index: RECURSO (15090)-0601205-40.2022.6.00.0000-[Cargo - Senador, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

RECURSO ELEITORAL NA REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601205-40.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados: Eugenio José Guilherme de Aragão e outros

Representados: Flávio Nantes Bolsonaro e outros

 

DECISÃO

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DECISÃO DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

PRETENSÃO DE REMOÇÃO DE PUBLICAÇÃO VEICULADA NO TWITTER, NO FACEBOOK, NO INSTAGRAM E NO GETTR. LIMINAR DEFERIDA.

ALEGAÇÃO DE VEICULAÇÃO DE FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 2º DO ART. 57-D DA LEI N. 9.504/1997. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL FIXADA PARA AS ELEIÇÕES 2022.

DECISÃO DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO: RECONSIDERAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE PROVIDÊNCIAS PARA PROCESSAMENTO DA AÇÃO.

Relatório

 

1. Recurso eleitoral interposto pela Coligação Brasil da Esperança contra a decisão de ID 158471690, pela qual julgada extinta representação sem resolução do mérito.

 

2. A recorrente alega “não h[aver] se falar em perda de objeto da presente ação, [pois] o objeto de apreciação do conteúdo desinformador e imposição de penalidade pecuniária ainda subsiste” (ID 158498530, p. 4).

 

Defende que o “Exm. Min. Alexandre de Moraes, nos autos da RP 0600849-45.2022.00.0000, ao julgar o mérito da representação eleitoral por propagação de desinformação, entendeu que a propagação de desinformação durante o processo eleitoral viola a higidez e lisura do pleito, de modo que vilipendia a liberdade de escolha do eleitor. Sendo, portanto, uma conduta gravosa que carece de sanção judicial com fim preventivo e pedagógico” (ID 158498530, p. 5).

 

Esclarece que, “naqueles autos, o exm. min. relator entendeu que a aplicação da multa por veiculação de desinformação tem amparo legal na interpretação analógica do § 2º do art. 57-D da Lei nº 9.504/97, dispositivo legal que prevê a aplicação de multa por manifestação de pensamento na internet de modo anônimo, uma vez que, mesmo tendo-se conhecimento da identidade dos autores das postagens, como no presente caso, ainda assim, a veiculação de fake news e desinformação teriam o mesmo grau e lesividade que a situação prevista no §2º do art. 57-D” (ID 158498534, p. 5).

 

Pede “que o presente Recurso Eleitoral seja provido de modo a estabelecer multa pecuniária pela ampla propagação de fake news e desinformação no curso do processo eleitoral de 2022, com fulcro no §2º, do art. 57-D da Lei nº 9.504/97” (ID 158498534, p. 9).

 

O caso

 

3. A Coligação Brasil da Esperança ajuizou representação, com requerimento liminar, contra Flávio Nantes Bolsonaro, Elisa Brom de Freitas, Alecxandra Vitória Vieira Ocke e os responsáveis pelos cinquenta perfis listados na petição inicial.Alega-se suposta veiculação de desinformação nas redes sociais Twitter, Instagram e Facebook.

 

A representante afirma que “a narrativa empregada é a de que a Rainha da Inglaterra haveria presenteado com um faqueiro de ouro o ex-presidente do segundo período da ditadura militar, Arthur da Costa e Silva, e o suposto faqueiro integraria a coleção de peças do Palácio do Planalto e que ao deixar a presidência no ano de 2010, Luiz Inácio Lula da Silva teria levado o faqueiro em seus pertencer pessoais” (ID 158112432, p. 5).  

 

Argumenta que “a desinformação aqui impugnada corrobora e soma-se a muitas outras compartilhadas nas redes sociais da base de apoio de Jair Messias Bolsonaro, todas com uma única finalidade: violar a liberdade de pensamento e opinião do eleitor, a partir de conteúdos inverídicos, incutindo a ideia de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é ladrão” (ID 158112432, p. 6).

 

Acrescenta que “o Primeiro Representado, Flávio Nantes Bolsonaro, em 16/09/2022, publicou em seu perfil oficial do Twitter o conteúdo falso e desinformador, sendo relevante destacar que sua conta oficial conta com 2,1 milhões de seguidores, uma vez que o 1º Representado é figura pública e filho do adversário político de Luiz Inácio Lula da Silva. Não à toa, obteve alcance de 7.272 mil curtidas, 85 tweets comentários e 1.579, retweets, conforme print de tela” (ID 158112432, p. 6).  

