular, o primeiro mandato. Nessa hipótese, se for eleito para o mandato seguinte, não poderá disputar sua própria reeleição, pois o Texto Maior proíbe o exercício de três mandatos sucessivos, sem que haja qualquer intervalo.

*PERMITIU: a reeleição só para um único período subsequente – Presidente da República, governador ou prefeito não podem cumprir mais de dois mandatos consecutivos. Raciocínio idêntico se aplica aos vices, que apenas podem candidatar-se para um único período subsequente. [cita a Consulta n. 327/DF – TSE]

*PROIBIU: a candidatura à vice-chefia no período subsequente ao segundo mandato – Presidente da República, governador ou prefeito, que exerceram o cargo por dois mandatos sucessivos, não podem candidatar-se à vice-chefia porque o art. 79 da Carta Magna não contempla a hipótese. Segundo esse preceito, o vice-presidente substituirá o presidente em caso de impedimento ou o sucederá se o cargo ficar vago. Essa regra se aplica a todos os níveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal). O exercício sucessivo de três mandatos executivos fere a Constituição brasileira, porque ‘cria’ um novo caso de elegibilidade, não contemplado pelo art. 14, § 5º.

*PERMITIU: a reeleição para um terceiro mandato não sucessivo – vimos que a nossa Constituição, do mesmo modo que as Cartas de Portugal e da China, silenciaram a respeito da possibilidade de um terceiro mandato não sucessivo para os cargos executivos. Parece-nos, contudo, que presidentes, governadores ou prefeitos, juntamente com seus sucessores ou substitutos, podem candidatar-se para um terceiro mandato não sucessivo desde que respeitem o intervalo de um período. Esse raciocínio promana da frase ‘poderão ser reeleitos para um único período subsequente’ (CF, ART. 14, §5º). A palavra subsequente significa que vem depois, que subsegue no tempo ou no lugar, ulterior, seguinte. Quer dizer, o art. 14, §5º, não impediu que uma mesma pessoa exerça mais de dois mandatos executivos; apenas exigiu que se dê uma pausa, uma parada, um intervalo, para evitar a continuidade administrativa. Assim, após exercerem dois mandatos consecutivos, os chefes do Poder Executivo, e os seus sucessores ou substitutos, podem candidatar-se para um terceiro pleito eleitoral, observado o interregno de um período, contado a partir do dia em que saíram do cargo até a data da nova candidatura.

*PROIBIU: a reeleição para um terceiro mandato sucessivo – o chefe do Executivo, de todas as esferas de poder, não poderá candidatar-se para um terceiro mandato sucessivo, vedação que também se aplica aos seus sucessores e substitutos, pois, como vimos, o Texto de 1988 só admite a reeleição para um único período subsequente (art. 14, §5º).

*PROIBIU: a candidatura do titular de dois mandatos executivos sucessivos à eleição prevista no art. 81 do Texto de 1988 – Presidente da República, governador ou prefeito, que exerceram o cargo por dois mandatos sucessivos também não podem candidatar-se para o período imediatamente seguinte à eleição prevista no art. 81 do Texto de 1988. Conforme esse dispositivo, vagando os cargos de presidente e vice-presidente da República, far-se-á eleição direta noventa dias depois de aberta a última vaga, ou eleição indireta, pelo Congresso Nacional, trinta dias após aberta a última vaga, se a vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato presidencial. A justificativa para tal proibição já foi mencionada: evitar que uma mesma pessoa exerça a chefia do Executivo por três vezes seguidas, sem se afastar do cargo por um período. Mas os depositários da Emenda Constitucional n. 16/97 poderiam ter ido além. Perderam excelente oportunidade para incluir na Carta de Outubro norma semelhante ao art. 126 da Constituição portuguesa, que, como dissemos acima, veda a reeleição para um terceiro mandato consecutivo.

[…].”

Em complemento, consigno que o saudoso Professor José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 392), ao comentar a hipótese de inelegibilidade em foco, pontuou, conforme destaco:

“… Trata-se, pois, de privação da elegibilidade para o mesmo cargo que pela segunda vez está sendo ocupado pelo interessado. Uma recondução é possível. A segunda é vedada. O de que se trata é mesmo de proibição de uma segunda reeleição; basta, para que se componha a inelegibilidade em causa, que o titular, originário ou sucessor, tenha exercido, por um instante, o cargo, no período de seu segundo mandato, ou o substituto, em qualquer momento, dentro dos seis meses anteriores ao pleito; ...”

Partindo da análise do Professor Bulos, baseada, inclusive, nos precedentes do TSE da época em que sua obra foi publicada, a conclusão a que se chegou foi a de que, especificamente no tocante ao vice-prefeito que, “apenas, substituiu o titular”, seria possível a ele candidatar-se à chefia do Poder Executivo e, se eleito, disputar a reeleição. A premissa seria a de que o vice não teria exercido o cargo de modo “efetivo e definitivo”, apenas assumiu a co-liderança, o que não lhe retiraria o direito de disputar, no mandato seguinte, o posto de Chefe do Executivo.

Ainda depois de mais de uma década, a questão afeta à substituição (e não sucessão) para além do período crítico dos 06 (seis) meses que antecedem às eleições continua um tanto quanto tormentosa, pois, afinal, em relação à assunção do cargo de prefeito pelo vice em decorrência de afastamento decorrente de decisão judicial cautelar, o disposto no art. 79 da CRFB, cuja regra é aplicada aos demais chefes do Poder Executivo, por força do princípio da simetria, prevê:

Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.

Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais.

E, em interpretação ao dispositivo acima, o Supremo Tribunal Federal firmara entendimento segundo o qual o exercício temporário das funções de chefe do Executivo, como na eventualidade de afastamento decorrente de decisão judicial liminar, configuraria hipótese de substituição:

EMENTA: Elegibilidade: possibilidade de o Vice-Prefeito, que substitui o titular, concorrer à reeleição ao cargo de Prefeito Municipal (CF, art. 14, § 5º). 1. É certo que, na Constituição – como se afere particularmente do art. 79 – substituição do chefe do Executivo, “nos seus impedimentos”, pelo respectivo Vice, é expressão que se reserva ao exercício temporário das funções do titular, isto é, sem vacância, hipótese na qual se dá “sucessão”. 2. O caso, assim – exercício das funções de Prefeito pelo Vice, à vista do afastamento do titular por decisão judicial liminar e, pois, sujeita à decisão definitiva da ação –, o que se teve foi substituição e não, sucessão, sendo irrelevante a indagação, a que se prendeu o acórdão recorrido, sobre o ânimo definitivo com que o Vice-Prefeito assumiu o cargo, dada a improbabilidade da volta da Prefeita ainda no curso do mandato. 3. A discussão, entretanto, é ociosa para a questionada aplicação à espécie do art. 14, § 5º, no qual, para o fim de permitir-se a reeleição, à situação dos titulares do Executivo são equiparadas não apenas a de quem “os houver sucedido”, mas também a de quem “os houver (...) substituído no curso do mandato”. 4. Certo, no contexto do dispositivo, o vocábulo reeleição é impróprio no tocante ao substituto, que jamais se fez titular do cargo, mas também o é com relação ao sucessor, que, embora tenha ascendido à titularidade dele, para ele não fora anteriormente eleito. 5. RE conhecido, mas desprovido. (RE nº 318494, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 3.9.2004 – [...]).

Mais recentemente, a Suprema Corte ratificou a orientação jurisprudencial de que para o Texto Maior, tanto a sucessão quanto a substituição do titular são atingidas pelo limite constitucional de reeleição para um único período”, pelo que seria “improfícua” a discussão - da ocorrência de substituição ou de sucessão - no que respeita à aplicação do artigo 14, § 5º, da Constituição Federal, especificamente, como no caso concreto examinado pela referida Corte, quando a substituição tenha se dado dentro dos 6 meses anteriores ao pleito, considerando, assim, que referida regra constitucional encerra o sentido de que “quem substitui o titular, ou a ele sucede, titular se torna”:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. VICE-PREFEITO. SUBSTITUIÇÃO OU SUCESSÃO. DISCUSSÃO IMPROFÍCUA NO QUE RESPEITA À APLICAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REELEIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Os prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso do mandato poderão ser reeleitos para um único período subsequente, nos termos do § 5º do art. 14 da Constituição Federal. II – No que respeita à aplicação do art. 14, § 5º, para o fim de permitir-se a reeleição, é improfícua a discussão da ocorrência de substituição ou sucessão. Precedentes. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 756073 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 17/12/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014) – destaquei –

