index: RECURSO EXTRAORDINÁRIO (1348)-0600972-43.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Cargo - Vice-Presidente da República, Abuso - De Poder Econômico, Abuso - De Poder Político/Autoridade]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO (1348) Nº 0600972-43.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
RECORRENTE: JAIR MESSIAS BOLSONARO, WALTER SOUZA BRAGA NETTO
Advogados do(a) RECORRENTE: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - DF40989-A
Advogados do(a) RECORRENTE: MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - DF40989-A
RECORRIDA: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) - NACIONAL
Advogados do(a) RECORRIDA: ALISSON EMMANUEL DE OLIVEIRA LUCENA - PE37719-A, WALBER DE MOURA AGRA - PE757-A, ANA CAROLINE ALVES LEITAO - PE49456-A, EZIKELLY SILVA BARROS - DF31903, MARCOS RIBEIRO DE RIBEIRO - RJ62818, MARA DE FATIMA HOFANS - RJ68152-A
Trata-se de Recurso Extraordinário interposto por Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto contra acórdão do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, pelo qual: a) julgados procedentes os pedidos formulados na Representação 0600984-57 para condenar, ambos os investigados, pela prática das condutas vedadas previstas no art. 73, I e III, da Lei 9.504/97, aplicando ao primeiro investigado, Jair Messias Bolsonaro, multa no valor de R$ 425.640,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil, seiscentos e quarenta reais) e ao segundo investigado, Walter Souza Braga Netto, multa no valor de R$ 212.820,00 (duzentos e doze mil, oitocentos e vinte reais); e b) julgados procedentes os pedidos formulados nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral 0600972-43 e 0600986-27 para condenar Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto pela prática de abuso de poder político e econômico, nas Eleições 2022, declarando-os inelegíveis pelo período de oito anos seguintes ao pleito de 2022, dentre outras determinações.
O acórdão foi assim ementado:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. ELEIÇÃO PRESIDENCIAL. BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA. COMEMORAÇÃO OFICIAL. DESVIO DE FINALIDADE ELEITOREIRO. BENS, RECURSOS E PRERROGATIVAS PÚBLICAS. USO EM FAVOR DE CANDIDATURA. APROPRIAÇÃO SIMBÓLICA. GRAVIDADE. ABUSO DE PODER POLÍTICO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE. CHAPA NÃO ELEITA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. INELEGIBILIDADE.
1. Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) destinada a apurar a ocorrência de abuso de poder político e econômico nas comemorações oficiais do Bicentenário da Independência em Brasília e no Rio de Janeiro.
2. Em 07/09/2022, o governo federal realizou desfile cívico-militar na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Na sequência, os investigados realizaram comício em trio elétrico em via transversal àquela em que performado o desfile. A TV Brasil transmitiu entrevista com o primeiro investigado, ainda no Palácio da Alvorada, e fez a cobertura completa do evento.
3. Na mesma data, no Rio de Janeiro, foram realizadas performances militares em Copacabana, em comemoração à data cívica. O primeiro investigado chegou à região ao final de motociata com seus apoiadores e se dirigiu à tribuna oficial de onde acompanhou salva de tiros de canhão. Em seguida, dirigiu-se para trio elétrico situado a alguns quarteirões e realizou novo comício.
4. Na hipótese, a autora alega que os atos de campanha foram mesclados aos atos oficiais, fazendo com que todo o aparato público envolvido, incluindo bens móveis e imóveis e servidores da Administração Pública Federal, viesse a ser usado em benefício da campanha dos investigados. Afirma também que houve apropriação simbólica do evento, de forma deliberada, com o objetivo de que a data cívica fosse elevada a marco da “luta do bem contra o mal”, mote que o primeiro investigado associava ao enfrentamento contra seu principal adversário no pleito.
5. Em contrapartida, os investigados defendem que houve “clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas”, entre os atos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência e os atos de campanha. Acrescem que todas as candidaturas poderiam, de igual forma, ter se valido da data cívica, sendo lícito que o primeiro investigado mobilizasse sua base política, construída ao longo de anos, nessa ocasião.
I. Preliminares
Preliminar de exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União (suscitada pelos investigados).
6. É pacífica a jurisprudência no sentido da impossibilidade de pessoas jurídicas figurarem no polo passivo da AIJE. Precedentes.
7. Não existe uma “relação jurídica incindível” entre a União e o Presidente da República a impor que o ente federado litigue, na AIJE, ao lado do candidato. Além da indevida mescla de interesses públicos e privados que deriva dessa proposta, seu acolhimento comprometeria, em definitivo, a celeridade e a economicidade, ao forçar a atuação processual de entes federados, autarquias, empresas públicas e fundações em toda e qualquer ação em que se apure finalidade eleitoral ilícita de atos praticados em nome do Poder Público.
8. Caso a União ou a Empresa Brasil de Comunicação entendesse que houve prejuízo ao patrimônio público em decorrência da determinação liminar para excluir de material produzido pela TV Brasil os trechos de promoção pessoal e eleitoral do primeiro investigado do registro, poderia atuar na condição de terceiro prejudicado. Contudo, nenhuma das pessoas jurídicas adotou medida voltada para assegurar a veiculação do material, o que torna patente que não vislumbraram esse tipo de prejuízo.
9. Preliminar rejeitada.
Preliminar de ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com responsáveis por movimentos cívicos (suscitada pelos investigados).
10. Na linha da jurisprudência do TSE, a viabilidade da AIJE não depende da inclusão, no polo passivo, de pessoas apontadas como responsáveis pela conduta abusiva, sem prejuízo de que figurem como litisconsortes facultativos dos candidatos beneficiários.
11. No caso, os investigados selecionaram alguns movimentos cívicos, a partir de notícia de jornal, afirmando que se tratava de litisconsortes passivos necessários, sem nem mesmo buscar identificar as pessoas envolvidas. Denota-se o pouco interesse em que efetivamente pudessem ser citados antes do término do prazo decadencial.
12. A propositura desta ação se sustenta diante da narrativa plausível do desvio de finalidade das comemorações oficiais, atribuído aos investigados, em proveito de sua campanha.
13. Preliminar rejeitada.
Preliminar de violação ao devido processo legal por suposta inobservância ao art. 96-B da Lei nº 9.504/1997 (suscitada pelos investigados).
14. O art. 96-B da Lei nº 9.504/1997 dispõe que “[s]erão reunidas para julgamento comum as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, sendo competente para apreciá-las o juiz ou relator que tiver recebido a primeira”.
15. A jurisprudência do TSE é no sentido de que a reunião de feitos não é obrigatória, cabendo à relatora ou ao relator, respeitada a harmonia entre os julgados e o princípio da economia processual, avaliar sua oportunidade e conveniência. Precedente.
16. O Pleno do STF assentou, em controle concentrado de constitucionalidade, que a aplicação do art. 96-B da Lei nº 9.504/1997 pode ser afastada “no caso concreto sempre que a celeridade, a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF), o bom andamento da marcha processual, o contraditório, a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), a organicidade dos julgamentos e o relevante interesse público envolvido recomendarem a manutenção da separação” (ADI nº 5507, Rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 03/10/2022).
17. Na hipótese dos autos, foi reconhecida a conexão entre quatro ações que versam sobre alegados desvios nas comemorações do Bicentenário da Independência. Foram praticados atos instrutórios comuns, nas situações em que essa providência se mostrou benéfica à instrução.
18. A instrução conjunta foi suficiente para que três ações ficassem maduras para julgamento. A quarta ação, que tem objeto mais amplo e maior número de investigados, e envolve discussão quanto à eventual responsabilidade de cada um deles pelas condutas imputadas, teve prosseguimento, com exame de questões processuais particulares, análise de requerimentos e produção de provas.
19. Os investigados não conseguiram descrever qualquer prejuízo que a sistemática tenha acarretado na presente AIJE. Ainda assim, nas alegações finais, insistem que se adote uma rígida “tramitação unificada”.
20. A medida pretendida teria por único efeito prático postergar o julgamento das três ações inteiramente aptas para julgamento. A legitimidade ativa concorrente da AIJE foi concebida com vistas a melhor proteger os bens jurídicos eleitorais e não pode ser transformada em fonte de riscos lotéricos.
21. O art. 96-B da Lei nº 9.504/1997 não impõe a forma pela forma. Sua principal diretriz é a necessidade da prolação de decisões coerentes sobre os mesmos fatos e à luz das mesmas provas (julgamento secundum eventum probationis). Descabe invocar o dispositivo para produzir o resultado, ilógico, de fazer com que ações já plenamente instruídas e aptas para julgamento, à luz da controvérsia nelas posta, fiquem paralisadas.
22. Ausente demonstração de nulidade processual ou de efetivo prejuízo à defesa dos investigados, evidencia-se que o requerimento de retirada do feito de pauta, para “unificação da tramitação das ações”, tem caráter meramente protelatório.
23. Preliminar rejeitada.
24. Indeferido o requerimento de retirada do feito da pauta de julgamento.
Preliminar de cerceamento de defesa em função de indeferimento da oitiva de testemunhas (suscitada pelos investigados)
25. A invocação, genérica, de que a prova testemunhal é sempre cabível não é suficiente para assegurar o deferimento de qualquer requerimento desta natureza. Cabe à parte demonstrar a utilidade e a pertinência das provas que requer, o que deve ser feito em cotejo com aspectos relevantes da controvérsia.
26. O art. 454 do CPC elenca autoridades às quais se concede regime especial de inquirição como testemunhas. Não se trata de privilégio, mas de prerrogativa que atenta para a envergadura do cargo ocupado, a preservação da segurança pessoal e o não prejuízo do desempenho das funções públicas.
27. A aplicação do regime de oitiva de autoridades, mesmo com ajustes para acomodá-lo à celeridade própria das ações eleitorais, envolve organização complexa, com impactos sobre a marcha processual. Os incisos do art. 454 do CPC não podem se transformar em um catálogo de opções utilizado para retardar o trâmite da ação, à míngua de justificativa razoável e proporcional que demonstre a necessidade da oitiva.
28. Por isso, a indicação dessas autoridades como testemunhas deve se amparar em fatos relevantes que efetivamente dependam de seu particular conhecimento. Chega-se a essa conclusão por simples desdobramento da boa-fé objetiva, pois seria impensável que essas pessoas pudessem ser convocadas a testemunhar a respeito dos mais diversos aspectos de fatos comuns presenciados, em quaisquer ações, ao alvedrio de terceiros.
29. No caso, os investigados arrolaram como testemunhas um Ministro do TST, um Conselheiro do CNJ e o Embaixador do Cabo Verde. Alegaram que pretendiam demonstrar que houve cisão do evento oficial e político em Brasília, e que a participação do segundo investigado foi episódica.
30. O ato oficial recebeu cobertura integral da TV Brasil, que se estende até o momento em que o primeiro investigado deixa a tribuna de honra e, já sem a faixa presidencial, cumprimenta o público, enquanto se dirige para o local em que faria comício. A participação do segundo investigado também foi registrada em vídeo. Os investigados tiveram deferidos outros nove requerimentos de oitiva de testemunhas, inclusive o ex-Ministro Chefe da Casa Civil, o ex-Ministro da Defesa e o Governador do Distrito Federal. Há farta prova documental nos autos.
31. Os investigados não apontaram qualquer episódio relevante, não registrado em vídeo ou corroborado por outro meio de prova, que seria de especial conhecimento das autoridades vinculadas ao TST, ao CNJ e à República do Cabo Verde, que compareceram como meros convidados. Ademais, não caberia a tais autoridades emitir opinião sobre o evento, uma vez que testemunhas depõem sobre fatos.
32. As oitivas pretendidas estavam desconectadas das finalidades jurídicas da iniciativa probatória das partes. O indeferimento de prova impertinente, fadada a produzir efeitos protelatórios, não caracteriza cerceamento de defesa.
33. Preliminar indeferida.
II. Mérito
Premissas de julgamento
34. O abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas.
35. O núcleo fático do abuso de poder político pode recair sobre condutas vedadas aos agentes públicos, cuja tipificação se assenta em presunção legal de que as práticas descritas são “tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais” (art. 73, caput, da Lei nº 9.504/1997).
36. A cessão ou uso de bens móveis ou imóveis da administração pública em benefício de campanhas eleitorais vedados pelo art. 73, I, Lei nº 9.504/97, visa impedir que agentes públicos se beneficiem eleitoralmente da prerrogativa de acesso a espaços em função do cargo ocupado. Precedentes.
37. A vedação de cessão de servidor público para prestar serviços à campanha durante o horário de expediente normal (art. 73, III, Lei nº 9.504/1997) deve ser interpretada sopesando-se a moralidade pública e a liberdade de manifestação política. Desse modo, “para a incidência da vedação [...], é necessário que se verifique o uso efetivo do aparato estatal em prol de determinada campanha”, inexistindo restrição ao “mero engajamento eleitoral de servidor público, fora do exercício das atribuições do cargo” (AgInt em AI nº 126-22, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16/08/2019).
38. Em julgado atinente às Eleições 2022, assinalou-se que o reconhecimento do desvio de finalidade eleitoreiro de bens, serviços e prerrogativas da Presidência da República, para fins de configuração do abuso de poder político, não depende da comprovação de emprego de recursos patrimoniais elevados. A exploração eleitoral de símbolos do Poder Público afeta bens impassíveis de serem estimados financeiramente e transmite sentidos perceptíveis pelo eleitorado que podem redundar em quebra de isonomia (AIJE nº 0600814-85, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 01/08/2023).
39. O abuso de poder econômico configura-se com a utilização de recursos financeiros com o intuito de conferir vantagem indevida a determinada candidatura. O poder econômico, ao contrário do poder político em sentido estrito, mostra-se difuso e disperso na sociedade. Isso aumenta as variáveis objetivas e subjetivas para a configuração do abuso de poder econômico.
40. A gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito). Seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa.
41. Assim, o desvio de finalidade eleitoreiro de comemorações festivas, envolvendo bens públicos materiais e imateriais, inclusive de valor simbólico, serviços públicos e prerrogativas decorrentes do exercício do cargo, dentre as quais o acesso a locais específicos, pode caracterizar conduta vedada pelo art. 73, I e III, da Lei nº 9.504/1997. A depender do vulto dos bens simbólicos ou dos valores investidos ou estimados, em cotejo com a reprovabilidade da conduta e a magnitude do pleito, o desvio pode configurar abuso de poder político e econômico.
42. A responsabilidade de candidatas e candidatos por seus atos observa o modelo da accountability. Ao se habilitarem para concorrer às eleições, essas pessoas se sujeitam a ter suas condutas rigorosamente avaliadas com base em padrões democráticos, calcados na isonomia, na normalidade eleitoral, no respeito à legitimidade dos resultados e na liberdade do voto. Esse regime é também inerente à atuação dos agentes públicos, submetidos à legalidade estrita.
43. A inelegibilidade decorrente da prática de abuso é sanção personalíssima, que se impõe “a quantos hajam contribuído para a prática do ato [abusivo]” (art. 22, XIV da LC nº 64/1990). Essa contribuição deve, portanto, ser avaliada considerando-se a conduta de cada pessoa frente ao padrão de comportamento que lhe era exigível. Assim:
43.1 No caso do abuso de poder político, a identificação do agente público responsável observa a parcela de poder detida e que foi empregada em desvio de finalidade, não se excluindo desse desenho o poder indevidamente apropriado por terceiros em decorrência de tráfico de influência ou outras condutas contrárias aos princípios republicano e da impessoalidade; e
43.2 No caso do abuso de poder econômico, a pulverização da origem de recursos não exclui a responsabilidade individual se da acumulação de condutas similares decorrer contribuição relevante para a consecução do ilícito.
Fixação da moldura fática
44. A prova dos autos demonstra, de forma inequívoca, que os investigados buscaram fazer do Bicentenário da Independência e das comemorações oficiais da data cívica um potente fator de mobilização eleitoral. A narrativa apresentada foi a de que a presença dos apoiadores dos candidatos, ao lado das Forças Armadas, tornaria o ato decisivo na “luta do bem contra o mal”, imagem que o primeiro investigado evocava como mote na disputa contra seu principal adversário no pleito.