 

Reforça que, “no vídeo compartilhado pelo 1º representado, o candidato à reeleição, o Sr. Jair Messias Bolsonaro, afirma que “O outro saiu... Aqui tem muita coisa de extremo valor. Ele levou o faqueiro de ouro embora... Ele levou um crucifixo também cravejado de pedras preciosas. Ele disse até que as vezes ele botava a mão no bolso, cadê minha carteira, cadê minha carteira, tava no outro bolso.””, criando a base para a disseminação da desinformação objeto desta ação” (ID 158112432, p. 7).

 

Argumenta que “o Representado Perfil @Bolcalslene, no dia 15/09/2022, publicou em seu perfil do Twitter o conteúdo falso e levianamente desinformador, sendo relevante destacar que a conta comporta com 18,4 mil de seguidores, não à toa, obteve alcance de 11,4 mil curtidas, 241 tweets comentários e 4.028 retweets, conforme print de tela” (ID 158112432, p. 8).  

 

Assevera que “a inveracidade do referido conteúdo foi atestada por diversas agências de checagem nos quais afirmou-se que o ex-presidente Costa e Silva foi presenteado com uma ‘taça de prata ovalada’ e que, em pesquisa ao acervo do planalto, não foi encontrado qualquer jogo de faqueiro de ouro” (ID 158112432, p. 10).  

 

Requer, liminarmente, a) sejam determinadas diligências (...) para identificação dos (...) responsáveis, com dados dos dias 01º de setembro até 18 de setembro”; b) seja determinado aos Representados que removam os conteúdos desinformadores objeto desta ação, sob pena de multa a ser arbitrada por esta c. Corte, encontras nas URLs (...) indicadas” e “se abstenham de veicular outras notícias e/ou publicações que contenham o mesmo teor, sob pena de multa, a ser arbitrada por esta c. Corte”; c) “seja expedido ofício às empresas Twitter, Facebook, Soundcloud, Google agregador de sites, Kwai e Gettr para que seja determinada a imediata retirada das publicações objeto desta ação” (ID 158112432, p. 25, 26, 43).  

 

Pede “a confirmação da medida liminar, de modo a determinar que as matérias/publicações sejam removidas e que os Representados se abstenham de veicular outras desinformações com o mesmo teor; e a condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme previsto no art. 36 da Lei n. 9.504/97, a cada um dos Representados” (ID 158112432, p. 42-43).

 

4. Em 6.10.2022, deferi o requerimento da medida liminar e determinei a remoção dos vídeos veiculados e a identificação dos responsáveis pelos perfis listados (ID 158149541).

 

5. Em 27.10.2022, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral referendou a liminar (ID 158277757).

 

6. O provedor de aplicação Google informou que as URLs indicadas para o fornecimento de dados não correspondem a páginas hospedadas pela Google, de forma que não há providências a serem tomadas (ID 158208414).  

 

7. O provedor Facebook noticiou ter cumprido a determinação e removido as URLs indicadas, com exceção dos perfis “Carla Brancante” e “AlineJusten”, por não possuírem URL nos autos (seja do próprio perfil ou de conteúdo específico nele existente), de modo que prejudicado o cumprimento da determinação (ID 158211801).  

 

8. A plataforma Twitter informou ter cumprido a ordem e requereu fosse reconhecida a impossibilidade de fornecimento dos dados do usuário @JamileDavies, pela inexistência de utilização de terminais localizados em território nacional; mas, de boa-fé e proativamente, disponibilizou os dados de telefone, +55 71 99243-5354, e de e-mail, jamiledavies@acsagencia.com. Requereu, ainda, fosse reconhecida a ausência de indicação de conteúdo ilícito veiculado pelos usuários @VitaoPatriota e @SamuraiJedi, pela falta de indicação das URLs (ID 158212762).

 

9. A GETTR cumpriu a determinação com a remoção dos vídeos (ID 158231280).

 

10. O representado Flávio Nantes Bolsonaro apresentou defesa (ID 158306079). A citação de Alecxandra Vitória Vieira Ocke foi devolvida pelos Correios por endereço insuficiente (ID 158349943). Decorrido o prazo para Elisa Brom de Freitas em 23.11.2022.

 

11. Em 8.12.2022, julguei extinta a representação, sem resolução do mérito, pela perda superveniente do objeto (ID 158471690).

