index: RECURSO (15090)-0601249-59.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

RECURSO ELEITORAL NA REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601249-59.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão e outros

Representados: Filipe Garcia Martins Pereira e Bernardo Pires Kuster

 

DECISÃO

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DECISÃO DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 

PRETENSÃO DE REMOÇÃO DE PUBLICAÇÃO VEICULADA NO TWITTER.

ALEGAÇÃO DE VEICULAÇÃO DE FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 2º DO ART. 57-D DA LEI N. 9.504/1997. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL FIXADA PARA AS ELEIÇÕES 2022. 

DECISÃO DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO RECONSIDERADA. DETERMINAÇÃO DE PROVIDÊNCIAS PARA O PROCESSAMENTO DA AÇÃO.

Relatório

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA:

 

1. Recurso eleitoral (ID 158827567) interposto pela Coligação Brasil da Esperança contra decisão (ID 158157697), pela qual julgada extinta a representação, sem resolução do mérito.

 

2. A recorrente alega que “o objeto da ação subsiste no que tange à aplicação da multa por propaganda irregular, considerando que a prática de propagação de desinformação e notícias falsas é um mal que assola a democracia e interfere negativamente no pleito eleitoral, violando o direito fundamental mais basilar do estado democrático, o direito do exercício da cidadania por meio do voto livre e consciente” (ID 158827567, p. 5).

 

Afirma que “os fatos narrados na petição inicial demonstraram prática de propaganda eleitoral irregular por propagação de desinformação a partir de fatos sabidamente inverídicos e descontextualizados com o fim de afetar a honra e a imagem do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva” (ID 158827567, p. 8).

 

Acrescenta ser “imprescindível que este eg. TSE adote uma interpretação extensiva do art. 57-D, caput e § 2º da Lei 9.504/97, para impor a aplicação de multa nos casos de propagação de desinformação e fake news, de modo a garantir a justa penalização e exercício pedagógico em face do ato irregular praticado” (ID 158827567, p. 11).

 

Reforça que “a interpretação extensiva do mencionado dispositivo legal já adotada em outras representações eleitorais, como na RP 0601562-20.2022 e RP 0601807- 31.2022, ambas de relatoria do e. Min. Alexandre de Moraes, que em diversos pontos da sua decisão ressalta a necessidade de uma interpretação extensiva ao art. 57-D, de modo a dar efetividade ao combate à desinformação e fake news” (ID 158827567, p. 11).

 

Pede “seja conhecido e provido [o recurso] para reformar integralmente a decisão recorrida, de modo que haja a remoção definitiva das postagens que disseminaram a desinformação ora combatida, bem como haja a aplicação de multa aos Recorridos” (ID 158827567, p. 16).

 

O Caso

 

3. A Coligação Brasil da Esperança ajuizou representação, com requerimento liminar, contra Filipe Garcia Martins Pereira e Bernardo Pires Kuster. Alega-se a prática de propaganda eleitoral negativa, na rede social Twitter, pela veiculação de conteúdos inverídicos em que se propaga a desinformação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva seria a favor do aborto e contrário à doutrina religiosa do catolicismo.

 

Afirma que, “para tanto, o vídeo publicitário utiliza filmagem do discurso de Madre Teresa de Calcutá sobre aborto e logo em seguida traça um comparativo com uma fala descontextualizada do candidato Luiz Inácio Lula da Silva acerca do tema” (ID 158139409, p. 3).

 

Noticia que “o vídeo foi veiculado pelo Primeiro Representado, Filipe Garcia Martins Pereira, em seu perfil oficial do Twitter, onde comporta 515,9 mil seguidores, tratando-se de pessoa pública, ocupante do cargo de Assessor Especial para assuntos internacionais da Presidência da República, com grande capacidade de disseminação de informação, em razão disso a publicação3 aqui impugnada obteve alcance de 13,6 mil curtidas, 184 comentários, 4.913 retweets e 276,8 mil visualizações” (ID 158139409, p. 4).

