TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
ACÓRDÃO
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 0603692-09.2022.6.17.0000 – RECIFE – PERNAMBUCO
Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Agravante: Francismar Mendes Pontes
Advogados: Vinicius Costa Rocha – OAB: 60124/PE e outros
Agravado: Ministério Público Eleitoral
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL.
BUSCA E APREENSÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE.
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.
AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. A parte agravante deve impugnar todos os fundamentos suficientes para a manutenção da decisão agravada, nos termos da Súmula n. 26 deste Tribunal Superior.
2. É de se anotar ter havido fundamentação idônea para a decretação da medida cautelar de busca e apreensão, como assentado pelo Tribunal de origem, não havendo vício a ser corrigido, pois em harmonia com a firme jurisprudência deste Tribunal Superior e do Supremo Tribunal Federal.
3. É pacífica a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral segundo a qual não é possível reexame de provas na via do habeas corpus.
4. Agravo regimental desprovido.
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 27 de junho de 2024.
MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – RELATORA
RELATÓRIO
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Senhores Ministros,
1. Em 17.3.2024 foi negado seguimento ao presente recurso em habeas corpus, prejudicada a medida liminar, interposto por Francismar Mendes Pontes, deputado estadual reeleito, e outros, contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco – TRE/PE, pelo qual, em 1º.8.2023, denegou a ordem em habeas corpus nos autos do Processo n. 0603692-09.2022.6.17.0000, pelo qual se buscava o reconhecimento de nulidade de busca e apreensão autorizada pelo Juízo da 9ª Zona Eleitoral de Recife, revogando a liminar concedida.
O caso
2. Consta dos autos que o Juízo da 9ª Zona Eleitoral de Recife/PE, na representação policial formalizada por pedido de busca e apreensão criminal n. 0600042-24.2022.6.17.0009, com o objetivo de apurar a alegada prática do delito de corrupção eleitoral tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, determinou a busca e apreensão no domicílio de Tiago Pereira do Nascimento e Francismar Mendes Pontes. Consta da referida decisão (ID 159626505, p. 1-2):
“A Polícia Federal, por meio da autoridade policial, firmado no artigo 240, § 1º, e artigo 241 do Código de Processo Penal, representou pela medida de busca e apreensão em face do deputado estadual Francismar Mendes Pontes e de Tiago Pereira do Nascimento, este último coordenador de campanha, pelos fatos a seguir expostos.
Narra o requerente/representante que chegou ao conhecimento da Superintendência da Polícia Federal deste Estado o cometimento, em tese, de crimes eleitorais praticados pelo referido deputado em sua campanha de reeleição, a saber, a prática de promessa de pagamento em dinheiro em troca de votos. Refere, ainda, que ditos crimes estão comprovados através de um vídeo que ‘viralizou’ nas redes sociais (vide documento de id 109864481).
Pelo dito vídeo diversas pessoas/eleitores foram à residência de Tiago, o qual seria um dos coordenadores da campanha do candidato Francismar, para cobrar o pagamento em razão de terem votado no referido candidato.
Dado vista ao Ministério Público para dizer sobre o pedido, este se manifestou pela petição de id 110100468, favoravelmente à medida pleiteada.
Relatados, passo a decidir.
Tenho que merece guarida a pretensão da autoridade policial.
Como bem se manifestou o representante do Ministério Público, a documentação acostada aos autos, notadamente o vídeo acima referido, traz indícios materiais de que houve conduta, em tese, criminosa com a finalidade de captação ilícita de votos, a justificar a busca e apreensão requerida.
No presente caso, como já dito, havendo fundadas razões da materialidade da conduta ilícita praticada pelo nominado candidato a deputado, justifica-se a busca e apreensão, nos exatos termos [da alínea] ‘e’ do § 1º do artigo 240 do CPP, a fim de que não haja perigo de perecer provas necessárias à instrução do inquérito e, se necessário, ao eventual processo criminal a ser instaurado.
No que tange a competência deste juízo de primeiro grau para determinar a busca e apreensão pretendida, também concordo com o posicionamento ministerial. É que a apontada prática delituosa não foi praticada pelo Sr. Francismar Mendes Pontes, no exercício e/ou em função do seu mandato de deputado, o que faria arrastar a competência da medida para a instância superior, mas na qualidade de candidato. Nessa linha caminha uníssonas a doutrina e a jurisprudência. Despiciendo, portanto, colacionar, aqui, recortes de doutrina e julgados sobre a matéria.
Em face de todo o exposto, com fulcro nas normas processuais penais que regula a matéria (art. 240 e seguintes do CPP), defiro a realização de busca e apreensão na Rua Vinte e Um de Junho nº 222, Dois unidos, Recife/PE, e na Rua Padre Roma nº 291, Apartamento 502-B, Tamarinheira, Recife/PE, respectivamente residências de Tiago Pereira do Nascimento (CPF 091.129.164-75) e de Francismar Mendes Pontes (CPF 008.923.174-00) com a finalidade exclusiva de obter elementos de prova das infrações penais apontadas na representação.
Levando em consideração que esta é uma medida cautelar extrema, a autoridade que ira cumprir a ordem deve se cercar das cautelas necessárias a fim de evitar constrangimento desnecessários aos envolvidos e a quaisquer outras pessoas a eles envolvidas.
De logo, defiro o afastamento do sigilo sobre eventuais documentos bancários, fiscais, telefônicos, bem como dos dados armazenados em equipamentos eletrônicos localizados no local de busca, podendo, para fins de perícia, realizar a impressão das informações neles encontradas.
Delimito a quebra do sigilo, ao prazo de 30 dias antes da data da realização das eleições do primeiro turno do ano de 2020, até 30 dias após esta mesma data.”
3. Alegando flagrante ilegalidade da decisão que deferiu o pedido de busca e apreensão, foi impetrado o Habeas Corpus n. 0603692-09.2022.6.17.0000, com pedido de liminar, no TRE/PE. O Desembargador Eleitoral, de forma monocrática, indeferiu a liminar.