 

12. A representante interpôs recurso eleitoral (ID 158498534) em 10.12.2022, tempestivamente, por advogado constituído nos autos (ID 158112433), considerando a publicação em mural no mesmo dia.

 

13. Flávio Nantes Bolsonaro apresentou contrarrazões (ID 158509925).

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

 

14. A recorrente pretende a reforma da decisão de ID 158471690, pela qual extinta a representação, sem resolução do mérito, “de modo a estabelecer multa pecuniária pela ampla propagação de fake news e desinformação no curso do processo eleitoral de 2022, com fulcro no §2º, do art. 57-D da Lei nº 9.504/97” (ID 158498534, p. 9).

 

A controvérsia dos autos refere-se à alegada propaganda eleitoral negativa consistente na “veiculação de desinformação pelos Representados, em seus perfis das redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, no qual afirma-se que o candidato à presidência da República pela Coligação Representante, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, haveria roubado faqueiro ou coleção de talheres que a Rainha Elizabeth II haveria dado de presente ao ex-presidente Artur da Costa e Silva” e “um crucifixo também cravejado de pedras preciosas” (ID 158112432, p. 5-7).

 

Os pedidos formulados na representação estão limitados à confirmação da medida liminar, para que se determine a remoção da publicidade, e à aplicação da multa de R$ 25.000,00, prevista no art. 36 da Lei n. 9.504/1997, ao representado.

 

15. Razão jurídica assiste à recorrente.

 

Quanto ao pedido de cominação de multa ao representado, a fundamentação jurídica utilizada para a aplicação de sanção pecuniária formulada na petição inicial não se circunscreveu à incidência do § 3º do art. 36 da Lei n. 9.504/1997.

 

Nesse contexto, abre-se espaço para apreciar o argumento trazido pela representante, sobre a possibilidade de aplicação da sanção pecuniária prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997 aos casos de propaganda eleitoral negativa na internet, com base em interpretação sistêmica e analógica da legislação eleitoral:

“Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a,b e c do inciso IV do § 3odo art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

(...)

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).”

16. Este Tribunal Superior, por maioria, no julgamento do Recurso na Representação Eleitoral n. 0601754-50/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, firmou, para as eleições de 2022, o entendimento de que, “nada obstante a ausência de enquadramento no dispositivo indicado na petição inicial, mostra-se plenamente viável ao Tribunal Superior Eleitoral proceder à adequada qualificação jurídica dos fatos, uma vez que, conforme orientação jurisprudencial desta CORTE, ‘os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça’ (Ag. 3.066, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Dj de 17/5/2002)” (Rp n. 0601754-50/DF, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, publicada em mural eletrônico em 6.12.2022).

 

17. No caso em exame, a representante declara ter havido a veiculação de conteúdo inverídico e desinformador pelos representados, em seus perfis das redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, nos quais afirmam que o candidato a Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva teria roubado faqueiro de ouro ou coleção de talheres que a Rainha Elizabeth II havia dado de presente ao ex-Presidente Artur da Costa e Silva e crucifixo cravejado de pedras preciosas.

 

18. Este Tribunal Superior tem decidido que a veiculação de conteúdo desinformador ofende “a lisura do pleito (...), sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (R-Rp n. 0601530-54/DF, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 18.3.2021)”, e, assim, autoriza a Justiça Eleitoral a não permitir “a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito” (Rp n. 0601754-50/DF, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, publicada em mural em 6.12.2022).

 

Esse entendimento foi reafirmado no julgamento da Representação Eleitoral n. 0601754-50/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, quando este Tribunal Superior decidiu pela possibilidade de aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997 a casos de veiculação de propaganda eleitoral negativa com conteúdo sabidamente inverídico.

 

Estes os fundamentos da decisão recorrida naquele caso, confirmados no citado acórdão (Rp n. 0601754-50, ID 158418773):

Desse modo, por se tratar de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada pela internet, melhor se ajusta ao caso o art. 57-D da Lei 9.504/1997:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

Não se ignora que, ao interpretar o dispositivo, a jurisprudência desta CORTE, para eleições anteriores, firmou o entendimento no sentido de que a multa nele prevista é restrita à hipótese em que a propaganda é divulgada por pessoa não identificada, ou seja, ‘não sendo anônima a postagem de vídeo em página da rede social Facebook (na qual se veiculou vídeo em tese ofensivo a candidato), descabe sancionar o agravante com base no referido dispositivo (AgR-REspe 76-38, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 2/4/2018). No mesmo sentido: Rp. 0601697-71, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 10/11/2020; AREspe 0600604-22, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 9/9/2022; AgR-REspe 0600603-37, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 4/4/2022.

Nada obstante, tendo em vista o grave contexto de propagação reiterada de desinformação, com inegável impacto na legitimidade das eleições, deve-se proceder à reinterpretação do dispositivo, de forma a melhor ajustar-se à finalidade da JUSTIÇA ELEITORAL, especialmente deste TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no combate às fake news na propaganda eleitoral.

Realmente, a partir da leitura do dispositivo, não se mostra viável depreender que o ilícito se restringe à hipótese de anonimato, tornando insuscetíveis de punição outros abusos na livre manifestação de pensamento.

O teor da norma, na verdade, embora especialmente relacionado a atos ocorridos por meio da internet, apresenta teor extremamente semelhante ao disposto no art. 5º, IV, da Constituição Federal – ‘É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato’ –, o qual, como se sabe, não consagra a liberdade de expressão como direito absoluto e nem limita os excessos às hipóteses de anonimato, razão pela qual abusos no exercício desse direito fundamental não se mostram imunes a sanções impostas pelo ordenamento jurídico.

Nesse sentido, é firme a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que ‘o direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo-se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando-se, entre essas, aquela que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal (ED-ARE 891.647, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 21/9/2015). Nessa linha: HC 82.424, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Red. p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno, DJ de 19/3/2004; ADPF 496, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, DJe de 24/9/2020; HC 141.949, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 23/4/2018.

Assim, não é possível conferir ao art. 57-D a interpretação segundo a qual, tão somente pelo fato de haverem sido publicadas na internet, os autores pelos excessos na liberdade expressão ocorridos na propaganda eleitoral, ressalvados os casos de anonimato, não se sujeitam à sanção pecuniária, uma vez que se trata de compreensão restritiva destituída de respaldo expresso no enunciado normativo e que conflita, como visto, com a interpretação conferida à livre manifestação de pensamento.

Além disso, tal diferenciação quanto à possibilidade de impor sanção pecuniária não encontra justificativa concreta, pois a disseminação de fake news, ainda que realizada por responsável identificado, produz os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das Eleições, considerando-se a higidez das informações acessíveis ao eleitor, do que àquela propagada por usuário apócrifo, razão pela qual a ratio da norma proibitiva em questão não pode se restringir aos casos de anonimato.

No mais, essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de desinformação na internet, revela-se mais consentânea com a crescente preocupação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática, tendo em vista seu caráter repreensivo aos autores que, até então, não se acham alcançadas pela punição.

Nesse sentido, conforme já assentou esta CORTE, ‘a proliferação de mensagens falsas na internet tem alcançado grande repercussão na esfera eleitoral e consiste em tema que tem gerado acirradas discussões, diante da dificuldade de controle desses conteúdos, haja vista a facilidade de acesso a qualquer tipo de informação na rede mundial de computadores e em aplicativos de transmissão de mensagens eletrônicas, o que foi notoriamente potencializado pela proliferação do uso de smartphones, por meio dos quais é possível o compartilhamento imediato de conteúdo, geralmente sem nenhum tipo de averiguação prévia quanto à origem e à veracidade da informação (REspe 0600024-33, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 7/3/2022).

Mesmo nas Eleições 2016, ainda que sob a ótica de abuso de poder, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL já manifestava preocupação em relação a situações abusivas, incluindo-se a propagação de fake news, na internet, ocasião em que ficou registrado que ‘não cabe impor limites onde a lei não restringe, não merecendo respaldo a interpretação restritiva dada pelo Tribunal Regional no caso concreto, ainda mais em tempos hodiernos em que a internet e suas múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais, sobretudo com o diminuto custo envolvido e o notório amplo alcance desses meio (REspe 31-02, Red. p/ acórdão Min. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Voto. Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019). Ainda:

A evolução sucedida nos meios de comunicação social, associada à regulação da propaganda na Internet sucedida na Minirreforma Eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034) e a consequente atualização desse regramento no ano 2017 (Lei no 13.488) evidenciam a imperiosa necessidade de que o julgador, atento ao comando do art. 14, § 9º, da Constituição Federal, proporcione nova concretude à norma que pune ilícitos que subvertam a lisura do pleito e a legitimidade popular, em face de novas situações fáticas vivenciadas. Não se trata de um exercício hermenêutico inovador, mas de ajustar a aplicação do direito à espécie, privilegiando o espírito da norma.

(REspe 31-02, voto Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019).

Mais recentemente, também referente à prática de abuso de poder, a propagação de fake news na internet, notadamente a desinformação tendente a atingir o sistema eletrônico de votação e a democracia, foi objeto de ampla análise por esta CORTE no julgamento do RO 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021, ocasião em que o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL assentou que ‘o recorrido valeu-se das falsas denúncias para se promover como uma espécie de paladino da justiça, de modo a representar eleitores inadvertidamente ludibriados que nele encontram uma voz para ecoar incertezas sobre algo que, em verdade, jamais aconteceu (RO 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021).

Ainda, relativamente às Eleições 2022, visando a combater a disseminação de fake news, esta CORTE editou a Resolução 23.714/2022, cujo art. 4º visa a tutelar a higidez, a integridade e a credibilidade das Eleições e do processo eleitoral, de modo a coibir práticas que, por meio de desinformação, representam substancial transgressão à própria democracia:

Art. 4º. A produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais, observados, quanto aos requisitos, prazos e consequências, o disposto no art. 2º.

Parágrafo único. A determinação a que se refere o caput compreenderá a suspensão de registro de novos perfis, contas ou canais pelos responsáveis ou sob seu controle, bem assim a utilização de perfis, contas ou canais contingenciais previamente registrados, sob pena de configuração do crime previsto no art. 347 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965-Código Eleitoral.

(...)

Por essa razão, a interpretação do art. 57-D, em relação à tutela da higidez das informações divulgadas em propaganda eleitoral na internet, não pode se afastar das preocupações há muito externadas por esta CORTE, bem como das diversas medidas adotadas pela Justiça Eleitoral com o intuito de combater a desinformação.

A atuação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve direcionar-se a fazer cessar manifestações revestidas de ilicitude não inseridas no âmbito da liberdade de expressão, a qual não pode ser utilizada como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tendo em vista a circunstância de que não há, no ordenamento jurídico, direito absoluto à manifestação de pensamento, ou seja, ‘não há direito no abuso de direito’ (ADPF 572, Rel. Min. EDSON FACHIN, Pleno, DJe de 7/5/2021), de modo que os abuso praticados devem sujeitar-se às punições legalmente previstas.

(...)

Assim, considerando-se que o texto legal do art. 57-D da Lei 9.504/1997 não estabelece, de forma expressa, qualquer restrição no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, impõe-se ajustar a interpretação do dispositivo à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internetincluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral.”

19. Quanto aos pedidos de remoção de conteúdo e de abstenção de novas veiculações, o recente entendimento deste Tribunal Superior, firmado para as eleições de 2022, orienta-se no sentido de “não h[aver] falar em perda do objeto da representação, ajuizada com base no art. 57-C da Lei nº 9.504/1997, após o término das eleições, porquanto o dispositivo legal prevê a aplicação de sanção pecuniária. Precedente. Incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE. Negado seguimento ao agravo em recurso especial” (AREspEl n. 0602789-77/CE, Relator o Ministro Raul Araújo, DJe 23.6.2023).

 

20. O § 9º do art. 36 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral dispõe que “a petição de agravo regimental conterá, sob pena de rejeição liminar, as razões do pedido de reforma da decisão agravada, sendo submetida ao Relator, que poderá reconsiderar o seu ato ou submeter o agravo ao julgamento do Tribunal, independentemente de inclusão em pauta, computando-se o seu voto”.

 

Assim, por interpretação analógica, a decisão recorrida deve ser reconsiderada para ser adequada ao entendimento deste Tribunal Superior fixado para as Eleições 2022.

 

21. Pelo exposto, firmada a compreensão da possibilidade jurídica de aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997, reconsidero a decisão de ID 158471690 para determinar o processamento da representação.

 

Intime-se a representante para, no prazo de dois dias, manifestar-se sobre o cumprimento da liminar e sobre os dados fornecidos pelos provedores de redes sociais e para adotar as providências que entender cabíveis para a citação dos demais representados.

 

Publique-se e intime-se.

 

Brasília, 6 de outubro de 2023.

 

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora