TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

REPRESENTAÇÃO Nº 0601373-42.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relator: Ministro Floriano de Azevedo Marques
Representante: Coligação Brasil da Esperança
Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão – OAB: 4935/DF e outros
Representados: Coligação Pelo Bem do Brasil e outro
Advogados: Tarcisio Vieira de Carvalho Neto – OAB: 11498/DF e outros

Representado: Lucas Allex Pedro dos Santos

Advogados: Tarcisio Vieira de Carvalho Neto – OAB: 11498/DF e outros

 

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. CANAL DO YOUTUBE. VÍDEO ALUSIVO AO DENOMINADO “KIT GAY”. CHAMADA COM CARÁTER DESINFORMATIVO. INFRAÇÃO AO ART. 9º-A DA RES.-TSE 23.610. PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. CONFIRMAÇÃO. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. ART. 57-D, § 2º, DA LEI 9.504/97. MULTA. APLICAÇÃO.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata-se de representação ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil, de Jair Messias Bolsonaro e de Lucas Allex Pedro dos Santos, sob a alegação de que os demandados veicularam propaganda eleitoral irregular na internet nas Eleições de 2022, mediante a publicação de diversos vídeos no canal Lula Flix no YouTube, os quais eram depois transmitidos no sítio eletrônico https://lulaflix.com.br e cujos conteúdos consistiriam em desinformação e ofensas ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em infração aos arts. 9º-A e 27 da Res.-TSE 23.610.

2. Por meio de acórdão proferido em 13.10.2022, o Colegiado deste Tribunal Superior decidiu por não referendar a decisão denegatória do pedido de tutela provisória de urgência e, por unanimidade, determinou, no exercício do poder de polícia, que os representados providenciassem os ajustes necessários para fazer constar, de modo inequívoco e ininterrupto, nas páginas principal e secundárias a identificação de que o conteúdo divulgado naquele espaço consiste em propaganda eleitoral, sob pena de suspensão do canal e, por maioria, determinou a remoção do vídeo intitulado.

ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO

3. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que, em relação a conteúdos divulgados na internet, a impugnação por mera amostragem não é suficiente para ensejar a suspensão de todo o conteúdo postado em um site, devendo eventuais vícios ser atacados um a um, de forma objetiva e concreta, a fim de que a Justiça Eleitoral possa atuar de forma pontual e cirúrgica, com a menor interferência possível no debate democrático, nos termos do art. 38 da Res.-TSE 23.610. Nesse sentido: Ref-Rp 0600966-36, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri, PSSES em 27.9.2022.

4. Na espécie, a autora da representação impugnou, de forma específica e concreta, o conteúdo apenas dos vídeos intitulados “Kit Gay causa polêmica” e “Lula era comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato, diz MPF”, de modo que somente as alegações referentes a esses vídeos podem ser examinadas.

5. Em consulta aos endereços eletrônicos indicados na petição inicial, verifica-se que o canal do YouTube denominado Lula Flix não mais está disponível, o que igualmente ocorre em relação ao sítio eletrônico lulaflix.com.br, o qual apresenta a mensagem de que a respectiva conta está suspensa. Ademais, a representante não trouxe aos autos a íntegra dos vídeos impugnados, limitando-se a apresentar, na peça inaugural, capturas de telas obtidas a partir dos mencionados canal e sítio de internet.

6. Ao não referendar a decisão individual que indeferira o pedido de tutela provisória de urgência formulado pela representante, o Colegiado deste Tribunal Superior verificou que o vídeo identificado pela chamada “19.5 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4”, publicado no canal Lula Flix no Youtube, traz como conteúdo , mas a referida chamada, ao utilizar a expressão “kit gay”, sugere confirmar a narrativa sabidamente falsa acerca da existência de uma política pública imprópria supostamente voltada para crianças e adolescentes, o que configura desinformação, com o intuito de promover propaganda eleitoral negativa ao então candidato da representante, em infração ao art. 9º-A da Res.-TSE 23.610, em vigor à época dos fatos, e cujo teor é semelhante ao do art. 2º da Res.-TSE 23.714.

7. Com relação à temática alusiva ao suposto “kit gay”, este Tribunal Superior decidiu recentemente: “Divulgação, em plataforma de rede social, de vídeo relacionado à suposta distribuição do chamado "kit gay" nas escolas, pelos governos do Partido dos Trabalhadores. Conteúdo antigo, expressa e judicialmente reconhecido como desinformativo e ofensivo por esta Casa tanto no pleito de 2018 como nestas eleições, a justificar o deferimento de medida cautelar de imediata remoção. Precedentes” (Ref-Rp 0601358-73, rel. Min. Maria Cláudia Bucchianeri, PSESS em 25.10.2022).

8. No que se refere ao vídeo com a chamada “Lula era comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato, diz MPF", registrou-se, na decisão individual proferida nos autos – a qual não foi alterada quanto ao ponto pelo acórdão que lhe negou referendo –, que o vídeo em questão traz, nos dizeres da petição inicial, o recorte de uma vetusta reportagem sobre as condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva, temática que é de conhecimento público e, embora ao depois tais condenações tenham sido judicialmente desconstituídas, relata posicionamento exarado por membros do MPF e reposta afirmação objetivamente feita, razão pela qual não configura propaganda irregular, nos termos de decisões já tomadas por esta Corte para as Eleições de 2022. A descrição do conteúdo da mídia audiovisual impugnada e a respectiva chamada, apresentadas nas capturas de tela que constam na petição inicial, são insuficientes para se chegar a juízo diverso a respeito da não configuração de propaganda eleitoral irregular nesse particular.

9. Por ocasião da análise do Rec-Rp 0601754-50, julgado em 28.3.2023, e do Rec-Rp 0601756-20, julgado em 18.4.2023, ambos da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, este Tribunal Superior, por maioria, entendeu que é possível a aplicação da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97 às hipóteses de abuso na liberdade de expressão ocorrido na propaganda eleitoral veiculada por meio da internet, notadamente no caso de disseminação de conteúdo desinformativo.

10. Na espécie, considerando que, a despeito da multiplicidade de vídeos impugnados de forma genérica pela representante, apenas a chamada do vídeo alusivo ao denominado “kit gay” enseja o reconhecimento da divulgação de propaganda eleitoral irregular na internet, e, de outro lado, reputados o grande alcance do referido material audiovisual no período em que ficou disponível no canal Lula Flix no YouTube (90.906 visualizações no intervalo de 17.9.2022 a 6.10.2022) e a reinserção, no debate eleitoral, de conteúdo antigo e já reconhecido como desinformação em pleito anterior, afigura-se razoável e proporcional a aplicação, aos representados, de multa individual na quantia de R$ 20.000,00, com fundamento no § 2º do art. 57-D da Lei 9.504/97.

CONCLUSÃO

Representação julgada parcialmente procedente.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em julgar procedente, em parte, a representação proposta pela Coligação Brasil da Esperança para, confirmando a liminar parcialmente deferida, tornar definitivas a ordem de remoção, em caráter permanente, do vídeo irregular do canal Lula Flix no YouTube, bem como para condenar Jair Messias Bolsonaro, Coligação Pelo Bem do Brasil e Lucas Allex Pedro dos Santos ao pagamento de multa individual, fixada, por maioria, na quantia R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular, nos termos do voto do relator.

 

Brasília, 8 de agosto de 2023.

 

MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES –  RELATOR

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES: Senhor Presidente, a Coligação Brasil da Esperança ajuizou representação, com pedido de tutela provisória de urgência, em desfavor de Jair Messias Bolsonaro, da Coligação Pelo Bem do Brasil, de Lucas Allex Pedro dos Santos e de Luiz Silva, sob a alegação de que os representados veicularam propaganda eleitoral irregular nas Eleições de 2022 ao propagar desinformação e ofensas ao candidato da representante, por meio de postagens de diversos vídeos no canal Lula Flix no YouTube, os quais seriam reproduzidos no sítio lulaflix.com.br, em infração aos arts. 9º-A e 27 da Res.-TSE 23.610.

A representante alega que (ID 158201949):

a) o canal Lula Flix no YouTube veicula vídeos contendo desinformação e ofensas ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, os quais são transmitidos pelo website https://lulaflix.com.br, que é um dos sítios com maior audiência bolsonarista nas eleições em curso e tem como titular do domínio o representado Jair Messias Bolsonaro, figurando, como contatos, os demandados Lucas Allex Pedro dos Santos e Luiz Silva;

b) o canal Lula Flix no YouTube é de responsabilidade da Coligação Pelo Bem do Brasil e de Jair Messias Bolsonaro, assim como o site lulaflix.com.br é de responsabilidade do referido ente temporário;

c) o conteúdo do canal Lula Flix propaga um conjunto de inverdades que vão desde imputações de condutas já rechaçadas pelo Poder Judiciário, até ataques pessoais envolvendo familiares diretos do candidato Luiz Inácio Lula da Silva;

d) diante da multiplicidade de vídeos montados para ofender o candidato da representante e desinformar os eleitores, uma mera amostragem é suficiente para evidenciar o caráter danoso do canal Lula Flix:

i) no material intitulado “‘Lula era comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato, diz MPF’, os representados se valem de recorte de antiga reportagem para induzir os eleitores à falsa ideia de que o ex-presidente chefiaria uma organização criminosa, o que foi rejeitado pela Justiça Federal nos autos da Ação Penal 1026137-89.2018.4.01.3400 e tido como uma tentativa de criminalizar a política;

ii) quanto ao denominado “kit gay”, o Tribunal Superior Eleitoral já rechaçou a imputação, e, na Representação 0600851-15.2022.6.00.0000, novamente entendeu que tal divulgação, além de homofóbica e preconceituosa, gera desinformação prejudicial ao debate eleitoral, de modo que fica evidenciado não apenas desrespeito e violência ao candidato Lula, mas também ao próprio TSE, dada a afronta à autoridade das suas decisões;

e) o canal impugnado contabiliza cerca de 785.355 visualizações e, demais disso, a ferramenta Google Trends evidencia que houve crescimento repentino nas pesquisas relacionadas ao Lula Flix e que as buscas são feitas em sentido negativo, estando ligadas a fake news, ao passo que os termos são relacionados com a expressão “‘conheça a verdade sobre o ex-presidiário’” (ID 158201949, p. 15);

f) o sítio lulaflix.com.br adota o mesmo estratagema do canal do YouTube, utilizando-se de textos ao invés de vídeos e reproduzindo reportagens antigas sem nenhuma contextualização temporal;

g) a página é encontrada com uma simples pesquisa pelo termo “Lula Flix” na plataforma YouTube, de modo que não há nenhuma medida adotada pelo site para evitar a recomendação do referido canal, o qual é danoso à democracia;

h) as publicações impugnadas nos autos contrariam os arts. 9º-A e 27, § 1º, da Res.-TSE 23.610, pois os representados, de forma consciente e incompatível com a liberdade de manifestação do pensamento, deturparam vídeos e descontextualizaram notícias, a fim de incutir na mente dos eleitores que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria contas a prestar à Justiça, além do que tentaram atingir a integridade do processo eleitoral, mediante manipulação da opinião pública com fatos sabidamente inverídicos ou temporalmente descontextualizados;

i) os requisitos necessários à concessão da tutela provisória de urgência estão presentes, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil.

Requer a concessão de medida liminar, a fim de que seja determinada a remoção do canal Lula Flix do YouTube ou que a referida plataforma seja oficiada para que deixe de monetizar e de recomendar o aludido canal, ocultando-o das buscas, ordenando-se aos representados que se abstenham de publicar notícias com o mesmo teor, sob pena de multa diária por descumprimento da decisão.

Ainda em caráter liminar, pleiteia que seja determinada a realização de diligências junto ao portal Gmail para identificação do representado Lucas Silva.

No mérito, pugna pela confirmação da liminar e pela condenação dos demandados ao pagamento de multa, em valor que considere o amplo alcance do canal, sem prejuízo da remessa dos autos à Procuradoria-Geral Eleitoral para apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.

Em decisão proferida no dia 9.10.2022, foi indeferido o pedido de tutela provisória de urgência (ID 158213750).

A Coligação Pelo Bem do Brasil, Jair Messias Bolsonaro e Lucas Allex Pedro dos Santos apresentaram defesa (ID 158231399), na qual alegam o seguinte:

a) o pedido de seja determinado aos representados que se abstenham de veicular notícias com o mesmo teor dos vídeos impugnados evidencia censura prévia;

b) a representante não se desincumbiu do ônus de comprovar as alegações de falsidade, desinformação ou descontextualização das publicações impugnadas, limitando-se a apresentar capturas de tela referentes a vídeos, sem indicar nenhuma impropriedade ou conteúdo típico de notícia falsa, desacompanhadas das respectivas URLs, informação sem a qual eventual decisão padecerá de nulidade em razão do disposto no § 4º do art. 38 da Res.-TSE 23.610;

c) os questionamentos acerca da inocência de Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao esquema de corrupção identificado pela Operação Lava Jato não configuram notícia falsa e são abarcados pela liberdade de expressão, pois a presunção de inocência prevista na Constituição da República não corresponde à declaração de inocência pelo Poder Judiciário, o que justifica e legitima que o canal impugnado apresente matérias jornalísticas que evidenciam o envolvimento do referido candidato em escândalos de corrupção, contemporâneos aos governos do seu partido, e que ele não foi declarado inocente pela justiça e ainda há processos pendentes de julgamento, não havendo, portanto, inveracidade;

d) não procede a alegação de suposta descontextualização temporal do vídeo alusivo ao denominado “kit gay”, pois se trata de reprodução de matéria jornalística, cuja data de veiculação é indicada de forma inequívoca, o que dá ao eleitor oportunidade para avaliação da sua pertinência para a formação de convicções políticas, não havendo que se falar em desinformação, mas, sim, estímulo à memória e à reflexão;

e) o sítio lulaflix.com.br se limita a reproduzir matérias jornalísticas e vídeos acessíveis na internet, sem juízo de valor e sem alteração do teor das manchetes, tratando-se de compilação de matérias, e, demais disso, há precedentes do TSE no sentido de que a reprodução de reportagem não configura fato sabidamente inverídico, calunioso, difamatório ou injurioso, bem como há entendimento no STF acerca da majorada importância do direito à informação, sob risco de se ofender a liberdade de expressão;

f) em caso análogo, apto a ensejar tratamento isonômico, o TSE decidiu que compilação de matérias jornalísticas, sem elementos que evidenciem teor eleitoral (menção ao pleito, número de urna, candidatos), afasta a discussão sobre o seu caráter positivo ou negativo, por não se tratar de propaganda. Ademais, o fato de o domínio do sítio ter sido adquirido pela campanha dos representados não justifica a caracterização do conteúdo como eleitoral;

g) na espécie, o conteúdo divulgado é de interesse político, em sentido amplo, como qualquer outra manifestação hospedada, desordenadamente, na imprensa escrita e/ou televisionada;

h) a representante não indicou dispositivo legal que ampare o pedido de condenação ao pagamento de multa formulado na petição inicial, dado que, na verdade, inexiste preceito nesse sentido.

O representado Luiz Silva não foi citado, por falta de dados relacionados aos seus endereços de domicílio e de residência (certidão de ID 158217787).

Por meio de acórdão proferido em 13.10.2022, o Colegiado deste Tribunal Superior decidiu não referendar a decisão individual que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência e, por unanimidade, no exercício do poder de polícia, determinou que os representados providenciassem, no prazo de 24 horas, os ajustes necessários para constar, de modo inequívoco e ininterrupto, nas páginas principal e secundárias do canal Lula Flix no YouTube, a informação de que o conteúdo divulgado consiste em propaganda eleitoral, sob pena de suspensão do referido canal. Além disso, por maioria, esta Corte determinou a remoção do vídeo “19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4”, nos termos do voto parcialmente divergente proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, designado para redigir o aresto (ID 158264214).

A Coligação Pelo Bem do Brasil e Lucas Allex Pedro dos Santos opuseram embargos de declaração (ID 158237180) em face do aresto acima, nos quais afirmam ter cumprido as determinações contidas no acórdão embargado e apontam a suposta existência de: i) obscuridade em razão de a exordial se referir a páginas virtuais independentes (site e canal), bem como pela possibilidade de se entender que cada vídeo deveria ser identificado como propaganda eleitoral – hipótese que demandaria a incursão na propriedade intelectual de terceiros e evidenciaria apropriação indevida de material jornalístico sem cunho eleitoral, com ofensa às normas protetoras do direito autoral –; ii) omissão no que concerne à falta de indicação da URL e à previsão normativa de que tal circunstância enseja a nulidade da decisão judicial que determinar a remoção de conteúdo divulgado na internet.

A Coligação Brasil da Esperança apresentou contrarrazões (ID 158245758), nas quais pugnou pelo não provimento dos embargos de declaração.

A douta Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou parecer (ID 158281657), no qual opina pelo reconhecimento da procedência parcial dos pedidos formulados.

Por decisão monocrática, o Ministro Ricardo Lewandowski julgou prejudicados os embargos de declaração, considerando ter havido perda superveniente do objeto, em razão do término das eleições presidenciais (ID 158367010).

Os autos foram redistribuídos ao Ministro Sérgio Banhos, nos termos do § 5º do art. 2º da Res.-TSE 23.610, em razão do encerramento da atuação das ministras e dos ministros designados para apreciar as representações, as reclamações e os pedidos de direito de resposta referentes às Eleições de 2022 (IDs 158354621 e 158552153).

Por meio do despacho de ID 158579786, o Ministro Sérgio Banhos facultou à representante que se manifestasse a respeito da eventual persistência de interesse de agir quanto ao demandado Luiz Silva e, em caso positivo, apresentasse o respectivo endereço para citação. No mesmo ato, foi determinada a intimação dos demais representados para que juntassem aos autos comprovante do cumprimento tempestivo das determinações contidas no acórdão de ID 158264214.

Apenas o representado Jair Messias Bolsonaro se manifestou (ID 158683393), reafirmando que foram cumpridas tempestivamente as determinações de identificação do conteúdo divulgado no canal como propaganda eleitoral e de remoção de vídeo indicado no aresto, pontuando não ter havido impugnação da parte contrária a respeito de eventual descumprimento da decisão, além do que, pugnou pela extinção da representação.

Em sua manifestação, a Coligação Brasil da Esperança (ID 158687445) requereu a continuidade do feito e reiterou o pedido de realização de diligências junto ao portal Gmail para a identificação do demandado Luiz Silva ou que a citação fosse efetuada por meio do correio eletrônico informado na petição inicial, ou, ainda, fossem intimados os demais representados para fornecer o endereço.

O Ministro Sérgio Banhos, então relator, determinou a realização da diligência requerida junto à Google Brasil Internet Ltda., provedora do serviço Gmail (ID 158695762) e, após recebidas as informações prestadas pela referida empresa (IDs 158731136 e 158731238) e a requerimento da autora (ID 158775152), deferiu o envio de ofício à operadora de internet Latitude.sh Ltda. (ID 158803384), a qual informou não dispor de dados cadastrais do demandado Luiz Silva, apontando que tais informações estariam sob a guarda de Packethub S.A., empresa sediada na República do Panamá (ID 158883153).

Diante disso, facultou-se nova manifestação da representante (ID 158893197), a qual apresentou desistência da representação quanto ao demandado Luiz Silva, ante a impossibilidade de localizar o seu endereço para citação (petição de ID 158932736).

Por decisão proferida no dia 11.5.2023 (ID 159010461), o então relator, Ministro Sérgio Banhos, homologou a desistência da ação quanto ao demandado Luiz Silva e extinguiu o feito em relação a ele, sem resolução de mérito, determinando a sua exclusão do polo passivo da representação.

É o relatório.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES (relator): Senhor Presidente, verifica-se a regularidade da representação processual da parte autora (procuração de ID 158201950).

Inicialmente, assinalo que não é possível a extinção do feito sem resolução do mérito em relação ao pedido de remoção de conteúdo. Uma vez o fato tido por ilícito tendo lugar durante o período eleitoral e em sede da rinha eleitoral, a competência da Justiça Eleitoral se protrai para providências acauteladoras ou reparadoras mesmo após a realização do pleito, não havendo propriamente relação de prejudicialidade.

Segue daí que, ao meu sentir, prossegue cabível e conveniente a adoção de providências supressivas de conteúdo considerado afrontante às regras eleitorais, mesmo já tendo se esgotado o período das eleições. Isso não apenas por uma razão de meu entendimento pessoal sobre os efeitos da competência da Justiça Eleitoral, mas também e especialmente pela percepção de que hodiernamente o fenômeno eleitoral tende a assumir uma temporalidade contínua, o que justifica o amoldamento do exercício da competência deste Tribunal às circunstâncias contemporâneas.

Neste sentido, inclusive, parece caminhar a orientação mais recente desta Corte Superior, na linha de que não fica prejudicado pedido deste jaez em razão do mero transcurso das eleições.

Cito, a esse propósito, o R-RP 0601325-83, de relatoria do Min. Carlos Horbach, julgado em 5.5.2023, no qual esta Corte Superior, por maioria, referendou a decisão que determinara a remoção do conteúdo ilícito e aplicou multa com fundamento no art. 57-D da Lei 9.504/97.

No mesmo sentido, indico o R-Rp 0601754-50, julgado em 28.3.2023, e o R-Rp 0601756-20, julgado em 18.4.2023, ambos da relatoria do Min. Alexandre de Moraes, nos quais este Tribunal decidiu, também por maioria, que é possível a aplicação da multa prevista no art. 57-D da Lei 9.504/97 nas representações por propaganda eleitoral irregular divulgada na internet mediante veiculação de informação inverídica e persiste o interesse jurídico na determinação de remoção definitiva de conteúdo, independentemente da superveniência das eleições.

Assim, não há falar em perda do objeto da representação em virtude da realização das eleições.

Conforme relatado, a Coligação Brasil da Esperança ajuizou representação em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil, de Jair Messias Bolsonaro e de Lucas Allex Pedro dos Santos, sob a alegação de que os demandados publicaram vídeos no canal denominado Lula Flix na plataforma YouTube, os quais eram retransmitidos no sítio eletrônico https://lulaflix.com.br e cujos conteúdos consistiriam em desinformação e ofensas ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

Afirma que o conteúdo ilícito propagado no referido canal seria diversificado e formaria narrativa cuja pretensão seria a de desinformar e induzir a opinião do eleitor com a inclusão, nas postagens, de imputações ao candidato de condutas já refutadas pelo Poder Judiciário, a exemplo da suposta chefia de organização criminosa (que teria sido apreciada na Ação Penal 1026137-89.2018.4.01.3400) e da falácia atinente ao denominado “kit gay” (a qual teria sido examinada em diversas decisões deste Tribunal e novamente rechaçada na Representação 0600851-15 e reputada divulgação homofóbica, preconceituosa e fonte de desinformação prejudicial ao debate eleitoral), e, demais disso, teria veiculado até “ataques pessoais envolvendo familiares diretos do candidato Luiz Inácio Lula da Silva” (ID 158201949, p. 7).

Na defesa, os representados alegam que o conteúdo impugnado consistiria em matérias jornalísticas, sem nenhuma edição, e que não haveria notícias falsas ou descontextualizadas, tampouco teor eleitoral nas publicações questionadas, assim como inexistiria previsão legal para aplicação de multa na hipótese dos autos.

Indeferida a medida liminar pela Ministra Maria Claudia Bucchianeri, então relatora do feito, a respectiva decisão foi submetida ao referendo do Plenário deste Tribunal Superior, nos termos do art. 2º da Portaria-TSE 791/2022.

Todavia, o Colegiado desta Corte Superior decidiu por não referendar a decisão denegatória do pedido de liminar e, por unanimidade, determinou, no exercício do poder de polícia, que os representados providenciassem, no prazo de 24 horas, os ajustes necessários para fazer constar, de modo inequívoco e ininterrupto, nas páginas principal e secundárias do canal Lula Flix no YouTube, a identificação de que o conteúdo divulgado consiste em propaganda eleitoral, sob pena de suspensão do canal, nos termos do voto reajustado da relatora, e, por maioria, determinou a remoção do vídeo intitulado “19 05 2011 Kit Gay Causa Polêmica mp4”, na linha do voto proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, o qual foi lavrado nos seguintes termos (ID 158264214):

De saída, registro minha anuência ao entendimento exposto pela Ministra Relatora, no sentido de que a remoção ad cautelam de todo o canal da internet não pode, a rigor, se basear em um exame meramente amostral de seu conteúdo.

Esta Corte Superior tem ressaltado que a intervenção da Justiça Eleitoral na arena virtual há de ser mínima e, portanto, reservada às circunstâncias claras e inequívocas de veiculação de desinformação, violência ou discriminação.

Ademais, no juízo de cognição sumária próprio dos provimentos cautelares, é possível verificar que o canal do YouTube, aparentemente, reúne matérias e reportagens jornalísticas que reanimam fatos pretéritos considerados desfavoráveis ao candidato da coligação ora representante, sem indícios de que os seus conteúdos tenham sido submetidos à edição.

Nada obstante, registro que a propaganda eleitoral que se propõe exclusivamente a desmerecer o adversário, embora não seja proibida pela legislação eleitoral, salvo nas situações de impulsionamento pago na internet, pode, em determinadas circunstâncias, revelar ou desencadear uma desinformação coletiva, deturpando, sobretudo, a formação da vontade do eleitor.

Foi o que decidimos, a propósito, nesta mesma sessão de julgamento, quando, por meio de votação majoritária, glosamos a veiculação de uma reportagem jornalística intitulada “Relembre os Esquemas de Corrupção do Governo Lula”.

No caso concreto observo fenômeno semelhante, para o qual chamo a atenção deste Tribunal.

Em uma análise perfunctória, identifico que a chamada de uma das mídias especificamente impugnadas pela representante está aparentemente dissociada de seu conteúdo.

Refiro-me ao vídeo intitulado ‘19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4’.

Entendo que a chamada utilizada pelo canal, ao se valer da expressão ‘Kit Gay’, sugere confirmar a narrativa sabidamente falsa – e há muito tempo difundida no ambiente virtual –, acerca da existência de uma política pública imprópria supostamente voltada para crianças e adolescentes.

Lembro que esta Corte, por ocasião do julgamento da Representação 0600851-15/DF, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, em que o Ministro Alexandre de Moraes ficou designado para redigir o acórdão, determinou a retirada de propagandas que buscavam associar candidatos de governos anteriores à distribuição, em escolas, do que se convencionou chamar ‘Kit Gay’.

Firme nesses fundamentos, compreendo que o vídeo ‘19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4’ constitui propaganda irregular.

De outra parte, tenho por relevante submeter à apreciação da Corte irregularidade que, embora não tenha sido impugnada, verifico presente.

Ao acessar o referido canal, pude notar que não está clara a sua identificação como local de propaganda eleitoral patrocinado e gerido pela Coligação ‘Pelo Bem do Brasil’

Embora este dado conste da aba denominada ‘Sobre’ – com anotação do CNPJ e partidos coligados, inclusive –, ele não é minimamente perceptível na página inicial.

É somente com muito esforço que se vê que a identificação está consignada no dístico principal do canal do YouTube, mas seccionada em mais da metade:

Percebo, ainda, que, ao selecionar mais de um dos vídeos que estão disponíveis, outras páginas são abertas sem que nelas haja qualquer identificação de que se trata de propaganda eleitoral.

Como é notório, a legislação eleitoral cobra, em diversos dispositivos, que a propaganda eleitoral seja inequívoca e objetivamente identificada como tal (art. 242 do Código Eleitoral, arts. 6º, § 2º, e 36, § 4º, da Lei 9.504/1997).

Esse entendimento, inclusive, foi recentemente reafirmado pelo TSE na Representação 0601056-44/DF, também de relatoria da Ministra Maria Cláudia Bucchianeri, de cuja ementa extraio a seguinte passagem:

‘A parte inicial do art. 242 do Código Eleitoral estabelece que a propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária. A ratio subjacente a tal dispositivo é permitir que o eleitor e a eleitora, ao serem expostos e expostas a propaganda eleitoral, saibam exatamente que aquele conteúdo é uma propaganda, com fácil identificação de quem é o responsável e, naturalmente, o beneficiário de tal conteúdo, que, enquanto material de campanha, não será neutro ou independente, mas, isso sim, naturalmente vocacionado à promoção de determinada candidatura.’ (grifei)

Entendo que a identificação da natureza do conteúdo divulgado e do responsável por sua propagação deve ser ainda mais evidente, impositiva e inflexível quando se trata de conteúdo negativo, em que o candidato teoricamente beneficiado não exerce o protagonismo.