4. Contra essa decisão, Francismar Mendes Pontes interpôs pedido de reconsideração (ID 159626521), tendo sido acolhido, em parte (ID 159626527):
“Somente agora verifico que o HC tem objeto restrito, não pretendendo o trancamento das investigações, senão a decretação da nulidade dos atos e provas resultantes de decisão judicial de juiz de primeiro grau, absolutamente incompetente, porque o impetrante teria privilégio de foro por prerrogativa de função.
Há fumaça do bom direito lastreada na tese de privilégio de foro por prerrogativa de função.
Como o HC tem por objeto decretar a nulidade das provas resultantes de busca e apreensão decretada pelo juízo absolutamente incompetente, nada obsta que as investigações prossigam, desde que não incidam sobre as provas porventura já colhidas a partir do ato impugnado.
Assim, defiro em parte a liminar para suspender a busca e apreensão determinada e qualquer investigação que resulte das provas porventura já colhidas a partir daquele ato judicial impugnado.”
5. O TRE/PE, ao julgar o mérito do habeas corpus, denegou a ordem, por maioria, e revogou a liminar deferida. Esta a ementa do acórdão (ID 159626612):
“PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. DEPUTADO ESTADUAL EM EXERCÍCIO. ELEIÇÕES DE 2022. CONDUTA DECORRENTE DA FUNÇÃO. NÃO CONSTATAÇÃO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. PRERROGATIVA DE FORO POR EXERCÍCIO DE FUNÇÃO, NÃO CARACTERIZAÇÃO. BUSCA E APREENSÃO. INDÍCIOS DE MATERIALIDADE/AUTORIA DELITIVA. EXISTÊNCIA. LEGALIDADE DA MEDIDA. DECISÃO IMPUGNADA. FUNDAMENTAÇÃO CONCISA, MAS SUFICIENTE. ORDEM DENEGADA.
1. Trata-se de Habeas Corpus Criminal, com pedido de liminar, impetrado por Luís Alberto Galindo Martins, Yuri Azevedo Herculano, Victor de Lemos Pontes, Victoria Galvão de Andrade Lima e Nathan Cistóvão da Silva Lima, em favor do paciente Francismar Mendes Pontes, deputado estadual reeleito, contra ato do Juízo da 9ª Zona Eleitoral de Recife/PE, que decretou medida cautelar de busca e apreensão em desfavor do paciente.
2. Após suscitarem a prevenção do Gabinete do Desembargador Eleitoral Rodrigo Cahú Beltrão – por ser o Relator responsável pelo registro da candidatura do ora paciente (processo nº 0601418- 72.2022.6.17.0000), nos termos do art. 40 do Regimento Interno do TRE/PE – alegam os impetrantes, em resumo, o seguinte: 1) foi decretada, em 13.10.2022, em desfavor do ora paciente, medida cautelar de busca e apreensão, a partir de representação oferecida pela Polícia Federal fundada na suposta prática de crime eleitoral alegadamente ocorrido no contexto da campanha à reeleição para o cargo de Deputado Estadual; 2) segundo a representação, o ora paciente teria realizado promessa de pagamento de valores em espécie por votos em seu favor, havendo a hipótese investigativa sido extraída do conteúdo de vídeo que circulou em redes sociais, o qual supostamente conteria imagens de um grupo de pessoas na residência de TIAGO PEREIRA DO NASCIMENTO (o qual trabalhava na campanha do ora paciente), a fim de cobrar valores a serem pagos a título de contrapartida pelos votos; 3) a medida de busca e apreensão decretada em face do ora paciente seria manifestamente ilegal, na medida em que: 3.1) originada de juízo manifestamente incompetente, ante violação às regras de foro por prerrogativa de função; 3.2) ausente justa causa, na medida em que presentes apenas ‘conjecturas investigativas rechaçadas pela prova dos autos’; 3.3) fundada em argumentos genéricos e abstratos; 4) quanto à tese de violação às regras de foro por prerrogativa de função, defenderam os impetrantes que o ora paciente, à época do suposto fato, encontrava-se investido em mandato parlamentar (Deputado Estadual candidato à reeleição), circunstância que imporia a necessidade de reconhecimento da competência deste Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco para supervisionar o inquérito instaurado em face dele, bem como decidir acerca da viabilidade da adoção de medidas cautelares constantes da representação policial; 5) ainda quanto a este ponto, seria necessário um distinguishing em relação ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da AP 937, cujos parâmetros, segundo os ora impetrantes, ‘somente se aplicariam a parlamentares do âmbito federal, e não do estadual’, não devendo ser ‘acatado irrestritamente, inclusive porque não dispõe de caráter erga omnes’, além de deverem ser excepcionadas as situações em que se não se constata ‘solução de continuidade no cumprimento de funções públicas’, tal como supostamente se deu no caso ora sob exame, em que o ‘o paciente encontrava-se investido no cargo de Deputado Estadual e em período de campanha eleitoral, para cargo que efetivamente foi reconduzido quando das investigações’; 6) no que diz respeito à ausência de justa causa, apontaram os ora impetrantes não haverem sido precisamente delimitados os bens objetos da medida, além do que, a despeito do conteúdo do vídeo, o teor dos depoimentos das pessoas ouvidas pela Polícia Federal denotaria a completa ausência de verossimilhança da hipótese investigativa, fundada na mera existência de vídeo e na interpretação a ele conferida por autoridade policial; 7) o caráter genérico e abstrato da fundamentação constante da decisão ora impugnada (que teria se limitado a reproduzir os argumentos constantes da representação policial) evidenciaria se estar diante de verdadeira pesca predatória, de modo que a diligência resultou até mesmo na apreensão do aparelho celular do filho do ora paciente; 8) ao final, pugnaram os impetrantes: a) fosse decretada a nulidade de todos os atos processuais praticados pelo juízo da 9ª zona eleitoral do Recife, ante sua incompetência por violação a prerrogativa de foro do ora paciente, com determinação de remessa dos autos a este TRE/PE (art. 567 do CPP), com reconhecimento da prevenção do Des. Rodrigo Cahú Beltrão; b) subsidiariamente, fosse reconhecida a nulidade da medida cautelar de busca e apreensão, com extensão de tal declaração a todos os elementos colhidos quando da diligência.
