JUSTIÇA ELEITORAL

009ª ZONA ELEITORAL DE CAÇAPAVA DO SUL RS

                      

REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600060-05.2020.6.21.0009

IMPUGNANTE: PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

IMPUGNADO: ZAURI TIARAJU FERREIRA DE CASTRO

Advogados do IMPUGNADO: RAFAELA MARTINS RUSSI - RS 89929, VINICIUS RIBEIRO DA LUZ - RS 103975-B, EDSON LUIS KOSSMANN - RS 47301, OLDEMAR JOSE MENEGHINI BUENO - RS 30847, MARITANIA LUCIA DALLAGNOL - RS 25419


S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO:

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ingressou com impugnação de registro de candidatura em face de ZAURI TIARAJU FERREIRA DE CASTRO, alcunha eleitoral "CORONEL TIARAJU", candidato à Prefeito Municipal de Caçapava do Sul pelo Partido Liberal – PL. Alegou que o candidato incorreu na hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I,"g", da Lei Complementar nº 64/1990, com redação dada pela Lei Complementar nº 135/2020 (Lei da Ficha Limpa), uma vez que as contas relativas a períodos em que o impugnado exerceu o cargo de Prefeito Municipal foram rejeitadas pela Câmara de Vereadores em virtude de irregularidades insanáveis que configurassem ato doloso de improbidade administrativa, notadamente, quanto aos exercícios de 2011 e 2012. Consignou que, no ano de 2016, quando tentou se candidatar ao cargo de Prefeito Municipal, este teria sido um dos motivos pelos quais foi-lhe indeferido o registro. Reportou que, em razão das irregularidades, houve o ajuizamento, pelo Ministério Público Estadual, de diversas ações de improbidade administrativa, dentre as quais a que se refere o Processo nº 040/1.18.0000059-2, em que houve o reconhecimento de ato ímprobo que ocasionou dano ao erário, consistente na contratação onerosa de entidade interposta para programa de estagiários. Por tais motivos, postulou a procedência do pedido para indeferir o registro de candidatura do impugnado. Requereu, ainda, a juntada de prova documental e, a título de prova emprestada, a prova oral coligida nos autos do Processo nº 040/1.18.0000059-2 (Evento 7815977). Com a impugnação, foram juntados documentos (Eventos 802334 a 8070720).

Recebida a impugnação, foi determinada a citação do candidato impugnado (Evento 10667495).

Citado (Evento 11663607), o impugnado apresentou contestação, na qual, preliminarmente, aduziu ser caso de rejeição liminar da impugnação, pois o Ministério Público não teria juntado documentos imprescindíveis, notadamente, aqueles relativos às contas dos anos de 2009 e 2010 e o parecer de desaprovação das contas de 2011 e 2012, causando-lhe cerceamento de defesa. Assinalou que houve o desdobramento das contas do ano de 2012, pendendo a apreciação de recurso no TCE. No mérito, sustentou não estar presente a situação de inelegibilidade apontada pelo Parquet. Em relação às irregularidades, de modo um geral, defendeu que não houve dolo, nem mesmo genérico, e, por isso, não caracterizariam atos de improbidade administrativa. Quanto aos fatos relativos ao programa de estagiários, repisou a ausência do elemento subjetivo, advogando que, após a anulação do certame para contratação de empresas que prestariam esse serviço, seguiu orientação da procuradoria jurídica para manter as contratações, não tendo sido realizado novo procedimento licitatório devido a outras demandas do Setor de Licitações. Pugnou, por tais motivos, pelo desacolhimento da impugnação. (Evento 14043347). Ao contestar, juntou documentos (Eventos 14046354 e 14046372).

Em despacho saneador, foi afastada a preliminar e deferido o pedido de prova emprestada formulado pelo Ministério Público (Evento 14421029).

A prova emprestada foi colacionada aos autos (Eventos 1599927 a 15497956).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais escritas, em que renovaram seus argumentos com azo nas provas produzidas e refutaram as alegações do litigante adverso (Eventos 16576365 e 18586186).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO:

 

O feito encontra-se apto para julgamento, visto que o juízo é competente, as regras adjetivas foram observadas, bem como estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação.

Como refiro no despacho saneador, a preliminar aventada pelo impugnado confunde-se com o mérito e, por isso, nele será enfrentada.

Trata-se de impugnação de registro de candidatura, em que o Ministério Público imputa ao candidato ser inelegível por força do art. 1º, I,"g", da Lei Complementar nº 64/1990.

A seu turno, o impugnado defende que não foram atendidos os requisitos legais da causa de inelegibilidade apontada pelo Parquet, sobretudo porque, ante a ausência de dolo, as irregularidades que teriam ensejado a reprovação de suas contas não configurariam ato de improbidade administrativa.

A causa de inelegibilidade alegada pelo Ministério Público é assim discriminada na Lei Complementar nº 64/1990:

Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; 

A partir do dispositivo legal retro mencionado, vislumbra-se que a inelegibilidade em comento depende do preenchimento dos seguintes pressupostos: a) rejeição das contas; b) decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário; c) irregularidade insanável; e d) caracterização de ato de improbidade administrativa.

Pois bem.

A rejeição das contas referentes aos exercícios do ano de 2011 e 2012 verte positivada pelos Decretos Legislativos nos. 151/2016, de 07-06-2016 (contas do ano de 2011) e 154/2016, de 11-10-2016 (contas do ano de 2012), ambos originados da Câmara de Vereadores de Caçapava do Sul (Evento 8023345, p. 1/2), a quem incumbia julgar as contas do impugnado, na forma do art. 31, §2º, da Constituição Federal, já que, naqueles anos, o requerido desempenhava o cargo de Prefeito Municipal de Caçapava do Sul.

Estas decisões tiveram como lastro pareceres do Tribunal de Contas do Estado – TCE pela desaprovação das contas daqueles anos.

Quanto ao exercício de 2011 (Processo Administrativo nº 000902-02.00/11-4), foi emitido pelo TCE o Parecer nº 17.173 (Evento 8065317), cujo objeto foi parcialmente alterado após decisão de retificação sobre erro material daquele órgão (Eventos 8065323 e 8065326) e de recurso de embargos interposto pelo impugnado, acolhido pela Corte de Contas (Evento 8065343), operando-se o trânsito em julgado em 23-12-2015 (Evento 8070704). Complementam a compreensão da rejeição das contas os respectivos relatórios de auditoria (Evento 8056737 – p. 268/372) e a decisão do colegiado que deu azo ao parecer (Evento 8065313 e 8065315), todos documentos juntados pelo Ministério Público, bem como cópias do processo administrativo que tramitou na Câmara de Vereadores e ensejou a edição do Decreto Legislativo nº 151/2016, que foram colacionadas pelo impugnado com sua contestação (Evento 14046372).

Na esfera da justiça comum, o impugnado ingressou com ação ordinária para anular o Decreto Legislativo nº 151/2016, porém, sua pretensão foi fulminada pelo e. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, que reconheceu a ausência de nulidade e, por conseguinte, ratificou a higidez legal e constitucional da decisão da Câmara de Vereadores em acolher o parecer pela desaprovação das contas. Assim restou ementado o acórdão proferido pela 2ª Câmara Cível do e. TJRS no julgamento da Apelação nº 70080590185 (Evento 8070739):

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PREFEITO. NULIDADE DE DECRETOS LEGISLATIVOS. No caso, não se verifica qualquer nulidade nos Decretos Legislativos rejeitando as contas do autor, referentes aos exercícios de 2010 e 2011. A utilização da técnica de motivação per relacionem, quando o ato decisório se reportar a uma outra decisão ou manifestação dos autos e as adote como razão de decidir, não vulnera o disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal. Precedentes jurisprudenciais. Sequer o recorrente apontou alguma dificuldade em exercer o contraditório. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME1.

Nessa senda, a documentação acostada aos autos corrobora à coisa julgada administrativa, isto é, a irrecorribilidade da decisão acerca da rejeição das contas do ano de 2011.

Todavia, no tocante ao exercício de 2012 (Processo Administrativo), forçoso reconhecer que o Ministério Público Eleitoral limitou-se a juntar aos autos o relatório de auditoria daquele ano (Evento 8046153, p. 41/102; e Evento 8070745, p. 37/97), além do respectivo Decreto Legislativo nº 154/2016 (Evento 8023345, p. 2). De fato, não há dúvidas de que a Câmara de Vereadores acolheu parecer do TCE pela desaprovação das contas do ano de 2012. Entretanto, nem o parecer, tampouco as decisões do TCE que o originaram foram juntadas aos autos, a despeito de a impugnação estar acompanhada de mais de quatro mil páginas de documentos.

Aludidos documentos eram imprescindíveis para compreensão do caso em apreço relativamente ao exercício de 2012, uma vez que, em que pese todas as irregularidades apontadas no relatório de auditoria, sem a juntada da decisão e do parecer do TCE, não há como precisar quais delas justificaram a desaprovação das contas, até porque o Decreto Legislativo nº 154/2016 igualmente não as menciona.

À luz do art. 373, I, do CPC c/c art. 22 da Lei Complementar nº 64/1994, incumbiria ao Ministério Público, que imputa inelegibilidade ao candidato, trazer tais documentos aos autos. E como assim não fez, não atendeu com seu ônus probatório, motivo pelo qual, a partir de então, prosseguirá esta decisão analisando tão somente os fatos referentes à rejeição das contas do exercício de 2011, pois, quanto a estes, há documentação suficiente demonstrando não só a rejeição das contas e a coisa julgada administrativa, mas também o conteúdo das decisões, sobretudo por terem sido aportados, além do relatório de auditoria, o parecer e as decisões do TCE que fundamentaram a deliberação do Parlamento Municipal.

Seguindo esse diapasão, afasto a alegação do impugnado quanto à possível ocorrência de cerceamento de defesa no tocante às rejeição das contas do ano de 2011, considerando que, na esteira do que já foi decido pelo e. TJRS, não houve nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade da Câmara de Vereadores em adotar fundamentação per relationem quanto ao parecer do TCE pela desaprovação das contas (Parecer nº 17.173), este o qual foi juntado aos autos, em conjunto com o relatório de auditoria e decisões da Corte de Contas, inclusive aquelas favoráveis ao impugnado, como a que reconheceu erro material e a que acolheu seu recurso de embargos.

Em outro viés, como não serão analisadas as contas referentes ao exercício de 2012, declaro prejudicadas as teses defensivas do impugnado a respeito.

Desenhado o contorno dos fatos que poderiam caracterizar a inelegibilidade, especificadamente, aqueles que implicaram a rejeição das contas do exercício de 2011, assim como tendo em vista, consoante exposto alhures, que as decisões da Câmara de Vereadores e do TCE, incluindo seu parecer, foram documentadas nos autos e revestem-se sob o manto da irrecorribilidade, o que corroborou-se com decisão do e. TJRS, já transitada em julgado, que refutou pretensão anulatória do impugnado, resta verificar a presença dos pressupostos relativos a irregularidades insanáveis e à caracterização de ato de improbidade administrativa.

Sobre o conceito de irregularidade insanável, oportuno rememorar a lição de Walber de Moura Agra:

Por irregularidade insanável deve-se entender condutas ilícitas e de gravidade majorada, decorrentes de atividades realizadas por gestores públicos com animus dolandi, munidas de dolo e de má-fé. Tais condutas, além de contrárias ao interesse público e ao dever de probidade de todo gestor público, ferem de morte os princípios constitucionais norteadores da atividade Administrativa Pública.

Insta salientar que uma irregularidade é insanável quando não puder ser convalidada em sanável, isto é, quando não se tratar apenas de violação aos aspectos formais, mas que viole, dolosamente, a essência do próprio ato examinado, tornando-a impossível de ser corrigida. Esse tipo de mácula exclui todos os outros tipos de irregularidades, principalmente os de natureza formal e aqueles considerados de pequena monta. São as insuperáveis, incuráveis em razão da gravidade do acinte praticado2.

Em suma, a irregularidade insanável é aquela que, além de não poder ser corrigida, é eivada de tamanha gravidade, ao ponto de, assim, enquadrar-se à conduta de improbidade administrativa, sob a lupa da lei específica (Lei nº 8.429/1992). Logo, os pressupostos restantes a serem analisados então umbilicalmente interligados, por isso, serão examinados em um mesmo contexto.

Quando desse exame, demanda atentar que o mérito sobre a constatação dessa irregularidade insanável e de sua caracterização com o ato de improbidade administrativa é o mérito da seara administrativa, proveniente da Câmara de Vereadores e do Tribunal de Contas, que embasou a deliberação parlamentar, dado que a causa de inelegibilidade em pauta não visa a discutir decisões judiciais (mérito judicial), mas sim as decisões dos órgãos de controle externo, in casu, a Casa Legislativa Municipal e a Corte de Contas. A existência de ações ou decisões judiciais, transitadas em julgado ou não, até podem ser ponderadas como elementos informativos ou probatórios de reforço argumentativo ao mérito do campo administrativo, contudo, repita-se, é este que deve ser analisado. Por via de consequência, não cabe à Justiça Eleitoral rediscutir o mérito da esfera administrativa.

Dito isso, voltemo-nos às peculiaridades do caso.

Apesar de o Ministério Público Eleitoral ter discorrido sobre a ocorrência de mais de uma irregularidade e acerca da propositura de diversas ações de improbidade administrativa em face do impugnado por força de irregularidades que levaram à rejeição de suas contas, foca-se naquela referente ao Processo nº 040/1.18.0000059-2.

De acordo o Parquet, o requerido promoveu irregularidade ao contratar, sem licitação, empresas interpostas de programa de estagiários, o que implicou apontamento pelo TCE na análise das contas dos anos de 2011 e 2012.

A fim de evitar desnecessária tautologia, reitero, na íntegra, a análise pormenorizada da prova oral e documental do Processo nº 040/1.18.0000059-2, as quais também constam desses autos:

(…) Zauri Tiaraju Ferreira de Castro, no seu depoimento pessoal, contou que, na época do fato, era Prefeito de Caçapava do Sul/RS e havia uma única empresa na cidade (CIEE), contratada pela administração anterior, para realizar a administração dos estagiários, a qual cobrava uma taxa de administração de 15% (quinze por cento) pelos serviços. Posteriormente, receberam orientação do Tribunal de Contas acerca da necessidade de realização de processo seletivo e licitação para contratar as empresas. Não lembra de detalhes da licitação, mas houve alguns impasses, sendo que a Procuradoria Municipal emitiu parecer para que anulasse o certame. Frisou que não fechou o preço em 3,70%, firmado no procedimento licitatório, porque seus assessores aconselharam a anular o certame. Após o encerramento, alegou que contatou o Secretário da Administração, o qual conseguiu reduzir o valor da taxa para 10% com as antigas empresas (Perfil RH e CIEE), de forma emergencial, e não recebeu mais orientações do Tribunal de Contas. Disse que, em relação ao que estava sendo pago anteriormente, estaria fazendo uma economia de 33%. Asseverou que não foi realizada nova licitação, pois “passou batido” (sic). Pontuou que a empresa realiza a contratação legal dos estagiários e fornece o serviço, sendo parte da Prefeitura somente encaminhá-la o ponto de presença (CD de fl. 432).

A testemunha Elenilton Ilha Flores tem conhecimento de que o fato apurado trata-se de processo de licitação para contratação de empresa para agenciamento de estagiários. Afirmou que, na época, trabalhava na prefeitura como pregoeiro e que, mediante pregão presencial, foram abertas as propostas de três empresas, quais sejam, Perfil RH, CIEE e América e, posteriormente, realizadas as rodadas de lances, para depois verificar a habilitação do vencedor. Recordou que a empresa que venceu (Instituto Nacional América) foi inabilitada na fase de documentação, sendo convocada a segunda colocada (Perfil RH Ltda.), que também acabou sendo inabilitada. A terceira empresa, CIEE, foi convocada, e negociaram a taxa de administração em 3,70% por cada bolsa auxílio. Por tais motivos, na condição de pregoeiro, recomentou a homologação nesse patamar. Como as outras empresas tinham propostas em valor menor, com base em parecer jurídico, o Prefeito, ora requerido, acabou revogando a licitação. Afirmou que a mão de obra dos estagiários foi contratada como era feito anteriormente, nos mesmos percentuais, mediante contratação direta, em 10%, não sabendo quanto representava no total. Declarou que, em tal situação, o pagamento era realizado mediante nota de empenho. Sabe que, na gestão seguinte, foi realizada nova licitação, mas não sabe o patamar contratado. Tem conhecimento de que o TCE apontou que a administração deixou de pagar o preço menor. Asseverou que a empresa contratada realizaria o gerenciamento dos estágios, mas que as atividades não fazem parte de seu setor. Declarou que em 2011, 2017 ou 2018 foi realizada licitação similar, com a empresa CIEE, cujo patamar foi fixado em 5%. Frisou que o pedido de licitação é feito pela Secretaria da Administração. Pontuou que o Prefeito não atua no processo de pregão, somente, ao final, o edital é encaminhado para que ele realize a homologação ou não (CD de fl. 427).

Leomar Nunes de Melo foi ouvido na condição de informante, pois ocupava cargo de confiança na administração exercida pelo demandado. Narrou que o Município realiza a contratação de estagiários através de empresas de recursos humanos. Duas empresas locais, a Perfil RH e a CIEE, já realizavam a atividade, mas não recorda do valor da taxa cobrada. Sabe que houve apontamento pelo TCE para realização da licitação, a qual acabou sendo revogada, sendo que as duas primeiras empresas foram inabilitadas, não sabendo informar maiores detalhes. Não sabe de quem partiu a decisão de revogação do certame. Ressaltou que, quando há necessidade, são solicitados pareceres jurídicos acerca de alguma dúvida quanto à licitação. Após a revogação do certame, foi realizado contrato com as empresas que já estavam prestando o serviço (Perfil RH e CIEE) e, na época, o valor da taxa mensal foi reduzido. Confirmou que, no período em que exerceu cargo de Secretário da Administração, foram realizadas duas provas para seleção de estagiários, as quais eram confeccionadas pelo Município, por parte da Secretaria da Educação. Asseverou que o Município necessita da empresa para agenciar o serviço, como treinamento, cursos, fiscalização, avaliações educacionais e acompanhamento. Acredita que a folha de pagamento e contracheques eram emitidos pelo Município, mas quem realizava o pagamento da bolsa-auxílio ao estagiário era a empresa (CD de fl. 427).

Benhur Machado, procurador jurídico da administração municipal na época dos fatos, foi ouvido na condição de informante. Afirmou que, anteriormente, era realizada dispensa de licitação e, mediante “tomadinha de preço”, de forma informal, as empresas que apresentavam menor preço eram contratadas para administração dos estagiários. Destacou que foi recomendado pelo Tribunal de Contas a necessidade de licitação para contratação de tais empresas. No curso do certame, algumas empresas foram inabilitadas, havendo um impasse em relação ao preço entre as secretarias, mas não recorda os detalhes. Asseverou que o Setor Jurídico, de que fazia parte, foi contatado e emitiu parecer para que a licitação fosse anulada, de modo que o Setor de Administração tomasse as providências no sentido de adequar a situação e realizar novo certame, confirmando como sendo o parecer o documento de fl. 96. Acredita que se chegou a um consenso entre os setores da administração, jurídico de licitação para que o procedimento fosse anulado. Não recorda se o demandado estava presente na reunião realizada entre os setores, tampouco se ele se opôs ao pedido (fl. 432).

Pois bem.

Conforme relatou até mesmo o próprio demandado, as empresas que faziam o gerenciamento de estagiários para a Prefeitura Municipal eram contratadas sem licitação, levando a que o Tribunal de Constas do Estado – TCE fizesse apontamento para que fosse efetuada a contratação mediante certame. Registro que, em que pese tenha aludido na peça pórtica, o Ministério Público não juntou aos autos o relatório de auditoria relativo aos anos de 2009 e 2010 (Processo nº 1622-0200/09-9/11-4), no qual teria constado o apontamento para realização de procedimento licitatório. Entretanto, é fato incontroverso, pois não foi negado pelo réu; pelo contrário, este ate fez menção em seu depoimento, havendo declaração no mesmo sentido pelo Dr. Benhur Machado, procurador jurídico municipal da época.

Além disso, no relatório de auditoria relativo ao exercício do ano de 2011, houve referência a esse apontamento (fl. 37v.):

 

(…) A inconformidade na contratação de estagiários já foi objeto de aponte nos relatórios dos anos de 2009 e 2010. No exercício de 2009, Processo nº 1622-0200/09-9, o Item 2.1 do Relatório destacou onerosa a taxa de administração paga pela Auditada, no percentual de 15%, ao Centro Integrado Escola-Emprego – CIEE, bem como à empresa Perfil RH Ltda., na operacionalização de estágios de estudantes, percentual esse superior aqueles (sic) pagos por outros Municípios. Ofensa aos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.666/93 e ao princípio da economicidade, devendo ser realizada nova licitação para contratação de entidade para esses fins.

 

Desde já, é importante consignar que, na época dos fatos (2011 e 2012), quem prestava os serviços de agenciamento de estagiários eram as empresas CIEE e Perfil RH Ltda., que cobravam taxa de administração de 10% sobre o valor da bolsa auxílio, consoante se verifica pelos convênios de fls. 77/793, ambos os quais, ressalta-se, foram firmados pelo réu e representantes dessas agenciadoras em 27 de agosto de 2009, e tinham prazo indeterminado de vigência4.

A necessidade de licitação era manifesta, levando em conta que as contratações eram por prazo indeterminado, contrariando a vedação do art. 57, §3º, da Lei de Licitações, e as despesas anuais de custeio, apenas com o pagamento da taxa de administração (10%), giravam em torno de R$ 30.000,00 a R$ 35.000,00, conforme cálculos de fls. 33/37v. e 315v./319, que, somadas à remuneração dos estagiários, implicaram dispêndio de mais cerca de R$ 350.000,00 por ano, bem superior, por conseguinte, ao limite para dispensa de licitação para contratação de serviços, previsto no art. 24, II, da Lei nº 8.666/1993 (R$ 8.000,00), que seria de 10% sobre o valor referido na alínea “a” do inciso II do art. 23 daquele mesmo diploma (R$ 80.000,00).

Em um primeiro momento, a recomendação foi atendida, sendo realizado o Pregão Presencial nº 147/2011, deflagrado a partir do Edital nº 1967/2011 (fls. 83v./89), que, em seu item “5”, definiu critério de aceitabilidade de preço, no patamar de 8% por cada bolsa auxílio, de modo que, se a proposta do concorrente ultrapassasse esse teto de gasto, seria desclassificado. Três empresas participaram do certame, sagrando-se vencedor, após desclassificação de duas concorrentes, o CIEE, cuja proposta homologada previa o pagamento de taxa de administração de 3,70% (fl. 95).

Nesse cenário, os problemas apontados pelo Tribunal de Contas relativamente à contratação de estagiários estariam superados: foi realizada a licitação, o procedimento transcorreu dentro das formalidades legais e editalícias, sendo que, ao cabo, venceu empresa que seria remunerada por preço dentro do limite de gasto estipulado pela administração municipal (taxa de administração de 8%).

Mas não foi isso que ocorreu.

O requerido confirmou que determinou a revogação da licitação, o que verte positivado pelo despacho de próprio punho constante no documento de fl. 96. Em sua defesa, o demandado sustentou que assim agiu com base em parecer jurídico da Procuradoria Municipal. De fato, há o aludido parecer, firmado pelo Dr. Benhur Machado (fl. 96), que depôs em juízo e ratificou a versão. Eis aqui, no entanto, a primeira situação manifestamente ilegal.

A começar que não se vislumbrava qualquer ilegalidade no procedimento licitatório, sendo que as desabilitações de duas concorrentes (Instituto Nacional América e Perfil RH Ltda.) deram-se, justamente, pelo não atendimento das exigências editalícias, após o processamento de insurgências opostas pela outra empresa (CIEE), conforme se vislumbra nas fls. 91/95. Tanto que a Procuradoria Municipal não apontou nenhuma ilegalidade, recomendando apenas a revogação da licitação porque a empresa desclassificada tinha oferta melhor do que aquela remanescente e que vencera a licitação, o que, com máxima vênia, não era papel que cabia ao órgão de consultoria jurídica municipal, cujo exame deveria ter ficado restrito à análise do preenchimento dos requisitos legais e editalícios (questão legal), não da conveniência e oportunidade (questão discricionária), atribuição dos agentes políticos, em especial o réu, Prefeito Municipal da época.

Mas até mesmo a dita "conveniência" é questionável. Isso porque a empresa remanescente (CIEE), que acabaria por vencer o certame, propôs o preço da taxa de administração em 3,70%, que, mesmo sendo superior aos das demais concorrentes desclassificadas, corresponderia a aproximadamente 40% do que a Municipalidade habitualmente pagava às empresas contratadas sem licitação (10% de taxa de administração).

Em suma, não havia qualquer justificativa plausível para a revogação do procedimento licitatório, uma vez que a empresa CIEE venceu a licitação de acordo com as normas legais e editalícias, apresentando preço bem abaixo do que vinha sido pago pela administração municipal.

Até aqui, poder-se-ia até questionar se o requerido não foi induzido a erro pelo parecer jurídico do Procurador Municipal. Porém, a condução do processo pelo réu afasta essa constatação, revelando flagrante desprezo seu para com as leis, as boas práticas da administração pública, o erário e, até mesmo, a recomendação do Tribunal de Contas.

Isso porque, embora tenha revogado o procedimento licitatório, não determinou novo certame, mas sim deu continuidade à contratação emergencial das empresas que já prestavam o serviço, CIEE e Perfil RH, por taxa de administração de 10%, mais que o dobro da proposta vencedora da licitação.

Aduziu o réu que, na realidade, quando comandou a Prefeitura, obteve redução de gastos com a contratação de estagiários, pois antes o serviço era unicamente era prestado pelo CIEE, que cobrava taxa de administração de 15%. Declarou que, após revogar a licitação, houve reunião com as empresas CIEE e Perfil RH, reduzindo essa taxa para 10%. Idênticas afirmações foram feitas pelo informante Leomar, que ocupava o cargo de Secretário de Administração.

No entanto, isso é uma inverdade, visto que, como já foi referido, desde o ano de 2009, eram as empresas Perfil RH e CIEE que agenciavam a contratação de estagiários, cobrando taxa de administração de 10%. Por até ser que, quando assumiu a Prefeitura, o réu e sua equipe conseguiram reduzir eventual taxa de administração, algo que, registra-se, não possui prova documental nos autos, a despeito de o Tribunal de Contas ter feito breve menção, em seu relatório, ao pagamento de contraprestação de 15% em anos anteriores (fl. 37v.). O certo, todavia, é que, na época dos fatos de que tratam a presente ação, as aludidas empresas já prestavam o serviço e cobravam a taxa de 10%. Em resumo, os alegados esforços para redução da taxa com as empresas contratadas sem licitação, se é que existiram, aconteceram em momento anterior ao Pregão nº 147/2011 e não tiveram qualquer relação com a revogação desse certame.

Ademais, a postura do réu foi contraditória: se seu objetivo era, com a revogação do procedimento licitatório, obter proposta mais vantajosa para a administração pública, o mínimo esperado era deflagrar novo certame e, de forma provisória, manter contratações emergenciais respeitando o limite de gasto que a administração municipal havia estipulado. Contudo, tal como narrado pelo pregoeiro (a testemunha Elenilton), nova licitação com esse objeto só veio a ser realizada no ano de 2018, ou seja, quando o réu não era mais Prefeito, por ser cediço que seu mandato encerrou no ano de 2012. As contratações irregulares, firmadas com o CIEE e a Perfil RH, mantiveram a taxa de administração nos mesmos patamares (10%), e não no limite que a gestão municipal definiu (8%).

Não procede, frente a essa conjuntura, o argumento de que não houve dano ao erário. Ao contrário do que sustentou o réu, a revogação da licitação não trouxe qualquer benefício econômico ao Município de Caçapava do Sul, mas sim prejuízos. O requerido teve a oportunidade de sanar as ilegalidades das contratações com as empresas CIEE e Perfil RH Ltda. e reduzir o valor da taxa de administração. Porém, ao revogar o procedimento licitatório, mesmo vencendo proposta mais vantajosa, e deixando de realizar novo certame, ocasionou prejuízo aos cofres públicos municiais, nos exercícios de 2011 e 2012, de mais de R$ 40.000,00, de acordo com os cálculos elaborados pelos auditores do Tribunal de Contas do Estado (fls. 33/37 e 315v./319v.). Quem, no fim de tudo, beneficiou-se foram as empresas contratadas sem licitação e por tempo indeterminado, que incorporaram ao seu patrimônio verbas público, tudo com conhecimento do requerido, que também concorreu efetivamente para isso ocorresse.

Os princípios correlatos à administração pública mostram-se igualmente afrontados.

Destaca-se, inicialmente, a ofensa ao princípio da legalidade, haja vista que, como anteriormente assinalei, os contratos (convênios) mantidos com as empresas CIEE e Perfil RH, com taxa de administração de 10%, ocorreram em desconformidade com a Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993): não se tratava de hipótese de dispensa do procedimento licitatório, nos ditames do art. 24,II, e havia cláusula de vigência por tempo indeterminado, o que é proibido, a rigor do disposto no art. 57, §3º.

Do mesmo modo, evidencia-se a conduta do réu ter sido avessa ao princípio da economicidade, visto que, quando revogou a licitação com proposta mais vantajosa ao preço que a administração vinha pagando pelo serviço e, na sequência, deixado de realizar novo certame, optou pela situação mais onerosa aos cofres públicos.

O elemento subjetivo volitivo, isto é, o dolo, é flagrante.

Tal como se já explanou, a necessidade de realizar licitação para a prévia contratação de empresa intermediadora de estagiários foi objeto de apontamento pelo Tribunal de Contas na auditoria relativa aos exercícios de 2009 e 2010. Em virtude dessa situação, o réu fora advertido para corrigir as irregularidades e multado pelo órgão de controle em R$ 1.500,00, conforme Decisão 2C-0901/2011, do Processo nº 001622-02.00/09-9, de relatoria do Conselheiro Iradir Pietroski, acolhida por unanimidade pela 2ª Câmara do Tribunal de Constas do Estado (fls. 37v./38).

O réu estava ciente dessa orientação, como ele próprio admitiu em seu depoimento pessoal, e, numa primeira oportunidade, no ano de 2011, deu início ao cumprimento, quando houve a publicação do edital de pregão (Edital nº 1967/2011). No entanto, desatendeu a recomendação, ao, em juízo de conveniência, revogar de forma inesperada o procedimento, isso mesmo após ter sido homologada proposta que ensejaria redução de mais de 60% dos custos da prestação daquele serviço.

Mesmo sabendo da ilegalidade dos contratos desprovidos de prévia licitação e ante a manifesta onerosidade – afinal, não são precisos maiores esforços intelectivos para constatar que uma taxa de administração de 10% é mais que o dobro de uma de 3,70% –, o requerido, deliberadamente, não adotou nenhuma providência para realização de novo certame, dando continuidade às contrações irregulares com as empresas Perfil RH e CIEE. Isso gerou um segundo apontamento, pelo Tribunal de Contas, na auditoria do exercício de 2011, na qual foi ressaltado o descumprimento da decisão que advertiu o requerido para sanar as irregularidades (fl. 32 e 38, respectivamente):

 

(….) Com a revogação da licitação, a Auditada [a administração do Município de Caçapava do Sul] tinha por dever abrir novo procedimento licitatório, considerando as argumentações do Procurador Jurídico. Entretanto, nenhuma providência nesse sentido foi adotada. A Administração Municipal continuou a cumprir os contratos já existentes, pagando a taxa de administração de 10% sobre as bolsas auxílios.

 

(….) Pela presente análise, fica materializado o descumprimento da Decisão desta Corte de Contas, antes destacada, caracterizando a reincidência da irregularidade por parte fo Gestor Municipal. (…) Os fatos são contrários aos princípios constitucionais da legalidade, eficiência, impessoalidade e economicidade.

 

No ano de 2012, mais uma vez, o requerido, agindo com descaso para com o Tribunal de Contas, continuou ignorando as orientações daquele órgão de controle, pois não procedeu à abertura de licitação e continuou com os contratos irregulares e mais onerosos, dando origem a um terceiro apontamento (fl. 320).

Alegando a ausência de dolo, o requerido argumentou que somente foi cientificado acerca da auditoria do Tribunal de Contas, referente ao exercício de 2011, em 13-05-2013, depois de encerrado seu mandato. Ocorre que os apontamentos de 2011 e 2012, ambos os quais assentaram a reincidência junto ao órgão de controle, basearam-se na decisão da auditoria de contas relativa aos exercícios de 2009 e 2010, que determinaram o saneamento das irregularidades, com a realização de procedimento licitatório (Processo nº 001622-02.00/09-9), a qual, reitere-se, acabou sendo descumprida nos anos posteriores (2011 e 2012), mesmo ciente dela o réu, que terminou seu mandato sem realizar a necessária licitação e revogando o único certame instaurado.

Com relação ao parecer jurídico a partir do qual o requerido lastreou a revogação do procedimento licitatório (fl. 96), cumpre dizer que não era de vinculação obrigatória, nem ao menos detinha força persuasiva, dado que seus fundamentos advinham de mero juízo de conveniência, considerando que o procurador expediu tal recomendação pela possibilidade, ainda que remota e desprovida de embasamento fático, de se obter um melhor preço, ante a diferença entre a proposta da empresa desclassificada (Perfil RH, com taxa de administração de 1,48%) com a daquela que vencera o certame (CIEE, com taxa de administração de 3,70%). No máximo, foram tecidos argumentos genéricos sobre a busca do interesse público e breve menção ao art. 37 da Constituição Federal, sem, contudo, detalhar qual seria a ilegalidade ou inconstitucionalidade encontrada no procedimento que veio a ser revogado. E veja-se: o parecer dá entender que seria necessária nova licitação, afinal, seria por meio deste procedimento que se diligenciaria na obtenção de melhor preço.

Percorrendo essa linha de intelecção, incumbiu ao réu, Chefe do Poder Executivo, decidir se a licitação seria revogada e o que se faria após essa revogação. Se desacolhido o parecer, o réu teria desonerado os custos com a prestação do serviço em 60%; se acolhido, esperar-se-ia a abertura de novo procedimento licitatório e, enquanto isso não ocorresse, promovesse a contratação dentro dos limites de gastos definidos pela administração municipal (taxa de administração de 8%). Mas nada disso aconteceu, vindo o réu optar por uma terceira via, prejudicial ao erário e contrária à lei e aos princípios que regem a administração pública: revogar a licitação, dar continuidade às contratações mais onerosas e não deflagrar novo certame.

Dado todo esse arcabouço fático, não há outra conclusão senão de que foi por vontade livre, consciente e espontânea do réu que foram cometidos os atos de que tratam a presente ação civil pública.

Por todos esses motivos, os atos praticados pelo requerido caracterizaram-se como improbidade administrativa na forma da Lei nº 8.429/1992, enquadrando-se, especialmente, no art. 10, caput e incisos I e VIII, quanto ao prejuízo ao erário, e no art. 11, caput, quanto à violação de princípios (...)

 

Resumindo, o impugnado, quando Prefeito Municipal, recebeu apontamento pelo TCE, na análise das contas dos anos de 2009 e 2010, quanto à necessidade de ser realizado procedimento licitatório para contratação de empresa intermediadora de programa de estagiários. Na época, o serviço era prestado pelas empresas CIEE e Perfil RH, contratadas sem licitação, que cobravam taxa de administração de 15% sobre o valor da bolsa-auxílio, patamar superior ao que era pago por outros municípios (Evento 8048504, p. 3).

Como admitiu no seu depoimento pessoal, o impugnado, ciente desse apontamento, deflagrou a licitação (Pregão nº 147/2011), porém, revogou o procedimento e acabou encerrando seu mandato sem promover novo certame, mantendo-se a contratação com as empresas CIEE e Perfil RH a título precário, com taxa de administração de 10%.

Tal como detalhado na análise da prova documental e oral, a despeito de ter ocorrido a desclassificação de duas das três empresas concorrentes, o procedimento observou os parâmetros legais e editalícios, e a empresa vencedora – por acaso, o CIEE, que já prestava o serviço – apresentou proposta de pagamento de taxa de administração de 3,7% menos da metade do limite estabelecido no próprio edital (taxa de administração de 8%) e do valor da manutenção das contratações precárias (taxa de administração de 10%).

Conquanto não se olvide que a procuradoria jurídica municipal orientou pela revogação do certame, assim fez sem apontar qualquer ilegalidade, baseando-se em mero juízo de conveniência. Desse modo, além de o parecer não ter vinculação obrigatória, a decisão de revogar a licitação – que, se encerrada, implicaria significativa redução de despesa para os minguados cofres públicos de Caçapava do Sul – era ato discricionário do Prefeito Municipal, que, ao cabo, por livre e espontânea vontade, decidiu pela opção manifestamente mais prejudicial às finanças municipais: revogar o procedimento que continha proposta mais vantajosa, seguir com as contratações mais onerosas e nunca fazer o certame, ignorando por completo a orientação do TCE.

Da leitura dos argumentos do impugnado, nota-se uma clara tentativa de transferir sua responsabilidade, fazendo ilações à culpa da procuradoria jurídica, da Secretaria de Administração e do Setor de Licitações, este por uma suposta carga de demandas que não foi minimamente comprovada. O impugnado parecer esquecer que era ele o Chefe do Poder Executivo e que, como gestor primordial, era não só quem escolhia o dirigente desses órgãos, mas também quem tinha a palavra fiscal e fiscalizava a atuação dos seus subalternos. Acolher as teses do impugnado seria reduzir o papel de Prefeito Municipal a um mero assinador de documentos de terceiros, que recebe considerável subsídio ao final do mês.

Frisa-se que, nessa situação, o envolvimento do requerido foi direto, visto que declarou estar ciente do apontamento do Tribunal de Contas e chegou a fundamentar de punho a decisão de revogar o certame, o que corrobora a constatação de que não foi induzido a erro por terceiros e agiu de forma deliberada.

Portanto, não prospera a tese arguida pela defesa que não houve dolo, seja pela ação em, por vontade própria, anular o processo licitatório mantendo pagamentos acima do patamar por ele próprio definido, seja pela omissão, quando ciente do dever de licitar novamente, não o fez.

Percorrendo essa linha de intelecção, a conduta do impugnado foi eivada de dolo e resultou em prejuízo ao erário e afonsa aos princípios norteadores da administração pública, em especial os da legalidade e economicidade, enquadrando-se nos artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

 

Ademais, pacífica é a jurisprudência da configuração de ato doloso e da insanabilidade de irregularidades por descumprimento da Lei das Licitações:

Eleições 2018. Recursos ordinários. Registro de candidatura. Deputado estadual. Convênio federal.  Contas julgadas irregulares pelo TCU. Suspensão parcial da decisão. Descumprimento da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) e dano ao erário. Vícios insanáveis. Ato doloso de improbidade administrativa. Hipótese de inelegibilidade. Art. 1º, i, g, da Lei Complementar nº 64/90. Reforma do acórdão regional. Recursos providos. 1. O art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990 exige, para a sua configuração, a presença dos seguintes requisitos: (i) exercício de cargo ou função pública; (ii) rejeição das contas pelo órgão competente; (iii) insanabilidade da irregularidade verificada; (iv) ato doloso de improbidade administrativa; (v) irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas; e (vi) inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas. 2. O Tribunal de Contas da União desaprovou a contabilidade do candidato por (i) não restituição ao concedente do saldo financeiro remanescente na conta específica do Convênio 5063/2004; (ii) ausência de equipamentos supostamente adquiridos para as unidades móveis de saúde (aparelho de rádio e cilindro de oxigênio e outros); e (iii) homologação do processo licitatório relativo à Tomada de Preços 5/2005, em 19/1/2006, com indícios de fraude e montagem. 3. O pronunciamento judicial que suspendeu os efeitos do acórdão do Tribunal de Contas é específico à parte dos débitos, não alcançando integralidade da decisão que desaguou na rejeição das contas com base nas irregularidades em processo licitatório e na ausência de restituição do saldo financeiro proveniente de convênio. 4. À luz da jurisprudência deste Tribunal, configura irregularidade insanável caracterizadora de ato doloso de improbidade administrativa apto a atrair a inelegibilidade do art. 1°, I, "g", da LC n° 64/1990, a inobservância às normas de procedimento licitatório e concreto dano ao erário. Precedentes. 5. A devolução ao Erário de valores indevidamente utilizados não tem o condão de sanar a irregularidade ora tratada. 6. A referida inelegibilidade se aperfeiçoa com o dolo genérico, que se configura quando o administrador assume os riscos de não atender os comandos legais, que vinculam a Administração Pública [...]. (Ac. de 12.3.2019 no RO 60050868, rel. Min. Edson Fachin.)

[...] Deputado estadual. Registro de candidatura. Incidência. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da LC 64/90. Rejeição de contas públicas. Desprovimento. 1.  Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, com exceção de falhas de natureza formal, o descumprimento da Lei de Licitações constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa. 2.  No caso, o processo de Tomada de Contas Especial foi instaurado com a finalidade de apurar a ocorrência de superfaturamento e de outras anormalidades na aquisição de artigos médico-hospitalares, tendo sido constadas pelo Tribunal de Contas da União irregularidades relativas ao descumprimento da Lei de Normas Gerais de Direito Financeiro - Lei 4.320/64 - e da Lei de Licitações - Lei 8.666/93 -, as quais foram consideradas graves. 3.  Agravo regimental desprovido. (Ac. de 24.10.2014 no AgR-RO nº 209493, rel. Min. João Otávio de Noronha.)

Eleições 2016. Vereador. Recurso especial. Impugnação ao registro de candidatura. Inelegibilidade. Art. 1º, i, g, da LC nº 64/90. Registro indeferido. Presidente da câmara municipal. Contas rejeitadas. Tribunal de contas do estado. Contratação de escritório contábil. Valor do serviço contratado superior ao limite legal para autorizar a dispensa da licitação. Ausência do devido processo administrativo formal. Ato doloso de improbidade administrativa caracterizado. Desprovimento. [...] 2. In casu, o candidato exerceu o cargo de presidente da Câmara dos Vereadores do Município de Equador/RN, e teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado - no âmbito do processo nº 005584/2006, relativas ao exercício de 2006, em virtude de não ter realizado processo de licitação para contratar serviços de contabilidade para o órgão legislativo municipal. 3. O acórdão regional descreve pontualmente a existência do ato doloso de improbidade, tendo em vista que o recorrente não realizou procedimento licitatório para contratação de serviços contábeis quando lhe era exigido, uma vez que a norma regente (art. 24, II, da Lei nº 8.666/93) autoriza a dispensa da licitação para a contratação de serviços de valor até R$ 8.000,00 (oito mil reias), e o contrato realizado, considerado irregular pelo Tribunal de Contas do Estado no âmbito do processo nº 005584/2006, alcançou o valor de R$ 14.400,00 (catorze mil e quatrocentos reais), portanto, superior ao limite legalmente estabelecido. 4. No que toca ao elemento subjetivo, exigido para a devida incidência da norma restritiva a elegibilidade, prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, basta para sua configuração a existência do dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam sua atuação. Precedentes. 5. Ante a inviabilidade de revisitação do contexto probatório dos autos, porquanto a profundidade cognitiva desta Corte se limita a moldura fática delineada no acórdão regional, não é possível concluir de modo diverso do TRE/RN (Súmula nº 24/TSE). 6. Desse modo, em coerência com a sólida jurisprudência firmada no âmbito deste Tribunal, conclui-se que a contratação direta de serviços contábeis, desacompanhada de processo administrativo formal que justifique a dispensa da licitação, caracteriza o ato doloso de improbidade administrativa apto a atrair a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 [...]”. (Ac de 7.12.2017 no REspe nº 9365, rel. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.)

 

Não prospera, ainda, o argumento defensivo que o TCE e a Câmara não teriam, especificamente, apontado o dolo, uma vez que compete a Justiça Eleitoral o enquadramento jurídico para fins de incidência da inelegibilidade do art. 1º, i, g, da lc 64/90, sem que configure rejulgamento das mesmas.  Nesse sentido:

Eleições 2012. Recurso especial. Registro de candidato. Prefeito. Rejeição de contas. Vícios insanáveis. Atos dolosos de improbidade administrativa. Recurso provido. Registro indeferido. 1. De acordo com a assente jurisprudência deste Tribunal, cabe à Justiça Eleitoral analisar a decisão do órgão competente para o julgamento das contas, com a finalidade de proceder ao enquadramento jurídico dos fatos aos requisitos legais contidos na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. 2. Não cabe a esta Justiça especializada a análise do acerto ou desacerto da decisão da Corte de Contas, o que inviabiliza o exame de alegações que tenham por finalidade afastar os fundamentos adotados para a rejeição das contas, sob pena de grave usurpação de competência [...].  (Ac de 29.11.12 no REspe nº 2437, rel. Min. Dias Toffoli.)

 

O prejuízo ao erário e violação de princípios igualmente foram reconhecidos pelo TCE, como se denota do relatório de auditoria no tocante às contas do ano de 2011 (Evento 8056737, p. 296):

 

(…) Pela análise, fica materializado o descumprimento da Decisão desta Corte de Contas, antes destacada, caracterizando a reincidência da irregularidade por parte do Gestor Municipal. Os valores pagos indevidamente, passíveis de ressarcimento eu erário, no valor de R$ 21.261,68 são os seguintes;

- valores pagos à empresa PERFIL RH Ltda., letra “a”, retro, valor de R$ 9.841,40;

- valores pagos ao CIEE, conforme letra “b”, retro, no valor de R$ 10.468.11;

- valor pago indevidamente ao estagiário Rafael Arruda dos Santos, no valor de R$ 962,17.

Os fatos são contrários aos princípios constitucionais da legalidade, eficiência, impessoalidade e economicidade.

A irregularidade aferida no relatório de auditoria constou expressamente da decisão do Tribunal de Contas pela emissão de parecer desfavorável (Evento 8065313, p. 4/5, 14/15), sendo integrante, pois, do Parecer nº 17.173, referendado pela Câmara de Vereadores pelo Decreto Legislativo nº 151/2016.

Depois do julgamento de recurso de embargos, além da irregularidade envolvendo a contratação de programas de estagiários por entidades interpostas sem o devido procedimento licitatório, foram consolidadas outras irregularidades, que, somadas, deram ensejo a débito do impugnado para com os cofres públicos municipais de mais de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais), conforme tabela elabora pela equipe técnica do TCE (Evento 8065347):

- contratação de empreitas sem capacidade financeira para executar o objeto e renúncia de receita ao não serem aplicadas sanções contratuais (item “9.1” do relatório);

- não realização de procedimento licitatório para realização de obra de calçamento e pagamento antecipado ao contratado, com sequente prejuízo ao erário (item “9.2” do relatório);

- rescisão contratual com omissão pela não aplicação de penalidades (item “9.6.3”);

- pagamentos efetuados por serviços não executados (item “9.6.4”);

- contração de serviços adicionais e desnecessários quando da reforma, ampliação e adequação do bloco cirúrgico do Hospital Victor Lang (item “9.7.2.6”); e

- execução de serviços que não atenderam às especificações para os quais foram contratos (item “9.7.3.5”).

Tendo em vista o expressivo valor do débito e o fato de que tais irregularidades deram-se por inobservância dos princípios afetos à administração pública, amoldam-se, em tese, a atos de improbidade administrativa, na forma dos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992.

A priori, cuidam-se de condutas dolosas, dado que cometidas em manifesta contrariedade aos princípios da economicidade e legalidade, sobretudo no que se refere ao não atendimento da Lei nº 8.666/1993 quanto às licitações e contratos administrativos, diploma legal que, pela apuração do TCE, parece ter sido reiteradamente ignorado durante a gestão do impugnado frente a Prefeitura de Caçapava do Sul.

São, da mesma forma, insanáveis, não só pela gravidade em concreto, ocasionando prejuízo de quase um milhão de reais ao erário, mas também pela inviabilidade de serem retificadas, uma vez que não se tratam de meros vícios formais, além do que o impugnado já deixou o cargo e consumiu-se a lesão ao patrimônio público.

Ante isso tudo, são flagrantes as irregularidades insanáveis, caracterizadas como atos de improbidade administrativa, que acarretaram a rejeição das contas do impugnado em relação ao exercício de 2011.

Por fim, cumpre assinalar que os fatos de que tratam a presente ação não são inéditos na Justiça Eleitoral. Isso porque, no ano de 2016, o impugnado havia também tentado concorrer ao cargo de Prefeito Municipal, sendo seu registro indeferido, dentre outros motivos, pela rejeição das contas relativas ao exercício do ano de 2011, quando desempenhava a Chefia do Poder Executivo de Caçapava do Sul.

Peço vênia para transcrever trecho da decisão do colega Dr. Leonardo Bofill Vanoni, Juiz Eleitoral da época, que, com preciosismo, analisou a questão (Processo nº 205-52.2016.6.21.0009):

(…) Quanto à rejeição das contas relativas ao exercício de 2011 pela Câmara Municipal, está demonstrada pela documentação acostada pelo Ministério Público.

Quanto à irregularidade insanável, vejamos. A jurisprudência vem entendendo que a irregularidade insanável é aquela que detém nota de improbidade4; portanto, entendo que os requisitos anteriormente apontados nos subitens ii e iii devem ter sua análise conjunta. Explico.

Inicialmente, o procedimento no Tribunal de Contas do Estado apontava ao administrador, ora impugnado, a ocorrência de 47 irregularidades, sendo que, no julgamento do órgão, foi fixado débito ao administrador no valor de R$ 694.159,29. Posteriormente, em sede de recursos de embargos, foram afastados os débitos de R$ 30.000,00 (item 2.1 do processo de contas), R$ 58.393,65 (item 2.1.5 do processo de contas), R$ 19.404,68 (item 5.2.2 do processo de contas), R$ 1.813,46 (item 5.2.3 do processo de contas) e R$ 9.482,11 (item 6.3 do processo de contas), sendo mantido o débito, pois, em R$ 584.547,50. Tal decisão embasou o julgamento pela Câmara de Vereadores, que, acolhendo as razões do TCE, rejeitou as contas do impugnado no exercício de 2011. E isso, salvo melhor juízo, caracteriza a prática de condutas gravosas e que configuram irregularidade insanável, visto que acarreta(m) uma situação de irreversibilidade na administração pública (…) prejudicial ao erário5 e que causam prejuízo irreparável, quer ao erário, quer ao administrado, não mais admitindo correção6. Também são reconhecidas como as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público, que podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública.

Aliás, o objetivo do referido dispositivo, ao apontar a necessidade de “irregularidade insanável”, objetivou excluir das hipóteses de inelegibilidade os casos em que a rejeição das contas advém de inobservância de regras formais ou técnicas que, por sua vez, não constituíram prejuízo à coletividade8, o que não é o caso.

A título exemplificativo, pois, vê-se que, entre as irregularidades reconhecidas, encontra-se (a) implantação de serviço através de Decreto Executivo Municipal sem lei municipal o autorizando com relação ao estacionamento rotativo, sem procedimento licitatório (item 2.1.1 do processo de contas); (b) a declaração de nulidade de licitação para a intermediação de estagiários com a manutenção do serviço já existente com taxa de administração muito superior ao previsto e prejuízo ao erário (item 3.2 do processo de contas); dispensa de licitação para execução de pavimentação, adequação para pessoas com mobilização reduzida e sinalização de rua (item 9.2 do processo de contas) e para reformas na EMEI Nilza Torres (item 9.3 do processo de contas); (c) contratação de serviços desnecessários em detrimento da supremacia do interesse público (item 9.7.2.6 do processo de contas); (d) contratação direta de prestador de serviço de engenharia cujos valores somados ultrapassam o limite para dispensa (item 3.1 do processo de contas), entre outras.

As irregularidades mencionadas, confirmadas no julgamento pela Câmara de Vereadores, configuram irregularidades insanáveis, pois causaram prejuízo ao erário e não podem, através de atos da administração, serem corrigidos ou mitigados. Além disso, adequam-se às hipóteses já reconhecidas pelo TSE como irregularidades insanáveis aptas a gerar a inelegibilidade, já que importam em descumprimento da Lei de Licitações (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 56-20, julgado em 18.12.2012, de Relatoria de Nancy Andrighi) ou realização de despesas sem documentação ou não justificadas (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 366-79, julgado em 04.05.2010, de Relatoria do Min. Arnaldo Versiani).

Assim, ao passo em que os atos mencionados detêm nota de improbidade, não se pode extrair deles, também, conclusão que seja diversa da existência do dolo, visto que não verificado (e sequer alegado) que tenham ocorrido por culpa ou que o administrador não tenha concorrido para sua ocorrência. Em outras palavras, sabedor da ausência de permissivo legal para as condutas, praticou-as. Friso, nesse diapasão, que, consoante entendimento do TSE:

 

Para efeito da apuração da inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do artigo 1º da LC nº 64/90, não se exige dolo específico, basta para a sua configuração a existência do dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam sua atuação. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 273-74, de Relatoria do Min. Henrique Neves, julgado em 07.02.2013)

 

Ainda robustecendo a conclusão pela conduta dolosa pelo impugnado, o próprio julgamento no TCE, que teve a conclusão acolhida pela Câmara de Vereadores, menciona justificativas apresentadas pelo administrador com relação a algumas das irregularidades supramencionadas: no que tange ao item 3.2 do processo de contas, alega de não foi realizada licitação pelo lapso temporal; no que respeita ao item 9.2 do processo de contas, “o Gestor insiste na alegação de que a dispensa de licitação ocorreu para que a contratação se efetivasse no prazo hábil ao recebimento de recursos federais”, o que foi rejeitado pelo TCE.

Quanto ao último requisito, também verifico que a decisão da Câmara de Vereadores já foi atingida pela coisa julgada administrativa.

Em suma, presentes os requisitos elencados no art. 1º, inc. I, alínea “g”, da LC 64/90, impositivo o reconhecimento desta condição de inelegibilidade.

 

Assinala-se que a aludida decisão transitou em julgado no mesmo ano, ou seja, desde de 2016, já havia pronunciamento da Justiça Eleitoral dando conta de que o impugnado era inelegível em razão do art. 1º, I,"g", da Lei Complementar nº 64/1990 até 07 de junho de 2024, uma vez que o Decreto Legislativo nº 151/2016, referente ao julgamento, pela Câmara de Vereadores, das contas do exercício de 2011, fora publicado em 07 de junho de 2016.

Ainda que tal decisum não tenha carater vinculativo, bem como com eficácia restrita ao respectivo pleito, a situação não se alterou, pois inegável é que as irregularidades cometidas pelo gestor, assim como a legislação aplicável permanecem inalteradas, portanto, pela lógica, não obstante os argumentos aqui já pontuados, ainda válidos os nela constantes.

E, mesmo ciente da condição de inelegibilidade, mais uma vez tentou se aventurar no certame hodierno, revelando desprestígio para com a decisão do Poder Judiciário e falta de lealdade para com seus eleitores.

Destarte, o acolhimento da impugnação é medida que se impõe.

 

3. DISPOSITIVO:

 

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na impugnação intentada pelo Ministério Público, resolvendo o mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC, a fim de INDEFERIR o registro de candidatura de ZAURI TIARAJU FERREIRA DE CASTRO ao cargo de Prefeito Municipal de Caçapava do Sul, reconhecendo, por conseguinte, a causa de inelegibilidade discriminada no art. 1º, I, "g", da Lei Complementar nº 64/1990.

Feito isento de custas.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Junte-se esta decisão no pedido de registro de candidatura do candidato à vice-prefeito da mesma chapa.

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

 

Caçapava do Sul, 22 de outubro de 2020.

 

DIEGO CARVALHO LOCATELLI,

Juiz Eleitoral.

 

 

1 Apelação Cível, Nº 70080590185, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em: 26-06-2019

2 AGRA, Walber de Moura. Temas polêmicos do Direito Eleitoral. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 156.

3 Cláusula 3ª, item "i", do convênio firmado com o CIEE e Cláusula 3ª, item "j", do convênio celebrado com a Perfil Rh Ltda.

4 Cláusula 5ª de ambos os convênios.