45. A estratégia remonta ao menos à convenção partidária do Partido Liberal – PL, realizada em 24/07/2022, quando o então Presidente da República, que se lançava oficialmente à reeleição, comanda o comparecimento ao 7 de setembro como forma de mostrar o “poder da maioria”, incitando oposição ao Poder Judiciário.
46. Na ocasião, o primeiro investigado se valeu da expressão “vamos às ruas pela última vez” para disparar um sentimento de urgência, associado a uma imaginária necessidade de atuação de seus apoiadores “para lutar por nossa liberdade e pela nossa pátria”, supostamente ameaçada por Ministros do STF, denominados “poucos surdos de capa preta”.
47. Em 30/07/2022, na convenção do Republicanos, o primeiro investigado intensificou a narrativa, anunciando que iria levar as Forças Armadas e as forças auxiliares, na data cívica, para desfiliar em Copacabana, local em que tradicionalmente seus apoiadores se reúnem. A alteração só lhe seria possível por ser, então, Presidente da República. O pré-candidato insiste na imagem de militares “ao lado do nosso povo” para exigir “paz, democracia, transparência e liberdade” e encerra a mensagem com seu slogan da campanha.
48. O comando reverberou para além das citadas convenções. Emissora de televisão deu destaque a longos trechos dos discursos. O material foi explorado na propaganda eleitoral de candidatos proporcionais divulgada na internet, com convocações que associavam a simbologia da data cívica, pautas ideológicas, motes distorcidos como “a independência contra o comunismo” e o apoio à candidatura dos investigados.
49. Em 06/09/2022, os investigados veicularam inserção de propaganda eleitoral em televisão na qual o primeiro investigado convoca “as famílias para “irem às ruas comemorar os 200 anos da nossa Independência” e divulga locais e horários em que estaria em Brasília e no Rio de Janeiro. Os horários coincidem com o das comemorações oficiais.
50. Os fatos demonstram a inequívoca difusão de mensagem direcionada a associar a comemoração do Bicentenário, e todo seu simbolismo, à campanha dos investigados, dentro de uma concepção de patriotismo militarizado fortemente explorada no pleito para manter a mobilização passional de suas bases.
51. O primeiro investigado, com ciência e conivência do segundo investigado, se dirigiu a seus apoiadores como “maioria” à qual pertencia a data cívica, instigando-os a combater ameaças imaginárias à liberdade da nação, atribuídas a seus adversários no pleito. O Chefe de Estado, fazendo as vezes de candidato, ou vice-versa, não deixou qualquer espaço para que o pluralismo político coubesse na comemoração cívica.
52. A cobertura do Bicentenário da Independência pela TV Brasil durou aproximadamente 4 horas, sendo possível identificar ao menos dois momentos em que se produziram dividendos eleitorais para os investigados.
53. No primeiro deles, ainda no Palácio da Alvorada, o primeiro investigado, trajando a faixa presidencial, direcionou a entrevista concedida à emissora pública para promover seu governo e difundir pautas eleitoreiras, assumindo nítido papel de candidato em campanha pela reeleição. Em referência indireta e inequívoca ao pleito próximo, o suposto ressurgimento do patriotismo foi explorado para dirigir ao público mensagens como “o que está em jogo é a nossa liberdade, é o nosso futuro” e que “o Brasil é nosso, nós sabemos o que queremos”.
54. O segundo momento em que há indevida divulgação da figura do primeiro investigado ocorre ao final do evento. É possível ouvir a mestre de cerimônias comunicar que está encerrado o desfile, mas as câmeras da emissora governamental passam a enfocar o primeiro investigado, depois de descer da tribuna de honra e sem a faixa presidencial, transitando junto à população, enquanto se dirige para o trio elétrico no qual iria realizar comício.
55. Os apresentadores se mostram desconcertados e tentam tratar as imagens como uma continuidade da atuação do Chefe de Estado. Quando a transmissão desse momento é enfim interrompida, um dos militares presentes no estúdio, que lá estava para comentar o desfile cívico-militar, finaliza sua participação com a fala “espero [...] que possamos decidir que tipo de nação queremos para o futuro”.
56. O vídeo disponibilizado no canal de YouTube da TV Brasil conta com quase 400.000 visualizações.
57. Além desses elementos frontais de promoção à figura política do primeiro investigado, destaca-se que: a) esteve presente à tribuna de honra ao menos um empresário de forte identificação eleitoral com o primeiro investigado, posicionado em local de precedência em relação a autoridades para acompanhamento do desfile cívico-militar, inclusive o Presidente de Portugal; b) o segundo investigado, embora não possuísse cargo no governo, participou, ao lado do então Vice-Presidente e dos comandantes das Forças Armadas, do momento solene em que o ex-Presidente da República autoriza o início do desfile da Independência; e c) o desfile cívico-militar foi encerrado pela passagem de tratores, representativos do agronegócio.
58. A participação dos tratores no desfile ocorreu por iniciativa do Movimento Brasil Verde e Amarelo, que logrou ter atendido seu singelíssimo pedido, dirigido ao Ministério da Defesa por meio de ofício em que o movimento se descreve como “patriótico em sua essência”, e justificado pelo “intento de contribuir para a comemoração dos 200 anos de Independência”.
59. O Movimento Brasil Verde e Amarelo também pediu a instalação de um trio elétrico na área de segurança da Esplanada dos Ministérios. Nesse caso, a solicitação foi dirigida ao Governo do Distrito Federal, em 19/08/2022. O movimento informou que o objetivo era “viabilizar a participação do Exmo. Sr. Presidente da República neste ano comemorativo pelos 200 anos da independência do Brasil”.
60. É fato notório que o trio elétrico foi efetivamente instalado no local e que dele foi realizado o comício do primeiro investigado. A distância entre o palanque do desfile oficial e o ponto em que ficou o trio elétrico é de aproximadamente 350 metros, e foi percorrida a pé pelo primeiro investigado.
61. A prova documental demonstra que a realização do Desfile Cívico-Militar em Brasília, considerando-se o seu porte vultuoso e a projeção de um público superior ao dos anos anteriores, implicou gastos de ao menos R$ 12.585.535,19 (doze milhões, quinhentos e oitenta e cinco mil, quinhentos e trinta e cinco reais e dezenove centavos).
62. Quanto ao Rio de Janeiro/RJ, restou evidenciado o interesse e empenho do primeiro investigado, então Presidente da República, para concentrar atos militares em Copacabana, mesmo local em que pretendia realizar atos de campanha.
63. Para esse intento, anunciou que o desfile militar, tradicionalmente realizado no centro da cidade, seria deslocado para Copacabana. Uma vez que essa ideia se frustrou, fato que o primeiro investigado atribuiu a perseguição política do Ministério Público, o Ministério da Defesa simplesmente cancelou o desfile.
64. O primeiro investigado, tanto na convenção do Republicanos como em entrevista a emissora de televisão, explorou fortemente a associação entre a exibição de poder militar e a força de sua candidatura. Na citada entrevista, em 03/09/2022, abordou, de forma indistinta, atos oficiais e eleitorais, como parte de uma grande celebração dos “200 anos de independência e uma eternidade de liberdade”.
65. As providências para o incremento dos atos em Copacabana foram determinadas com urgência não usual e envolveram a contratação direta emergencial de serviços e o deslocamento de efetivo policial. As medidas permitiram ao primeiro investigado concatenar a apertada agenda, intercalando compromissos oficiais e de campanha no bairro de sua preferência.
66. O primeiro investigado, recebido pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro na base aérea, seguiu em carro aberto até o Aterro do Flamengo. De lá partiu a motociata, que terminou em Copacabana, funcionando como um cortejo para intensificar a concentração no local.
67. A programação oficial demonstra que atos oficiais de menor visibilidade foram realizados em Copacabana enquanto transcorria a motociata. Os atos de grande visibilidade ficaram reservados para o momento em que o primeiro investigado já estava em Copacabana: salto de paraquedistas, salva de tiros e espetáculo de aviões da FAB.
68. O primeiro investigado ocupou a tribuna de honra com vestes esportivas, próprias à motociata, sem faixa presidencial, enquanto três autoridades militares formalmente trajadas se postavam impávidas em meio à intensa e animada movimentação de mais de uma dezena de pessoas em trajes informais, entre as quais Daniel Silveira, candidato a Senador, que relatou facilidade junto ao cerimonial para subir ao palanque e ocupar local de destaque.
69. Encerrado o ato, o primeiro investigado caminhou para o trio elétrico em que faria comício, e que estava instalado a aproximadamente 350 metros do local do palanque oficial. Imagens em vídeo juntadas com a petição inicial demonstram que o percurso se mostrava inteiramente ocupado pela grande massa humana em meio à qual caminhou o ex-Presidente.
70. Devido ao que descreveu como “confusão enorme”, o Governador do Rio de Janeiro declarou que não conseguiu se manter junto ao primeiro investigado nesse deslocamento. Aviões da FAB ainda cruzaram o céu, soltando fumaça nas cores da bandeira do Brasil, enquanto o primeiro investigado, candidatos de seu grupo político e apoiadores realizavam o ato de campanha.
71. O trio elétrico utilizado para o comício em Copacabana foi custeado por Silas Malafaia, que juntou a nota fiscal da locação no valor de R$34.720,00. O aluguel do aparato por terceiro em benefício da campanha não é admitido pela legislação, mas não inibiu os investigados.
Subsunção dos fatos às premissas de julgamento
72. A “prova robusta”, necessária para a condenação em AIJE, equivale ao parâmetro da prova “clara e convincente” (clear and convincing evidence).
73. A tríade para apuração do abuso – conduta, reprovabilidade e repercussão – se perfaz diante de: a) prova de condutas que constituem o núcleo da causa de pedir; e b) elementos objetivos que autorizem: b.1) estabelecer um juízo de valor negativo a seu respeito, de modo a afirmar que são dotadas de alta reprovabilidade (gravidade qualitativa), e b.2) inferir com necessária segurança que essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral (gravidade quantitativa).
74. Na hipótese, está demonstrado que o uso ostensivo da propaganda em televisão e das convenções eleitorais para convocar apoiadores dos investigados para que comparecessem às comemorações do Bicentenário da Independência, em 07/09/2022, foi direcionada a induzir a confusão entre atos oficiais e atos eleitorais.
75. Esse direcionamento se fez explorando motes de campanha, situando a festividade do Bicentenário na narrativa mais ampla de luta pela liberdade, banimento do mal e triunfo de um patriotismo militarizado, com a qual o primeiro investigado continuamente mobilizou suas bases. Linguagem e símbolos foram antecipadamente explorados para impor uma identificação restrita entre a data cívica e a candidatura dos investigados, bem como acionar o sentimento de urgência da ocupação das ruas “pela última vez”, como grande mostra de poder e popularidade do ex-Presidente da República.
76. Comprovou-se a indevida mescla entre atos oficiais e eleitorais em Brasília/DF, uma vez que:
76.1 A entrevista concedida no Palácio da Alvorada à TV Brasil, transmitida ao vivo e intencionalmente direcionada para promoção da candidatura, foi concedida com a faixa presidencial e no espaço do bem público de acesso restrito ao Presidente, ambos bens de importância simbólica elevada;
76.2 O primeiro investigado, trajando a faixa presidencial, quebrou o protocolo e, ao chegar ao local do desfile, dirigiu-se para cumprimentar o público, criando oportunidade para ser saudado e demonstrar o êxito de seu protagonismo pessoal para mobilizar o público, fato que não chega a ser negado pela defesa;
76.3 O segundo investigado, o Movimento Brasil Verde e Amarelo e empresário apoiador da chapa tiveram acessos privilegiados, somente justificáveis à luz de interesses eleitoreiros, para participar da solenidade oficial; e
76.4 O Movimento Brasil Verde e Amarelo obteve, também, a privilegiadíssima autorização para adentrar o perímetro de segurança do evento e instalar trio elétrico na Esplanada dos Ministérios, a poucos metros do local do desfile oficial, circunstância essencial para que se lograsse o intento de que o comício eleitoral fosse, para o público, um momento contínuo em relação ao ato oficial;
77. O sequenciamento entre o ato oficial e o ato eleitoral, no mesmo espaço público, gerou para o público presente a percepção de que se tratava de dois momentos da campanha dos investigados. No primeiro, de construção da imagem (celebração oficial), foram exaltados os valores patriótico-militares dos quais o primeiro investigado pretendeu a todo tempo expressamente se apoderar. No segundo, de tradução da imagem (comício), o candidato finalmente se dirigiu verbalmente ao público para apresentar sua reeleição como única e necessária correspondência àqueles valores.
78. A retirada da faixa ao final do ato oficial, nesse contexto, não confere “bordas cirúrgicas” a dois atos, mas, sim, assinala uma transição entre dois momentos de um mesmo e grandioso evento. Funciona até mesmo como catalisador das expectativas, pois sinaliza que o candidato estaria livre para falar, criticar adversários, estimular a militância e pedir votos.
79. Também se comprovou a indevida mescla entre atos oficiais e eleitorais no Rio de Janeiro, pois:
79.1 A preparação do evento oficial, envolvendo a sensível mudança de seu local, o cancelamento de desfile no centro da cidade, horários e tipo de exibição a ser feita no momento em que o ex-Presidente já estivesse em Copacabana, foi integralmente formatada para atender ao que fosse mais cômodo para a campanha;
79.2 não houve respeito à mínima solenidade na tribuna de honra, considerando-se os trajes do próprio ex-Presidente da República, a presença de candidato de forte identificação ideológica com este e a informalidade do comportamento da maioria dos presentes, em um contraste desconfortável com as três autoridades militares que se postaram no local;
79.3 a presença breve do primeiro investigado à etapa solene do evento serviu apenas como pretexto para justificar a portentosa exibição do poderio militar em uma série de performances custeadas com recursos públicos;
79.4 ato contínuo a essa breve participação, o ex-Presidente da República foi imediatamente recebido pela massa de apoiadores que ocupava Copacabana; e
79.5 o trio elétrico custeado por Silas Malafaia estava a poucos metros do local do ato oficial, circunstância essencial para que se lograsse o intento de que o comício eleitoral fosse, para o público, um momento contínuo em relação ao ato oficial.
80. Houve inequivocamente um sequenciamento entre a “motociata”, a participação no ato oficial e o comício, gerando para o público presente a percepção de um grande ato de campanha.
81. Também é impossível falar em “bordas cirúrgicas” entre a celebração oficial e os atos de campanha, no contexto em que a Orla de Copacabana foi transformada em um cenário no qual o candidato à reeleição pode amalgamar o poder político decorrente do cargo (simbolizado pelas performances militares de grande visibilidade) a seu capital eleitoral (simbolizado pela maciça presença de apoiadores à “motociata” e ao comício) .
82. O desvio de recursos, bens e serviços públicos em favor da campanha restou evidenciado, diante dos vultosos recursos efetivamente apurados para custear o desfile cívico-militar em Brasília, da robusta demonstração militar no Rio de Janeiro e da apropriação de bens simbólicos. Essa apropriação é inestimável, pois envolve desde o uso eleitoral de imagens em propaganda eleitoral até a incalculável representatividade da data cívica intencionalmente capturada como elemento de mobilização política.
83. As condutas se revelaram graves, do ponto de vista qualitativo, tendo em vista que são dotadas de alta reprovabilidade, considerando-se o envolvimento direto dos candidatos investigados e os severos impactos decorrentes da apropriação simbólica da data cívica e da ausência de freios para potencializar os ganhos eleitorais da chapa.
84. Também está demonstrada a gravidade quantitativa, diante da gigantesca repercussão sobre o pleito, que pode ser ilustrada pelo êxito da criação de condições para dominância do espaço dos atos oficiais por apoiadores dos investigados, pelo acirramento do patriotismo militarizado como fator de radicalização política e pelo uso de meios de comunicação (mídia tradicional, inclusive emissora pública, e internet) para difundir perante o eleitorado a apropriação da coisa pública.
85. Conclui-se pela configuração das condutas vedadas pelo art. 73, I e III, da Lei nº 9.504/1997, com gravidade suficiente para preencher o núcleo típico do abuso de poder político e do abuso de poder econômico.
86. O primeiro investigado teve decisiva atuação, como Presidente da República candidato à reeleição, para a consecução do objetivo ilícito. Era ele o agente público detentor do poder político que se irradiou em todos os atos, seja em virtude da prática pessoal, seja por ordem direta sua ou de seu alto escalão, seja, ainda, por sua franca conivência e proveito eleitoreiro com situações escandalosas, como a colocação de trios elétricos a poucos metros das tribunas de honra.
87. No que se refere ao segundo investigado, sua posição não se resume à de beneficiário como componente da chapa. Houve efetiva atuação, a revelar não apenas a absoluta conivência com os ilícitos, mas também a conveniência de assumir um papel estrategicamente relevante sem jamais chegar a disputar os holofotes com o titular da chapa.
88. Destaque-se que o segundo investigado, general reformado com profunda compreensão da relevância dos bens simbólicos da República que foram apropriados, ocupou cargos relevantes no governo do primeiro investigado, inclusive o de Ministro da Defesa à época em que sua pasta assumiu a coordenação do desfile cívico-militar; foi coordenador de campanha; estava no palco durante o discurso feito pelo primeiro investigado na convenção do Partido Liberal e adotou postura conivente e satisfeita com a associação da campanha ao Bicentenário; participou do momento solene de autorização do início do desfile, ao lado do então Vice-Presidente, cargo que estava disputando; era responsável direto pelo conteúdo da inserção de propaganda eleitoral do dia 06/07/2022; e manteve em seu perfil em rede social material que fez uso irregular de imagens do ato oficial em Brasília.
III. Dispositivo
89. Preliminares rejeitadas.
90. Pedidos julgados parcialmente procedentes, para condenar os investigados, Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto, pela prática de abuso de poder político e econômico nas Eleições 2022 e, em razão de sua responsabilidade direta e pessoal por condutas ilícitas praticadas em benefício de suas candidaturas, declarar a inelegibilidade de ambos pelos 8 (oito) anos seguintes ao pleito de 2022.
91. Cassação do registro de candidatura dos investigados prejudicada, exclusivamente em virtude de a chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita, sem prejuízo de reconhecerem-se os benefícios eleitorais ilícitos auferidos por ambos os investigados.
92. Comunicação imediata da decisão à Secretaria da Corregedoria-Geral Eleitoral para que, independentemente da publicação do acórdão, promova a devida anotação no histórico dos investigados, no Cadastro Eleitoral, da hipótese de restrição a sua capacidade eleitoral passiva.
93. Determinação de envio de comunicações à Procuradoria-Geral Eleitoral e ao Tribunal de Contas da União, para ciência e providências que entenderem cabíveis.
Opostos Embargos de Declaração, foram rejeitados:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO ESPECIAL. CONDUTAS VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CANDIDATOS NÃO ELEITOS. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. MULTAS. INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO. ACÓRDÃO EMBARGADO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.
SÍNTESE DO CASO
1. Trata-se de embargos de declaração opostos em face de acórdãos do Tribunal Superior Eleitoral que, em julgamento conjunto, por unanimidade, rejeitaram as questões preliminares e, no mérito, por maioria, julgaram procedentes os pedidos formulados: i) na Representação Especial 0600984-57.2022.6.00.0000, a fim de condenar Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto pela prática de condutas vedadas a agentes públicos em campanha previstas no art. 73, I e III, da Lei 9.504/97, aplicando-lhes multas individuais nas quantias de R$ 425.640,00 e de R$ 212.820,00, respectivamente; e ii) nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral 0600972-43.2022.6.00.0000 e 0600986-27.2022.6.00.0000 para condenar os referidos investigados pela prática de abuso do poder político e econômico nas Eleições de 2022, declarando-os inelegíveis pelo período de oito anos seguintes ao referido pleito.
2. No julgamento embargado, prevaleceu a compreensão majoritária de que ficou configurado desvio de finalidade eleitoreiro de bens, recursos e serviços públicos empregados nas cerimônias cívico-miliares de comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil, realizadas em Brasília/DF e na cidade do Rio de Janeiro/RJ no dia 7.9.2022, tendo em vista que os referidos eventos de caráter oficial foram emaranhados com eventos de caráter eleitoral, de modo a impulsionar atos de campanha dos investigados, à época candidatos aos cargos de presidente e vice-presidente da República.
ANÁLISE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Da alegação de omissão e obscuridade do acórdão embargado quanto ao exame das circunstâncias alusivas à formação de litisconsórcio passivo necessário, à decadência e à suposta violação ao devido processo legal.
3. Deve ser rejeitada a alegação de que este Tribunal Superior não teria examinado as circunstâncias alusivas à exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário, em suposta contrariedade ao art. 5º, LIV, da Constituição, pois ficou assentado nos acórdãos embargados que a União Federal e os responsáveis pelos movimentos cívicos que prestaram apoio material aos eventos questionados não são litisconsortes passivos necessários, na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior de que: i) pessoas jurídicas não têm interesse e legitimidade para figurar no polo passivo de ações de investigação judicial eleitoral, pois não são alcançadas pelas sanções previstas para a hipótese de procedência dos pedidos; e ii) é desnecessária a formação de litisconsórcio passivo entre o candidato beneficiado e o autor da conduta ilícita em ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder. Precedentes.
4. Não prospera a alegação de obscuridade dos acórdãos embargados ao mencionarem que a ausência de identificação nominal dos responsáveis pelos movimentos cívicos que prestaram apoio material aos eventos eleitorais denota o pouco interesse dos embargantes em que eles efetivamente viessem a ser integrados ao polo passivo antes do término do prazo decadencial. Isso porque o trecho impugnado não diz respeito ao ônus de promover a integração ao feito dos litisconsortes passivos necessários, mas, sim, à boa-fé processual, pois observa que o cenário verificado na espécie “confirma que é preciso atentar para que o instituto do litisconsórcio passivo necessário não seja manejado com vistas a inviabilizar a apuração de condutas ilícitas”.
Da alegação de omissão e contradição do acórdão embargado a respeito da reunião das ações conexas sobre abuso do poder político e da suposta ofensa ao devido processo legal.
5. Inexiste omissão ou contradição dos acórdãos embargados sobre as alegações apresentadas na defesa e nas alegações finais a respeito da necessidade de reunião das ações conexas sobre abuso do poder político. Por essa razão, não prospera a pretensão de que, com fundamento no art. 96-B da Lei 9.504/97 e considerado o disposto no art. 55, § 1º, do Código de Processo Civil, o julgamento conjunto dos feitos seja renovado, com a inclusão da AIJE 0601002-78.
6. Como anotado expressamente nos acórdãos embargados, o afastamento da regra prevista no art. 96-B da Lei das Eleições em relação à AIJE 0601002-78.2022.6.00.0000 visou a não paralisar os feitos eleitorais que já estavam prontos para julgamento, considerando que a reunião processual não é obrigatória, reputada a diversidade de momentos processuais com as ações sob exame e a possibilidade de tumultuar o trâmite destas. Assim, tal como anotado no voto do relator originário, a pretendida unificação da tramitação das ações, na espécie, tem caráter meramente protelatório, pois não está respaldada em demonstração de nulidade processual ou de efetivo prejuízo à defesa.
7. Não há contradição dos acórdãos embargados ao levar em consideração a participação de tratores no desfile cívico-militar alusivo ao Bicentenário da Independência, pois, embora esse fato fosse objeto inicialmente apenas da AIJE 0601002-78.2022.6.00.0000 – não submetida ao julgamento conjunto –, a questão foi objeto da coleta de prova testemunhal nas ações conexas, sem que tenha havido protesto dos investigados, e passou pelo crivo do contraditório quanto aos documentos referentes ao fato, o que acarretou a preclusão da oportunidade para apontar eventual impertinência de questões. Ademais, a decisão de saneamento determinou o traslado, para os autos das demandas julgadas em conjunto, da solicitação dirigida pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo ao Ministério da Defesa para incluir os mencionados veículos no desfile cívico-militar.
8. Não prospera a alegação de que este Tribunal não teria indicado as razões pelas quais não aplicou o entendimento adotado em outros processos, referentes ao pleito de 2022, os quais trataram de propaganda eleitoral antecipada irregular e foram reunidos para julgamento conjunto. Isso porque, a despeito da reunião dos aludidos processos, a matéria não foi objeto de discussão nos acórdãos proferidos e, demais disso, os embargantes não demonstraram que tais feitos tivessem porventura particularidades semelhantes às verificadas na espécie, notadamente a de que algum dos feitos conexos eventualmente demandasse maior tempo de maturação em relação aos demais e não estivesse pronto para julgamento conjunto, como ocorre no caso da AIJE 0601002-78.2022.6.00.0000.
Da alegação de omissão do acórdão embargado a respeito do cerceamento da produção de prova que decorreria do indeferimento da oitiva de três testemunhas da defesa.
9. Não assiste razão aos embargantes quanto à alegação de que o acórdão embargado seria omisso quanto ao alegado cerceamento de defesa, o qual adviria do indeferimento da oitiva de três testemunhas por eles arroladas. A suposta violação ao devido processo legal e a afirmação de que teriam sido demonstradas a pertinência e a utilidade das oitivas de autoridades elencadas no rol do art. 454 do Código de Processo Civil foram afastadas mediante decisão consistente e fundamentada, pontuando-se que os embargantes não indicaram nenhum aspecto da controvérsia que tangenciasse fato de conhecimento das referidas autoridades e capaz de particularizá-las em relação aos milhares de espectadores presentes aos eventos ou, ainda, em relação a outras autoridades e servidores já arrolados.
10. A compreensão dada pelo acórdão embargado ao art. 454 do Código de Processo Civil – de que tal dispositivo não se pode transformar em um catálogo de opções utilizado, com ou sem intenção, para retardar o trâmite da ação, à míngua de justificativa razoável e proporcional que demonstre a necessidade da oitiva da autoridade – não está em desacordo com a previsão de admissibilidade da prova testemunhal estabelecida no art. 442 do referido diploma legal, tampouco viola a sistemática constitucional, pois o indeferimento da produção de provas consideradas inúteis ou meramente protelatórias, como ocorreu no caso sob apreciação, não caracteriza cerceamento de defesa nem ofende os princípios da ampla defesa e do contraditório. Nesse sentido: AgR-REspe 59-46, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 8.8.2017.
Da alegação de omissão do acórdão embargado sobre a suposta violação ao princípio da segurança jurídica em matéria eleitoral (art. 16 da Constituição da República).
11. Não há omissão dos acórdãos embargados a respeito de suposta ofensa à segurança jurídica em matéria eleitoral, deduzida sob o argumento de que este Tribunal não teria observado o disposto no art. 16 da Constituição da República por não aplicar, ao presente caso, entendimento jurisprudencial fixado em precedente alusivo ao mesmo pleito.
12. Não prospera a alegação de que teria havido mudança jurisprudencial em relação ao entendimento fixado por este Tribunal Superior na AIJE 0601212-32, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 22.2.2024, no sentido de que a liminar deferida naqueles autos foi suficiente para inibir os efeitos anti-isonômicos da conduta vedada, de modo que ela não atingiu a gravidade exigida para a configuração do abuso do poder político. Com efeito, inexiste identidade fática entre os casos, apta a atrair a adoção de solução judicial similar, pois, na espécie, o cumprimento da tutela inibitória antecipada não afastou a gravidade das condutas praticadas com desvio de finalidade eleitoreiro da estrutura estatal empregada nas comemorações do Bicentenário da Independência, o qual se consumou antes mesmo do deferimento da liminar, que apenas impediu a propagação de imagens oficiais dos eventos pela televisão pública e pela campanha dos investigados.
Das alegações de obscuridade sobre se o uso da faixa presidencial contribuiria para licitude da conduta e de omissão a respeito dos fundamentos do voto vencido.
13. Não há obscuridade sobre se o uso da faixa presidencial pelo primeiro embargante contribuiria para a licitude da conduta, tampouco há omissão a respeito dos fundamentos do voto vencido, segundo os quais o evento oficial e o posterior ato de campanha seriam distintos e não teria sido utilizado nenhum símbolo que denotasse estar o primeiro embargante na condição de chefe de Estado. A respeito de tais questões, os acórdãos embargados assentaram, com suficiente clareza, que a retirada da faixa presidencial entre o palanque oficial em Brasília e o palanque eleitoral não corrobora a tese dos embargantes de que haveria separação milimétrica entre os dois eventos, mas, sim, como anotado no voto condutor, “assinala uma transição entre dois momentos de um mesmo e grandioso evento, funcionando até mesmo como catalisador das expectativas, pois sinaliza que o candidato estaria livre para falar, criticar adversários, estimular a militância e pedir votos”.
14. Não deve ser conhecida, por configurar inovação de tese em embargos de declaração, a alegação de que a configuração das condutas vedada deveria observar a sistemática da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), com as implicações decorrentes da Lei 14.230/2021. O argumento de que tal matéria seria de ordem pública, apreciável de ofício, por supostamente dizer respeito à materialidade dos tipos legais que sustentam a condenação dos investigados, não autoriza o conhecimento da alegação, pois a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que não é cabível a inovação de tese em embargos declaratórios, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Nesse sentido: ED-AgR-AREspE 0602683-40, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJE de 21.11.2023; e REspe 709-48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018.
15. Não prosperam as alegações de que a corrente vencedora no julgamento embargado não teria apontado quais servidores e bens públicos foram cedidos de forma ilegal, pois o voto condutor dos arestos e os demais votos convergentes registraram que ficou evidenciado o desvio de recursos, bens e serviços públicos em favor da campanha dos investigados, pontuando que foram gastos vultosos recursos para custear o desfile cívico-militar em Brasília/DF, assim como houve apropriação de bens simbólicos e inestimáveis, a envolver desde o uso eleitoral de imagens em propaganda eleitoral até a incalculável representatividade da data cívica intencionalmente capturada como elemento de mobilização política. Ademais, os arestos embargados registram o envolvimento de diversos órgãos governamentais na organização, na realização e na cobertura jornalística dos eventos oficiais que foram sequenciados pelos eventos eleitorais dos investigados, tais como a Secretaria Especial de Comunicação Social, o Ministério da Defesa, a Empresa Brasil de Comunicação, cuja atuação ocorreu necessariamente por intermédio de agentes, servidores e empregados públicos a serviço desses órgãos e entes estatais.
16. Não há omissão a respeito da afronta à igualdade de oportunidades entre os candidatos. Como assinalado no voto condutor dos acórdãos embargados, a tipificação das condutas vedadas aos agentes públicos em campanha se assenta em presunção legal de que as práticas descritas são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, a teor do caput do art. 73 da Lei 9.504/97. Ademais, a ofensa à isonomia entre os candidatos ficou evidenciada de forma concreta, ante a demonstração de que a realização dos eventos oficiais e eleitorais por ocasião do Bicentenário da Independência, no dia 7.9.2022, produziu vantagem eleitoral competitiva ilegítima e desproporcional em favor dos embargantes, então candidatos aos cargos de presidente e vice-presidente da República, os quais fizeram exploração eleitoral dos eventos oficiais e tiveram cobertura jornalística por emissora pública de televisão, em condições não franqueadas aos demais candidatos ao pleito presidencial.
17. A alegação de que teria havido ofensa ao exercício da liberdade de expressão está dissociada dos fundamentos do acórdão embargado, no sentido de que houve desvio de finalidade eleitoral nas comemorações do Bicentenário da Independência, as quais foram exploradas em sequenciados atos eleitorais favoráveis aos investigados. Não se trata, como alegado pelos embargantes, de atribuir ilegalidade às manifestações de apoio dos presentes aos atos em questão, mas, sim, de compreender que, ao se habilitarem para concorrer às eleições, as candidatas e os candidatos se sujeitam a ter as suas condutas rigorosamente avaliadas com base em padrões democráticos, calcados na isonomia, na normalidade eleitoral, no respeito à legitimidade dos resultados e na liberdade do voto, como realçado no voto condutor dos arestos.
Da alegação de omissão a respeito da ausência de elementos robustos de participação do candidato a vice-presidente nas condutas abusivas e suposto desacerto da decretação de inelegibilidade.
18. Não há omissão ou contradição dos acórdãos embargados a respeito da responsabilidade pessoal e direta do candidato ao cargo de vice-presidente da República pelas condutas abusivas, a qual foi reconhecida com base na compreensão de que ele contribuiu para a prática dos atos abusivos e a sua posição não se resumiu à de beneficiário como componente da chapa majoritária, tendo efetiva atuação, a revelar a absoluta conivência dele com os ilícitos e a conveniência de assumir papel estrategicamente relevante, sem, todavia, disputar atenção com o titular da chapa.
Da alegação de ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação da multa, em suposta dissonância com a jurisprudência do TSE.
19. Não se vislumbra nenhum vício nos acórdãos embargados acerca da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação das multas impostas aos embargantes, pois as sanções pecuniárias foram arbitradas de acordo com as circunstâncias do caso concreto, considerando a intensa reprovabilidade das condutas e a sua ampla repercussão, assim como a capacidade econômica dos demandados e o grau de participação de cada um deles. Desse modo, tendo em vista as quatro condutas vedadas praticadas pelo primeiro investigado e a gravidade da sua atuação, a maioria deste Tribunal aplicou-lhe multa no patamar máximo, por conduta praticada, totalizando o valor de R$ 425.640,00, e, quanto ao segundo embargante, por se tratar de candidato beneficiário conivente com os ilícitos e que teve participação em episódios relevantes, considerou-se compatível a imposição da multa em 50% do patamar máximo, totalizando o montante de R$ 212.820,00.
20. Na espécie, a aplicação e a dosimetria das multas impostas aos investigados estão em consonância com a jurisprudência do TSE de que: i) a multa fixada dentro dos limites legais não ofende os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (AgR-AI 2256-67, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 26.9.2018); ii) é incabível a redução da multa aplicada acima do mínimo legal por decisão fundamentada e de acordo com as circunstâncias do caso concreto (AgR-REspe 90-71, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7.8.2019); e iii) a imposição de multa em razão da prática de conduta vedada a agentes públicos em campanha é feita a partir da análise das circunstâncias fáticas do caso concreto, sendo possível a imposição de multas em valores diferentes para agentes com distintos graus de reprovabilidade em suas condutas (AgR-REspe 1843-22, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 13.9.2019).
21. Não demonstrada a existência, nos acórdãos embargados, de algum dos vícios descritos no art. 275 do Código Eleitoral, c.c. o art. 1.022 do Código de Processo Civil, a rejeição dos embargos de declaração é medida que se impõe.
CONCLUSÃO
Embargos de declaração rejeitados
No Recurso Extraordinário (ID 160437441), o Recorrente aponta ofensa aos arts. 5º, IV, XXXV, LIV, LV; 14 § 9º; 16 e 93, IX da Constituição Federal aos seguintes fundamentos: i) a repercussão geral da matéria revela-se no interesse político e social em razão de a AIJE tratar de discussão que permeia a normalidade e a legitimidade das eleições, bem como no interesse jurídico sob o tema “relativo à mudança de entendimento jurisprudencial, para a mesma eleição, a significar desprestígio à segurança jurídica” (fl. 33); ii) “a julgar pela estrita narrativa da inicial (teoria da asserção), evidencia-se a existência de litisconsórcio passivo necessário que deveria ser considerado pelo C. TSE, uma vez que o alegado desvio de poder teria ocorrido em situação que envolve diversos outros movimentos sociais e políticos, como explicitado alhures, além de restar claro que os efeitos da presente ação repercutem, de forma frontal e direta, no patrimônio público da União”, de modo que não se pode desconsiderar a incindibilidade da relação jurídica da União e dos Movimentos organizados (devidamente indicados) com os eventos descritos na petição inicial (fl. 39); iii) “corrobora a irreparável ofensa ao devido processo legal a ausência de reunião das ações conexas, a saber, AIJE 0600986-27.2023.6.00.0000, AIJE 0600972- 43.2023.6.00.0000, AIJE 0601002-78.2023.6.00.0000 e RepEsp 0600984-57” (fl. 43), situação que também afronta o decidido na ADI 5507; iv) “foram arroladas autoridades diversas que pudessem comprovar a retidão das condutas dos Recorrentes. Pretendia-se perquirir das autoridades arroladas, até o momento em que estiveram presentes no evento, se presenciaram a prática de algum ato de campanha na realização dos desfiles cívicos-militares, bem como a possibilidade de identificação da cisão entre a conduta de Presidente e de Candidato”, as quais foram indeferidas (fl. 51); v) “ao contrário do que defende o acórdão recorrido, ao sustentar a ilegalidade de que o primeiro Recorrente tenha convocado os cidadãos para as festividades do 7 de setembro, o que se tem nos autos é, muito diferente disso, a evidência de um Presidente da República que valoriza os atos simbólicos, notadamente aqueles cívico-militares, cuja simpatia jamais negou, sem que isso corresponda a qualquer mácula digna de lhe ceifar a capacidade eleitoral passiva” (fl. 62); vi) “na ausência de dispositivos constitucionais que tornem defeso ao Presidente da República estar presente, como Chefe de Estado, em eventos cívicos e militares, mesmo que candidato à reeleição, não se pode concluir senão pela impossibilidade de aplicação elástica do art. 14, §9º, CF/88, e da consequente extensão material da competência da Justiça Eleitoral” (fl. 65); vii) “ao decidir de forma diversa, em situações análogas, e em sessões de julgamento ocorridas com poucos dias de diferença, o v. acórdão recorrido fez tábua rasa do art. 16, da Constituição Federal, demandando que esta Suprema Corte, como garantidora da segurança jurídica, reconheça o entendimento firmado para o pleito de 2022, no sentido de que o cumprimento de liminares, em hipóteses verdadeiramente análogas - aptas a estancar a divulgação do ato tido como irregular, é suficiente a elidir a gravidade da conduta, sendo que entendimentos diversos apenas poderão ser aplicáveis aos pleitos futuros” (fl. 79); viii) “a justificação da participação do segundo Recorrente nos episódios em exame, escorada na apresentação de fatos desconectados do evento, de forma material, lógica e temporal, bem como a chancela de descabidas impressões pessoais do Relator originário, sobre a postura do segundo Recorrente, viola, a olhos desarmados, o próprio telos do art. 14, § 9º, CF/88, ao cominar a severa pena de inelegibilidade sem que a ela corresponda grave ato abusivo de índole pessoal, a exigir pronta reforma do julgado” (fl. 83); ix) “o acórdão que julgou os embargos declaratórios apenas reiterou argumentos antes descritos nas razões dos embargantes, permanecendo inexistente qualquer fundamentação ou argumentação que indique alguma conduta ativa do segundo recorrente nos atos inquinados, além de meras presunções e suposições de participação meramente colateral na organização do desfile cívico, não explicitando, ademais, qual teria sido sua participação e organização no evento efetivamente questionado, isto é, o comício realizado em desvio de finalidade” (fl. 92).
Contrarrazões apresentadas por Soraya Vieira Thronicke, em que requer a rejeição das razões recursais.
É o breve relato. Decido.
A ofensa ao art. 5º, IV, da CF/1988 não foi objeto de análise no acórdão recorrido, inexistindo, portanto, o indispensável prequestionamento, o que atrai a incidência do enunciado 282 da Súmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. Nesse sentido: AgR-RE 224.783, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 20/4/2001; RE 299.768, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 1º/6/2001; AgR-ARE 1.209.640, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 10/10/2019; e AgR-ARE 1.213.074, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 9/12/2020.
No que diz respeito à suscitada violação ao art. 5º, LIV, diante da ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário e da inobservância à necessária reunião das ações conexas, foi assentado no acórdão recorrido que “a jurisprudência consolidada deste Tribunal no sentido de que pessoas jurídicas não têm interesse e legitimidade para figurar no polo passivo de ações de investigação judicial eleitoral, pois não são alcançadas pelas sanções previstas para a hipótese de procedência dos pedidos, a teor dos arts. 17 e 114 do Código de Processo Civil”.
Destacou-se, também, que “os arestos embargados apresentaram fundamentação suficiente para afastar a alegação de incindibilidade da relação jurídica, pontuando que esta ‘se traduz na absoluta impossibilidade de fracionamento de determinado efeito da decisão’ (ID 159831367, p. 40, da AIJE 0600972-43; e ID 159837826, p. 43, da AIJE 0600986-27), de modo que, ‘mesmo quando presente o interesse processual para integrar o polo passivo da ação eleitoral, não haverá litisconsórcio necessário quando a decisão produzir efeitos distintos para as partes“ (ID 159831367, p. 41, da AIJE 0600972-43; e ID 159837826, p. 44, da AIJE 0600986-27), tal como ocorre em relação às pessoas jurídicas, as quais não são alcançadas pelas sanções impostas a pessoas físicas integrantes do polo passivo de ações eleitorais. Ademais, anotou-se a inclinação desta Corte Superior no sentido de que a existência de previsão legal passe a ser a única hipótese para impor a formação de litisconsórcio passivo necessário como pressuposto para ajuizamento da ação de investigação judicial eleitoral (ID 159831367, p. 42, da AIJE 0600972-43; e ID 159837826, p. 44, da AIJE 0600986-27)”.
Em relação à necessidade de reunião das ações conexas, assentou-se expressamente que “a concentração, em uma mesma relatoria, de ações em que se discuta fatos comuns, é uma técnica a serviço da racionalidade processual (ID 159831367, p. 45, da AIJE 0600972-43, ID 159837830, p. 43, da RepEsp 0600984-57, e ID 159837826, p. 48, da AIJE 0600986-27), explicitando que cabe ao relator avaliar a conveniência da prática de atos comuns quando essa providência se mostre benéfica à instrução. Ponderou-se que a AIJE 0601002-78 apresenta maior número de investigados e, dada a necessidade de discutir a responsabilidade de cada um deles pelas condutas imputadas, aquele feito poderia exigir maior tempo de maturação e tal particularidade não poderia engessar o processamento do conjunto de ações, razão pela qual não se imporia decisão simultânea, inclusive porque ainda há, naquele feito, questões preliminares e requerimentos de prova a serem apreciados, bem como será necessária a delimitação dos demais pontos controvertidos, com respeito à maior amplitude do seu objeto”.
Além disso, “anotou-se nos arestos embargados que o art. 96-B da Lei 9.504/97 não ‘pode levar ao resultado, ilógico, de fazer com que ações já plenamente instruídas e aptas para julgamento, à luz da controvérsia nelas posta, fiquem paralisadas’ e que, no caso sob apreciação, ‘a pretendida ‘unificação da tramitação das ações’ tem caráter meramente protelatório, pois não está respaldada em demonstração de nulidade processual ou de efetivo prejuízo à defesa’ (ID 159831367, p. 46, da AIJE 0600972-43, ID 159837830, p. 44, da RepEsp 0600984-57, e ID 159837826, p. 49, da AIJE 0600986-27)”.
Ressaltou-se, também, que “a fundamentação dos acórdãos embargados não está em desacordo com o que foi decidido na ADI 5.507, rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 3.10.2022, pois os votos condutores registraram, com absoluta fidelidade ao quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal, que o aludido julgado assentou que a aplicação da regra prevista no art. 96-B da Lei 9.504/97 pode ser afastada ‘no caso concreto sempre que a celeridade, a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF), o bom andamento da marcha processual, o contraditório, a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), a organicidade dos julgamentos e o relevante interesse público envolvido recomendarem a manutenção da separação’”.
De igual modo, o alegado cerceamento de defesa no indeferimento da oitiva de três testemunhas “foi afastado pelos acórdãos embargados, mediante decisão consistente e fundamentada, pontuando-se que os embargantes “não indicaram ‘um único aspecto da controvérsia que tangencie fato de conhecimento dessas autoridades capaz de particularizá-las em relação aos milhares de espectadores presentes ou, ainda, em relação a outras autoridades e servidores já arrolados, especialmente porque não está em questão reconstituir as minúcias dos fatos havidos em 7/9/2022, mas, sim, escrutinar circunstâncias relevantes já elencadas nesta decisão com base no debate entre as partes” (ID 159831367, p. 47, da AIJE 0600972-43, ID 159837830, p. 44, da RepEsp 0600984-57, e ID 159837826, p. 49, da AIJE 0600986-27)”.
De qualquer forma, é certo que a SUPREMA CORTE já reconheceu a ausência de repercussão geral da controvérsia relativa à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (ARE 748.371-RG, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, DJe de 1º/8/2013 – Tema 660):
Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral.
Igualmente não prospera a suposta ofensa ao art. 16 da CF/1988 sob a alegação de que esta CORTE deixou de aplicar o entendimento fixado na AIJE 0601212-32, relativa às mesmas Eleições, sendo ressaltado no acórdão que “não há identidade entre os casos apta a atrair a adoção de solução judicial similar”, de modo que não se trata, de maneira alguma, de alteração de jurisprudência ou de decisões conflitantes, mas, sim, de conclusão lastreada nas condutas, fatos e provas do caso concreto, sem qualquer pertinência temática com o Tema 564 da Repercussão Geral.
Em relação à alegada violação ao art. 14, § 9º, da Constituição Federal, restou consignado no acórdão recorrido que “ficou configurado desvio de finalidade eleitoreira de bens, recursos e serviços públicos empregados nas cerimônias cívico-miliares de comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil, realizadas em Brasília e na cidade do Rio de Janeiro no dia 7.9.2022, tendo em vista que os referidos eventos de caráter oficial foram emaranhados com eventos de caráter eleitoral, de modo a impulsionar atos de campanha dos investigados, à época candidatos aos cargos de presidente e vice-presidente da República”.
Dessa forma, a controvérsia foi decidida com base nas peculiaridades do caso concreto, de modo que alterar a conclusão do acórdão recorrido pressupõe revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência que se revela incompatível com o Recurso Extraordinário, conforme o enunciado 279 da Súmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Nesse sentido: AgR-RE 593.064, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 12/12/2008; AgR-ARE 1.058.803, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 10/6/2020; AgR-RE 603.659, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 24/8/2018.
Quanto à suposta ofensa aos arts. 5º, XXXV, e 93, IX, da Constituição Federal, o acórdão do TSE afigura-se devidamente fundamentado ao assentar que “o segundo embargante não foi mero beneficiário, pois teve efetiva atuação e contribuiu para as práticas vedadas, com significativa participação, a revelar conivência com os atos ilícitos e a conveniência de assumir papel relevante, sem, todavia, disputar holofotes com o titular da chapa”.
Restou expressamente consignado no acórdão que o candidato a vice-presidente da República “contribuiu para a prática dos atos abusivos e a sua posição não se resumiu à de beneficiário como componente da chapa majoritária, pois teve efetiva atuação inclusive porque coodenador de campanha da chapa, a revelar absoluta conivência com os ilícitos e a conveniência de assumir papel estrategicamente relevante, sem, todavia, disputar atenção com o titular da chapa (ID 159831367, p. 74, da AIJE 0600972-43, ID 159837830, p. 79, da RepEsp 0600984-57, e ID 159837826, p. 87, da AIJE 0600986-27)”.
Além disso, frisou-se que “ambos os candidatos se sujeitam à inelegibilidade, tendo em vista a assentada gravidade das condutas, bem como sua responsabilização pessoal, à luz da accountability”, ressaltando-se que “as condutas se revelaram graves, do ponto de vista qualitativo, tendo em vista que são dotadas de alta reprovabilidade, considerando-se o envolvimento direto dos candidatos investigados e os severos impactos decorrentes da apropriação simbólica da data cívica e da ausência de freios para potencializar os ganhos eleitorais da chapa” e foi “demonstrada a gravidade quantitativa, diante da gigantesca repercussão sobre o pleito, que pode ser ilustrada pelo êxito em criar condições para dominância do espaço do ato oficial por apoiadores dos investigados, pelo acirramento do patriotismo militarizado como fator de radicalização política e pelo uso de meios de comunicação (mídia tradicional, inclusive emissora pública, e internet) para difundir perante o eleitorado a apropriação da coisa pública”.
Por essa razão, enfrentados os argumentos suscitados de forma fundamentada, o acórdão recorrido revela-se em conformidade com a jurisprudência firmada pela SUPREMA CORTE em sede de repercussão geral, no sentido de que “o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (AI 791.292-QO, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, DJe de 13/8/2010 – Tema 339):
Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.
Ante o exposto, com fundamento no artigo 1.030, I, a, e V, do CPC, NEGO SEGUIMENTO ao Recurso Extraordinário.
Publique-se e intime-se.