3. No que diz respeito à alegada prevenção, cumpre reafirmar o que já assentado por ocasião da decisão que indeferiu o pedido liminar, oportunidade em que ressaltado que não firma prevenção para exame de habeas corpus impetrado contra decisão que defere medida de busca e apreensão no contexto de investigação relacionada ao suposto cometimento de crime eleitoral, a circunstância de haver, o eminente Desembargador Eleitoral Rodrigo Cahú Beltrão, apreciado e julgado, na qualidade de Relator, o registro de candidatura do ora paciente (RCand nº 0601418-72.2022.6.17.0000). Reitere-se o apontado art. 40 do Regimento Interno deste TRE/PE2 não justifica o acolhimento da pretensão de reconhecimento de prevenção, na medida em que se limita a disciplinar a prevenção do mesmo Relator para julgamento de todos os registros de candidatura apresentado por um partido político ou coligação (federação partidária).
4. No concernente à tese de violação às regras de foro por prerrogativa de função, a essência da tese constante da impetração consiste na alegação de que os fatos/imputações constantes da representação policial guardariam um indissociável vínculo com o exercício/manutenção do mandato eletivo de Deputado Estadual do ora paciente.
5. Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Penal nº 937/RJ – adotando uma linha mais restritiva do que a firmada em sua tradicional jurisprudência – assentou que a observância do foro por prerrogativa de função pressupõe a configuração de uma relação de causalidade entre o crime praticado e o exercício do cargo, inclusive como medida tendente a ‘assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções – e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade’.
6. Não restando dúvida que a existência ou não dessa ‘relação de causalidade entre o crime praticado e o exercício do cargo’ deve ser aferida levando em conta as especificações de cada caso, tem-se que, na hipótese, ainda que os supostos ilícitos tenham sido, em tese, praticados durante período em que o ora paciente estava no cargo de deputado estadual, não se identifica qualquer relação entre eles e o cargo ocupado, circunstância suficiente para afastar, ao menos por ora, a aplicação das regras concernentes ao foto por prerrogativa de função. Neste sentido, o atento exame de todas as peças da prova pré-constituída juntada aos autos, não permite vislumbrar qualquer indício de relação entre os fatos imputados ao ora paciente e a estrutura do cargo por ele ocupado (uso de equipamentos, veículos, assessores, cargos/funções de assessoria), igualmente não se tendo notícia de vínculo de T.P.N, com a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. Não se olvide que a fixação de competência jurisdicional em matéria processual penal-eleitoral deve ser realizada com fundamento no conjunto de fatos evidenciados pelos elementos de informação colhidos na fase inquisitorial, in status assertionis, ou seja: à luz das afirmações do órgão investigativo/acusatório, considerado o momentâneo estágio das investigações. Em outras palavras; acaso advenham, durante a investigação, novos elementos indicadores da relação de causa e efeito entre a conduta atribuída ao ora paciente e o cargo por ele ocupado (tanto à época dos fatos quanto atualmente, diante de sua reeleição – sem solução de continuidade, portanto) se poderá, em tese, ter por justificada a remessa da investigação/ação penal-eleitoral, porá esta segunda instância.
7. Ainda quanto à tese de violação às regras do foto por prerrogativa de função, igualmente não merecem prosperar as teses subsidiárias, segundo as quais: a) os parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da AP 937/RJ ‘somente se aplicariam a parlamentares do âmbito federal, e não do estadual’, não devendo ser ‘acatado irrestritamente, inclusive porque não dispõe de caráter erga omnes’; b) deveriam ser excepcionadas as situações em que não se constata ‘solução de continuidade no cumprimento de funções públicas’, tal como supostamente se deu no caso ora sob exame, em que o ‘paciente encontra-se investido no cargo de Deputado Estadual e em período de campanha eleitoral, para cargo que efetivamente foi reconduzido quando as investigações. Portanto, houve manifesta solução de continuidade no exercício das funções públicas que asseguram ao paciente prerrogativa de foro’, Isso porque não há qualquer dúvida de que, os parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da AP 937/RJ, se aplicam a todos os ocupantes de cargos para os quais a Constituição Federal (bem como as Constituições Estaduais, quando atendido o princípio da simetria) previu a fixação de foro por prerrogativa de função, seja no âmbito federal, estadual ou municipal. A razão é simples: não constou qualquer ressalva neste sentido no mencionado julgado. Da mesma forma, se tem como certo que, o contexto do caso ora sob exame (em que não identificada relação de causalidade entre os fatos imputados a parlamentar estadual e o cargo por ele ocupado), torna irrelevante a ausência de solução de continuidade (o ora paciente foi reeleito), circunstância prevista na mencionada AP 937/RJ como justificadora da continuidade do foro por prerrogativa de função.
8. O deferimento de busca e apreensão como medida extremamente gravosa e, é certo, uma exceção à constitucionalmente garantida inviolabilidade domiciliar, pressupõe a indicação de indícios da materialidade/autoria delitivas (fundadas razões). No caso, em juízo de aferição da legalidade (e não apenas da conveniência) da diligência para autoridade ora apontada como coatora, do que se consegue inferir a partir do exame da prova pré-constituída juntada aos autos, verifica-se estar-se diante de investigação iniciada a partir da denúncia escrita (aparentemente apócrifa – pag. 36 PDF) acerca do conteúdo de um vídeo tornado público nas redes sociais, em que supostos eleitores estariam a reclamar de uma promessa não cumprida do ora paciente, não sentido de remunerar cara eleitor com R$ 100,00 (cem reais) pelo voto. Assim, diante da possibilidade, em tese, de configuração do delito do art. 299 do Código Eleitoral, seguiu-se despacho oriundo da autoridade policial, determinando a realização de diligências no intuito de entrevistar eleitores que apareciam no vídeo, o que foi cumprido por agentes policiais na manhã do dia 10 de outubro de 2022, seguindo-se, no dia seguinte) 11/10/2022), a oitiva das pessoas que apareciam no vídeo: M.C.O.F., ,M.H.A.S.O., e F.A.O., as quais, em síntese, afirmaram que: a) na verdade, buscavam a cobrança do pagamento do serviço de cabo eleitoral; b) se tratava o vídeo de uma brincadeira.
9. Assim, em que pese tenha a investigação iniciado a partir de notícia acerca do conteúdo de vídeo publicado em rede social, identificam-se como suficientes as diligências a que procedeu a autoridade policial: pesquisas de campo e oitiva de testemunhas, seguindo-se a representação pela busca e apreensão. Ainda neste concernente, cumpre salientar que a tese que deve prevalecer ante um ‘confronto de versões’ surgido a partir das falas constantes do vídeo cujo conteúdo originou a investigação (referências a compra de votos ou a pagamentos por serviços lícitos realizadas durante a campanha) não se trata de matéria aferível em sede de habeas corpus, devendo ser examinada na seara própria.
10. Ante o cenário narrado, reconhecida a configuração de indícios de materialidade e autoria relacionados à suposta prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral (atuação de correligionário em suposta compra de votos em favor do ora paciente), se tem por justificado o deferimento da medida extrema – a qual encerra uma exceção à constitucionalmente garantia da inviolabilidade domiciliar – como forma de obter acesso a vestígios dos registros referidos na gravação, listagem de eleitores, anotações ou indicações de pagamentos, numerário vultoso, documentos, dados (ainda que digitais) ou aparelhos eletrônicos aptos a confirmarem (ou não) as suspeitas que pesavam sobre o ora paciente. Ainda como elemento apto ao reconhecimento da legalidade da medida, refira-se não apenas a forma como se dá a prática de delitos da espécie como os de que ora se cuida (maneira velada ou sub-reptícia), mas, também, o histórico de diligências realizadas até o presente momento processual (visitas a endereços de pessoas físicas/jurídicas, colheita de depoimentos).
11. No que toca aos argumentos relativos ao caráter supostamente genérico e abstrato da decisão ora impugnada, conclui-se que, conquanto de forma concisa, o mencionado ato judicial apresentou os motivos viabilizadores das medidas constritivas decretadas, notadamente no que se refere aos indícios de materialidade/autoria da prática, em tese, do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral.
12. Relativamente à alegada falta de delimitação de qual seria o objeto da medida de busca e apreensão, cumpre mencionar constar, do teor da decisão ora impugnada, a menção de que a diligência seria realizada nos locais de residência dos investigados, ‘com a finalidade exclusiva de obter elementos de prova das infrações penais apontadas na representação’. E, da leitura da representação, se identifica menção ao que seria objeto da diligência.
13. Por fim, no que diz respeito à apreensão do aparelho celular do filho do ora paciente, além de este, por si só, não servir de fundamento à anulação da diligência, tem-se que a questão está sendo objeto de discussão em incidente específico (restituição de coisa apreendidas).
14. Ordem de habeas corpus denegada. Liminar revogada.”
6. O acórdão foi publicado em 4.8.2023, sexta-feira, e o recorrente interpôs, de forma tempestiva, o presente recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de liminar, em 9.8.2023, quarta-feira.
7. O recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de liminar, foi interposto com fundamento no § 4º do art. 121 da Constituição da República, c/c a al. b do inc. II do art. 276 do Código Eleitoral, bem como a al. c do inc. II do art. 168 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral.
Os recorrentes afirmam que, “analisando detidamente os fundamentos de mérito adotados pelo acórdão recorrido, infere-se que nem mesmo o em. Relator na origem, com as devidas vênias, conseguiu demonstrar quais foram os fundamentos aptos a justificar o deferimento da medida cautelar. Na realidade, o em. Desembargador se limitou a reiterar os argumentos utilizados pelo Juízo a quo indicando que o elemento de informação anônimo (in casu, um vídeo) seria suficiente para justificar os indícios de materialidade e autoria do delito previsto no art. 299, do CE, porquanto haveria um ‘confronto de versões’ entre as falas constantes no vídeo e os depoimentos em sede policial” (ID 159626623, p. 10).
Sustentam que, “apesar de indicar que a decisão autorizativa estaria fundamentada na ‘devida configuração de indícios de materialidade e autoria’, basta uma simples leitura para verificar que não foram declinados, ainda que sucintamente, quais seriam esses indícios mínimos autorizados do deferimento de uma medida cautelar invasiva e excepcional (...). Desse modo, a decisão não apresenta fundamentação minimamente suficiente para demonstrar a imprescindibilidade da medida de busca e apreensão, nem mesmo da presença das fundadas razões (justa causa mínima), cuja análise deve decorrer de um exame dos elementos produzidos na investigação” (ID 159626623, p. 11).
Ponderam que, “conforme brevemente narrado, a investigação que originou a Representação pela medida cautelar teve início a partir de vídeo que teria ‘viralizado’ nas redes sociais, como explicou a autoridade policial (...). O referido vídeo foi recebido na Superintendência da PF através do aplicativo de mensagens WhatsApp, de fonte não identificada/anônima, conforme se verifica pelo print da tela juntado pela autoridade policial e como o próprio nome do vídeo indica nos autos do processo originário (...). Nada obstante, o conteúdo audiovisual produzido por fonte anônima deve ser analisado como todas as ressalvas possíveis, pois, na era da fake news, esse tipo de material é passível de todo tipo de fraude e adulteração – inclusive, pela ação de adversários políticos e revanchismo. Deve ser tratado, portanto, como uma notícia de crime anônima” (ID 159626623, p. 12-13).
Ressaltam que, “no caso específico do elemento de informação digital, por sua intrínseca fragilidade e fácil adulteração, qualquer quebra da cadeia de custódia resulta na nulidade da prova, em função do efetivo prejuízo para a defesa, derivado da impossibilidade de pleno exercício dos direitos ao contraditório e à ampla defesa em investigações baseadas em elementos com qualidade probatória evidentemente baixa. Neste ponto, tendo em vista que não há nos autos qualquer informação concreta sobre a filmagem, disponibilização e obtenção do vídeo utilizado pela PF como elemento de prova, torna-se patente a violação às normas de preservação da cadeia de custódia da prova” (ID 159626623, p. 14).
Declaram que, “desde o início, o ato da autoridade policial se encontrou revestido de traços de ilegalidade. Nada obstante, a quebra da cadeia de custódia enseja imediata declaração de ilicitude da prova, na medida em que, na dicção do art, 157 do CPP, viola normas legais (...). Ainda que não se compreenda pela ilicitude e/ou imprestabilidade do elemento probatório, resta claro que o vídeo veiculado não possuía validade probatória suficiente para ser utilizado como único elemento que fundamentou a representação e a posterior decretação da medida cautelar, tornando a diligência policial manifestamente ilegal” (ID 159626623, p. 14-15).
Explicam que “a investigação sobre a hipótese ventilada a partir desse elemento de informação, apenas poderia prosseguir acaso confirmada por diligências complementares, já que elemento de prova anônimo não configura justa causa para embasar a restrição a direitos fundamentais, como ocorre na medida cautelar de busca domiciliar. Esse posicionamento está amplamente consolidado na jurisprudência do eg. STJ” (ID 159626623, p. 15).
Enfatizam que “imprescindível colacionar, também, o entendimento deste eg. TSE, no qual se compreende que no caso de estar-se diante da denúncia anônima, é necessário que as outras diligências anteriores sejam frutíferas a fim de que se defira a medida de busca domiciliar (...). Contudo, no caso em concreto, ocorreu justamente o contrário, as pouquíssimas diligências realizadas (coleta de prova testemunhal) refutaram veementemente a suspeita inicial levantada a partir do vídeo anônimo e, via de consequência, o referido elemento jamais poderia ter persistido como fundamento para a busca e apreensão realizada” (ID 159626623, p. 16-17).
Sustentam que, “embora a PF tenha interpretado o conteúdo do vídeo como uma cobrança de pagamento em razão de terem votado no referido candidato, uma análise das próprias faltas dos protagonistas do vídeo já demonstrava a inverossimilhança dessa versão dos fatos, uma vez que não é possível chegar a tal conclusão. (...) o único fundamento para a decretação da medida cautelar excepcionalíssima foi um elemento de fonte anônima, que não possuía o mínimo de segurança quanto ao conteúdo (em específico, no tocante à cadeia de custódia) e que sequer havia sido corroborado pelos próprios participantes do vídeo” (ID 159626623, p. 20).
Continuam afirmando que se “deve reformar a conclusão do acórdão recorrido para reconhecer o flagrante constrangimento ilegal imposto ao recorrente a partir do deferimento da medida de busca e apreensão sem os requisitos aptos a justifica-la, em específico se tratando de elemento probatório referente à denúncia anônima não confirmada pelas diligências posteriores” (ID 159626623, p. 22).
Ressaltam que “a representação pela medida cautelar formulada pela autoridade policial, além de não mencionar qualquer outro elemento apto a corroborar a hipótese supostamente extraída do vídeo, faz uso de elementos retóricos abstratos para requerer a medida, que é deferida ainda assim. Ou seja, em evidente violação ao que pressupõe o art. 240, § 1º, do CPP, a representação e a decisão coatora não mencionaram qualquer elemento que esteja compreendido como ‘fundada razão’ para dar ensejo à busca e apreensão” (ID 159626623, p. 22).
Demonstram ser “desnecessário empreender-se grandes esforços para observar que a decisão ora impugnada não apontou a existência de fundadas razões, extraídas de elementos concretos, nem meso descreveu as razões que justificaram a adoção da medida de busca e apreensão como meio de produção de prova indispensável para investigação em desfavor do Recorrente” (ID 159626623, p. 26).
Concluem que “o caso em concreto não se refere à deflagração de uma busca e apreensão proporcional, necessária e adequada, mas de manifesto autoritarismo que ultrapassa qualquer limite do devido processo legal. Por este motivo, imperiosa a reforma do acórdão recorrido, tendo em vista que, ao contrário do afirmado, inexistem indícios de autoria delitiva e fumus omissi delicti aptos a embasar a representação da PF e, muito menos, para fundamentar a decisão que deferiu a medida de busca e apreensão em desfavor do recorrente” (ID 159626623, p. 27-28).
Requerem “a concessão da tutela de urgência para determinar a suspensão da medida cautelar nº 0600042-24.2022.6.17.0009, suspendendo-se, igualmente, o curso das investigações em desfavor do ora Recorrente, bem como que seja determinada a abstenção da autoridade policial em realizar quaisquer atos, perícias e atividades afins que tenham como objetos os aparelhos eletrônicos, documentos, etc. apreendidos durante a diligência de busca e apreensão” (ID 159626623, p. 29).
Pedem “provimento do presente Recurso Ordinário para declarar a nulidade da medida de busca e apreensão realizada pela autoridade policial, bem como de todos os elementos obtidos a partir dessa diligência” (ID 159626623, p. 29).
8. Em documento de ID 159646856, indeferi o requerimento do pedido liminar, levantei o sigilo do presente processo e abriu-se vistas dos autos ao Procurador-Geral Eleitoral.
9. A Procuradoria-Geral Eleitoral opina pelo não provimento do recurso (ID 160183629, p. 1-2):
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. BUSCA E APREENSÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. IMPLAUSUDIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.
1. Conforme entendimento consolidado do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, ‘o trancamento de inquérito penal, por via de habeas corpus, é medida excepcional, admissível tão-só quando, manifestamente, o fato investigado não constitua crime’ (STF, HC 84232 AgR, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator (a): Min Cezar Peluso), julgamento: 15/12/2004, Publicação: 25/02/2005).
2. Ainda que a pretensão veiculada no writ recaia sobre diligência investigativa como reserva de jurisdição específica, o remédio constitucional somente é cabível em hipóteses pontuais, nas quais haja manifesta ilegalidade e seja, desnecessária a cognição completa do conjunto de provas, nem todas ainda produzidas.
3. Na espécie, ao contrário do que afirma a parte recorrente, diante de representação anônima, a autoridade policial realizou diversas diligências preliminares. Ao analisar evidência digital audiovisual, a autoridade policial identificou algumas eleitoras, titulares dos comprovantes de votação constantes das imagens, as quais inclusive prestaram depoimento.
4. A mudança de compreensão quanto à suficiência da valoração probatória demandaria nova incursão, por essa Corte Superior, nas evidências presentes no inquérito policial – algumas não juntadas aos presentes autos, destaque-se, providência incabível em sede de habeas corpus.
5. A causa de pedir recursal relativa à suposta quebra da cadeia de custodia, para além de genérica – deixando de informa quais regras da disciplina estabelecida no CPP não teriam sido observadas – consiste em inovação. A simples leitura da petição inicial de habeas corpus é suficiente para informar que tais argumentos sequer foram levantados no juízo de origem, havendo, portanto pretensão de supressão de instância.
6. Ainda que assim não fosse, a petição inicial de habeas corpus não juntou aos autos os elementos do inquérito policial relativos à extração e preservação do arquivo audiovisual (laudo, hashing etc), não sendo possível a sua análise.
Não provimento do recurso.”
10. Em 12.3.2024, neguei seguimento ao presente recurso ordinário em habeas corpus, prejudicada a medida liminar requerida, em decisão com esta ementa (ID 160206087):
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL.
BUSCA E APREENSÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.”
11. Publicada essa decisão no DJe de 19.3.2024, Francismar Mendes Pontes interpôs tempestivo agravo regimental em 21.3.2024 (ID160279586).
O agravante reitera os argumentos do recurso ordinário em habeas corpus e alega que “para se analisar a tese defensiva não seria necessário o incurso no elemento utilizado na Representação (vídeo), mas sim nos fundamentos utilizados tanto pela autoridade policial quanto pelo Juízo a quo quando da deflagração da medida cautelar” (ID 160279586, p. 4).
Alega que o vídeo veiculado não possui validade probatória suficiente e que as diligências realizadas refutaram a suspeita de compra de votos.
Enfatiza que “o único fundamento para a decretação de medida cautelar excepcionalíssima foi um elemento de fonte anônima, que não possuía o mínimo de segurança quanto ao conteúdo (em específico, no tocante à cadeia de custódia) e que sequer havia sido corroborado pelos próprios participantes do vídeo” (ID 160279586, p. 5).
Pondera que, “diante do recebimento de vídeo anônimo e de diligências que não confirmavam a hipótese inicial, cumpria à autoridade policial adotar outras diligências menos invasivas – consulta aos autos da prestação de contas do candidato, oitiva de suspeitos, por exemplo – ou o arquivamento da investigação por ausência de justa causa” (ID 160279586, p. 5).
Salienta não haver “garantias de que a produção, captação e o manuseio do vídeo tenham obedecido às normas relativas à preservação da cadeia de custódia da prova processual penal” (ID 160279586, p. 7).
Assevera inexistir “nos autos do inquérito qualquer informação concreta sobre a filmagem, disponibilização e obtenção do vídeo utilizado pela PF como elemento de informação, torna[ando]-se patente a violação às normas de preservação da cadeia de custódia da prova, em específico o art. 158-B, II, IV, VII, do Código de Processo Penal” (ID 160279586, p. 8).
Afirma que “o vídeo veiculado não possuía validade probatória suficiente para ser utilizado como único elemento que fundamentou a representação e a posterior decretação da medida cautelar, tornando a diligência policial manifestamente ilegal” (ID 160279586, p. 9).
Pede provimento do “presente Agravo Regimental para reformar a decisão ora agravada, conhecer o habeas corpus impetrado para conceder a ordem e declarar a nulidade da medida de busca e apreensão realizada em [seu] desfavor do AGRAVANTE, bem como de todos os elementos obtidos a partir dessa diligência, como preceitua o art. 157, § 1º, do CPP” (ID 160279586, p. 14).
É o relatório.
VOTO
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (relatora): Senhores Ministros,
1. Razão jurídica não assiste ao agravante.
2. O agravante limita-se a reiterar as razões expostas no recurso ordinário em habeas corpus, sem impugnar o fundamento da decisão agravada, o qual, por esse motivo, subsiste.
Este Tribunal Superior consolidou entendimento de ser incabível o agravo no qual não se infirmam todos os fundamentos da decisão agravada. Confiram-se, por exemplo, os julgados a seguir:
“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. REDISCUSSÃO DE CRITÉRIOS DE DOSIMETRIA DA PENA. DECRETO CONDENATÓRIO. TRÂNSITO EM JULGADO. SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. TERATOLOGIA MANIFESTA. AUSÊNCIA. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. SÚMULA Nº 26/TSE. DESPROVIMENTO.
1. Nas razões do agravo regimental, os agravantes não apresentaram impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada, limitando-se a sustentar, de forma genérica, que a impetração não é substitutiva de revisão criminal, ainda que transitado em julgado o édito condenatório, e que houve negativa de jurisdição. Incidência da Súmula nº 26/TSE.
2. Agravo regimental desprovido.” (AgR-HCCrim n. 060012711/RJ, Relator o Ministro Carlos Horbach, DJe 4.8.2022)
“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. AMEAÇA A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 26/TSE. NÃO CONHECIMENTO.
1. O Agravante não se desincumbiu do ônus de impugnar o óbice contido na decisão agravada, o que atrai novamente a incidência da Súmula 26 do TSE.
2. Agravo Regimental não conhecido.” (AgR-HCCrim n. 060197249/SC, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 16.3.2021)
3. Como afirmado na decisão agravada, o TRE/PE assentou ter havido fundamentação idônea para a decretação da medida cautelar de busca e apreensão que, depois da devida investigação policial, reconheceu a configuração de indícios de materialidade e autoria relacionados à alegada prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, (autuação de correligionário em compra de votos em favor do recorrente).
Confiram-se trechos do voto condutor do julgamento (ID 159626614):
“Relativamente a este ponto, do que se consegue inferir a partir do exame da prova pré-constituída juntada aos autos, verifica-se estar-se diante de investigação iniciada a partir de denúncia escrita (aparentemente apócrifa – pag. 36 PDF) acerca do conteúdo de um vídeo tornado público nas redes sociais, em que supostos eleitores estariam a reclamar de uma promessa não cumprida do ora paciente, no sentido de remunerar cada eleitor com R$ 100,00 (cem reais) pelo voto.
Assim é que, diante da possibilidade, em tese, de configuração do delito do art. 299 do Código Eleitoral, seguiu-se despacho oriundo da autoridade policial, determinando a realização de diligências no intuito de entrevistar eleitores que apareciam no vídeo, o que foi cumprido por agentes policiais na manhã do dia 10 de outubro de 2022, seguindo-se, no dia seguinte (11/10/2022), a oitiva das pessoas que apareciam no vídeo: MAYARA CAUNY DE OLIVEIRA FREITAS, MARIA HELENA ALVES DA SILVA OLIVEIRA e FABIANA ALVES DE OLIVEIRA, as quais, em síntese, afirmaram que: a) na verdade, buscavam a cobrança do pagamento do serviço de cabo eleitoral; b) se tratava o vídeo de uma brincadeira.
Assim, em que pese tenha a investigação iniciado a partir de notícia acerca do conteúdo de vídeo publicado em rede social, identificam-se como suficientes as diligências a que procedeu a autoridade policial: pesquisas de campo e oitiva de testemunhas, seguindo-se a representação pela busca e apreensão.
Ainda neste concernente, cumpre salientar que a tese que deve prevalecer ante um ‘confronto de versões’ surgido a partir das falas constantes do vídeo cujo conteúdo originou a investigação (referências a compra de votos ou a pagamentos por serviços lícitos realizados durante a campanha) não se trata de matéria aferível em sede de habeas corpus, devendo ser examinada na seara própria.
Ante o cenário narrado, reconhecida a configuração de indícios de materialidade e autoria relacionados à suposta prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral (atuação de correligionário em suposta compra de votos em favor do ora paciente), tem-se por justificado o deferimento da medida extrema – a qual encerra uma exceção à constitucionalmente garantia da inviolabilidade domiciliar – como forma de obter acesso a vestígios dos registros referidos na gravação, listagem de eleitores, anotações ou indicações de pagamentos, numerário vultoso, documentos, dados (ainda que digitais) ou aparelhos eletrônicos aptos a confirmarem (ou não) as suspeitas que pesavam sobre o ora paciente.
Ainda como elemento apto ao reconhecimento da legalidade da medida, refira-se não apenas a forma como se dá a prática de delitos da espécie como os de que ora se cuida (maneira velada ou sub-reptícia), mas, também, o histórico de diligências realizadas até o presente momento processual (visitas a endereços de pessoas físicas/jurídicas, colheita de depoimentos).
No que toca aos argumentos relativos ao caráter supostamente genérico e abstrato da decisão ora impugnada, cumpre salientar que, conquanto de forma concisa, o mencionado ato judicial apresentou os motivos viabilizadores das medidas constritivas decretadas, notadamente no que se refere aos indícios de materialidade/autoria da prática, em tese, do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral.
Relativamente à alegada falta de delimitação de qual seria o objeto da medida de busca e apreensão, cumpre mencionar constar, do teor da decisão ora impugnada, a menção de que a diligência seria realizada nos locais de residência dos investigados, ‘com a finalidade exclusiva de obter elementos de prova das infrações penais apontadas na representação’.”
Essa decisão harmoniza-se com a jurisprudência deste Tribunal Superior e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que apenas é válida a decretação da medida de busca e apreensão se dela resultar fundamentação idônea, situação que se tem presente no caso dos autos.
Assim, por exemplo:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO FEDERAL. NOTÍCIA-CRIME. CORRUPÇÃO ELEITORAL (ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL). BUSCA E APREENSÃO. NOTÍCIA ANÔNIMA. DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. DELIMITAÇÃO DOS DOCUMENTOS E OBJETOS APREENDIDOS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.
1. A notícia anônima sobre prática criminosa, por si só, não é idônea para dar início a inquérito ou ação penal, prestando-se, contudo, a embasar procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações, legitimando a persecutio criminis. Precedentes.
2. Na espécie, após a delatio criminis anônima, a autoridade policial realizou diligência e assentou a conduta suspeita de pessoa que adentrou uma das empresas agravantes vestindo camisa com adesivo de campanha de candidato ao cargo de deputado federal no pleito de 2018 e saiu logo depois portando uma mochila, havendo, ainda, constantes movimentações de veículos igualmente contendo propaganda.
3. Decretou-se a busca e apreensão a partir de fundamentos concretos e idôneos, aludindo-se à notícia anônima e às investigações preliminares, com justificativa também na urgência diante da proximidade do pleito, em observância ao art. 93, IX, da CF/88.
4. Assentou-se que ‘há necessidade de apreensão dos bens descritos na inicial (recibos, dinheiro ou qualquer objeto ilícito, vinculado à finalidade descrita na inicial)’, denotando-se com clareza que inexistiu devassa indiscriminada por parte da autoridade coatora.
5. Agravo regimental desprovido.” (AgR-RMS n. 060302823/CE, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe 13.3.2020)
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSO PENAL. BUSCA E APREENSÃO. FUNDAMENTAÇÃO. IDÔNEA. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INVIABILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NAGE PROVIMENTO.” (Supremo Tribunal Federal, RHC n. 200108-AgR/PA, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 20.9.2021)
4. Diferente do alegado, a presente representação de busca e apreensão não foi baseada apenas em informações anônimas. Como posto no voto condutor do julgado, a representação de busca e apreensão foi seguida de diligências, como pesquisa de campo e oitiva de testemunhas, tudo em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, assim tenho decidido:
“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DECORRENTE DA EVENTUAL INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESEMBARGADOR APOSENTADO. PRERROGATIVA DE FORO DOS CORRÉUS. CONEXÃO. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HABEAS CORPUS. LIMITES. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO PRESERVADA. REINTEGRAÇÃO DO PACIENTE AOS QUADROS DO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1 . Não se comprova a presença de constrangimento ilegal a ferir direito do Paciente nem ilegalidade ou abuso de poder a ensejar a concessão da presente ordem de habeas corpus.
2. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que ‘nada impede a deflagração da persecução penal pela chamada 'denúncia anônima', desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados’. Precedentes.
3. Pelo que se tem nos autos, no início das investigações não se apuravam irregularidades cometidas por autoridades judiciárias, mas sim por terceiros que, supostamente, estariam se aproveitando de sua posição próxima àquelas autoridades para receber vantagem em troca da manipulação de decisões judiciais.
4. A ocorrência de duas ou mais infrações, supostamente praticadas por várias pessoas em concurso, algumas inclusive com prerrogativa de foro, embora diverso o tempo e o lugar, resulta tanto na conexão subjetiva concursal quanto na reunião dos inquéritos separadamente instaurados na instância competente, atendendo às exigências dos arts. 76, inc. I, e 78, inc. III, do Código de Processo Penal
5. A apuração unificada, especialmente quando se cogita da existência de uma quadrilha envolvendo juízes e desembargadores, justifica a tramitação do inquérito policial sob a competência do Superior Tribunal de Justiça, na forma estabelecida nos arts. 84 e seguintes do Código de Processo Penal, no art. 105, inc. I, alínea ‘a’, da Constituição da República, e na Súmula 704 deste Supremo Tribunal.
6. O habeas corpus destina-se exclusivamente à proteção da liberdade de locomoção quando ameaçada ou violada por ilegalidade ou abuso de poder. Precedente.
7. O pedido de reintegração de Magistrado afastado por decisão do Superior Tribunal de Justiça envolve direito estranho à liberdade de ir e vir, não podendo ser abrigado em habeas corpus. Precedente. 8. Ordem denegada.” (Supremo Tribunal Federal, HC 105.484/MT, de minha relatoria, DJe 16.4.2013)
5. Ademais, apreciar a tese defensiva de nulidade de busca e apreensão demandaria aprofundada incursão nos fatos e nas provas da ação penal a que responde o agravante.
O Supremo Tribunal Federal tem firme jurisprudência no sentido de que “o processo de ‘habeas corpus’, que tem caráter essencialmente documental, não se mostra juridicamente adequado quando utilizado com o objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento” (RHC n. 138.119-AgR/AP, Relator o Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 7.2.2019).
Esse entendimento é respaldado pela jurisprudência deste Tribunal Superior. Assim, por exemplo:
“ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. COAÇÃO ELEITORAL. ART. 301 DO CE. REITERAÇÃO DAS TESES DEDUZIDAS NAS RAZÕES DO RECURSO ORDINÁRIO. SÚMULA Nº 26/TSE. INCIDÊNCIA. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. EXCEPCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. URGÊNCIA NA DECRETAÇÃO DA MEDIDA. EXAME APROFUNDADO DE FATOS E CONFRONTO ANALÍTICO DE MATÉRIA ESSENCIALMENTE PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES DO STF, DO TSE E DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO.
1. As razões do agravo regimental evidenciam, com algum reforço argumentativo, mera reiteração das teses deduzidas no recurso ordinário. Incidência da Súmula nº 26/TSE.
2. Na linha da jurisprudência do TSE, ‘a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ação penal em curso (bem como do antecedente inquérito policial) só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas, de plano, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria’ (RHC nº 1203–89/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 31.3.2014).
3. Na espécie, não se constata, de plano, ausência de justa causa a reclamar o trancamento do inquérito policial ou decretação de nulidade das provas angariadas na apuração.
4. O TRE/CE, no acórdão recorrido, assentou que o inquérito policial se iniciou com lastro no Procedimento Preparatório Eleitoral nº 2018/550145, no bojo do qual foram realizadas diligências iniciais, e não com base em mera denúncia anônima, e que as medidas de busca e apreensão se apoiaram nas evidências reportadas ao juízo eleitoral em 2 (duas) informações policiais, presentes indícios mínimos de autoria e materialidade delitiva, além da urgência exigível para a decretação da cautela.
5. Na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ‘as provas apresentadas no pedido de busca, apreensão e vistoria e seu devido valor não podem ser apreciados pela via do remédio constitucional, que restringe a ampla defesa e a dilação probatória, sendo inviável seu reexame neste momento’ (RHC nº 66.571/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 30.6.2016).
6. A pretensão recursal, calcada na fragilidade das evidências que deram ensejo à instauração do inquérito policial e à decretação da medida cautelar de busca e apreensão, implicaria exame aprofundado de fatos e confronto analítico de matéria essencialmente probatória, providência inviável na via sumaríssima do habeas corpus. Precedentes STF e do TSE.
7. Agravo regimental desprovido.” (AgR-RO-RHC n. 0600277-29/CE, Relator o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe 28.10.2020)
6. Os argumentos do agravante são insuficientes para modificar a decisão agravada, firmada na jurisprudência deste Tribunal Superior e do Supremo Tribunal Federal.
7. Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
AgR-RHC nº 0603692-09.2022.6.17.0000/PE. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Agravante: Francismar Mendes Pontes (Advogados: Vinicius Costa Rocha – OAB: 60124/PE e outros). Agravado: Ministério Público Eleitoral.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto da relatora.
Composição: Ministras Cármen Lúcia (Presidente) e Isabel Gallotti, Ministros Nunes Marques, André Mendonça, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Alexandre Espinosa Bravo Barbosa.
SESSÃO VIRTUAL ORDINÁRIA DE 21 A 27.6.2024.