Como visto, esse é o entendimento consolidado acerca da hipótese em que o vice-prefeito tenha sucedido ou substituído o chefe do Executivo dentro dos 6 meses anteriores ao pleito, não havendo a mesma interpretação para quando substituição se der fora do denominado “período crítico”, pois, como regra, a reeleição lhe é permitida.

No que toca à jurisprudência do TSE, percebe-se do parecer do órgão técnico emitido na Consulta nº 0600155-47.2020.6.00.0000, da relatoria do Ministro Og Fernandes, que se manteve a orientação de que o vice-prefeito que substitui o titular nos seis meses antes do pleito poderá se candidatar ao cargo de prefeito, sendo, no entanto, vedada a reeleição:

CONSULTA. POSSIBILIDADE. VICE-PREFEITO REELEITO. CANDIDATURA. PREFEITO. ELEIÇÕES SUBSEQUENTES. - O vice-prefeito reeleito que tenha substituído o titular em ambos os mandatos poderá se candidatar ao cargo de prefeito na eleição subsequente, desde que as substituições não tenham ocorrido nos seis meses anteriores ao pleito. (Consulta nº 1604, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 24/06/2008)

CONSULTA. PODER EXECUTIVO. TITULAR. VICE. SUBSTITUIÇÃO. REELEIÇÃO. - O vice que não substituiu o titular dentro dos seis meses anteriores ao pleito poderá concorrer ao cargo deste, sendo-lhe facultada, ainda, a reeleição, por um único período. - Na hipótese de havê-lo substituído, o vice poderá concorrer ao cargo do titular, vedada a reeleição e a possibilidade de concorrer ao cargo de vice. (Consulta nº 1058, Rel. Min. Gomes de Barros, DJE de 05/07/2004 – […])

Consulta. Vice candidato ao cargo do titular. 1. Vice-presidente da República, vice-governador de Estado ou do Distrito Federal ou vice-prefeito, reeleito ou não, pode se candidatar ao cargo do titular, mesmo tendo substituído aquele no curso do mandato. 2. Se a substituição ocorrer nos seis meses anteriores ao pleito, o vice, caso eleito para o cargo do titular, não poderá concorrer à reeleição. 3. O mesmo ocorrerá se houver sucessão, em qualquer tempo do mandato. 4. Na hipótese de o vice pretender disputar outro cargo que não o do titular, incidirá a regra do art. 1°, § 2°, da Lei Complementar n° 64, de 1990. 5. Caso o sucessor postule concorrer a cargo diverso, deverá obedecer ao disposto no art. 14, § 6°, da Constituição da República. (Consulta nº 689, Rel. Min. Fernando Neves, DJE de 14/12/2001 – [...])

Assim, o vice que assume mandato por substituição do titular em qualquer período fora dos seis meses que antecedem às eleições vindouras estaria, numa interpretação conservadora, autorizado a se candidatar ao cargo e, ainda, a disputar a reeleição no pleito futuro:

EMENTA: ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. REGISTRO. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, §§ 5º E 7°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VICE-PREFEITO. SUBSTITUIÇÃO NO SEMESTRE ANTERIOR À ELEIÇÃO. REELEIÇÃO. TERCEIRO MANDATO. 1. O recorrido foi eleito, em 2008, vice-prefeito para o período de 2009-2012. Entre 18.5.2012 a 18.6.2012 (dentro dos seis meses anteriores à eleição de 7.10.2012), substituiu o prefeito municipal. Em 2012, foi eleito prefeito e, em 2016, requereu o registro de sua candidatura para disputar novamente o cargo de prefeito. 2. O vice que substitui o titular antes dos seis meses anteriores à eleição pode se candidatar ao cargo de titular e, se eleito, pode disputar a reeleição no pleito futuro. 3. O vice que assume o mandato por sucessão ou substituição do titular dentro dos seis meses anteriores ao pleito pode se candidatar ao cargo titular, mas, se for eleito, não poderá ser candidato à reeleição no período seguinte. 4. No caso, o recorrido, por ter assumido, em substituição, o cargo de prefeito dentro do período de seis meses que antecedeu a Eleição de 2012, não pode concorrer à reeleição em 2016, por força do art. 14, § 5º, da Constituição Federal. Precedentes. Recursos especiais providos para indeferir o registro de candidatura do prefeito eleito do Município de Sangão/SC. (ESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 22232 - SANGÃO – SC, Acórdão de 16/11/2016, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 16/11/2016) – destaquei –

Inclusive, há entendimento consolidado no sentido de que a assunção precária dos cargos de prefeito ou vice-prefeito pelo presidente da Câmara dos Vereadores, no curso do mandato e fora do período de seis meses anteriores ao pleito, não encerraria primeiro mandato para fins de incidência da inelegibilidade por motivo de reeleição, ante a exegese teleológica e sistemática do art. 14, § 5º, da CF.

Vejamos, pois:

EMENTA: ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ART. 14, §§ 5º, 6º E 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INELEGIBILIDADE CONSTITUCIONAL. PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. TITULAR. SUBSTITUIÇÃO. ALCANCE. DESPROVIDO. 1. O instituto da reeleição tem fundamento não somente no postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de uma mesma pessoa na condução do Executivo, razão pela qual a reeleição é permitida por apenas uma única vez. Portanto, ambos os princípios - continuidade administrativa e republicanismo - condicionam a interpretação e a aplicação teleológica do art. 14, § 5º, da Constituição. A reeleição, como condição de elegibilidade, somente estará presente nas hipóteses em que esses princípios forem igualmente contemplados e concretizados. Não se verificando as hipóteses de incidência desses princípios, fica proibida a reeleição. O § 6º do mesmo artigo dispõe que, "para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito". Portanto, a Constituição Federal de 1988, ao permitir a reeleição do chefe do Executivo, manteve, sem nenhuma alteração redacional, a disposição de que, para concorrer a outro cargo, ele deve renunciar pelo menos seis meses antes do pleito, o que revela a preocupação em evitar possível utilização da máquina administrativa em benefício da sua nova disputa eleitoral - proteção à igualdade de chances. O art. 14, § 7º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual "são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito", resguarda não somente o princípio republicano, ao evitar que grupos familiares se apoderem do poder local, mas também o princípio da igualdade de chances - enquanto decorrência da normalidade e legitimidade do pleito -, pois impede a interferência da campanha do parente, candidato ao Executivo, na disputa pela vereança, "salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição". 2. A compreensão sistemática das normas constitucionais leva-nos à conclusão de que não podemos tratar de forma igualitária as situações de substituição - exercício temporário em decorrência de impedimento do titular - e de sucessão - assunção definitiva em virtude da vacância do cargo de titular -, para fins de incidência na inelegibilidade do art. 14, § 5º, da Constituição Federal de 1988, pois, enquanto a substituição tem sempre o caráter provisório e pressupõe justamente o retorno do titular, a sucessão tem contornos de definitividade e pressupõe a titularização do mandato pelo vice (único sucessor legal do titular), razão pela qual a sucessão qualifica-se como exercício de um primeiro mandato, sendo facultado ao sucessor pleitear apenas uma nova eleição. 3. O art. 1º, § 2º, da Lei Complementar nº 64/1990 estabelece que o "Vice-Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a outros cargos, preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos últimos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, não tenham sucedido ou substituído o titular". Sucedendo ou substituindo nos seis meses antes da eleição, poderá candidatar-se, uma única vez, para o cargo de prefeito, sendo certo que, por ficção jurídica, considera-se aquela substituição ou sucessão como se eleição fosse. 4. A evolução histórica da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, com base naquela conclusão de que o vice-prefeito que substitui ou sucede o titular nos seis antes do pleito pode concorrer a uma eleição ao cargo de prefeito, o Tribunal passou a entender que "o vice que não substituiu o titular dentro dos seis meses anteriores ao pleito poderá concorrer ao cargo deste, sendo-lhe facultada, ainda, a reeleição, por um único período" (Cta nº 1.058/DF, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgada em 1º.6.2004). Precedentes do TSE nas Eleições de Municipais de 2008 e 2012. 5. Se se conclui que o vice que não substitui o titular nos seis meses antes do pleito poderá candidatar-se ao cargo de prefeito e, se eleito, almejar a reeleição (único substituto legal e potencial sucessor), com maior razão a possibilidade de o presidente da Câmara de Vereadores, substituto meramente eventual e sempre precário em casos de dupla vacância, pleitear a eleição e, se eleito, a reeleição. Para Carlos Maximiliano, "deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis". Seria uma verdadeira contradição jurídica criar para o substituto eventual (presidente de Câmara) uma restrição em sua capacidade eleitoral passiva maior que aquela definida no ordenamento jurídico e na jurisprudência eleitoral para o substituto legal do titular, pois as regras de inelegibilidades, enquanto limitação dos direitos políticos, devem sempre ser interpretadas restritivamente. 6. Recurso desprovido. (ESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 10975 - ITABIRITO – MG, Acórdão de 14/12/2016, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Relator(a) designado(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 14/12/2016) – destaquei –

Apesar de nos últimos anos termos visto aprimoramentos do conceito de inelegibilidade, o que se explica, também, em função da ampliação das hipóteses de sua incidência, em especial, após a entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010), que incluiu diversas inovações na Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar nº 64/1990), a jurisprudência do TSE e do STF, a depender do caso concreto, tanto pode conferir caráter mais restritivo às inelegibilidades quanto uma interpretação extensiva ao dispositivo constitucional correspondente.

Assim, diante das premissas fáticas do caso vertente, notadamente da comprovação de que a substituição perdurou por mais da metade do quadriênio, o questionamento que se faz é o seguinte: Seria o caso do uso do distinguishing no sentido de verificar se a natureza jurídica do exercício da chefia do Executivo municipal, entre 2013/2015, atrairia a vedação contida no art. 14, §5º, da CF/88, para obstar a reeleição, independentemente da qualificação do mandato eletivo, em razão da força cogente dos princípios da continuidade administrativa e do republicanismo?

Em outras palavras, estando preenchido o núcleo normativo do art. 14, § 5º, da CF/88 com situações idênticas para vedação à reeleição em terceiro mandato, insta perquirir se as consequências jurídicas seriam as mesmas, notadamente pela necessidade de interpretação deste caso à luz dos bens jurídicos tutelados pela não perpetuação dos mandatos, a partir do raciocínio que – para além do período crítico – a substituição prolongada no tempo, por mais da metade da duração total do mandato originário, poderia descortinar hipótese de evidente exercício duradouro do governo municipal, inclusive, por prazo superior àquele que caberia ao próprio prefeito eleito.

Pois bem. Como vimos linhas acima, historicamente, a reeleição de titulares de cargos eletivos do Poder Executivo tem sido exceção na legislação eleitoral e nas Constituições Brasileiras, desde 1891, sendo importante destacar, conforme lembrado pelo saudoso Prof. José Afonso da Silva, que a forma republicana implica a necessidade, dentre outros, de “eleições periódicas por tempo limitado que se traduz na temporariedade dos mandados eletivos… e, consequentemente, não vitaliciedade dos cargos políticos…” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 392).

Nos termos do multicitado art. 14, § 5º, da CF/88: “o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”.

Da leitura atenta do dispositivo é possível extrair que a vedação indefinida à reeleição visa garantir a continuidade administrativa, o princípio republicano e preservar a igualdade de oportunidades entre os eventuais postulantes aos cargos públicos, visto que o mandatário candidato concorre às eleições ao mesmo tempo em que gerencia a máquina pública.

Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 637.485/RJ, da relatoria do Eminente Ministro Gilmar Mendes, afirmou que “o instituto da reeleição tem fundamento não somente no postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de uma mesma pessoa ou grupo no poder. O princípio republicano condiciona a interpretação e a aplicação do próprio comando da norma constitucional, de modo que a reeleição é permitida por apenas uma única vez (...). Portanto, ambos os princípios – continuidade administrativa e republicanismo – condicionam a interpretação e a aplicação teleológicas do art. 14, § 5º, da Constituição (DJ 31.3.98)”.

Não nos esqueçamos que as regras de inelegibilidades, enquanto limitação dos direitos políticos, devem sempre ser interpretadas restritivamente, valendo recordar da interpretação dada pelo Prof. José Afonso da Silva aos direitos políticos negativos (Curso de Direito Constitucional Positivo, 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p 383), sem destaques no original:

[…].

O princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado. A pertinência desses direitos ao indivíduo, como vimos, é que o erige em cidadão. Sua privação ou a restrição do seu exercício configura exceção àquele princípio. Por conseguinte, a interpretação das normas constitucionais ou complementares relativas aos direitos políticos deve tender à maior compreensão do princípio, deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e de ser votado, enquanto as regras de privação e restrição hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal, segundo as boas regras de hermenêutica.

[…].”

Complementa essa ideia a previsão do art. 32, inciso 2º, da Convenção Americana de Direitos Humanos: “Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática”.

Então, no tocante ao questionamento que fizemos acima, respondo que “não é o momento do uso do distinguishing por este juízo eleitoral singular”!

Afinal, ainda que totalmente atípica a situação do caso dos autos, diga-se de passagem, inspiradora de uma nova interpretação da norma constitucional e do próprio instituto da reeleição, o solo ainda se mostra bastante arenoso para enfatizarmos o princípio republicano a impedir a perpetuação de uma mesma pessoa no poder, desconsiderando o postulado da continuidade administrativa.

Confesso que é atraente a compreensão de que a substituição da chefia do Executivo, pelo vice, mesmo que fora do período crítico dos seis meses, por tempo superior a metade do quadriênio seja, sim, suficiente para a superação do entendimento tradicional ou, pelo menos, para motivar um novo olhar a respeito do tema.

E, realmente, a preocupação quanto ao exercício contínuo do poder é premente neste caso, pois o deferimento do registro permitirá que um cidadão possa vir a ocupar o cargo de prefeito por mais de 10 (dez) anos, ameaçando a estabilidade republicana e a igualdade de oportunidades, sem nos esquecermos do notório animus de permanência continuidade do requerente no cargo de prefeito no período de 2013/2015, pelo que a fluência de tão longo período de tempo pode culminar por consolidar situações jurídicas de fato (Verwirkung/Erwirkung), estabilizando expectativas no espírito dos administrados e atraindo todo o arcabouço normativo aplicado à espécie constituída.

E não subverteria a lógica jurisprudencial esse posicionamento! Contudo, ainda que se entenda que a situação de precariedade da atuação do requerente à frente do município de Marataízes/ES tenha sido convertida em estável, ante a continuidade administrativa por mais da metade do mandato, com interferências na força normativa do princípio democrático, essa nova abordagem, inaugural/inovadora - para reconhecermos que a substituição, no caso concreto, seria suficiente para compreendermos como primeiro mandato, com incidência da vedação ao terceiro mandato ao ora requente -, poderia, nesta instância singular, desestabilizar as eleições vindouras, quando, segundo interpretação das normas constitucionais relativas aos direitos políticos, o saudoso Prof. José Afonso da Silva adverte quedeve tender à maior compreensão do princípio, deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e de ser votado, enquanto as regras de privação e restrição hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal”.

