JUSTIÇA ELEITORAL
038ª ZONA ELEITORAL DE SÃO BENTO MA
REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600241-22.2020.6.10.0038 / 038ª ZONA ELEITORAL DE SÃO BENTO MA
REQUERENTE: #-POR AMOR A SÃO BENTO 12-PDT / 65-PC DO B / 90-PROS / 13-PT, COMISSAO PROVISOARIA DO PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA PDT, COMISSAO PROVISORIA MUNICIPAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT DE SAO BENTO MA, COMISSAO PROVISORIA MUNICIPAL DO PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL, DIRETORIO DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL - PCDOB, LUIS GONZAGA BARROS
IMPUGNANTE: COLIGAÇÃO SÃO BENTO PRA FRENTE
Advogado do(a) REQUERENTE: THAYS FERNANDA DA COSTA BARROS - MA19501
Advogado do(a) IMPUGNANTE: JURANDIR RIBEIRO SILVA - PB8329
IMPUGNADO: LUIS GONZAGA BARROS
Advogados do(a) IMPUGNADO: ANA CRISTINA COELHO MORAIS - MA7065, THAYS FERNANDA DA COSTA BARROS - MA19501
Advogado do(a) RECLAMADO: ANA CRISTINA COELHO MORAIS - MA7065
Trata-se de ação de impugnação ao registro de candidatura proposta pela COLIGAÇÃO SÃO BENTO PRA FRENTE em face de LUÍS GONZAGA BARROS.
A alegação do autor é de que o candidato incorre na causa de inelegibilidade prevista na alínea “g”, do I, do art. 1° da Lei Complementar n. 64 de 1990, por ter tido contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por decisões irrecorríveis dos órgãos competentes, em razão de irregularidades insanáveis e configuradoras de atos dolosos de improbidade administrativa, cujos julgamentos não foram suspensos ou anulados pelo Poder Judiciário.
Alega que, conforme atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a competência para julgamento é da corte de contas, não se confundindo com as hipóteses de julgamento de competência da Câmara Municipal decididas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários 848.826/DF e 729.744/DF.
Em petição de id. 7251486, também alegou ausência de documentos essenciais, a saber: Certidões Criminais fornecidas pelos órgãos de Distribuição da Justiça Eleitoral, Federal e Estadual. Além disso, diz que fora juntada certidão estadual de 2° grau para fins eleitorais de pessoa diversa o que, segundo o impugnante caracterizaria má-fé e tentativa de induzir em erro a Justiça Eleitoral.
Regularmente citado, o requerido, ora impugnado, apresentou contestação alegando que a Câmara Municipal é o órgão competente para julgamento das contas do prefeito, mormente para fins de aferição de inelegibilidade do candidato. Assevera que, conforme jurisprudência do STF, não haveria distinção acerca da fonte dos recursos, se da própria municipalidade ou não, haja vista que recursos recebidos para composição dos fundos municipais, são incorporados ao patrimônio do Município.
Quanto à aplicação art. 1°, I, g da LC 64/90, assevera que o dispositivo não se contenta com a simples reprovação das contas no Tribunal competente, pois para declarar a inelegibilidade do responsável, é preciso, além da reprovação das contas, outros requisitos cumulativos que são: a) presença de irregularidade insanável; b) configuração de ato doloso de improbidade administrativa; e c) decisão irrecorrível do órgão competente. Logo, somente com a cumulação de tais requisitos é que poderia haver inelegibilidade em casos de reprovação de contas.
No caso dos autos, reafirma que o Tribunal de Contas do Estado - MA não é órgão competente para as contas de gestão, de modo que os acórdãos juntados não podem ser considerados decisórios irrecorríveis, para fins de imputação de inelegibilidade.
Instado, o Ministério Público manifestou-se pelo deferimento do registro de candidatura sob a alegação de que a decisão, do TCE-MA por si só, não é suficiente à configuração de inelegibilidade. Fundamenta seu posicionamento na jurisprudência fixada pelo STF, a qual define ser a Câmara de Vereadores o órgão competente para julgamento das contas tanto de governo quanto de gestão. Aliás, quanto a esse ponto, pugnou pela notificação do Presidente da Câmara Municipal a fim de que informasse acerca do efetivo julgamento ou das contas do prefeito.
Tal pleito foi deferido e determinada a notificação para apresentação de resposta no prazo de 24 horas. O Presidente da Câmara de Vereadores apresentou informações conforme documento de id.17541581.
É o que importava relatar.
Chaim Perelman dizia que “a arte de distinguir, tão característica da argumentação escolástica, está no âmago do raciocínio jurídico”. (Lógica jurídica, p. 12). De fato, saber identificar situações similares e distintas para aplicação idônea da legislação ou do precedente é condição basilar do direito, e principalmente observância básica da “regra de justiça que exige tratamento igual de casos essencialmente semelhantes” (p. 10).
Vejamos a situação dos autos, sem mais delongas. A tese do impugnante é de que o julgamento irregular das contas do FUNDEB e do FMS não coincidem com a mesma situação que ensejou os precedentes do STF quando do julgamento dos REs nºs 848.826 e 729.744. Por outro lado, o impugnado, e também o Ministério Público, não fizeram distinção, considerando o caso dos autos como situação usual de julgamento de contas de gestão, logo, incluídas no campo semântico do precedente jurisprudencial.
Entretanto, assiste razão ao impugnante. O caso dos autos, deveras, não é similar ao daquele objeto de julgamento nos recursos extraordinários supracitados. E essa distinção nem precisa ser feita por este juízo, haja vista que o TSE já o fez, didaticamente, em inúmeros julgados. Inclusive, vem reproduzindo o entendimento em diversas decisões monocráticas. O que faço, doravante, é apenas explicitar as consolidadas razões de inaplicabilidade dos precedentes invocados ao caso de julgamento de irregularidade de FUNDEB e FMS.
Pois bem.
É consabido que vigoram dois regimes jurídicos de contas públicas: as contas de governo e as contas de gestão. Como vaticina o douto professor J.R. Caldas Furtado (Elementos de Direito Financeiro, 2010, p. 431), o primeiro é exclusivo para avaliação da gestão política do chefe do Poder Executivo, “é o meio pelo qual, anualmente o Presidente da República, os Governadores de Estado e Distrito Federal e os Prefeitos Municipais expressam os resultados da atuação governamental no exercício financeiro a que se referem”; trata-se de uma avaliação mais geral. O segundo serve à prestação e tomada de contas dos administradores de recursos públicos, logo, nesse caso, o julgamento deve ser em princípio de ordem técnica, pois “será examinado, separadamente, cada ato administrativo que compõe a gestão, contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente público, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade, e ainda os relativos à aplicações da subvenções e às renúncias de receitas” (p.441).
No caso do Prefeito, em ambos os casos, o órgão competente para julgamento das contas é a Câmara de Vereadores, com auxílio técnico do Tribunal de Contas do Estado, ex vi do que dispõe o art. 31 da Constituição Federal, corroborado no julgamento dos RE’s 848.826 e 729.744. Ontologicamente, isso é a essência do estado democrático de direito: o gestor recebe a incumbência de gerir o município e os recursos a ele pertencentes, e presta contas perante sua própria comunidade, seu próprio povo, mediante os representantes legitimamente eleitos.
Ocorre que, no universo da administração pública, e do dever geral de prestação de contas, existem situações diferentes, completamente distintas dos regimes ordinários acima. É o caso dos convênios voluntários e dos fundos especiais. No convênio voluntário, o Município recebe recursos de outro ente da federação para os fins estabelecidos. Logo, não haveria mínima lógica o dever de prestar contas ser perante o próprio município. É um como se um devedor tivesse a prerrogativa de dar quitação para si mesmo. Sabemos que não é assim. Se o ente recebeu recurso proveniente de convênio, deve prestar contas da aplicação regular dos recursos, perante aquele que lhe cedeu. Nesse cenário, além do controle interno do convenente, o Tribunal de Contas respectivo é o órgão competente para o julgamento, inclusive em caráter definitivo, como se verifica do art. 71, VI da Constituição Federal.
Raciocínio semelhante e aqui entramos na questão dos autos aplica-se aos casos de fundos especiais. Ora, se um fundo é de âmbito Estadual, e o Município recebe recursos dele, à obviedade, deve prestar contas perante os órgão do Estado, o que no caso corresponde ao Tribunal de Contas. Quanto esse ponto, aliás, nossa Carta Magna é estreme de dúvidas, quando estabelece, observado o princípio da simetria:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
Além disso, a lei especial que institui o fundo prevê o órgão competente para fiscalização e apreciação da aplicação do recurso. É o caso do próprio FUNDEB. A lei 11.494/2007, em seu art. 26, II prevê, expressamente:
Art. 26. A fiscalização e o controle referentes ao cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição Federal e do disposto nesta Lei, especialmente em relação à aplicação da totalidade dos recursos dos Fundos, serão exercidos:
I - pelo órgão de controle interno no âmbito da União e pelos órgãos de controle interno no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - pelos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, junto aos respectivos entes governamentais sob suas jurisdições;
III - pelo Tribunal de Contas da União, no que tange às atribuições a cargo dos órgãos federais, especialmente em relação à complementação da União.
O FUNDEB, como se verifica da Constituição Federal (art. 212-A, II) e da lei regulamentadora supra, é composto substancialmente por recursos oriundos do ente estadual, podendo ser complementado pelo ente federal. Isso reforça uma vez mais que o Tribunal de Contas respectivo não pode ser subtraído da competência constitucional de fiscalização e julgamento sobre a aplicação de tais recursos.
O TSE, inclusive, por decisão monocrática, decidiu a questão acerca da competência do Tribunal de Contas para fiscalização do recursos do FUNDEB, no REsp 89-93. 2016.6.26.0207 - CLASSE 32 — SALES - SÃO PAULO, por se tratar de precedentes reiterados. Nesse primeiro momento, assim decidiu e fundamentou a Min. Rel. Rosa Weber:
Vistos etc.
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP), pelo acórdão das fls. 799-803, negou provimento a recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral e manteve sentença que deferiu o registro de candidatura de Genivaldo de Brito Chaves ao cargo de Prefeito de Sales, SP, nas Eleições 2016, afastando a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990 ao argumento de que, mesmo em se tratando de contas de convênio (FUNDEB) rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado, a competência para julgá-las é exclusiva da Câmara Municipal, porque tal entendimento decorreria do julgado pelo Supremo Tribunal Federal nos REs nºs 848.826 e 729.744.
O Ministério Público Eleitoral interpõe recurso especial eleitoral (fls. 806-8vº), aparelhado no art. 276, I, "b" do Código Eleitoral, sustentando divergência jurisprudencial com julgados desta Corte Superior no ED-AgR-REspe 29595 e no AgR-Respe 65895, alegando que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos REs nºs 848.826 e 729.744 não fixou tese que alcance contas de convênio.
Contrarrazões não apresentadas (certidão à fl. 827).
Dispensado o juízo de admissibilidade na origem, nos termos do art. 12, parágrafo único, da Lei Complementar nº 64/1990.
O Vice-Procurador-Geral Eleitoral opina pelo parcial provimento do recurso especial para o retorno dos autos à origem para a análise acerca da incidência ou não da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990 (fls. 830-5).
Em consulta ao sítio eletrônico deste Tribunal Superior, verifico que o recorrido obteve a maior votação no pleito majoritário no Município de Sales, SP.
É o relatório.
Decido.
Preenchidos os pressupostos genéricos.
Prospera a insurgência.
Os arestos coligidos pelo recorrente, proferidos por esta Corte Superior no ED-AgR-REspe 29595 e no AgR-Respe 65895, servem à demonstração do dissídio, pois neles restou assentada a competência dos Tribunais de Contas quando se trata recursos oriundos de convênios.
O Tribunal de origem entendeu inaplicável a causa de inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 com base exclusivamente na suposta aplicação ao caso das decisões do Supremo Tribunal Federal que reconheceram a competência da Câmara Municipal para o julgamento das contas de governo e de gestão dos prefeitos.
Transcrevo a ementa do acórdão regional (fl. 799):
"REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DEFERIDO. ART. 1º, I, "G", DA LC ? 64/90. CONTAS DO MUNICÍPIO, RELATIVAS AO EXERCÍCIO DE 2007, REJEITADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS. IRREGULARIDADE EM CONVÊNIO. A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS DO EXECUTIVO MUNICIPAL SOMENTE IMPLICA A INELEGIBILIDADE EM TELA QUANDO A DECISÃO EMANA DA CÂMARA MUNICIPAL. RECURSO DESPROVIDO.
De fato, o Supremo Tribunal Federal, em julgamentos sob o regime da repercussão geral, firmou as seguintes teses:
"Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores" . (RE nº 848.826, Rel. Min. Roberto Barroso, ata de julgamento publicada no DJE de 23.8.2016)
O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo" (RE nº 729.744/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, ata de julgamento publicada no DJE de 23.8.2016).
Porém este Tribunal Superior, em 29.9.2016, no julgamento do REspe no 46-82 (Eleições 2016), da relatoria do Ministro Herman Benjamin, assentou que o Supremo Tribunal Federal, ao exame da controvérsia sobre contas de gestão versus contas de governo - compreendidas as que envolvem recursos do erário municipal - não ingressou no preciso aspecto das verbas oriundas de convênio. Cito a ementa:
"RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E UNIÃO. RECURSOS FEDERAIS. COMPETÊNCIA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DEFINIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 848.826/CE E 729.744/MG). NÃO INCIDÊNCIA. MATÉRIA DE FUNDO. CONTAS INTEMPESTIVAS. APLICAÇÃO DE RECURSOS. REGULARIDADE. AUSÊNCIA DE DOLO. MANUTENÇÃO DO REGISTRO. DESPROVIMENTO.
[...]
6. É inelegível, por oito anos, detentor de cargo ou função pública cujas contas tiverem sido rejeitadas em virtude de falha insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, por meio de decisum irrecorrível do órgão competente, salvo se suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário, a teor do art. 1º, I, g, da LC 64/90. Competência para Julgamento das Contas
7. O c. Supremo Tribunal Federal definiu tese, com repercussão geral, de que a competência para julgar contas prestadas por chefe do Poder Executivo municipal é da respectiva Câmara, nos termos do art. 31 da CF/88 (RE 848.826/CE e 729.744/MG, em 17.8.2016).
8. A matéria foi apreciada sob temática de contas de gestão versus contas de governo, sendo incontroverso que ambas compreenderam, naquela hipótese, recursos do erário municipal. O caso dos autos, ao contrário, versa sobre ajuste contábil envolvendo verbas oriundas de convênio com a União.
9. Assim, a posição externada pela c. Suprema Corte não alberga a hipótese sob julgamento. Aplica-se o art. 71, VI, da CF/88, segundo o qual compete ao Tribunal de Contas da União "fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município", preservando-se, por conseguinte, o protagonismo que sempre pautou a atuação do órgão de contas.
10. Estender a tese de repercussão geral aos casos de convênio entre municípios e União ensejaria incongruência, porquanto o Poder Legislativo municipal passaria a exercer controle externo de recursos financeiros de outro ente federativo.
11. Mantido, portanto, o entendimento desta Corte Superior acerca da competência do Tribunal de Contas da União em casos como o dos autos. Natureza das Irregularidades
[...]
18. Recurso especial a que se nega provimento, mantendo-se deferido o registro de candidatura de João Messias Freitas Melo ao cargo de prefeito de Batalha/PI nas Eleições 2016." (Respe 4682, Rel. Ministro Herman Benjamin, PSESS 29.9.2016, destaquei)
Em hipóteses tais, incide o art. 71, VI, da Lei Maior, o qual estabelece competir ao Tribunal de Contas da União "fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município" , a preservar a atuação do Órgão de Contas.
Registrado, no acórdão recorrido, que o recorrido teve contas de 2007, decorrente de recursos de convênio, rejeitadas pelo Tribunal de Contas, deve o feito voltar à origem para que seja analisada a incidência ou não da inelegibilidade.
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso especial eleitoral (art. 36, § 7º, RITSE) e determino o retorno dos autos ao TRE/SP para que prossiga no exame dos demais requisitos exigidos para a caracterização da inelegibilidade.
Publique-se. Brasília, 8 de novembro de 2016.
Ministra ROSA WEBER, Relatora
Contra essa decisão monocrática o então candidato agravou de regimental alegando que o caso do FUNDEB se trataria de julgamento de contas anuais e que não é uma situação similar à dos convênios, além de outros pontos, irrelevantes para este feito. Ou seja, a questão alegada no agravo de regimental, é exatamente a mesma discutida nos presentes autos. Então, instado, o órgão colegiado do Tribunal Superior Eleitoral, manteve o entendimento da Ministra Rosa Weber, e ratificou a jurisprudência da Corte.
Nessa oportunidade, a Ministra Rosa Weber proferiu voto, de certo modo, bastante didático quanto ao tema, no julgamento que restou assim ementado:
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO ELEITO (COLIGAÇÃO SALES MAIS PROGRESSO - DEM/PMDB). DEFERIDO. INELEGIBILIDADE. ART. 1°, 1, G, DA LEI COMPLEMENTAR N° 64/1990. CONTAS RELATIVAS A RECURSOS REPASSADOS PELA UNIÃO OU PELO ESTADO. TRIBUNAL DE CONTAS. ÓRGÃO COMPETENTE PARA O JULGAMENTO. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS REs Nos 848.826 E 729.744. INAPLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA ANÁLISE DO PRONUNCIAMENTO DO TCE. DESPROVIMENTO.
1. Em se tratando de contas nas quais reconhecida irregularidade na aplicação de recursos repassados pela União ou pelo Estado (FUNDEB), a competência para o julgamento não é da Câmara de Vereadores, e sim do Tribunal de Contas respectivo, inaplicável o entendimento firmado pela Suprema Corte no julgamento dos REs no 848.826 e 729.744. Precedentes.
2. Determinado o retorno dos autos à origem para o exame do pronunciamento exarado pelo TCE/MG, com vista à aferição quanto à presença, ou não, dos requisitos necessários à incidência da inelegibilidade prevista no art. l, inciso 1, alínea g, da Lei Complementar n°64/1990. Agravo regimental conhecido e não provido.
Destaco alguns excertos do voto, ilustrativos do posicionamento da Corte:
a) “(...) nos casos de contas atinentes a recursos estaduais ou federais, que transcendem a esfera municipal, inaplicável a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal de que é da Câmara de Vereadores a competência para julgar contas prestadas pelo chefe do Poder Executivo municipal (art. 31 da Constituição Federal), a alcançar tão somente as contas no tocante a recursos oriundos da própria municipalidade.”;
b) citando o REspe n° 46-82.20161P1, de relatoria do Min. Herman Benjamin, destacou a Ministra: “Todavia, em análise perfunctória, vislumbro relevante diferença desses casos com o que ocorre nos autos: tanto no RE 848.826/CE como no RE 729.744/MG as contas provêm de recursos do erário municipal, e não de verbas de convênio firmado com a União. Com efeito, destacando-se especificamente o RE 848.826/CE, a c. Suprema Corte apreciou a matéria sob temática apenas de contas de gestão (prefeito que atua como ordenador de despesas) versus contas de governo (também conhecidas como contas de desempenho ou de resultado), sendo incontroverso que ambas as hipóteses compreenderam recursos públicos da municipalidade”.
c) (...) Nos termos consignados na decisão agravada, estando em jogo recursos oriundos de outros entes federativos, foge à competência do Poder Legislativo Municipal o exercício do controle externo, à luz do disposto no art. 71, VI, da Carta Política, na qual estabelecida a competência do Tribunal de Contas da União para "fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos conqêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município", regra simetricamente aplicável aos órgãos de contas estaduais, quando em análise a aplicação de recursos provenientes do Estado.
A alegação do agravante de que não realizado convênio não conduz em absoluto ao acolhimento da sua pretensão, uma vez que, conforme enfatizado, a competência para o julgamento das contas é fixada com base na origem do recurso fiscalizado, na exata dicção do art. 71, VI, da CF/1988.
d) citando expressamente o parecer do Vice-Procurador-Geral Eleitoral, destaca a Ministra: “(...) Portanto, as premissas fáticas e normativas do recurso especial sob exame são completamente distintas, razão pela qual não tem incidência a ratio decidendi dos precedentes obrigatórios do Supremo Tribunal Federal, firmados nos RE no 848.826/DF e RE n° 729.744/DF, sob o regime da repercussão geral. (sic) (...) Nesse contexto, compete ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo decidir quanto à regularidade das contas em que estejam envolvidos recursos do FUNDEB destinados aos Municípios, e não apenas emitir parecer prévio. Entendimento diverso subtrairia referida competência de controle externo da Assembleia Legislativa, e transformaria o TCE em mero órgão auxiliar das Câmaras Municipais, em total descompasso com o art. 71 da Constituição Federal. (...) Todavia, em observância ao princípio da simetria, e de acordo com o texto constitucional, vê-se que existência de verbas estaduais na formação dos recursos do FUNDEB denotam o interesse do Estado e da União (em caso de complementação) e, por conseguinte, a fiscalização pelo Tribunal de Contas, consoante o art. 71, inciso VI, da Constituição Federal.
e) Relativamente à controvérsia em apreço, em casos também provenientes do TRE/SP, as seguintes decisões monocráticas, nas quais se verifica de forma inequívoca a competência do Tribunal de Contas para o exame das contas prestadas por Prefeito no tocante a recursos estaduais ou federais repassados à municipalidade: REspe n° 274-02, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS de 16.11.2016; REspe n° 362-23, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS de 8.11.2016; REspe n°185-35, Rel. Min. Herman Benjamin, publicada em mural de 10.11.2016; REspe n°45-03, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 16.11.2016; REspe no 63-85, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS de 16.11.2016. Delineado o quadro, permanece hígida a jurisprudência do TSE de que compete ao Tribunal de Contas - da União ou do Estado, a depender da origem do recurso - o julgamento das contas no que diz respeito à aplicação de tais verbas.
f) citando voto da Min. Luciana Lossio (EDcl no RO 448-80.2014), ainda ressaltou a Ministra: “A fiscalização dos recursos do Fundeb é realizada pelos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, nos termos do art. 26 da Lei n° 11.494/200710. Nos estados onde há recursos federais entrando na composição do Fundo, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União também atuam nessa fiscalização”.
Portanto, verifica-se que trata de tema reiterado na jurisprudência do TSE, quanto à inaplicabilidade dos RE’s 848.826/CE e RE 729.744/MG ao casos de julgamento de recursos do FUNDEB.
Sobre a questão do Fundo Municipal da Saúde, também julgada irregular pelo Tribunal de Contas do Maranhão, prescinde-se de maiores considerações, pois os fundamentos acima são, por similitude, aplicado também a essa situação. Apenas para fim ilustrativo cito mais um precedente, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS. FUNDOS MUNICIPAIS. COMPETÊNCIA. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. FALHAS GRAVES E INSANÁVEIS. CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Registro da agravante – candidata não eleita ao cargo de deputado estadual pelo Maranhão nas Eleições 2018 – indeferido pela incidência de inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90, segundo o qual são inelegíveis, para qualquer cargo, "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando–se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição". 2. O Tribunal de Contas do Estado do Maranhão – cuja competência no caso decorre do repasse de verbas estaduais para o Município – julgou irregulares contas relativas a fundos municipais dos exercícios financeiros de 2009 (FMAS, FUNDEB e FMS) e 2011 (FMS), figurando a candidata, ex–Prefeita de São João do Soter/MA, como ordenadora de despesas. 3. As teses firmadas pelo STF no julgamento dos Recursos Extraordinários 848.826/DF e 729.744/DF – quanto a ser competente a Câmara para julgar contas anuais e de gestão de prefeito – aplicam–se apenas às hipóteses envolvendo recursos oriundos da própria municipalidade. Precedentes. 4. A competência constitucional para fiscalização do patrimônio público adota como critério a origem dos recursos (municipal, estadual e federal) e não o instrumento do repasse (lei, convênio, termo de ajuste, contrato, termo de parceira etc.). Precedentes. 5. Nos termos da jurisprudência desta Corte, condutas que gerem dano ao erário atraem a inelegibilidade da alínea g, dentre as quais: gastos sem licitação, ausência de prova de recolhimento das contribuições previdenciárias retidas e, ainda, fragmentação indevida de despesas com aquisição de medicamentos, com imputação de débito de R$ 14.510,45 e de seis multas no valor total de R$ 21.451,04. 6. Agravo regimental desprovido. (Recurso Ordinário nº 060083961, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 20/11/2018)
Uma observação ainda há de ser feita. Os processos de contas de governos ou de gestão e as referentes aos fundos são diferentes, justamente porque tratam-se de situações distintas. Embora relacionados, por se referirem ao mesmo gestor/administrador são objeto de apreciação própria e específica pela Corte de Contas. No caso dos autos, por exemplo, as contas relacionadas ao FUNDEB deu-se no proc. 2732/2010 -TCE/MA (apensado ao Proc. 2730/2010) (ACÓRDÃO PL-TCE/MA N.º 65/2014); ao FMS no processo 2735/2010 -TCE/MA (apensado ao Proc. 2730/2010) - ACÓRDÃO PL-TCE/MA N.º 64/2014. O processo 2730/2010 trata por sua vez da tomada de contas de gestão.
Para a presente demanda, o que é relevante não é o acórdão 63/2014 proferido no processo n. 2730/2010, mas os acórdãos 65/2014 e 64/2014, que tratam especificamente do julgamento do FUNDEB e FMS. Tal distinção é relevante, haja vista que o parecer ministerial tomou por base o acórdão do julgamento das contas de gestão e não o do julgamento acerca dos fundos especiais ora discutidos. Tal premissa, equivocada por sinal, por óbvio, levaria à aplicação irrestrita dos famigerados precedentes do STF, como o fez a ilustre promotora de justiça. Entretanto, não se trata de julgamento das contas de gestão, mas das contas referentes aos fundos específicos.
Também faço essa distinção, para pontuar que a tese defensiva de incorporação ao patrimônio municipal e a comparação com o FPM não deve subsistir. Os fundos especiais, como estabelece 71 da lei 4320/64, constituem “o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”. O fundo especial tem uma dinâmica diferente das fontes usuais de receita do Município. Tanto é assim que o art. 74 do mesmo diploma estabelece que a “lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente”. Algo é especial justamente por diferenciar-se do que é o padrão/comum. Se um fundo especial funcionasse como todos os fundos, o que ele teria de especial, de específico? Nada.
O julgamento da prestação de contas referentes aos fundos especiais não se confundem com o julgamento das contas de governos ou de gestão. Até procedimentalmente, tratam-se de processos distintos, embora relacionados, de certo modo, entre si.
Em suma, com esses fundamentos, tenho por suficientemente fundamentado e demonstrado na lei, na lógica do sistema e na jurisprudência reiterada do TSE, que, distintamente da situação do RE’s acima, o órgão competente para fiscalização e julgamento acerca dos recursos provenientes do FUNDEB é o TRIBUNAL DE CONTAS respectivo, e não a Câmara Municipal de Vereadores.
Tal pressuposto torna preenchido um dos elementos exigidos para a configuração da inelegibilidade disposta na LC 64/90, art. 1°, I, g, qual seja: contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas em decisão irrecorrível do órgão competente.
Todavia, como cediço, a rejeição das contas, por si só, não tem o condão de tornar inelegível o agente público. Dispõe o texto legal:
os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
Portanto, além da decisão irrecorrível de órgão competente, é preciso que se trate de uma irregularidade insanável e que possa configurar ato doloso de improbidade administrativa. Tais elementos, pelo que se vê do acórdão do Tribunal de Contas que apreciou as contas do FUNDEB, parecem-me evidentes, conforme fundamentos que exponho doravante. Antes, contudo, mister lembrar que, conforme jurisprudência pacífica do TSE, a competência para apreciação desses requisitos é da Justiça Eleitoral quando da averiguação da inelegibilidade do candidato. Nesse sentido:
2. A ausência de ajuizamento de ação civil pública por ato de improbidade administrativa não impede o reconhecimento da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, "g", da LC nº 64/90, em virtude de inexiste subordinação entre o exame feito pelo Ministério Público no âmbito da sua competência e a análise a ser realizada por Esta Justiça Especializada. (Recurso Ordinário nº 060081048, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26/10/2018)
5. Cabe à Justiça Eleitoral, rejeitadas as contas, proceder ao enquadramento das irregularidades como insanáveis ou não e verificar se constituem ou não ato doloso de improbidade administrativa, não lhe competindo, todavia, a análise do acerto ou desacerto da decisão da corte de contas. Precedentes. (Recurso Ordinário nº 060473131, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23/10/2018)
Em suma, à Justiça Eleitoral não cabe a apreciação da correção ou não da decisão do Tribunal de Contas, mas se a irregularidade imputada é suficiente à caracterização do ato de improbidade.
Vejamos, portanto, as irregularidades apontadas no acórdão do Tribunal de Contas, in verbis (ID. 6937007 - Pág. 18):
b1) realização de despesas sem o devido processamento licitatório, referentes à locação de veículos, no valor de R$ 131.692,00 (multa de R$ 2.000,00), à contratação de serviços de contabilidade, no valor de R$ 9.184,14 (multa de R$ 2.000,00), à aquisição de equipamentos eletrônicos e de informática, no valor de R$ 8.650,00 (multa de R$ 2.000,00), à aquisição de material de limpeza, no valor de R$ 15.181,40 (multa de R$ 2.000,00), à locação de veículos, no valor de R$ 844.704,00 (multa de R$ 8.000,00), e à aquisição de material de expediente, no valor de R$ 611.911,40 (multa de R$ 6.000,00); e irregularidades presentes em procedimentos licitatórios enviados, concernentes em ausência de publicação do aviso do edital em jornal de grande circulação (Pregão n.º 11/2009) (multa de R$ 2.000,00), infringindo o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988 e os arts. 2.º e 21, III, da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (seção III, itens 3.3.3.4.1, “a” a “e”, e 3.3.3.4.2, “a”);
b2) utilização de recursos do Fundeb com despesas (serviços de contabilidade e tarifas bancárias) não consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino (multa de R$ 2.000,00), contrariando o disposto no art. 70 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (seção IV, “a” a
Parece-me evidente que a ausência de licitação para realização de altas despesas com recurso especiais do FUNDEB, configura a um só tempo irregularidade insanável e, em tese, ato doloso de improbidade administrativa, pelo menos para fins de inelegibilidade. A licitação é regra básica da administração pública. Efetuar contratações e compras sem sua efetiva realização representa violação dos princípios mais caros ao direito administrativo. Uma coisa é haver uma falha meramente formal aqui ou ali no procedimento da licitação, outra bem diferente, e bem mais grave, é o administrador nem lançar mão dela. Não é possível falar-se em vício formal, ou sanável, em algo que, deveras, nem existiu. Como curar a ferida de uma pessoa que não existe? Portanto, a ausência de licitação trata-se de clara hipótese de irregularidade insanável.
Justamente por ser algo tão basilar, transparente e inteligível é que não se exige comprovação material de um dolo específico em não realizar o procedimento licitatório, mas sim apenas o “dolo genérico ou eventual, que se caracterizam quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam os gastos públicos” (Recurso Especial Eleitoral nº 482, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 227, Data 26/11/2019, Página 32/33)
Portanto deixar de realização licitação é ato grave, e possui a evidente nota da improbidade administrativa para fins de apuração da inelegibilidade prevista no art. 1°, I, g da LC 64/90. Dispenso maiores delongas, quanto a esse ponto, haja vista tratar-se de consolidada jurisprudência do TSE:
(...) 6. Quanto à segunda irregularidade, o reiterado descumprimento da Lei de Licitações na compra de bens sem procedimento licitatório, aluguel de veículos sem justificativa e sem licitação, além de contratos consecutivos da mesma empresa e mesmo objeto, caracterizando indevido fracionamento de despesas de um mesmo serviço. 7. O TRE/RS identificou dolo na conduta do agravante, tendo em vista reiteração de atos praticados em contrariedade à Lei de Licitações, apesar de ter larga experiência como gestor público. 8. Os vícios que motivaram a rejeição das contas demonstram grave desrespeito aos princípios da impessoalidade, legalidade e moralidade administrativa e as circunstâncias da espécie denotam dolo do gestor de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam os gastos públicos, incidindo, pois, a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90. (Recurso Especial Eleitoral nº 482, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 227, Data 26/11/2019, Página 32/33)
2. Cabe à Justiça Eleitoral, no âmbito do processo de registro de candidatura, verificar se os elementos colhidos do decisum da Corte de Contas se amoldam à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, sem, contudo, alterar as premissas e conclusões do órgão competente, o que esbarraria no óbice previsto na Súmula nº 41/TSE: "não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade". 3. Na linha da remansosa jurisprudência desta Corte Superior relativa à multicitada alínea g, a "ausência indevida, dispensa ou descumprimento da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) enquadra–se em referida causa de inelegibilidade" (AgR–REspe nº 127–58/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 24.11.2017). (Recurso Ordinário nº 060136730, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 19/12/2018)
ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, "g", DA LC Nº 64/1990. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCM/PA. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. VÍCIO INSANÁVEL. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O art. 1º, I, "g", da LC nº 64/90 exige, para a sua configuração, a presença dos seguintes requisitos: exercício de cargos ou funções públicas; rejeição das contas pelo órgão competente; insanabilidade da irregularidade verificada; ato doloso de improbidade administrativa; irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas e inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas. 2. No caso em apreço, a agravante teve rejeitadas as suas contas referentes ao exercício financeiro de 2012, na condição de Secretária do Fundo Municipal de Assistência Social do Município de Itaituba/PA, em decisão irrecorrível do TCM/PA e sem notícia de suspensão ou anulação por decisão judicial, restando incontroversa a ausência de licitação para aquisição de veículo L200 Mitsubishi, no valor, da época, de R$ 65.800,00 (sessenta e cinco mil e oitocentos reais), situação configuradora de ato doloso e insanável de improbidade administrativa. (...) 4. A alegação de ausência do dolo na conduta ensejadora da rejeição de contas da agravante pelo TCM/PA não merece prosperar, porquanto para a configuração da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 basta a "existência do dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam sua atuação" (REspe nº 9365, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 22.02.2018). 5. A ausência de procedimento licitatório configura vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa apto a atrair a inelegibilidade do art. 1°, I, g, da LC n° 64/90. Precedente. 6. Agravo a que se nega provimento. (Recurso Ordinário nº 060051997, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26/10/2018)
Conforme acórdão do Tribunal de Contas de id. 6937007 - Pág. 18, de fato, a irregularidade imputada foi justamente “a realização de despesas sem o devido processamento licitatório”, e não a mera presença de vícios formais sanáveis, como defendido pelo impugnado em sua peça contestatória.
Em que pese ainda haver outras irregularidades apontadas nos acórdãos do TCE, deixo de proceder novas análises quanto a esses pontos, haja vista que só a ausência de licitação acima apontada já é suficiente à configuração do ato doloso de improbidade para os fins ora discutidos.
Portanto, com base nesses fundamentos, tenho por suficientemente caracterizada e comprovada a hipótese de inelegibilidade do art. 1°, I, g da LC 64/90, em decorrência da rejeição das contas do impugnado, relativas ao FUNDEB referente ao exercício de 2009, por irregularidade insanável decorrente da ausência de licitação, configuradora, em tese, de ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do Tribunal de Contas do Estado do MA, sem que a mesma tenha sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.
Ante o exposto, por estes fundamentos, JULGO PROCEDENTE a pretensão constante da AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO e, por conseguinte, INDEFIRO O REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA DE LUÍS GONZAGA BARROS (LUIZINHO BARROS) e declaro-o INAPTO para concorrer ao cargo de Prefeito, no Município de São Bento-MA.
Publique-se a sentença no Mural Eletrônico e comunique-se ao Ministério Público por expediente no PJe (art. 58, Res. 23609/2019). Apresentado recurso no prazo, intime-se o recorrido para apresentação de contrarrazões no prazo de 3 dias e, ato contínuo, remetam-se imediatamente os autos ao Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão para processamento e julgamento do recurso.
Fica facultada à coligação a substituição do candidato, observados os prazos e formalidades do art. 72 e ss da Res. 23609/2020.
São Bento - MA, 19 de outubro de 2020
José Ribamar Dias Júnior
Juiz Eleitoral Titular
38ª Zona Eleitoral