JUSTIÇA ELEITORAL
040ª ZONA ELEITORAL DE DELMIRO GOUVEIA AL
REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600087-20.2020.6.02.0040 / 040ª ZONA ELEITORAL DE DELMIRO GOUVEIA AL
REQUERENTE: MARISTELA SENA DIAS, COLIGAÇÃO PIRANHAS LIVRE E EM DESENVOLVIMENTO 11-PP / 33-PMN / 77-SOLIDARIEDADE, PROGRESSISTAS - PIRANHAS - AL - MUNICIPAL, SOLIDARIEDADE COMISSAO PROVISORIA MUNICIPAL - PIRANHAS/AL
IMPUGNANTE: COLIGAÇÃO TODOS JUNTOS POR PIRANHAS (MDB, PSC, PDT, PT, PSB E CIDADANIA)
Advogados do(a) IMPUGNANTE: MARCELO HENRIQUE BRABO MAGALHAES - AL4577, LUIZ GUILHERME DE MELO LOPES - AL6386, JOSE LUCIANO BRITTO FILHO - AL5594, FELIPE REBELO DE LIMA - AL6916, DANIEL FELIPE BRABO MAGALHAES - AL7339, ABDON ALMEIDA MOREIRA - AL5903
IMPUGNADO: MARISTELA SENA DIAS, RENATO DOUGLAS RODRIGUES
Advogados do(a) IMPUGNADO: CARLA MELO PITA DE ALMEIDA - AL13160, MARCOS VINICIUS DO NASCIMENTO BARROS - AL13382, GABRIEL DE FRANCA RIBEIRO - AL12660, GUSTAVO HENRIQUE DE BARROS CALLADO MACEDO - AL9040
Advogados do(a) IMPUGNADO: MARCOS VINICIUS DO NASCIMENTO BARROS - AL13382, GUSTAVO HENRIQUE DE BARROS CALLADO MACEDO - AL9040, GABRIEL DE FRANCA RIBEIRO - AL12660, CARLA MELO PITA DE ALMEIDA - AL13160
Trata-se de pedido de registro de candidatura coletivo de MARISTELA SENA DIAS, para concorrer ao cargo de Prefeito, sob o número 11, pelo(a) COLIGAÇÃO PIRANHAS LIVRE E EM DESENVOLVIMENTO, no Município de(o) Piranhas/AL.
Foram juntados os documentos exigidos pela legislação em vigor.
Publicado o edital, a COLIGAÇÃO TODOS JUNTOS POR PIRANHAS propôs ação de impugnação de registro de candidatura em desfavor da candidata, sob o fundamento de que a impugnada seria inelegível, nos termos do art. 1º, inciso I, letra “g”, da Lei Complementar nº 64/1990.
Em suas razões, a coligação autora aduz que a 2ª Câmara do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, nos autos do Processo nº 9541/2019, julgou a Inspeção Ordinária – Auditoria realizada no Município de Piranhas, relativa ao ano de 2018, reconhecendo diversas ilegalidades, dentre elas o contrato firmado entre o município e o escritório jurídico Costa e Leite Advocacia e Consultoria.
Ressalta que a decisão, consubstanciada no Acórdão nº 359/2020, é conclusiva e final, pois não foi desafiada por embargos de declaração ou por recurso de reconsideração.
Alega também que o referido Acórdão, ao determinar a instauração de Tomada de Contas, objetiva apenas apurar, “em definitivo, os valores, inclusive acrescidos de eventuais encargos legais, sem, contudo, mais se discutir sobre a eventual existência de dano/lesão ao erário, este já reconhecido” (pág. 06).
Destaca que as irregularidades apontadas são insanáveis, configurando atos dolosos de improbidade administrativa.
Assenta que o principal fato é o contrato firmado entre o município e o escritório Costa e Leite Advocacia e Consultoria, o qual “recebeu, no ano de 2018, o valor, a título de honorários advocatícios, de R$ 2.951.678,63, que corresponde, em tese, a 10% (dez por cento) da receita incrementada na participação do Município de Piranhas no ICMS do Estado de Alagoas, sem que, para tanto, fossem juntados autos qualquer documento idôneo que comprovasse, de maneira efetiva, o recebimento destes recursos (...), muito menos a disponibilidade de receitas efetivamente arrecadadas” (pág. 07).
Registra que “a Câmara Municipal de Piranhas, oficiada pelo TCE/AL adotou os procedimentos para julgar as contas da Impugnada (...), na forma regimental, lhe assegurando a mais ampla defesa (não obstante a mesma não tenha apresentado defesa por escrito, mas, apenas, quando da sessão de julgamento, oportunidade onde se fez representar por advogado), o que resultou no julgamento Plenário do Legislativo no último dia 09 de setembro de 2020, que confirmou o parecer prévio da 2ª Câmara do TCE/AL (ACÓRDÃO Nº 359/2020), editando, para isto, o Decreto Legislativo 001/2020, o que deixa a mesma inelegível.” (pág. 10-11)
Relata que a impugnada ajuizou Mandado de Segurança, tombado sob o nº 0700175-08.2020.8.02.0070, discutindo a legalidade do procedimento, tendo sido deferida medida liminar, na data de 17/09/2020, suspendendo os efeitos do Decreto Legislativo nº 001/2020.
Por fim, salienta que eventual Inspeção Ordinária ou Auditoria julgada pelo TCE, e a não comprovação da regular aplicação de recursos públicos é vício insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, são aptas a atrair a inelegibilidade prevista no art. 1ª, I, “g”, da LC 64/90.
Ao final, pugna pela procedência da impugnação manejada, para que seja indeferido o pedido de registro de candidatura da impugnada, devendo-se estender o indeferimento ao candidato a vice-prefeito, caso o julgamento ocorra após o dia 25/10/2020, em virtude da contaminação da chapa, haja vista a impossibilidade, nesse caso, de substituição.
A impugnante junta aos autos os documentos constantes dos eventos 10202359, 10202381, 10202376, 10202378, 10202393, 10202387, 10202396, 10202397 e 10202400.
Por meio da petição acostada ao evento 14734983, a coligação autora junta cópia da sentença proferida no Mandado de Segurança nº 0700175-08.2020.8.02.0070, que julgou extinto o feito, sem julgamento do mérito, por ausência de prova pré-constituída, revogando, em consequência, a liminar concedida, bem como o parecer lançado no citado processo pelo Ministério Público Estadual.
Em sede de contestação, a impugnada alega não houve decisão final pela rejeição das contas relativas aos contratos administrativos de serviços advocatícios, pelo Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, no Processo nº 9541/2019 e no Acórdão nº 359/2020, mas apenas determinação para instauração de Tomada de Contas Especial.
Salienta que o Acórdão, “a despeito de ingressar na discussão acerca da legalidade dos contratos administrativos impugnados, não possui natureza definitiva”. (pág. 08)
Destaca que, nos termos do art. 129 do Regimento Interno do TCE-AL, a Tomada de Contas Espacial será iniciada com a expedição de portaria pelo Presidente do Tribunal, ato que, segundo alega, somente foi expedido em 20/07/2020. Assim, sustenta que “o trâmite encontra-se ainda em seu nascedouro, sendo que a decisão final somente será proferida pela Corte de Contas após o procedimento percorrer toda a liturgia disposta pelo Regimento do TCE/AL, assegurada ampla defesa e contraditório, sobretudo os recursos regimentalmente previstos.” (pág. 08)
Atenta que a jurisprudência do TSE admite a candidatura em casos nos quais não se verifica o preenchimento de todos os requisitos de inelegibilidade.
Dessa forma, requer a improcedência da impugnação, para que seja deferido o registro de candidatura, bem como seja a parte impugnante condenada em litigância de má-fé, por ajuizamento de ação temerária.
Junta cópia do Recurso de Apelação interposto nos autos do MS nº 0700175-08.2020.8.02.0070 (id 15339024) e da decisão monocrática proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, deferindo o efeito suspensivo ativo pleiteado no recurso, a fim de restabelecer os efeitos da decisão liminar proferida na origem (id 15339025).
A Coligação impugnante junta cópia do agravo interno interposto pela Câmera Municipal de Piranhas, em que pede a revogação do efeito suspensivo concedido pela Presidência do TJAL (id 17372607), assim como cópia da decisão monocrática proferida pelo relator, juiz convocado Orlando Rocha Filho, em que revoga a decisão que emprestou efeito suspensivo ativo ao recurso de apelação (id 19873838).
Com vistas dos autos, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se pelo indeferimento do pedido de registro de candidatura, visto que o fato descrito na impugnação subsume-se ao disposto no art. 1º, inciso I, alínea “g”, da LC nº 64/90.
É o relatório.
Decido.
Cuida o presente feito de pedido de registro de candidatura de MARISTELA SENA DIAS, para concorrer ao cargo de Prefeito no Município de PIRANHAS/AL.
Após detida análise dos autos, constata-se que a candidata, cumpriu a contento o que prevê a legislação de regência, ao acostar os documentos tidos por indispensáveis para registrabilidade.
No entanto, a Coligação TODOS JUNTOS POR PIRANHAS apresentou ação de impugnação de registro de candidatura contra a requerente sob o fundamento de que seria ela inelegível, em face da incidência do disposto no art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/1990.
Alega a parte autora que a impugnada possui contas rejeitadas pela Câmara Municipal de Piranhas, referentes ao ano de 2018, em face de irregularidades insanáveis nos contratos de prestação de serviços advocatícios, firmado entre a Prefeitura de Piranhas e o escritório Costa e Leite Advocacia e Consultoria. Aduz também que as irregularidades configurariam ato doloso de improbidade administrativa, fazendo, com isso, incidir na espécie o comando normativo previsto no dispositivo legal acima mencionado.
Afirma ainda que houve parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, consubstanciado no Acórdão nº 359/2020, cuja decisão seria conclusiva e final, uma vez que não foi desafiada por embargos de declaração ou por recurso de reconsideração.
De início, vejamos o que dispõe o art. 1º, inciso I, letra “g”, da LC nº 64/90:
Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
(…)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
Nos termos da jurisprudência do TSE (REspe nº 364-74/SP, Acórdão de 06/06/2019, Re. Min. Edson Fachin, DJe 15/08/2019), para a configuração do tipo previsto no referido dispositivo é necessária a presença dos seguintes requisitos: a) exercício de cargo ou função pública; b) rejeição das contas pelo órgão competente; c) insanabilidade da irregularidade verificada; d) irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas; e e) inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas.
No caso em apreço, observa-se que a impugnada exerce atualmente o cargo de prefeito no município de Piranhas, e é candidata a reeleição ao mesmo cargo nas eleições deste ano.
Verifica-se também que o pronunciamento de rejeição foi emitido pelo Poder Legislativo Municipal, por meio do Decreto Legislativo nº 01, de 09 de setembro de 2020, publicado no Diário Oficial do Estado de 11/09/2020, fls. 89, cujo teor transcrevo abaixo:
“A MESA DIRETORA DA CÂMARA MUNICIPAL DE PIRANHAS, no uso das suas atribuições legais, observando o decidido quando da sessão ordinária realizada no último dia 09 de setembro de 2020, bem como os argumentos que foram apresentados, faz saber que a Câmara Municipal de Piranhas expediu e promulgou o seguinte Decreto Legislativo:
Art. 1º – Ficam rejeitadas as contas da Prefeita MARISTELA SENA DIAS relativas aos 05 (cinco) contratos administrativos firmados pela municipalidade junto ao escritório de advocacia COSTA E LEITE ADVOCACIA E CONSULTORIA LTDA. S/C no ano de 2018 visando o patrocínio de interesses do município na recuperação de valores oriundos de ICMS local, que resultaram no pagamento de honorários advocatícios em favor da sociedade contratada no montante de R$ 2.951.678,63, confirmando tudo o constante do relatório prévio do TCE/AL (acórdão e voto), constantes do Processo TC 9541/2019, de Relatoria do Conselheiro ALBERTO PIRES ALVES DE ABREU.
Art. 2º – Encaminhe-se cópia do presente Decreto Legislativo, como de todo o processo administrativo, inclusive do parecer da COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA, para os fins de direito, para o Ministério Público Estadual, como para o Ministério Público Eleitoral que atua junto à 40ª Zona Eleitoral, atendendo, assim, ao constante da alínea “c” do inc. III do art. 26 da Lei Orgânica do Município de Piranhas.”
Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, no RE nº 848.826/DF, com repercussão geral, “compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 3º).”
No julgamento referido, a tese adotada pelo Plenário da Corte foi que “para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmeras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”.
Ficou registrado, portanto, que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o dispositivo acima mencionado é a Câmara de Vereadores, e não a Corte de Contas.
Ocorre, entretanto, que, para o julgamento das contas de governo ou de gestão pelo órgão competente, é indispensável a emissão de parecer prévio pelo órgão competente, no caso, o Tribunal de Contas competente, órgão que detém o conhecimento técnico necessário para análise da gestão contábil, financeira e administrativa.
Consoante prescreve o art. 31 da Constituição Federal, a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, com auxílio do Tribunal de Contas, que deverá emitir parecer prévio sobre as contas do Prefeito.
Observa-se, portanto, a exigência de um requisito anterior ao exame e julgamento das contas pelo Legislativo, qual seja, o parecer prévio da Corte de Contas, que se reveste em condição de procedibilidade para conferir eficácia ao julgamento a ser efetuado pela Câmara Municipal.
É o que se extrai dos precedentes abaixo relacionados do Tribunal Superior Eleitoral:
AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS.
(…)
PARECER PRÉVIO. TRIBUNAL DE CONTAS. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ART. 31, § 2º, DA CF/88.
3. Esta Corte entende – na esteira da interpretação do art. 31, § 2º, da CF/88 sob a luz da inelegibilidade da alínea g – que o parecer prévio do Tribunal de Contas é etapa imprescindível para o julgamento de ajuste contábil de prefeito pela Câmara Municipal.
4. No caso, a Câmara de Vereadores julgou o ajuste contábil enquanto pendia, no que toca ao parecer prévio do órgão de contas, recurso dotado de efeito suspensivo.
5. Em suma, as contas foram julgadas com supedâneo em manifestação do órgão técnico que à época não possuía eficácia, razão porque não se atendeu ao comando constitucional.
(…)
(AgR-REspe nº 12-78/SE, Acórdão de 22/10/2019, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 13/12/2019)
Eleições 2016. Recurso Especial Eleitoral. Registro de candidatura. Prefeito (Coligação De Mãos Dadas Venceremos, por uma Joanésia Melhor – PMDB/PTN). Indeferido. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990. Contas relativas ao erário municipal desaprovadas pela Câmara de Vereadores. Parecer do Tribunal de Contas pela aprovação. Inelegibilidade extraída de relatório de auditoria externa. Impossibilidade. Recurso provido. Registro deferido.
(…)
3. Rejeição das contas diante de parecer prévio do Tribunal de Contas pela aprovação e forte em relatório de auditoria externa pela rejeição. Julgamento das contas de Prefeito. Competência da Câmara Municipal, presente parecer prévio do Tribunal de Contas. Irregularidades extraídas de relatório de auditoria externa contratada pela Prefeitura Municipal. Impossibilidade. Violação do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 reconhecida. O parecer prévio do Tribunal de Contas é etapa obrigatória ao severo juízo da presença da inelegibilidade, pela importância da expressão órgão competente no texto legal, à luz do disposto no art. 31, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal e da garantia da ampla defesa e do devido processo legal. Precedente desta Corte Superior a qualificá-lo como condição de procedibilidade: “O parecer prévio exarado pela Corte de Contas qualifica-se juridicamente como condição de procedibilidade para o julgamento das contas do Chefe do Executivo local pelo Poder Legislativo, ex vi do art. 31, § 2º, da CRFB/88.” (REspe nº 125-35, Rel. Ministro Luiz Fux).
Recurso especial eleitoral a que dá provimento para deferir o registro de candidatura, prejudicada a cautelar.
(REspe nº 91-22/MG, Acórdão de 11/05/2017, Relª. Minª. Rosa Weber, DJe 09/06/2017)
No caso em exame, não se desconhece que há manifestação do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas acerca das irregularidades apontadas no contrato assinado entre a Prefeitura de Piranhas e o escritório de advocacia COSTA E LEITE, registrada no Acórdão nº 359, de 15/07/2020, da relatoria do Conselheiro Alberto Pires Alves de Abreu, e proferido pela 2ª Câmara do TCE-AL.
A decisão é fruto de auditoria realizada na Prefeitura de Piranhas, referente ao exercício financeiro de 2018, com o objetivo de apurar a regularidade dos atos administrativos constituídos no período de janeiro a dezembro do referido ano.
Observo, no entanto, que o entendimento deste juízo é o de que o pronunciamento emitido pela 2ª Câmara do Tribunal de Contas do Estado, no Processo nº 9541/2019, por meio do Acórdão 359/2020, não atende ao preceito contido no art. 31, § 2º, da CF/88, que exige a emissão de parecer prévio da Corte de Contas.
A conclusão a que extraio do Acórdão nº 359/2020, da 2ª Câmara do TCE-AL, é a de que não se qualifica como condição de procedibilidade para o julgamento das contas da Prefeita de Piranhas, vez que não externa análise conclusiva e final das contas, julgando-as regulares ou irregulares e identificando os responsáveis e quantificando o possível dano ao erário.
Vejamos o que restou consignado no mencionado Acórdão:
“visto, relatados e discutidos, ACÓRDÃO os membros da 2ª CÂMARA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE ALAGOAS, acolher o VOTO, ante as razões expostas pelo Conselheiro Substituto Relator em:
1. INSTAURAR de Tomada de Contas, nos termos do art. 18, §4, da Lei 5.604/94, com a finalidade precípua de averiguar a ocorrência de dano ao erário municipal, em razão das inconsistências encontradas entre os valores pagos a título de honorários advocatícios e os valores recebidos a título de ICMS e quanto ao controle de gastos com abastecimento de veículos, nos termos do disposto no item 3.1;
2. OFICIAR ao Presidente da Câmara dos Vereadores de Piranhas/AL, José Souza Melo, para que se manifeste acerca da inobservância do art. 29, V da CF/88 na fixação dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais, uma que os referidos subsídios foram fixados por meio de Resolução (nº 003/2012) e Lei Delegada 01/2017;
3. DAR PUBLICIDADE da presente determinação no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, nos termos do art. 25,II da Lei º 5.604/1994 c/c art. 106, I, “b” da resolução nº 003/2001 para que alcance seus efeitos legais;
4. DETERMINAR o retorno dos autos para ulteriores deliberações, após o cumprimento das medidas acima elencadas.”
Nos termos do art. 113 do Regimento Interno do Tribunal de Contas de Alagoas (Resolução nº 03/2001), as contas dos administradores e responsáveis serão, em cada exercício, submetidas a julgamento pelo Tribunal, na forma de tomada ou prestação de contas.
Já o art. 129 da mesma norma, estabelece o rito procedimental da tomada de contas especial a ser instaurada, com o seguinte trâmite:
Art. 129 A tomada de contas especial instaurada pelo Tribunal será iniciada com a expedição de portaria do Presidente do Tribunal e obedecerá aos seguintes procedimentos:
I - os responsáveis serão citados pessoalmente, ou por edital e, na sua falta, os herdeiros e sucessores e, se for o caso, o curador ou tutor, para que fiquem cientes da instauração do processo e possam prestar esclarecimentos necessários;
II - os exames, levantamentos e apuração das contas serão feitos pela Diretoria própria que tomará as providências devidas.
III - a Diretoria competente poderá propor ao Tribunal a realização de perícias que, deferidas, serão realizadas sob a presidência do Auditor-Chefe.
IV - realizada a perícia, o Auditor-Chefe remeterá o laudo à Diretoria competente.
V - concluídos os trabalhos técnicos e periciais, a Diretoria elaborará minuciosa informação sobre todas as ocorrências processuais;
VI - recebida a informação da Diretoria, o Presidente fará a distribuição do processo a um Relator;
VII - o Relator mandará abrir vista ao interessado, na Secretaria, pelo prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de defesa; em seguida, o processo será encaminhado à Auditoria e Procuradoria;
VIII - após os pronunciamentos dos órgãos competentes, os autos serão conclusos ao Relator que terá 20 (vinte) dias para examinar o processo e pedir dia para julgamento.
Independentemente da natureza do procedimento (Inspeção ordinária, auditoria, prestação de contas ou tomada de contas), penso que ainda há um devido processo administrativo a ser observado no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, que possui rito próprio, no qual há previsão de diligências, produção de provas e a garantia do direito de defesa. Certamente o procedimento instaurado culminará com o julgamento das contas da gestora municipal, relativas às irregularidades detectadas na auditoria, emitindo o Tribunal o competente veredito prévio a que alude o art. 31, § 2º, do texto constitucional, com a rejeição ou aprovação das contas.
Com esse entendimento, não se está aqui a invalidar ou decretar a nulidade do Decreto Legislativo editado pela Câmara de Vereadores, até porque tal discussão deve ser travada na esfera judicial própria, que é a Justiça Comum Estadual.
O que está a assentar é a ausência de uma condição de procedibilidade essencial para a eficácia do julgamento das contas de prefeito pela Câmara Municipal, conforme exige a jurisprudência do TSE acima colacionada, que é o parecer prévio do Tribunal de Contas, e que, na hipótese dos autos, ainda não se verifica.
À Justiça Eleitoral é vedado adentrar no mérito do julgamento feito pela Câmara Municipal, contudo, deve analisar os reflexos do decreto legislativo, produzido em descompasso com o texto constitucional, no âmbito eleitoral, em especial quando possa restringir o exercício do direito político do cidadão.
Nesses termos, reproduzo precedente do colendo TSE:
ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. PREFEITO. INDEFERIMENTO. REJEIÇÃO DE CONTAS. DECRETO DA CÂMARA DOS VEREADORES. VÍCIOS ENSEJADORES DA DESAPROVAÇÃO QUE NÃO CONSTAM DO PARECER PRÉVIO EXARADO PELA CORTE DE CONTAS. ULTRAJE AO PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL. PARECER PRÉVIO QUE SE QUALIFICA JURIDICAMENTE COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE CONSTITUCIONAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS (CRFB/88, ART. 31, § 2º). INIDONEIDADE DO TÍTULO NORMATIVO APENAS E TÃO SOMENTE PARA EXAMINAR A EXISTÊNCIA IN CONCRECTO DOS ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA G, DA LC Nº 64/90. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
(…)
2. A estrita observância às regras constitucionais sobressai como pressuposto procedimental de validade dos títulos normativos e administrativo (i.e., Decreto Legislativo ou aresto da Corte de Contas) para fins eleitorais, com vistas a autorizar o exame, em sede de impugnação de registro de candidatura, dos pressupostos fático-jurídicos encartados no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90.
3. O Decreto Legislativo, quando editado em dissonância com o due process of law, produz todos os seus efeitos jurídicos, dado que à Justiça Eleitoral é defeso imiscuir no mérito do pronunciamento, ressalvando-se, porém, os reflexos na seara eleitoral, máxime porque título exarado em desconformidade com a Constituição da República não ostenta idoneidade para restringir o exercício do ius honorum dos cidadãos.
4. O parecer prévio exarado pela Corte de Contas qualifica-se juridicamente com condição de procedibilidade para o julgamento das contas do Chefe do Executivo local pelo Poder Legislativo, ex vi do art. 31, § 2º, da CRFB/88.
5. O télos subjacente ao arranjo normativo engendrado pelo constituinte reside no fato de ser o Tribunal de Contas, e não o Poder Legislativo, o órgão dotado de maior expertise para emitir juízos técnicos sobre as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo.
6. É que as Cortes de Contas, ao contrário da Câmara municipal, possuem um quadro técnico, com auditores qualificados e know-how em contabilidade e finanças públicas, economia e estatística, que poderão auxiliar o trabalho dos Conselheiros, em especial examinando com acuidade as informações apresentadas, de maneira a potencializar as irregularidades e ilegalidades nas contas prestadas.
7. No caso sub examine,
a) A controvérsia travada nos autos cinge-se em perquirir se as irregularidades verificadas pela Câmara Municipal de Ariranha/SP que deram azo à desaprovação das contas do Recorrente alusivas ao exercício financeiro de 2011 (i.e., realização de despesas com a Comissão Municipal de Carnaval, autorizada pela Lei Municipal nº 2.332/2011, no valor de R$100.000,00, sem procedimento licitatório, e realização de despesas fracionada para a compra de óculos no total de R$ 83.324,00) amoldam-se, ou não, aos pressupostos fáticos configuradores da inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90.
b) A Câmara Municipal de Ariranha/SP desaprovou as contas do Recorrente, alusivas ao exercício financeiro de 2011, editando o Decreto Legislativo nº 002/2013, ancorando no fato de que “houve despesas realizadas sem o competente processo licitatório e delas originaram prejuízos ao erário [sic]”, ex vi de seu art. 1º (fls. 52).
c) Todavia, aludidas irregularidades não restaram analisadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que, em seu parecer favorável à aprovação das contas, propôs expressamente a formação de autos suplementares para, aí sim, apurar os indigitados vícios (fl. 73).
d) Como consectário, a deliberação da Câmara Municipal, ao desconsiderar a determinação técnica do TCE/SP, não observou o imperativo constitucional que qualifica o parecer prévio exarado pela Corte de Contes como condição de procedibilidade para o julgamento das contas do Chefe do Executivo local pelo Poder Legislativo, a teor do art. 31, § 2º, da CRFB/88.
e) Portanto, a deliberação resultante do julgamento das contas do Recorrente, alusivas ao exercício de 2011, levada a efeito pela Câmara dos Vereadores do Município de Ariranha/SP, se afigura inidônea para fins eleitorais, em virtude da desobediência à condição de procedibilidade estatuída na Constituição da República, circunstância que, a meu sentir, obsta qualquer análise relativa ao exercício do ius honorum do pretenso candidato.
8. Ex positis, dou provimento ao recurso especial, para deferir a candidatura de Joamir Roberto Barboza, ao cargo de Prefeito do Município de Ariranha.
(REspe nº 125-35/SP, Acórdão de 15/12/2016, Rel. Min. Luiz Fux, PSESS)
Ainda sobre o tema, destaco trecho de voto proferido pela Ministra Rosa Weber, no julgamento do REspe nº 91-22/MG (Acórdão de 11/05/2017, DJe 09/06/2017), em que se analisou caso no qual a Câmara Municipal rejeitou as contas do Prefeito, não com base em parecer prévio do Tribunal de Contas, mas em relatório de auditoria particular.
“Com efeito, ainda que o julgamento tenha emanado do órgão competente (Câmara Municipal), não se embasou em parecer prévio do órgão competente (Tribunal de Contas), e sim, reitero, em relatório de auditoria contratada pelo atual Prefeito, o que, ainda que possa não ser fato suficiente a anulá-lo (e não é o que está em análise nesta sede), é suficiente, a meu sentir, para afastar a inelegibilidade.
Consigno, por pertinente, relevante observação feita pelo e. Ministro Celso de Mello em decisão monocrática proferida perante o Supremo Tribunal Federal (RE 682.011, DJe 13.6.2012, destaquei):
O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização institucional não pode ser exercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que - devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo - está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram, ao prefeito municipal, a prerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório.
A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do chefe do Poder Executivo local há de respeitar o princípio constitucional do devido processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei Fundamental da República.
Embora no presente caso tenha sido oportunizado ao ora recorrente o direito de defesa perante a Câmara Municipal, notificado que foi para se defender no prazo de 15 (quinze) dias (fls. 124 e 449), o que fez consoante peças das fls. 160-79 e 432-48, entendo não configurada a hipótese de inelegibilidade derivada de órgão competente. E isso porque a previsibilidade dos procedimentos e prazos, promanados de normas cogentes, é o que garante a efetivação do devido processo legal, mormente no caso de processo cujo resultado final possa ser a inelegibilidade, ou seja, a retirada da capacidade eleitoral passiva, constitucionalmente garantida.
A previsibilidade do procedimento, assegurada pelas normas de regência do processo de análise das contas perante o Tribunal de Contas, possibilita ao interessado a ciência e o acompanhamento do exame de suas contas, até o envio final do parecer à Câmara Municipal.”
Como se nota, a importância do precedente está em demonstrar a necessidade do parecer prévio técnico do órgão revestido da devida competência (Tribunal de Contas), nos termos do art. 31, § 2º, da CF/88, para fins de configurar a inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90, o que, no presente caso, não tenho por preenchido.
Registro, por fim, que as condições de elegibilidade foram preenchidas, não havendo causa de inelegibilidade a incidir, consoante razões acima expostas.
ANTE O EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE a ação de impugnação de registro de candidatura proposta e, em consequência, DEFIRO o pedido de registro de candidatura de MARISTELA SENA DIAS, para concorrer ao cargo de Prefeito nas eleições do corrente ano, sob o número 11, pelo(a) COLIGAÇÃO PIRANHAS LIVRE E EM DESENVOLVIMENTO, no município de Piranhas/AL, com a opção de norma para urna: MARISTELA.
Registre-se. Publique-se. Intime-se.
DELMIRO GOUVEIA/AL, 26 de Outubro de 2020.
AMINE MAFRA CHUKR CONRADO
Juíza da 40ª Zona Eleitoral/AL