Entretanto, ainda que não aplique a distinção, assevero que, apesar do curto tempo para elaboração do presente ato judicial, neste último dia da análise de registros de candidaturas, localizamos um julgado do TSE, originário do nosso E. TRE-ES, com o seguinte trecho de ementa:

EMENTA: INELEGIBILIDADE. PREFEITO. SUBSTITUIÇÃO. Tendo substituído o Prefeito no curso de seu mandato como Vice-Prefeito e sido eleito para o cargo de Prefeito no período subsequente, é inelegível para mais um novo período consecutivo o candidato que já exerceu dois mandatos anteriores de Prefeito. Recursos especiais não providos. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 137-59.2012.6.08.0024 ORIGEM: GUARAPARI-ES. DJE 30.10.2012 Rel. Min. Arnaldo Versiani)

E, mesmo que não tenhamos logrado êxito na obtenção da íntegra do voto do relator do processo no nosso E. TRE/ES, colhe-se do voto do Min. Arnaldo Versiani que o caso analisado originariamente por nosso E. TRE/ES tratava de vice-prefeito que havia exercido o cargo de Prefeito de 12.9.2006 a 5.6.2008, ou seja, por pouco mais de 01 ano e 08 meses e, sucessivamente, havia sido eleito Prefeito (com o detalhe da “invasão” da substituição ao período crítico):

[…].

No caso dos autos, o candidato substituiu o titular no exercício do cargo de Prefeito, pelo período de um ano e oito meses, no curso do mandato antecedente à eleição de 2008 para a qual concorreu e foi eleito.

Assim, esgotou-se para ele a oportunidade de novamente eleger-se, na medida em que ele já foi eleito para um único período subsequente, conforme previsto no citado § 50 do art. 14 da Constituição Federal.

É de notar-se que a referência à ‘reeleição’, em se tratando de sucessor ou substituto, é imprópria, pois, na verdade, nem o sucessor, nem o substituto, foram eleitos para o cargo de titular no período em que assumiram essa condição, seja pela vacância (sucessão), seja pelo impedimento (substituição).

Essa impropriedade, no entanto, não altera o estado das coisas, haja vista que o dispositivo constitucional somente permite que o sucessor ou o substituto, que assumiu a titularidade no curso do mandato, possa concorrer a um único período subsequente.

[…].

Embora se cuide, a meu ver, de ficção jurídica a reeleição do sucessor ou do substituto, que não foi anteriormente eleito para o cargo de titular, a assunção da titularidade desse cargo no curso do mandato, seja por sucessão, seja por substituição, o transforma em titular para o fim de concorrer à reeleição no período subsequente, período que, nos termos do § 5º do art. 14 da Constituição Federal, só pode ser ‘um único período subsequente’, e não dois, como pretende, no caso, o candidato.

[…].”

Na ocasião o eminente Ministro fez a distinção da hipótese àquelas: do RE n° 366.488 (relator Ministro Carlos Mário Veloso, julgado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal), porque ali se permitiu a reeleição do candidato que substituiu, mas não concorreu à titularidade no período subsequente a esse primeiro mandato; e da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de que foi relatora a Ministra Cármen Lúcia, no AgRg no Ag n° 782.434, quando tratou do exercício manifestamente temporário e precário por três dias do mandato de Prefeito pelo segundo colocado, em virtude da cassação do diploma do eleito, logo em seguida invalidada.

Finalizando, a adoção, por este magistrado, da orientação pelo não reconhecimento do terceiro mandato busca, em última análise, resguardar a segurança jurídica, deixando a cargo do nosso órgão colegiado local de uniformização da jurisprudência (TRE/ES), em caso de recurso, um debate mais completo e abrangente, do qual resulte, quiçá, uma nova abordagem, mesmo porque, o julgado originário do TRE/ES antes (Recurso Especial Eleitoral nº 137-59.2012.6.08.0024) aparenta ser o precedente mais próximo e mais identificado ao caso concreto ora examinado.

3 DISPOSITIVO

Do exposto, REJEITO a impugnação formulada pelo Ministério Público Eleitoral e DEFIRO o pedido de registro de candidatura de ROBERTINO BATISTA DA SILVA para o cargo de Prefeito no Município de Marataízes/ES.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Dê-se ciência ao Ministério Público Eleitoral.

Com o trânsito em julgado, arquive-se.

 

MARATAÍZES-ES, 26 de outubro de 2020.

JORGE ORREVAN VACCARI FILHO

Juiz Eleitoral