  

Reforça que “o segundo Representado, Bernardo Pires Kuster, em seu perfil oficial do Twitter, onde comporta 290,9 mil seguidores, tratando-se de pessoa pública com grande capacidade de disseminação de informação, em razão disso a publicação aqui impugnada obteve alcance de 25,7 mil curtidas, 667 comentários, 9.409 retweets e 274,9 mil visualizações” (ID 158139409, p. 5).

 

Esclarece que, “em sua fala, o candidato chama atenção para o fato de que a criminalização do aborto é um proibitivo somente para mulheres de baixa renda, pois mulheres com poder aquisitivo se refugiam em países em que a prática é legalizada para realizar o procedimento com toda a segurança e amparo médico. A fala não reflete uma opinião pessoal no sentido de ‘eu sou a favor do aborto’, mas sim ‘o Brasil criminaliza apenas mulheres pobres, porque as mulheres ricas viajam para o exterior e fazem o procedimento com total segurança e amparo médico’” (ID 158139409, p. 7).

 

Explica que “o conteúdo emprega mecanismos para criar artificialmente estado emocional e mental nos eleitores no sentido de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é, pessoalmente, a favor do aborto, requintando no eleitor uma identificação negativa em relação ao candidato: ‘Eu sou contra o aborto e ele é a favor. Ele é assassino, conforme a Madre afirma’. Inserindo, portanto, a ideia de que Luiz Inácio Lula da Silva seria criminoso” (ID 158139409, p. 8).

 

Relata que “tal mecanismo tenta induzir o eleitor ao sentimento e pensamento de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva seria criminoso e que, ao discorrer sobre o aborto no contexto da pauta de saúde pública, apresentaria uma ameaça à vida de crianças, contra a família e a igreja católica, o que não é verdade, conforme destacou o próprio candidato em entrevista posterior” (ID 158139409, p. 9).

 

Sustenta que “é justamente neste contexto que resta evidenciado que as publicações objeto desta ação contrariam o art. 9º-A e o art. 27 da Resolução nº 23.610/2019, uma vez que os Representados conscientemente divulgou conteúdo desinformador para incutir no eleitor a ideia de que Luiz Inácio Lula da Silva ideia de que, ao discorrer sobre o aborto no contexto da pauta de saúde pública, apresentaria uma ameaça à vida de crianças, seria contra a família e contra a igreja católica” (ID 158139409, p. 17-18).

 

Requer, liminarmente, “seja determinado aos Representados e às redes sociais que removam os conteúdos desinformadores objeto desta ação, sob pena de multa” e “que se abstenham de veicular outras notícias e/ou publicações que contenham o mesmo teor, sob pena de multa” (ID 158139409, p. 23).

 

Pede “a confirmação da medida liminar” e a “condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00” (ID ID 158139409, p. 24).

 

4. Em 18.3.2023, julguei extinta a representação, sem resolução do mérito, pela perda superveniente do objeto (ID 158157697).

 

5. A representante interpôs recurso eleitoral em 22.3.2023, tempestivamente, considerando a publicação da decisão no DJe de 22.3.2023, por advogado constituído nos autos (ID 158139410).

 

6. No despacho de 20.6.2023 (ID 159104883), determinei a autuação do recurso eleitoral e a intimação de Filipe Garcia Martins Pereira e Bernardo Pires Kuster para, querendo, apresentarem contrarrazões no prazo de dois dias.

 

7. A intimação dos representados pelo serviço postal nos endereços disponibilizados pela representante foi frustrada e as cartas devolvidas pelos Correios, em 22.6.2023 (IDs 159226181 e 159288990), com a informação “mudou-se”.

 

8. Em novo despacho de 27.8.2023 (ID 159432470), determinei à Secretaria Judiciária do Tribunal Superior Eleitoral que procedesse à intimação da representante para, no prazo máximo de três dias, informar o endereço no qual os representados poderiam ser encontrados.

 

9. Na petição de 31.8.2023 (ID 159501593), a representante disponibilizou os endereços dos representados.

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

 

10. A recorrente pretende a reforma da decisão de ID 158157697, pela qual julguei extinta a representação, sem resolução de mérito, “de modo que haja a remoção definitiva das postagens que disseminaram a desinformação ora combatida, bem como haja a aplicação de multa aos Recorridos” (ID 158827567, p. 17).

 

A controvérsia dos autos refere-se à suposta propaganda eleitoral negativa, com conteúdo inverídico, consistente na veiculação, na rede social Twitter, de desinformação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva seria a favor do aborto e contrário à doutrina religiosa do catolicismo.

 

Os pedidos formulados na representação estão limitados à confirmação da medida liminar e à aplicação de multa aos representados (ID 158139409, p. 24). 

 

11. Razão jurídica assiste à recorrente. 

 

Quanto ao pedido de cominação de multa aos representados, a fundamentação jurídica utilizada para a aplicação de sanção pecuniária formulada na petição inicial não se circunscreveu à incidência do § 3º do art. 36 da Lei n. 9.504/1997. 

 

Nesse contexto, abre-se espaço para apreciar o argumento trazido pela representante, a respeito da possibilidade de aplicação da sanção pecuniária, prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997, aos casos de propaganda eleitoral negativa na internet, com base em interpretação sistêmica e analógica da legislação eleitoral. 

“Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneasa,becdo inciso IV do § 3odo art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

(...)

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).”

12. Este Tribunal Superior, por maioria, no julgamento do Recurso na Representação Eleitoral n. 0601754-50/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, firmou, para as eleições de 2022, o entendimento de que, “nada obstante a ausência de enquadramento no dispositivo indicado na petição inicial, mostra-se plenamente viável ao Tribunal Superior Eleitoral proceder à adequada qualificação jurídica dos fatos, uma vez que, conforme orientação jurisprudencial desta CORTE, ‘os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça’ (Ag. 3.066, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Dj de 17/5/2002)” (Rp n. 0601754-50/DF, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, publicada em mural eletrônico em 6.12.2022).  

 

13. No caso em exame, a representante afirma ter havido a veiculação de conteúdo inverídico, consistente em postagens no perfil na rede social Twitter dos representados, com o fim de induzir o eleitor a crer que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva seria a favor do aborto e contrário à doutrina religiosa do catolicismo. 

 

14. Este Tribunal Superior já decidiu que a veiculação de conteúdo desinformador ofende “a lisura do pleito (...), sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (R-Rp n. 0601530-54/DF, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 18.3.2021)”, e, assim, autoriza esta Justiça Eleitoral a não permitir “a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito” (Rp n. 0601754-50/DF, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, publicada em mural em 6.12.2022).

 

O entendimento foi reafirmado no julgamento da Representação Eleitoral n. 0601754-50/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, quando este Tribunal Superior decidiu pela possibilidade de aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997 a casos de veiculação de propaganda eleitoral negativa com conteúdo sabidamente inverídico.

 

Estes os fundamentos da decisão recorrida naquele caso, confirmados no citado acórdão (Rp 0601754-50, ID 158418773, p. 11-16):

Desse modo, por se tratar de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada pela internet, melhor se ajusta ao caso o art. 57-D da Lei 9.504/1997:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

Não se ignora que, ao interpretar o dispositivo, a jurisprudência desta CORTE, para eleições anteriores, firmou o entendimento no sentido de que a multa nele prevista é restrita à hipótese em que a propaganda é divulgada por pessoa não identificada, ou seja, ‘não sendo anônima a postagem de vídeo em página da rede social Facebook (na qual se veiculou vídeo em tese ofensivo a candidato), descabe sancionar o agravante com base no referido dispositivo (AgR-REspe 76-38, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 2/4/2018). No mesmo sentido: Rp. 0601697-71, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 10/11/2020; AREspe 0600604-22, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 9/9/2022; AgR-REspe 0600603-37, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 4/4/2022.

Nada obstante, tendo em vista o grave contexto de propagação reiterada de desinformação, com inegável impacto na legitimidade das eleições, deve-se proceder à reinterpretação do dispositivo, de forma a melhor ajustar-se à finalidade da JUSTIÇA ELEITORAL, especialmente deste TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no combate às fake news na propaganda eleitoral.

