MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL  - 107ª ZONA ELEITORAL, SEDIADA NO MUNICÍPIO DE SANTA TERESINHA

 

CANDIDATO A PREFEITO

 

REQUERENTE: CLEVISON NOGUEIRA NUNES

COLIGAÇÃO: AGORA É A VEZ E A VOZ DO POVO

REGISTRO DE CANDIDATURA

IDEA Nº 268.9.199771/2020

PROCESSO Nº 0600144-47.2020.6.05.0107

 

 

I – DOS FATOS; 

 

 

Trata-se de REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA protocolado pelo requerente acima epigrafado, devidamente representado, formulado com o objetivo de viabilizar a sua participação no certame eleitoral municipal, que será realizado no mês de novembro de 2020, no dia 15 (primeiro turno). 

O interessado apresentou os documentos através do CANDex. 

Foi proposta Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) à fl. de ID nº 10800896, pela candidata Daiane Silva dos Anjos, onde foi alegado em síntese que o candidato, após ter abandonado injustificadamente o serviço público, foi demitido do cargo de agente administrativo da Prefeitura Municipal de Itatim/BA, após regular Processo Administrativo tombado sob o nº 059-2015, que ensejou em decisão prolatada em 12 de maio de 2015, não havendo notícia de existência de provimento jurisdicional suspendendo ou anulando a aludida decisão administrativa de demissão do serviço público, estando portanto inelegível de acordo do quanto previsto no art. 1º, I, “o” da Lei Complementar nº 64/1990. Ao final, requereu o indeferimento do pedido de registro de candidatura em referência. Junto vieram Publicação no DJe para comprovação da tempestividade e cópia do Processo Administrativo Disciplinar.

Publicou-se a intimação do candidato impugnado à fl. de ID nº 11446343.

Acostou-se Contestação do candidato impugnado, à fl. de ID nº 14290359 onde alegou preliminarmente a intempestividade do AIRC, tendo em vista que o edital fora publicado no dia 24/09/2020 e o prazo final para apresentação de impugnação seria em 29/09/2020. Após, foi alegada a impossibilidade jurídica do pedido ante a situação jurídica consolidada, haja vista que a inelegibilidade não foi suscitada nas eleições de 2016, nem da diplomação do impugnando para o cargo de Vereador, tendo emergindo tão somente em 2020, contudo, pela situação consolidado com o tempo, não poderia prejudicar o impugnando nestas eleições, tendo em vista que não é fato superveniente ao registro de 2016. No mérito foi aduzido que não impugnado não cometeu qualquer irregularidade capaz de ensejar na sua demissão, estando o processo administrativo disciplinar que ensejou na condenação do autor completamente nulo, tendo em vista estar eivado de diversas nulidades absolutas, bem como as decisões proferidas pelo município, que comprometem o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, afrontando o princípio da legalidade. Em síntese foi aduzido pelo impugnado ainda que:

Ao final, pugnou pelo acolhimento das prejudiciais de mérito, a inconstitucionalidade da alínea “o” do inciso I do art. 1º da LC 64/90 e na hipótese de não acolhimento, que se fizesse julgar totalmente improcedente, tendo em vista o procedimento administrativo disciplinar com inúmeros vícios insanáveis.

Exarado Decisão de Saneamento e Organização do Processo, à fl. de ID nº 14698816 onde o ilustre magistrado afirmou que a matéria controversa se dizia a respeito de questão de direito e era dispensada a instrução probatória. Determinou ainda a vista à impugnante para se manifestar sobre os documentos trazidos pela defesa e após fosse aberto prazo ao Ministério Público.

Acostou-se petição da parte impugnante à fl. de ID nº 15739772, se manifestando acerca do quanto acostado aduzindo que a impugnação foi manifestamente tempestiva, tendo em vista que a publicação ocorreu em 25/09/2020, a referida ação foi proposta em 30/09/2020, estando dentro do quinquídio legal. No tocante à inexistência de impugnação, foi aduzido que em nada desabonaria a mesma, tendo em vista que se tratam em situações autônomas, podendo serem alegadas em qualquer eleição, não expirando prazo decadencial contido na LC 64/1990. Foi alegado ainda que o Procedimento Administrativo se deu de forma regular e sob o égide da Lei Municipal 07/2003, respeitando os seus regramentos que culminaram na decisão administrativa que exonerou o impugnado, que foi assistido por advogado, não havendo inclusive qualquer tentativa de sustação pelo candidato em 05 (cinco) anos de decisão, bem como inexistiu qualquer provimento da Justiça Comum suspendendo ou declarando nulo os seus efeitos. Ademais, foi alegada ainda que as matérias aduzidas pelo impugnado são estranhas à Justiça Eleitoral, sendo alegações para a Justiça Comum, e esta mesma ainda não poderia fazê-la em razão do transcurso de 05 (cinco) anos da decisão, elencando ainda que o requerimento de nulidade deveria ser proposto antes deste prazo e sobretudo anteriormente ao requerimento de registro de candidatura. Aduziu ainda que que a decisão foi plenamente publicada, proferida pela autoridade máxima do município e com o devido trânsito em julgado e preenche os requisitos constantes da alínea “o” da LC 64/1990, só restando impugnar a documentação carreada, pois a entrega de correspondente ao endereço processado, foi feito por pessoal com perfeita condição e entendimento. Ao final, afirmou que operou-se a preclusão consumativa pela inércia do impugnando e requereu o indeferimento do registro de candidatura.

É o relatório.

Passo ao opinativo.

Incialmente cumpre destacar que trata-se o feito de suposto ocorrência de inelegibilidade do candidato Clevison Nogueira Nunes, em razão de sua demissão do serviço público no ano de 2015, estando o mesmo impedido de candidatar dada a norma prevista no art. 1º, I, “o” da LC nº 94/1990.

Inicialmente anteriormente ao exame do mérito cumpre se manifestar acerca das preliminares arguidas pelo candidato impugnado vejamos:

No tocante à alegação da intempestividade da impugnação a mesma não merece prosperar, haja vista que a contagem do quinquídio legal é feita a partir da publicação do Edital no Diário da Justiça Eletrônico que foi feita em 25 de setembro de 2020, restando a impugnação dentro do prazo, haja vista que foi protocolada no último dia permitido, 30 de setembro de 2020.

Quanto à preliminar de impossibilidade jurídica do pedido ante a situação jurídica consolidada, haja vista que a inelegibilidade não foi suscitada nas eleições de 2016, a mesma também não merece prosperar, já que as condições de inelegibilidade são aferidas a cada pleito, inexistindo direito adquirido em relação à matéria, tampouco a ocorrência de sua preclusão por evento anterior. Nesse sentido segue trecho jurisprudencial:

[...] 4.  As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferidas a cada pleito, não havendo direito adquirido a candidatura em razão de eventual deferimento de registro em eleição anterior. Precedente. [...].” (Ac. de 4.10.2012 no AgR-REspe nº 13189, rel. Min Nancy Andrighi.) (grifos nossos)

 

Superada as preliminares passemos à análise do mérito.

Como primeira alegação de mérito, o candidato impugnado aduziu a ausência de concordância da alínea “o” confrontada ao sistema jurídico vigente, e sobretudo aos tratados internacionais (em suma, Pacto de San José da Costa Rica) e demais diplomas legais que protegem os direitos políticos, pugnando ainda, ao final, pela declaração incidental de inconstitucionalidade da norma, contudo a mesma não merece prosperar, pelos fatos a seguir expostos:

A alínea “o”, contida no art. 1º, I, Lei Complementar nº 64/1990, foi incluída por intermédio da também Lei Complementar nº 135/2010, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa que busca impedir a eleição de candidatos condenados por órgãos colegiados a cargos políticos, emendando a já citada Lei das Inelegibilidades.

Ocorre que, a Lei Complementar nº135/2010 foi objeto de discussões da sua constitucionalidade, tendo que ser matéria de julgamento do Supremo Tribunal Federal, que em fevereiro de 2012, tal corte máxima, por maioria de votos, considerou constitucional a Lei da Ficha Limpa e permitiu sua aplicação nas eleições de 2012 [e nas demais a decorrer], alcançando atos e fatos ocorridos antes de sua vigência. A decisão foi tomada na análise conjunta das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4578.

Para melhor ilustrar segue entendimento jurisprudencial:

“[...] Registro de candidatura. Eleições 2012. Vereador. LC 135/2010. [...] Inelegibilidade. Art. 1º, I, "O", da LC 64/90. Demissão do serviço público. 1.  No julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF assentou que a aplicação das causas de inelegibilidade instituídas ou alteradas pela LC 135/2010 com a consideração de fatos anteriores à sua vigência não viola a Constituição Federal. 2.  As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário, incluindo-se esta Justiça Especializada, conforme dispõe o art. 102, § 2º, da CF/88. 3.  Na espécie, o agravante foi demitido do serviço público em decorrência de processo administrativo disciplinar, não havendo decisão judicial que tenha suspendido ou anulado o ato demissório. Desse modo, o indeferimento do seu pedido de registro de candidatura deve ser mantido por incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, O, da LC 64/90. 4.  As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferidas a cada pleito, não havendo direito adquirido a candidatura em razão de eventual deferimento de registro em eleição anterior. Precedente. [...].” (Ac. de 4.10.2012 no AgR-REspe nº 13189, rel. Min Nancy Andrighi.) (grifos nossos)

 

Sendo assim, não há o que se falar acerca da inconstitucionalidade da lei, haja vista que a matéria já foi objeto de discussão e possui entendimento pacífico junto à excelsa corte suprema de que a mesma exala constitucionalidade, não merecendo guarida ao quanto alegado pelo impugnado.

Destaca-se ainda que a própria Carta Magna determina que outros casos de inelegibilidade seriam estabelecidos por intermédio de Lei Complementar, reforçando mais o argumento da constitucionalidade da alínea discutida. Nesse sentido vejamos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (grifos nossos)

 

Ademais, destaca-se ainda que os tratados internacionais citados pelo candidato impugnado se referem em suma a direitos humanos, não alcançando seara eleitoral e as hipóteses de inelegibilidade, ora aqui discutidas.  

Foi alegado pelo candidato impugnado ainda a existência de uma série vícios no Procedimento Administrativo que ensejou na sua demissão, contudo, o exame de eventuais nulidades que venham a existir no processo/procedimento não é de competência da Justiça Eleitoral, sendo possível aferir apenas o fato ensejador da causa de inelegibilidade, cabendo então ao candidato demitido, buscar as vias corretas junto à Justiça Comum postular a suspensão ou anulação do ato.

Este é o entendimento jurisprudencial, vejamos: 

“Eleições 2012. Registro de candidatura. [...]. Alínea o do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90. Incidência. [...].  Inelegibilidade. Demissão do serviço público. 1. A Justiça Eleitoral é incompetente para examinar eventual nulidade do processo administrativo que ensejou a demissão do candidato do serviço público, porquanto somente é cabível a aferição do fato ensejador da causa de inelegibilidade, competindo ao demitido, caso assim entenda, postular a suspensão ou anulação do ato pelo Poder Judiciário, conforme prevê a ressalva da alínea o do inciso I do art. 1º, da LC nº 64/90. 2. Ainda que o fato alusivo à demissão do candidato tenha ocorrido em momento anterior à vigência das novas disposições da LC nº 135/2010, o candidato está inelegível, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal Federal, razão pela qual não procede a alegação de direito adquirido. [...]”

(Ac. de 17.12.2012 no AgR-REspe nº 18141, rel. Min. Henrique Neves.) (grifos nossos)

 

Ademais, compete informar ainda que da documentação acostada não foi possível verificar qualquer notícia de que o impugnado teria procurado junto à Justiça Comum sustar ou anular o ato que ensejou a sua demissão.

Assim, da análise do fato ensejador da causa de inelegibilidade, é visível que o candidato impugnado foi demitido do serviço público com o devido processo administrativo, por meio de processo administrativo disciplinar, com decisão proferida pela autoridade máxima do município e com o devido trânsito em julgado, não havendo ainda notícia de suspensão ou anulação do ato pelo Poder Judiciário, preenchendo todos os requisitos contidos na alínea “o” da Lei Complementar nº 64/1990, não havendo alternativa, senão a sua impugnação.

Nesse sentido, seguem julgados corroborando com a matéria:

 “Eleições 2018. Recurso ordinário. Registro de candidatura. Deputado estadual. Demissão do serviço público. Incidência da inelegibilidade insculpida no art. 1°, i, o, da Lei Complementar n° 64/90. Indeferimento. Negativa de provimento. 1. À luz do art. 1º, I, o, da LC 64/90, são inelegíveis, pelo prazo de oito anos, os candidatos demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário. 2. Aludida causa de inelegibilidade incidirá sempre que o pretenso candidato for demitido do serviço público e não houver a suspensão ou anulação do ato pelo Poder Judiciário. 3. No caso em exame, Paulo César Gomes foi demitido do serviço público, em razão de abandono do cargo, por meio de processo administrativo disciplinar. Não há notícia suspensão ou anulação do ato pelo Poder Judiciário. Infere-se, assim, que o fato se subsume à hipótese de inelegibilidade descrita na alínea o da Lei de Inelegibilidades.[...]” (Ac de 16.10.2018, no RO 060475996,rel. Min. Luís Roberto Barroso, rel. designado Min. Edson Fachin)

 

“Eleições 2012. Registro de candidatura. Recurso Especial. Demissão do serviço público. Inelegibilidade. Alínea o do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90. Incidência. 1. O candidato foi demitido do serviço público em processo administrativo e não obteve medida judicial suspendendo ou anulando tal decisão, razão pela qual, conforme decidido pelas instâncias ordinárias, está configurada a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea o, da LC nº 64/90. 2. O fato de o recorrente ter ajuizado ação de nulidade contra o ato de demissão não afasta, por si só, os efeitos da causa de inelegibilidade, uma vez que a ressalva da parte final da alínea o expressamente estabelece a exigência de que o ato esteja efetivamente suspenso ou tenha sido anulado pelo Poder Judiciário. [...]” (Ac. de 20.3.2013 no AgR-REspe nº 47745, rel. Min. Henrique Neves.)

 

Ex positis, tendo em vista que foram preenchidos os requisitos constantes da hipótese de inelegibilidade previsto no art. 1º, I, “o” da LC 64/1990, tendo o candidato sido demitido de serviço público com o devido procedimento administrativo disciplinar e ausente notícia de suspensão ou anulação do ato ensejador, opina o Ministério Público favoravelmente ao pedido de impugnação.

Na oportunidade, tendo em vista que trata-se o presente de Registro de Candidatura, ante a existência de causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “o” da LC 64/1990, opina o Ministério Público Eleitoral pelo indeferimento do registro pleiteado.

 

Santa Teresinha, 15 de outubro de 2020.

 

DANÚBIA CATARINA OLIVEIRA BITTENCOURT

Promotora de Justiça Eleitoral