EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ ELEITORAL DA 32ª ZONA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.

 

 

Processo nº 0600175-81.2020.6.20.0032

Notícia de Inelegibilidade

Noticiante: Maria Patrícia Lopes de Lima

Noticiado: Erivan Dantas Cardoso

 

PARECER MINISTERIAL

 

Trata-se de notícia de inelegibilidade promovida por Maria Patrícia Lopes de Lima, em face de Erivan Dantas Cardoso, candidato a vice-prefeito do município de Porto do Mangue/RN.

 

A noticiante alega, em síntese, que o candidato, enquanto ocupava a presidência da câmara de vereadores de Porto do Mangue/RN, teve suas contas rejeitadas pelo TCE e foi condenado a restituir valores ao erário, em razão do descumprimento do subsídio máximo indevidamente percebido. Tal fato, de acordo com a impugnante, seria causa de inelegibilidade conforme previsão do art. 1º, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar nº 64/90 (ID 13444516).

 

Citado, o candidato noticiado arguiu, preliminarmente, que a notícia de inelegibilidade foi ajuizada intempestivamente, vez que o prazo para eventuais impugnações teria se encerrado em 29.09.2020. Arguiu ainda que a noticiante não comprovou estar em gozo dos seus direitos políticos, motivo pelo qual não possui legitimidade ativa para ajuizar a presente ação. No mérito, alegou a inexistência de dolo, improbidade ou má-fé na conduta praticada, inexistindo assim, causa para sua inelegibilidade. Por fim, requereu o acatamento das preliminares arguidas, extinguindo-se o feito sem julgamento do mérito e, alternativamente, a improcedência do pedido inicial e o deferimento do registro de candidatura (ID 16700538).

 

É o breve relato.

 

I – FUNDAMENTOS

 

I.I MATÉRIA PRELIMINAR

 

I.I.I - DA INTEMPESTIVIDADE DA NOTÍCIA DE INELEGIBILIDADE

 

O prazo para que a notícia de inelegibilidade seja apresentada está previsto no art. 34, §1º, inciso III da Resolução do TSE nº 23.609/19:

 

Art. 34. Depois de verificados os dados dos processos, a Justiça Eleitoral deve providenciar imediatamente a publicação do edital contendo os pedidos de registro para ciência dos interessados no DJe (Código Eleitoral, art. 97, § 1º).

 

§ 1º Da publicação do edital previsto no caput deste artigo, correrá:

(...)

 

III - o prazo de 5 (cinco) dias para que qualquer cidadão apresente notícia de inelegibilidade.

 

No caso dos autos, a notícia de inelegibilidade foi protocolada em 07 de outubro de 2020, enquanto, de acordo com a certidão elaborada pelo cartório eleitoral (ID 14489065), esgotou-se em 29 de setembro de 2020 o prazo para eventuais impugnações ao registro de candidatura do noticiado Erivan Dantas Cardoso.

 

Ocorre que, em que pese a intempestividade da presente notícia de inelegibilidade, o Superior Tribunal Eleitoral já admitiu a possibilidade de reconhecimento de ofício de inelegibilidade e condição de elegibilidade, sendo esse entendimento amplamente difundido entre os tribunais regionais eleitorais, senão vejamos:

 

“[...] Registro de candidatura. Deputado federal. [...] 3. Conforme jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, ao órgão originário responsável pelo julgamento do registro de candidatura, compete examinar as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade ex officio, independentemente de provocação. [...]” (Ac. de 27.11.2018 no RO nº 060098106, rel. Min. Admar Gonzaga.)

 

“[...] 2. Nos termos da Súmula nº 45/TSE, ‘nos processos de registro de candidatura, o Juiz Eleitoral pode conhecer de ofício da existência de causas de inelegibilidade ou da ausência de condição de elegibilidade, desde que resguardados o contraditório e a ampla defesa’. [...]” (Ac. de 1º.12.2016 no REspe nº 21767, rel. Min. Luciana Lóssio.)

 

Desse modo, a intempestividade da notícia de inelegibilidade não justifica o seu não conhecimento, não podendo ser acolhida a preliminar sustentada pelo noticiado.

 

I.I.II – DA ILEGITIMIDADE ATIVA DA NOTICIANTE

 

O noticiado alega que a noticiante deixou de comprovar nos autos que se encontra em gozo dos seus direitos políticos, conforme exigido pelo art. 44 da Res. nº 23.609/19 do TSE.

 

Contudo, cumpre ressaltar que o cidadão não figura como parte no processo, eis que a notícia de inelegibilidade não pode ser confundida com uma impugnação, sendo sua finalidade apenas a comunicação da existência de causa de suposta inelegibilidade de determinado candidato.

 

Além disso, em razão da natureza da matéria tratada, como já apontado no tópico anterior, pode ser conhecida de ofício pelo órgão julgador, tornando, portanto, desnecessária a comprovação da quitação eleitoral da noticiante.

 

Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte:

 

ELEIÇÕES 2018. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. DEPUTADO ESTADUAL. NOTÍCIA DE INELEGIBILIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA DO NOTICIANTE. INOCORRÊNCIA. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS DE PREFEITO PELA CÂMARA MUNICIPAL. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, g, da LC 64/90. IRREGULARIDADE GRAVE E INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS. DEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA. (...) A matéria concernente à incidência em hipótese de inelegibilidade é de interesse público e indisponível, conhecível de ofício pelo órgão julgador, de sorte que é desnecessária a comprovação da condição de eleitor do noticiante. Rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa do noticiante. (...)  (TRE-RN - RCAND: 060073153 NATAL - RN, Relator: JOSÉ DANTAS DE PAIVA, Data de Julgamento: 12/09/2018, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 12/09/2018)

 

Em razão do exposto, a preliminar de ilegitimidade ativa arguida pelo noticiado também não merece prosperar.

 

I.II – DO MÉRITO

 

A Lei Complementar nº 64/90, em seu art. 1º, inciso I, alínea “g”, prevê a seguinte hipótese de inelegibilidade:

 

Art. 1º São inelegíveis:

 

I - para qualquer cargo:

 

(...)

 

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

A configuração da causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da LC nº 64/90 exige o preenchimento dos requisitos cumulativos a seguir: (a) exercício de cargo ou função pública; (b) rejeição das contas pelo órgão competente; (c) insanabilidade da irregularidade verificada; (d) ato doloso de improbidade administrativa; (e) irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas; e (f) inexistência de suspensão ou anulação judicial da decisão de rejeição das contas.

 

No caso dos autos, todos os requisitos acima elencados estão configurados, senão vejamos.

 

Com efeito, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado, órgão competente para julgar as contas dos ordenadores de despesas municipais em caráter definitivo, o noticiado, enquanto ocupante do cargo de Presidente da Câmara Municipal de Porto do Mangue/RN, teve suas contas julgadas irregulares por ter descumprindo o subsídio máximo, recebendo indevidamente o valor de R$ 11.938,90 (onze mil novecentos e trinta e oito reais e noventa centavos) no exercício de 2010.

 

Analisando detidamente os autos, verifica o Ministério Público Eleitoral que a conduta acima narrada se subsume, em tese, ao inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429/92:

 

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;”

 

De acordo com o constatado pelo TCE, a conduta do noticiado violou o disposto no art. 29, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal que dispõe que:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:

a) em Municípios de até dez mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a vinte por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; 

 

De fato, o recebimento do valor de R$ 11.938,90 (onze mil novecentos e trinta e oito reais e noventa centavos), de forma indevida, enquanto ocupava a presidência da Câmara de vereadores de Porto do Mangue, no exercício de 2010, causando prejuízo ao erário, constitui irregularidade insanável, pois atenta contra os princípios norteadores da administração pública (art. 37 da CF/88)

O incremento injustificado no seu subsídio de vereador, sem amparo legal e descumprindo o teto fixado na Constituição Federal, configura ato doloso de improbidade administrativa, de acordo com o inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429/92.

Em casos semelhantes, o Tribunal Superior Eleitoral já assentou a natureza insanável e o caráter doloso do ato de improbidade administrativa, como se pode inferir dos seguintes julgados:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. REJEIÇÃO DE CONTAS. PAGAMENTO DE SUBSÍDIOS A VEREADORES. VIOLAÇÃO AO ART. 29, VI, F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VÍCIOS INSANÁVEIS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A rejeição de contas do então presidente da Câmara de Vereadores pelo Tribunal de Contas Estadual, em razão do pagamento de subsídios a vereadores em percentual superior ao estabelecido na Constituição Federal, enquadra-se na inelegibilidade descrita no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, por configurar tal conduta vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes. 2. O cumprimento de lei orçamentária, aprovada pela própria Câmara, mas conflitante com a Constituição Federal, não basta para afastar o dolo, o elemento subjetivo do ato de improbidade administrativa. Precedente. 3. Nos termos da jurisprudência do TSE, para que o agravo obtenha êxito é necessário que os fundamentos da decisão agravada sejam especificamente infirmados, sob pena de subsistirem suas conclusões (Súmula nº 182/STJ). 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE - AgR-REspe: 106544 SP, Relator: Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 05/02/2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 059, Data 1/4/2013, Página 33-34)

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO. REGISTRO DE CANDIDATURA. REJEIÇÃO DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS. PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. VIOLAÇÃO. ART. 29-A, 1, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VÍCIO INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INELEGIBILIDADE. INCIDÊNCIA. ALÍNEA G DO INCISO 1 DO ART. 1º DA LC Nº 64/90. RECURSO DESPROVIDO. A rejeição de contas do então Presidente da Câmara de Vereadores pelo Tribunal de Contas Estadual, em razão da violação ao disposto no art. 29-A, I, da Constituição Federal, enquadra-se na inelegibilidade descrita no art. 10 , Ig, da LC nº 64/90, por configurar tal conduta vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa. Recurso a que nega provimento. (REspe no 115-43/SP, Rei. Mm. Marco Aurélio, Rei. designado Mm. Dias Toifoli, PSESS de 9.10.2012 - grifei)

 

No mais, a rejeição das contas do noticiado transitou em julgado em 28 de agosto de 2015, conforme certidão ID 16702835, p. 253, e não se tem notícia, até o momento, de qualquer decisão suspensiva ou anulatória do julgado pelo Poder Judiciário.

 

Dessa forma, em que pesem as alegações defensivas, entende esse Órgão Ministerial que está plenamente caracterizada a irregularidade insanável e configuradora do ato doloso de improbidade administrativa, para fins de inelegibilidade.

 

III – CONCLUSÃO

 

Isso posto, OPINA o Ministério Público pelo reconhecimento da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/90 e, consequentemente, pelo indeferimento do registro de candidatura de Erivan Dantas Cardoso.

 

É o parecer.

Areia Branca/RN, datado eletronicamente.

 

Diogo Augusto Vidal Padre

Promotor Eleitoral