Realmente, a partir da leitura do dispositivo, não se mostra viável depreender que o ilícito se restringe à hipótese de anonimato, tornando insuscetíveis de punição outros abusos na livre manifestação de pensamento.

O teor da norma, na verdade, embora especialmente relacionado a atos ocorridos por meio da internet, apresenta teor extremamente semelhante ao disposto no art. 5º, IV, da Constituição Federal – ‘É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato’ –, o qual, como se sabe, não consagra a liberdade de expressão como direito absoluto e nem limita os excessos às hipóteses de anonimato, razão pela qual abusos no exercício desse direito fundamental não se mostram imunes a sanções impostas pelo ordenamento jurídico.

Nesse sentido, é firme a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que ‘o direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo-se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando-se, entre essas, aquela que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal (ED-ARE 891.647, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 21/9/2015). Nessa linha: HC 82.424, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Red. p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno, DJ de 19/3/2004; ADPF 496, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, DJe de 24/9/2020; HC 141.949, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 23/4/2018.

Assim, não é possível conferir ao art. 57-D a interpretação segundo a qual, tão somente pelo fato de haverem sido publicadas na internet, os autores pelos excessos na liberdade expressão ocorridos na propaganda eleitoral, ressalvados os casos de anonimato, não se sujeitam à sanção pecuniária, uma vez que se trata de compreensão restritiva destituída de respaldo expresso no enunciado normativo e que conflita, como visto, com a interpretação conferida à livre manifestação de pensamento.

Além disso, tal diferenciação quanto à possibilidade de impor sanção pecuniária não encontra justificativa concreta, pois a disseminação de fake news, ainda que realizada por responsável identificado, produz os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das Eleições, considerando-se a higidez das informações acessíveis ao eleitor, do que àquela propagada por usuário apócrifo, razão pela qual a ratio da norma proibitiva em questão não pode se restringir aos casos de anonimato.

No mais, essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de desinformação na internet, revela-se mais consentânea com a crescente preocupação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática, tendo em vista seu caráter repreensivo aos autores que, até então, não se acham alcançadas pela punição.

Nesse sentido, conforme já assentou esta CORTE, ‘a proliferação de mensagens falsas na internet tem alcançado grande repercussão na esfera eleitoral e consiste em tema que tem gerado acirradas discussões, diante da dificuldade de controle desses conteúdos, haja vista a facilidade de acesso a qualquer tipo de informação na rede mundial de computadores e em aplicativos de transmissão de mensagens eletrônicas, o que foi notoriamente potencializado pela proliferação do uso de smartphones, por meio dos quais é possível o compartilhamento imediato de conteúdo, geralmente sem nenhum tipo de averiguação prévia quanto à origem e à veracidade da informação (REspe 0600024-33, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 7/3/2022).

Mesmo nas Eleições 2016, ainda que sob a ótica de abuso de poder, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL já manifestava preocupação em relação a situações abusivas, incluindo-se a propagação de fake news, na internet, ocasião em que ficou registrado que ‘não cabe impor limites onde a lei não restringe, não merecendo respaldo a interpretação restritiva dada pelo Tribunal Regional no caso concreto, ainda mais em tempos hodiernos em que a internet e suas múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais, sobretudo com o diminuto custo envolvido e o notório amplo alcance desses meio (REspe 31-02, Red. p/ acórdão Min. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Voto. Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019). Ainda:

A evolução sucedida nos meios de comunicação social, associada à regulação da propaganda na Internet sucedida na Minirreforma Eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034) e a consequente atualização desse regramento no ano 2017 (Lei no 13.488) evidenciam a imperiosa necessidade de que o julgador, atento ao comando do art. 14, § 9º, da Constituição Federal, proporcione nova concretude à norma que pune ilícitos que subvertam a lisura do pleito e a legitimidade popular, em face de novas situações fáticas vivenciadas. Não se trata de um exercício hermenêutico inovador, mas de ajustar a aplicação do direito à espécie, privilegiando o espírito da norma.

(REspe 31-02, voto Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019).

Mais recentemente, também referente à prática de abuso de poder, a propagação de fake news na internet, notadamente a desinformação tendente a atingir o sistema eletrônico de votação e a democracia, foi objeto de ampla análise por esta CORTE no julgamento do RO 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021, ocasião em que o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL assentou que ‘o recorrido valeu-se das falsas denúncias para se promover como uma espécie de paladino da justiça, de modo a representar eleitores inadvertidamente ludibriados que nele encontram uma voz para ecoar incertezas sobre algo que, em verdade, jamais aconteceu (RO 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021).

Ainda, relativamente às Eleições 2022, visando a combater a disseminação de fake news, esta CORTE editou a Resolução 23.714/2022, cujo art. 4º visa a tutelar a higidez, a integridade e a credibilidade das Eleições e do processo eleitoral, de modo a coibir práticas que, por meio de desinformação, representam substancial transgressão à própria democracia:

Art. 4º. A produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais, observados, quanto aos requisitos, prazos e consequências, o disposto no art. 2º.

Parágrafo único. A determinação a que se refere o caput compreenderá a suspensão de registro de novos perfis, contas ou canais pelos responsáveis ou sob seu controle, bem assim a utilização de perfis, contas ou canais contingenciais previamente registrados, sob pena de configuração do crime previsto no art. 347 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965-Código Eleitoral.

(...)

Por essa razão, a interpretação do art. 57-D, em relação à tutela da higidez das informações divulgadas em propaganda eleitoral na internet, não pode se afastar das preocupações há muito externadas por esta CORTE, bem como das diversas medidas adotadas pela Justiça Eleitoral com o intuito de combater a desinformação.

A atuação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve direcionar-se a fazer cessar manifestações revestidas de ilicitude não inseridas no âmbito da liberdade de expressão, a qual não pode ser utilizada como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tendo em vista a circunstância de que não há, no ordenamento jurídico, direito absoluto à manifestação de pensamento, ou seja, ‘não há direito no abuso de direito’ (ADPF 572, Rel. Min. EDSON FACHIN, Pleno, DJe de 7/5/2021), de modo que os abuso praticados devem sujeitar-se às punições legalmente previstas.

(...)

Assim, considerando-se que o texto legal do art. 57-D da Lei 9.504/1997 não estabelece, de forma expressa, qualquer restrição no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, impõe-se ajustar a interpretação do dispositivo à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internetincluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral.”

15. Também quanto aos pedidos de remoção do conteúdo e de abstenção de novas veiculações, o recente entendimento deste Tribunal Superior firmado para as eleições de 2022 orienta-se no sentido de “não h[aver] falar em perda do objeto da representação, ajuizada com base no art. 57-C da Lei nº 9.504/1997, após o término das eleições, porquanto o dispositivo legal prevê a aplicação de sanção pecuniária. Precedente. Incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE. Negado seguimento ao agravo em recurso especial” (AREspE n. 0602789-77/CE, Relator o Ministro Raul Araújo, DJe 23.6.2023).

 

16. O § 9º do art. 36 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral dispõe que “a petição de agravo regimental conterá, sob pena de rejeição liminar, as razões do pedido de reforma da decisão agravada, sendo submetida ao Relator, que poderá reconsiderar o seu ato ou submeter o agravo ao julgamento do Tribunal, independentemente de inclusão em pauta, computando-se o seu voto”.

 

Assim, por interpretação analógica, a decisão recorrida merece ser reconsiderada para adequá-la ao entendimento deste Tribunal Superior fixado para as Eleições 2022.

 

17. Pelo exposto, firmada a compreensão da possibilidade jurídica de aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997, reconsidero a decisão de ID 158157697 para determinar o processamento da representação.

 

18. Proceda-se à citação dos representados no endereço indicado na petição de ID 159501593 para que no prazo de dois dias apresentem defesa, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral.

 

Na sequência, dê-se vista ao Ministério Público Eleitoral para emissão de parecer no prazo do art. 19 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior.

 

Publique-se e intime-se.

 

Brasília, 19 de outubro de 2023.

 

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora