TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0600174-97.2022.6.21.0000 – CANOAS – RIO GRANDE DO SUL

 

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Laércio Fernandes

Advogados: Everson Alves dos Santos – OAB: 104318/RS e outros

Recorrente: Podemos (PODE) – Municipal

Advogada: Danielle Todeschini Lermann – OAB: 69343/RS

Recorrido: Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – Municipal

Advogado: Lucas Couto Lazari – OAB: 84482/RS

Recorrido: Partido Renovação Democrática (PRD) – Municipal

Advogada: Bianca Carolina Hilgert – OAB: 63513/RS

 

ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. VEREADOR. PARTIDO ABANDONADO EXTINTO POR FUSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RECOMPOSIÇÃO DA REPRESENTATIVIDADE DO PARTIDO. AUSÊNCIA DE RESULTADO PRÁTICO. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE PROCESSUAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

1. No caso, o vereador pelo Município de Canoas/RS eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no pleito de 2020 ajuizou ação declaratória de desfiliação por justa causa, tendo obtido tutela provisória em seu favor em 17.3.2022. Ato contínuo, em 21.3.2022, passou a integrar o Podemos (PODE), após desfiliar-se do PTB, que, por sua vez, ajuizou, em 4.4.2022, ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária.

2. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, em 27.6.2023, julgou improcedente o pedido veiculado na ação de justificação de desfiliação partidária e, consectariamente, procedente o pedido contido na ação de perda de mandato eletivo, determinando a execução imediata do acórdão, com a assunção da respectiva cadeira pelo primeiro suplente do PTB eleito no pleito de 2020.

3. Os efeitos do acórdão regional foram sobrestados nos autos da TutCautAnt nº 0600510-52, cujo decisum – referendado, por unanimidade, pelo Plenário do TSE em 16.10.2023 – determinou o retorno do trânsfuga ao cargo de vereador, até o julgamento do mérito dos recursos principais.

4. Em 9.11.2023, esta Corte Superior deferiu o pleito de fusão do PTB com o PATRIOTA, originando-se o Partido Renovação Democrática (PRD) (RPP nº 0601913-90/DF, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 4.12.2023), tendo o acórdão transitado em julgado em 19.12.2023.

5. De acordo com a jurisprudência desta Corte, “a fusão partidária se verifica quando dois ou mais partidos deixam de existir para formar um novo, sendo cancelados os estatutos daqueles que o originaram, nos termos do art. 50 da Res.- TSE nº 23.571/2018. Nessa ordem de ideias, com o surgimento de uma nova agremiação, fruto de fusão, observa-se a existência de novos valores, objetivos e princípios políticos, formando-se um novo estatuto à luz do que deliberado pelos partidos que resolveram se unir. Surgem, consectariamente, novos projetos e uma agenda política distinta, que afetam diretamente as posições ideológicas defendidas anteriormente” (REspEl nº 0600117-79/RS, rel. Min. RAUL ARAÚJO, julgado em 28.3.2023, DJe de 28.4.2023).

6. No julgamento do AgR-REspEl nº 0600647-13/MG, rel. Min. SERGIO BANHOS, realizado em 26.8.2021, DJe de 10.9.2021, esta Corte Superior assentou que “[...] o propósito desta demanda [ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária] é o de restaurar a vontade popular dirigida a eleger candidato de determinado partido, de modo que, extinta a legenda, tal objetivo se mostra inalcançável [...]”. Concluiu que, como a vaga deve ser destinada, necessariamente, a suplente filiado ao mesmo partido do trânsfuga, “não há resultado prático na prestação jurisdicional em favor da perda do mandato eletivo sem que seja possível restaurar a representatividade em favor do partido abandonado [...]”.

7. No caso, uma vez que a agremiação pela qual o trânsfuga se elegeu foi extinta em decorrência de fusão e sendo certo que o interesse de agir na ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária vincula-se à possibilidade de recomposição da representatividade do partido político abandonado, é de rigor reconhecer a perda superveniente do interesse processual, ante a ausência de resultado prático ou utilidade na prestação jurisdicional.

8. Extingue-se sem resolução do mérito a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária (REspEl nº 0600174-97), nos termos do art. 485, VI, do CPC,  confirmando-se os efeitos da tutela provisória que assegurou o exercício do cargo de vereador do Município de Canoas/RS pelo trânsfuga.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em extinguir sem resolução do mérito a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária (REspEl nº 0600174-97), confirmando-se os efeitos da tutela provisória que assegurou o exercício do cargo de vereador do Município de Canoas/RS por Laércio Fernandes, nos termos do voto do relator.

 

Brasília, 15 de agosto de 2024.

 

MINISTRO RAUL ARAÚJO –  RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhora Presidente, Laércio Fernandes ajuizou, em 27.1.2022, ação de justificação de desfiliação partidária contra os Diretórios Estadual e Municipal de Canoas/RS do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), registrada sob o nº 0600024-19.2022.6.21.0000, aos seguintes argumentos: (a) a grei lhe conferiu carta de anuência para deixar as fileiras partidárias, renunciando ao direito de postular o mandato (art. 17, § 6º, da CF); (b) houve mudança substancial do programa partidário (art. 22-A, I, da Lei nº 9.096/1995); e (c) ocorreu grave discriminação pessoal (art. 22-A, II, da Lei nº 9.096/1995). Ao final, requereu a procedência da demanda, para que fosse declarada a existência de justa causa para a sua desfiliação do PTB, com fundamento no art. 17, § 6º, da Constituição Federal, c/c o art. 22-A, parágrafo único, II, da Lei nº 9.096/1995.

Em 17.3.2022, foi deferida a tutela provisória para declarar a justa causa da desfiliação de Laércio Fernandes, o qual, em 21.3.2022, desfiliou-se do PTB e passou a integrar o Podemos (PODE).

Em 4.4.2022, o Diretório Municipal do PTB de Canoas/RS ajuizou a Ação de Perda de Cargo Eletivo por Infidelidade Partidária nº 0600174-97.2022.6.21.0000 contra Laércio Fernandes e o Diretório Municipal do PODE, em que alegou que ele foi candidato ao cargo de vereador pelo PTB no pleito de 2020, tendo sido eleito; no entanto, desfiliou-se em 21.3.2022, passando a integrar as fileiras partidárias do PODE, sem que houvesse justa causa para sua desfiliação.

Os feitos foram reunidos para julgamento conjunto.

Em 27.6.2023, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, por maioria, julgou improcedente o pedido veiculado na ação de justificação de desfiliação partidária e, consectariamente, procedente o pedido contido na ação de perda de mandato eletivo de Laércio Fernandes, determinando a execução imediata do acórdão, com a assunção da respectiva cadeira pelo primeiro suplente do PTB eleito no pleito de 2020. Eis a síntese do julgado (id. 159447581 no REspEl nº 0600024-19 e id. 159447798 no REspEl nº 0600174-97):

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR ELEITO. IMPROCEDENTE. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. PARTIDO POLÍTICO. PROCEDENTE. JULGAMENTO CONJUNTO. IDENTIDADE DA CAUSA DE PEDIR. AFASTADA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. MÉRITO. EXPEDIÇÃO DE CARTA DE ANUÊNCIA DE FORMA UNILATERAL. NÃO DEMONSTRADA MUDANÇA SUBSTANCIAL OU DESVIO REITERADO DO PROGRAMA PARTIDÁRIO. NÃO CARACTERIZADA GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA PESSOAL. AFASTADA POSSIBILIDADE DA JUSTA CAUSA CONSTITUCIONAL. ART. 17, § 5º, DA CF. CLÁUSULA DE DESEMPENHO. NÃO JUSTIFICADA A DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DECRETADA A PERDA DO CARGO ELETIVO. ASSUNÇÃO DO PRIMEIRO SUPLENTE.

1. Ações de justificação de desfiliação partidária e de perda de mandato eletivo. Julgamento conjunto. Identidade da causa de pedir, consubstanciada na aferição da existência ou não de justa causa para a desfiliação partidária de vereador eleito, sem a perda do mandato eletivo. Deferido pedido de tutela antecipada.

2. Afastada preliminar de ausência de citação, uma vez que ambas agremiações, por meio de seus procuradores, deram-se por citadas e apresentaram defesa.

3. Anuência do partido (Emenda Constitucional n. 111/21, que incluiu o § 6º ao art. 17 da CF). Este Tribunal tem entendimento consolidado no sentido de que a carta de anuência deve ser “qualificada” para autorizar a desfiliação do parlamentar. Na hipótese, expedição de carta de anuência de forma unilateral, sem respaldo no estatuto partidário, uma vez ausente previsão quanto à competência de seu presidente nacional em matéria de desfiliação. Ademais, no caso em que duas esferas partidárias, mais próximas ao mandato de vereador, comparecem nos autos e contestam os fatos narrados na inicial, refutando a validade da dita declaração e insurgindo-se contra o desligamento do mandatário com manutenção do mandato, não há como se entender atendida a hipótese de justa causa prevista no § 6º do art. 17 da Constituição Federal.

4. Mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (art. 22-A, inc. I, da Lei n. 9.096/95). O alegado alinhamento da sigla às pautas do Presidente da República, bem como as sanções aplicadas ao Presidente de Honra do partido não configuram justa causa para a desfiliação partidária, pois, já em 2018 e no decorrer do ano de 2020, antes da eleição do requerente como vereador, tal circunstância era de sua ciência, inclusive de conhecimento público e notório com extensa divulgação midiática. Este Tribunal já assentou o entendimento de que o envolvimento de filiados de determinada agremiação em ações penais e processos envolvendo casos de corrupção, ainda que praticados por dirigentes partidários, não caracteriza desvio reiterado do programa partidário. No ano de 2018 já estavam previstas no programa partidário todas as políticas alegadamente inseridas apenas em 2020, quando houve a candidatura à vereança. Ainda que alguns temas (aborto, intolerância religiosa, descriminalização da maconha) não estivessem previstos no estatuto em 2018, não se vislumbra que o partido atuasse no seu extremo oposto, configurando alterações relacionadas à mudança de costumes, mas não mudança substancial do programa partidário. Ademais, conforme assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o pedido de desfiliação com base no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente é procedente quando ocorre dentro de prazo razoável, o que não se verifica nos autos.

5. Grave discriminação política pessoal (art. 22-A, inc. II, da Lei n. 9.096/95). Impedimento de manifestação na Câmara de Vereadores não expressa grave discriminação política pessoal, mas uma reação ao posicionamento contrário do vereador a projetos que eram do interesse do governo municipal, cujo prefeito era filiado ao seu. Ademais, o vereador teve oportunidade, diante da janela partidária que se abriu por ocasião das eleições municipais, de buscar outra agremiação que lhe proporcionasse mais espaço para expressar suas ideias, mas não o fez, restando prejudicada a alegação de que vinha sofrendo grave discriminação pessoal. Decisão do TSE no sentido de que “a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição”. Ausentes elementos nos autos a caracterizar grave discriminação política pessoal.

6. Justa causa constitucional (criada pela Emenda Constitucional n. 97/17, prevista no art. 17, § 5º, da CF). Confere ao eleito detentor de mandato proporcional o direito de avaliar qual cenário lhe parece mais favorável: manter-se na legenda ou migrar para outra agremiação que tenha atendido aos ditames de desempenho previstos no texto constitucional. Nesse sentido, precedentes de Tribunais Regionais Eleitorais. Na hipótese, entretanto, a migração partidária foi postulada antes da proclamação do resultado das eleições, quando se verificou o não atingimento, pelo partido, da cláusula de desempenho, circunstância que afasta a possibilidade da incidência da justa causa prevista no art. 17, § 5º, da CF.

7. Improcedência da ação de justificação de desfiliação partidária. Revogação da tutela de urgência. Procedência da ação de perda de cargo eletivo. Execução imediata do presente acórdão. Assunção da respectiva cadeira pelo primeiro suplente do partido, eleito no pleito de 2020.

Os embargos de declaração opostos por Laércio Fernandes e pelo PODE de Canoas/RS (id. 159447590 no REspEl nº 0600024-19 e id. 159447809 no REspEl nº 0600174-97) foram rejeitados pela Corte regional (id. 159447599 no REspEl nº 0600024-19 e id. 159447818 no REspEl nº 0600174-97).

Seguiu-se a interposição de recursos especiais por Laércio Fernandes, com fundamento nos arts. 121, § 4º, I e II, da Constituição Federal e 276, I, a e b, do Código Eleitoral, nos quais aduz, além do dissídio jurisprudencial, violação aos arts. 17, §§ 5º e 6º, da CF e 373, 442 e 493 do CPC, tendo requerido o recebimento dos recursos no seu duplo efeito, com esteio no art. 1.029, § 5º, do CPC, e, no mérito, o seu provimento (id. 159447608 no REspEl nº 0600024-19 e id. 159447830 no REspEl nº 0600174-97).

Nos Autos nº 0600174-97, o PODE municipal interpôs recurso ordinário, com fundamento no art. 276, II, a, do Código Eleitoral, em que asseverou afronta aos arts. 17, §§ 5º e 6º, da CF, 442 e 493 do CPC e 22-A, I e II, da Lei nº 9.096/1995. Pugnou pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

O presidente do TRE/RS não conheceu do recurso ordinário interposto pelo PODE, por não ser o instrumento cabível, e admitiu os recursos especiais de Laércio Fernandes, indeferindo o pedido de efeito suspensivo (id. 159447834 no REspEl nº 0600174-97 e id. 159447610 no REspEl nº 0600024-19)

Dessa decisão foi interposto o agravo pelo PODE municipal nos Autos nº 0600174-97 (id. 159447840), no qual defende o cabimento do recurso ordinário, em razão do duplo grau de jurisdição. Caso esse não seja o entendimento, pleiteia que seja aplicado o princípio da fungibilidade recursal, recebendo-se o recurso ordinário como recurso especial, sobretudo por estarem preenchidos os requisitos para sua admissibilidade, em especial o prequestionamento e a demonstração de violação ao texto legal.

O PTB municipal apresentou contrarrazões aos recursos especiais, nas quais postula a sua inadmissão ou, em caso de recebimento, o seu desprovimento (id. 159447618 no REspEl nº 0600024-19 e id. 159447842 no REspEl nº 0600174-97).

O PTB estadual apresentou contrarrazões ao recurso especial nas quais requer o desprovimento do apelo nobre manejado por Laércio Fernandes (id. 159447616 no REspEl nº 0600024-19).

A Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pelo não conhecimento do recurso ordinário manejado pelo PODE e pelo desprovimento dos recursos especiais interpostos por Laércio Fernandes (id. 160024623 no REspEl nº 0600024-19 e id. 160024624 no REspEl nº 0600174-97).

Em 24.8.2023, nos autos da TutCautAnt nº 0600510-52.2023.6.00.0000, formulada por Laércio Fernandes, deferiu-se o pedido de liminar para atribuir efeito suspensivo aos Recursos Especiais nºs  0600024-19 e 0600174-97 e determinar o retorno de Laércio Fernandes ao cargo de vereador, até o julgamento do mérito dos recursos (id. 159463465).

Em 16.10.2023, o TSE, por unanimidade, referendou a decisão concessiva da medida liminar (id. 159637046 na TutCautAnt nº 0600510-52).

Tendo em vista a fusão do PTB com o PATRIOTA, originando-se o Partido Renovação Democrática (PRD) – conforme deliberação desta Corte Superior nos autos do RPP nº 0601913-90 em 9.11.2023 –, determinou-se a intimação do Diretório Municipal do PRD de Canoas/RS e do respectivo Diretório Estadual do Rio Grande do Sul, para que promovessem as devidas habilitações nos presentes feitos (id. 160310996 no REspEl nº 0600174-97, id. 160310995 no REspEl nº 0600024-19 e id. 160310997 na TutCautAnt nº 0600510-52).

Em 13.4.2024, o Diretório Municipal do PRD de Canoas/RS regularizou a sua representação processual, ocasião em que pugnou pelo não conhecimento do recurso ordinário do PODE e pelo não provimento dos recursos especiais de Laércio Fernandes (id. 160348456 no REspEl nº 0600024-19, id. 160348460 no REspEl nº 0600174-97 e id. 160348454 na TutCautAnt nº 0600510-52).

O Diretório Estadual do PRD do Rio Grande do Sul quedou-se inerte.

Em 25.4.2024, Laércio Fernandes postulou a extinção do feito sem resolução do mérito, ao argumento de que “inexiste [...] utilidade a ser alcançada com a prestação jurisdicional pretendida pelo autor da presente ação, isto é, a perda do mandato do vereador peticionário” (id. 160387155 no REspEl nº 0600174-97), tendo em vista não haver suplente apto para a assunção do cargo decorrente da extinção da agremiação pela qual se elegeu vereador – PTB.

Em 8.5.2024, em obediência ao art. 10 do Código de Processo Civil, foi determinada a intimação de todas as partes para, no prazo de 3 dias, manifestarem-se acerca da eventual superveniente ausência do interesse processual nos presentes feitos.

Na sequência, o PRD pleiteou a negativa de seguimento aos recursos do PODE e de Laércio Fernandes (id. 160434699 no REspEl nº 0600174-97, id. 160434700 no REspEl nº 0600024-19 e id. 160434698 na TutCautAnt nº 0600510-52).

Laércio Fernandes, por sua vez, reiterou as manifestações anteriores no sentido do reconhecimento da justa causa ou, subsidiariamente, da extinção das demandas sem resolução do mérito (id. 161275125 no REspEl nº 0600024-19 e id. 161275124 no REspEl nº 0600174-97).

A PGE, em parecer exarado em 27.6.2024, manifestou-se pela manutenção do interesse processual da agremiação que ajuizou a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária (PTB), ao tempo que ratificou o parecer anterior no sentido do não conhecimento do recurso ordinário do PODE e do não provimento dos recursos especiais de Laércio Fernandes (id. 161938262 no REspEl nº 0600174-97, id. 161938261 no REspEl nº 0600024-19 e id. 161939660 na TutCautAnt nº 0600510-52).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (relator): Senhora Presidente, conforme relatado, Laércio Fernandes – candidato eleito vereador pelo Município de Canoas/RS pelo PTB nas eleições de 2020 – ajuizou ação declaratória de desfiliação por justa causa, tendo obtido tutela provisória em seu favor em 17.3.2022. Ato contínuo, em 21.3.2022, desfiliou-se do PTB e passou a integrar o PODE.

Em 4.4.2022, o Diretório Municipal do PTB de Canoas/RS ajuizou ação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária contra Laércio Fernandes e o Diretório Municipal do PODE.

O TRE/RS, em julgamento conjunto realizado em 27.6.2023, julgou improcedente o pedido veiculado na ação de justificação de desfiliação partidária e, por conseguinte, procedente o pedido contido na ação de perda de mandato eletivo manejado pelo Diretório Municipal do PTB de Canoas/RS, tendo determinado a execução imediata do acórdão, com a assunção da respectiva cadeira pelo primeiro suplente do PTB eleito no pleito de 2020.

Os efeitos do acórdão regional foram sobrestados nos autos da TutCautAnt nº 0600510-52.2023.6.00.0000, cujo decisum – referendado, por unanimidade, pelo Plenário do TSE em 16.10.2023 – determinou o retorno de Laércio Fernandes ao cargo de vereador, até o julgamento do mérito dos apelos nobres (id. 159637046 na TutCautAnt nº 0600510-52).

Em 9.11.2023, esta Corte Superior deferiu o pleito de fusão do PTB com o PATRIOTA, originando-se o PRD (RPP nº 0601913-90/DF, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 4.12.2023), tendo o acórdão transitado em julgado em 19.12.2023 (id. 159990445 desses autos). 

Conforme consignado no REspEl nº 0600117-79/RS, rel. Min. RAUL ARAÚJO, julgado em 28.3.2023, DJe de 28.4.2023,

[...] a fusão partidária se verifica quando dois ou mais partidos deixam de existir para formar um novo, sendo cancelados os estatutos daqueles que o originaram, nos termos do art. 50 da Res.- TSE nº 23.571/2018.

Nessa ordem de ideias, com o surgimento de uma nova agremiação, fruto de fusão, observa-se a existência de novos valores, objetivos e princípios políticos, formando-se um novo estatuto à luz do que deliberado pelos partidos que resolveram se unir. Surgem, consectariamente, novos projetos e uma agenda política distinta, que afetam diretamente as posições ideológicas defendidas anteriormente.

Nesse contexto, com a fusão partidária, os filiados são submetidos a uma mudança do programa partidário, visto que o estatuto da legenda pela qual se elegeram já não mais existe, encontrando-se subordinados às regras e aos princípios partidários da nova agremiação. (Grifos acrescidos)

Fixada a premissa acerca da extinção do PTB – partido pelo qual Laércio Fernandes se elegeu vereador pelo Município de Canoas/RS nas eleições de 2020, cargo objeto da presente controvérsia –, insta rememorar que esta Corte Superior, no julgamento do AgR-REspEl nº 0600647-13/MG, rel. Min. SÉRGIO BANHOS, realizado em 26.8.2021, DJe de 10.9.2021, assentou que o propósito desta demanda [ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária] é o de restaurar a vontade popular dirigida a eleger candidato de determinado partido, de modo que, extinta a legenda, tal objetivo se mostra inalcançável. Concluiu que, como a vaga deve ser destinada, necessariamente, a suplente filiado ao mesmo partido do trânsfuga, “não há resultado prático na prestação jurisdicional em favor da perda do mandato eletivo sem que seja possível restaurar a representatividade em favor do partido abandonado [...]”.

Confira-se a bem elucidativa ementa do referido precedente:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE SUPLENTE. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. PROCEDÊNCIA. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral, por unanimidade, julgou procedente a ação de perda de mandato eletivo proposta pelo Ministério Público Eleitoral, decretando a perda do mandato eletivo do recorrente, por desfiliação partidária sem justa causa.

2. Por meio da decisão agravada, dei provimento ao recurso especial, para reformar o acórdão recorrido e extinguir o feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, por ausência de interesse de agir do Ministério Público Eleitoral, visto que não existe suplente a ser indicado pelo partido.

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

3. Não há resultado prático na prestação jurisdicional em favor da perda do mandato eletivo sem que seja possível restaurar a representatividade em favor do partido abandonado, o qual foi incorporado a outra agremiação partidária.

4. A perda de mandato eletivo não é sanção, mas simples providência para recompor a base política da agremiação partidária na respectiva casa legislativa.

5. Esta Corte Superior consolidou o entendimento de que a ausência de suplente inviabiliza o ajuizamento da ação, tendo em vista que a Justiça Eleitoral não pode se movimentar em prejuízo do eleitorado, no julgamento de questão de ordem na Petição 518-59, de relatoria da Ministra Luciana Lóssio.

6. O interesse de agir está estreitamente vinculado à possibilidade de recomposição da representatividade do partido político, o que, no caso, não é possível, resultando na ausência de interesse na prestação jurisdicional.

7. Como o próprio órgão agravante reconhece, o propósito desta demanda é o de restaurar a vontade popular dirigida a eleger candidato de determinado partido, de modo que, extinta a legenda, tal objetivo se mostra inalcançável, realidade que não se altera em função do ocupante do polo ativo da ação.

8. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que “a vacância pode ser de índole ordinária ou extraordinária. Na ordinária, a sucessão ocorre com a posse do suplente da coligação. Na extraordinária, que versa especificamente sobre as situações de infidelidade partidária – hipótese dos autos –, a vaga deverá ser destinada, necessariamente, a suplente do partido do trânsfuga” (ED-QO-PET 567-03, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 29.11.2016).

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento. (Grifos acrescidos)

Não se ignora que o julgado acima transcrito tratou de ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária, tendo a agremiação pela qual se elegeu o trânsfuga sido incorporada a outro partido político. Contudo, as razões de decidir aplicam-se igualmente aos casos de fusão, que guarda similaridade jurídica com a hipótese do partido incorporado, em que ambos são extintos.

Portanto, uma vez que a agremiação pela qual o trânsfuga se elegeu não mais existe e sendo certo que o interesse de agir na ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária vincula-se à possibilidade de recomposição da representatividade do partido político abandonado, é de rigor reconhecer a perda superveniente do interesse processual, considerada a ausência de resultado prático ou utilidade na prestação jurisdicional.

Ante o exposto, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, extingue-se sem resolução do mérito a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária (REspEl nº 0600174-97), confirmando-se os efeitos da tutela provisória que assegurou o exercício do cargo de vereador do Município de Canoas/RS  por Laércio Fernandes.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

REspEl nº 0600174-97.2022.6.21.0000/RS. Relator: Ministro Raul Araújo. Recorrente: Laércio Fernandes (Advogados: Everson Alves dos Santos – OAB: 104318/RS e outros). Recorrente: Podemos (PODE) – Municipal (Advogada: Danielle Todeschini Lermann – OAB: 69343/RS). Recorrido: Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – Municipal (Advogado: Lucas Couto Lazari – OAB: 84482/RS). Recorrido: Partido Renovação Democrática (PRD) – Municipal (Advogada: Bianca Carolina Hilgert – OAB: 63513/RS).

(Julgamento conjunto: REspEl nº 0600024-19.2022.6.21.0000, REspEl nº 0600174-97.2022.6.21.0000 e TutCautAnt nº 0600510-52.2023.6.00.0000).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, extinguiu sem resolução do mérito a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária (REspEl nº 0600174-97), confirmando-se os efeitos da tutela provisória que assegurou o exercício do cargo de vereador do Município de Canoas/RS por Laércio Fernandes, nos termos do voto do relator.

Composição: Ministras Cármen Lúcia (Presidente) e Isabel Gallotti, Ministros Nunes Marques, André Mendonça, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Alexandre Espinosa Bravo Barbosa.

 

SESSÃO VIRTUAL ORDINÁRIA DE 9 A 15.8.2024.