MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

PROMOTORIA ELEITORAL DA 26ª ZONA ELEITORAL


EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA ELEITORAL DA 26ª ZONA ELEITORAL DO ESTADO DE SERGIPE.


MM. Juíza



A Coligação “Aparecida com Honestidade e Trabalho” apresentou ação de impugnação do registro de candidatura do senhor Clarinaldo Andrade da Silva, conforme petição inicial de pgs. 25/41, com anexos às pgs. 46/95.


Pois bem, segundo o representante, em linhas gerais, depreende-se que foi alegado que a atual Prefeita do Município de Nossa Senhora Aparecida/SE, a senhora Verônica Santos Sousa da Silva, foi eleita nas eleições de 2012 para o exercício do mandato no período de 2013/2016, tendo sido reeleita nas eleições de 2016 para o exercício do mandato no período 2017/2020, conforme petição inicial de pgs. 25/41.


Ademais, ainda de acordo com aquela petição de pgs. 25/41, alega-se que o senhor Clarinaldo Andrade da Silva, impugnado nestes autos, era irmão do ex-marido da senhora Verônica Santos Sousa da Silva, o qual faleceu no ano de 2015, tendo, ademais, sido alegado que apesar da morte do senhor Antônio Andrade da Silva, do ponto de vista fático, o núcleo familiar persistiria, motivo por que para a candidatura do senhor Clarinaldo Andrade da Silva, por via de consequência, decorreria benefícios de tal situação, incidindo na hipótese, portanto, a inelegibilidade reflexa prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, tudo conforme se pode depreender daquela petição inicial de pgs. 25/41.


Às pgs. 101/110, verifica-se que foi apresentada contestação, depreendendo-se que os argumentos aventados na petição inicial são rebatidos ao fundamento, em linhas gerais, de que com a morte do senhor Antônio Andrade da Silva, o vínculo de parentesco existente entre o impugnado e a senhora Verônica Santos Sousa da Silva estaria extinto, daí o porquê não se poder falar na incidência da hipótese de inelegibilidade reflexa prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, tudo isso conforme o que se pode depreender daquela contestação de pgs. 101/110.



É o que impende relatar.



Conforme ressaltado acima, trata-se de ação de impugnação de registro de candidatura, ação esta apresentada pela Coligação “Aparecida com Honestidade e Trabalho” em face do senhor Clarinaldo Andrade da Silva, sendo que em tal ação se alega que o impugnado seria inelegível, por incidência do art. 14, § 7º, da Constituição Federal (inelegibilidade reflexa), na medida em que a atual Prefeita do Município de Nossa Senhora Aparecida/SE (exercente de dois mandatos consecutivos – 2013/2016 e 2017/2020) foi casada com o irmão do impugnado, sendo que o irmão do impugnado faleceu no ano de 2015, conforme petição inicial de pgs. 25/41.


Por outro lado, a contestação de pgs. 101/110 aduz que não haveria que se falar na incidência daquela inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal na medida em que, como o irmão do impugnado faleceu no ano de 2015, o vínculo familiar entre o impugnado (o senhor Clarinaldo Andrade da Silva) e a atual prefeita do Município de Nossa Senhora Aparecida/SE estaria extinto, daí o porquê não haveria que se falar de incidência na hipótese da aduzida inelegibilidade, tudo conforme se pode depreender daquela contestação acostada às pgs. 101/110.


Pois bem, posta a divergência acima, a questão que se apresenta é a seguinte: “para a resolução deste caso, deve-se ater à literalidade dos dispositivos positivados (que levam à conclusão de que não mais há vínculo formal entre o impugnado e a senhora Verônica Santos Sousa da Silva), ou deve se ater à finalidade buscada pelo legislador ao positivar aquela hipótese de inelegibilidade reflexa prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal?”


A priori, a resposta de tal indagação parece levar à conclusão pela ausência de inelegibilidade, considerando que perante o direito posto houve a extinção formal do vínculo familiar, o que, por consequência lógica, chegar-se-ia à conclusão de que não haveria inelegibilidade, bem como se ainda for se considerar um caráter sancionatório na inelegibilidade.


Entretanto, a questão passa a ser vista a partir de outra ótica quando se tem em consideração que nem toda inelegibilidade apresenta um caráter sancionatório, eis que existem as inelegibilidades sanções, que seriam aquelas que decorrem da prática de algum ato irregular, bem como existem as inelegibilidades inatas, que seriam aquelas que se apresentam em razão de alguma situação peculiar do indivíduo, independendo, portanto, da prática de qualquer ato irregular, não se podendo, por óbvio, nas hipóteses de inelegibilidades inatas, falar-se na aplicação de sanções.


Assim, a partir da noção de inelegibilidades inatas (as quais não apresentam caráter sancionatório), o passo seguinte é se buscar a teleologia daquele dispositivo posto no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, o qual assim dispõe:


Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:


(…)


§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”


Ora Excelência, o que se pode depreender do quanto posto por aquele art. 14, § 7º, da Constituição Federal, é que a intenção do legislador foi impedir que um mesmo grupo familiar se prolongue no exercício do Poder, prestigiando-se, por conseguinte, o postulado republicano da alternância no Poder.


Ademais, no direito hodierno, o conceito de família ultrapassa a literalidade do direito posto, sendo o direito de família, na verdade o direito das famílias, regido pelo postulado do afeto, motivo por que, existindo uma relação de afeto, pode concluir-se pela existência da família, no sentido mais amplo possível que tal expressão merece ser entendida dentre do ordenamento jurídico, como decorrência, inclusive, do postulado da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, conforme o quanto posto no art. 1º, III, da Constituição Federal.


Assim, na caracterização de família, deve-se fazer incidir na hipótese o postulado da primazia da realidade sobre a forma e, quando se busca a aplicação de tal postulado ao caso dos autos, o Parquet entende que, pelo quanto foi acostado junto à petição inicial (vide dentre os expedientes de pgs. 46/95, especificamente às pgs. 53, 54, 56, 57, 58 e 59), depreende-se que, do ponto de vista fático, houve uma continuidade da situação de família entre o impugnado e a Prefeita do Município de Nossa Senhora Aparecida/SE, a senhora Verônica Santos Sousa da Silva.


Por outro lado, a proximidade entre o impugnado e a Prefeita do Município de Nossa Senhora Aparecida/SE, a senhora Verônica Santos Sousa da Silva, pode depreender-se do expediente de desincompatibilização acostado pelo impugnado (vide pgs. 17 e 18), do qual se depreende que o senhor Clarinaldo Andrade da Silva se encontra em exercício no Município de Nossa Senhora Aparecida/SE, porém não é servidor efetivo de tal município, mas do município de Nossa Senhora da Glória/SE.


Neste diapasão, a fim de se reforçar o argumento de que o objetivo do legislador ao positivar o art. 14, § 7º, da Constituição Federal, foi o de se evitar a excessiva continuação de um grupo familiar no Poder, não se pode perder de vista que em uma consulta, nos autos do processo de número 117-26.2016.6.0.0000, o Tribunal Superior Eleitoral fixou o entendimento justamente no sentido de se evitar a perenização de um grupo familiar no Poder, em evidente demonstração de se analisar a possibilidade da candidatura com foco no grupo familiar, com vistar a evitar uma reeleição que possa colocar em risco o postulado republicano da alternância no Poder, tendo o Tribunal Superior Eleitoral, nos autos daquela consulta, decidido que:


Ementa: CONSULTA. INELEGIBILIDADE. ART. 14, §§ 5º E 7º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PREFEITO. CASSAÇÃO. DESEMPENHO DO PRIMEIRO ANO DO QUADRIÊNIO. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR. COMPLEMENTAÇÃO DO MANDATO. PESSOA ALHEIA AO NÚCLEO FAMILIAR. QUADRIÊNIO SUBSEQUENTE. ASSUNÇÃO. CHEFIA DO EXECUTIVO MUNICIPAL. PARENTE CONSANGUÍNEO EM SEGUNDO GRAU DO PREFEITO CASSADO. REELEIÇÃO CONFIGURADA. MESMO GRUPO FAMILIAR. VEDAÇÃO DE EXERCÍCIO DE TERCEIRO MANDATO. 1. O art. 14, §§ 5º e 7º, da Lei Fundamental, segundo a sua ratio essendi, destina-se a evitar que haja a perpetuação ad infinitum de uma mesma pessoa ou de um grupo familiar na chefia do Poder Executivo, de ordem a chancelar um (odioso) continuísmo familiar na gestão da coisa pública, amesquinhando diretamente o apanágio republicano de periodicidade ou temporariedade dos mandatos político-eletivos. 2. Os §§ 5º e 7º do art. 14 da CRFB/88, compõem a mesma equação legislativa, de vez que interligados umbilicalmente pela teleologia subjacente, de maneira que se faz necessária uma interpretação sistemática das disposições contidas nos §§ 5º e 7º do art. 14 da Constituição da República, no afã de (i) afastar a inelegibilidade do cônjuge e dos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau, de Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal e de Prefeito, para o mesmo cargo, quando o titular for reelegível e (ii) estender para o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau, dos ocupantes dos cargos ora ventilados, a vedação do exercício de terceiro mandato consecutivo nos mesmos cargos dos titulares.3. A cassação do titular ante a prática de ilícitos eleitorais, independentemente do momento em que venha a ocorrer, não tem o condão de descaracterizar o efetivo desempenho de mandato, circunstância que deve ser considerada para fins de incidência das inelegibilidades constitucionais encartadas no art. 14, §§ 5º e 7º, da Constituição de 1988. 4. A eleição suplementar [rectius: renovação da eleição] tem mera aptidão de eleger candidato para ocupar o período remanescente do mandato em curso, até a totalização do quadriênio, não configurando, portanto, novo mandato, mas fração de um mesmo mandato.5. No caso sub examine, verifica-se que o Prefeito "A" desempenhou o mandato referente ao quadriênio 2009-2012, e o seu parente em segundo grau, Prefeito "C", assumiu a chefia do Poder Executivo no período de 2013-2016, de modo que, no segundo mandato, ficou caracterizada a reeleição e, em razão disso, atraiu-se a vedação de exercício de terceiro mandato consecutivo por esse núcleo familiar no mesmo cargo ou no cargo de vice-prefeito, ex vi do art. 14, §§ 5º e 7º, da Constituição da República.6. Consulta respondida negativamente, porquanto o Prefeito "C" é inelegível para o desempenho do cargo de Chefe do Executivo municipal nas Eleições de 2016.” (TSE – Consulta nº 117-26.2016.6.0.0000 – DJE, número 175, do dia 12/09/2016, p. 36-37)


Assim, diante do acima exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL entende pela procedência do pedido da ação de impugnação ao registro de candidatura do senhor Clarinaldo Andrade da Silva, ação esta apresentada pela Coligação “Aparecida com Honestidade e Trabalho”, conforme o quanto postulado na petição inicial de pgs. 25/41, indeferindo-se, portanto, o requerimento de registro de candidatura do senhor Clarinaldo Andrade da Silva.



Em 21/10/2020.



Cláudio Roberto Alfredo de Sousa

Promotor Eleitoral