No caso concreto, tenho que a necessidade de identificação manifesta e inteligível é sobremaneira acentuada pelo fato de o canal ser intitulado com o nome do candidato adversário àquele que realiza a propaganda, além de se utilizar de sua imagem e das cores típicas de seu partido.

Presente esse contexto em particular, não creio que os dados atualmente constantes do canal sejam suficientes para conferir a transparência exigida pela lei eleitoral.

Diante de todo o exposto, Senhor Presidente, divirjo parcialmente da Ministra Relatora para, deferindo em parte o requerimento liminar, determinar que os representados removam o vídeo “19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4”, por constituir propaganda irregular.

Além disso, determino, no exercício do poder de polícia, que os representados providenciem que o canal do YouTube “LulaFlix” exiba, de modo inequívoco e ininterrupto, tanto na página principal quanto nas secundárias, a identificação de que se trata de propaganda eleitoral, sob pena de suspensão.

Assinalo o prazo comum de 24 horas para o cumprimento de todas as determinações que, caso descumpridas, implicarão em multa diária de R$ 10.000,00 a cada um dos representados.

No que se refere ao objeto da representação, a autora impugnou, de forma genérica, a totalidade dos vídeos publicados no canal Lula Flix no YouTube, atacando, de forma específica e concreta, o conteúdo de apenas dois desses vídeos.

Em tal contexto, apenas as alegações referentes aos vídeos intitulados “Kit Gay causa polêmica” e “Lula era comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato, diz MPF” podem ser examinados, pois foram especificamente impugnados.

Com efeito, a compreensão deste Tribunal Superior é no sentido de que, em relação a conteúdos divulgados na internet, a impugnação por mera amostragem não é suficiente para ensejar a suspensão de todo o conteúdo postado em um site, devendo eventuais vícios ser impugnados um a um, de forma objetiva e concreta, a fim de que a Justiça Eleitoral possa atuar de forma pontual e cirúrgica, com a menor interferência possível no debate democrático, nos termos do art. 38 da Res.-TSE 23.610.

Nesse sentido:

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. INTERNET. SITE. CONTAS RELACIONADAS NAS REDES SOCIAIS. FALSA APARÊNCIA DE AGÊNCIA INDEPENDENTE DE CHECAGEM DE NOTÍCIAS. INDUÇÃO EM ERRO. PÁGINA OFICIAL DE CAMPANHA. FALSEAMENTO DE IDENTIDADE. COLETA IRREGULAR DE DADOS PESSOAIS. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. MEDIDA LIMINAR REFERENDADA.

1. Mostra-se inviável a pretensão cautelar de suspensão de todo um site, com base na impugnação, por amostragem, apenas de alguns dos conteúdos ali postados. O minimalismo e a atuação necessariamente cirúrgica que devem nortear a intervenção da Justiça Eleitoral no livre mercado ideias políticas e eleitorais são incompatíveis com qualquer supressão discursiva em atacado. Vícios de conteúdo, se e quando existentes, devem ser impugnados um a um, objetiva e concretamente, de sorte a autorizar a intervenção necessariamente pontual e cirúrgica desta Casa.

[...]

10. Medida liminar referendada.

(Ref-Rp 0600966-36, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri, PSSES em 27.9.2022.)

Fixado esse ponto, observo que, em consulta aos endereços eletrônicos indicados na petição inicial, verifica-se que o canal do YouTube denominado Lula Flix não mais está disponível, o que igualmente ocorre em relação ao sítio eletrônico lulaflix.com.br, o qual apresenta a mensagem de que a respectiva conta está suspensa.

Ainda a esse respeito, cumpre ressaltar que a representante não trouxe aos autos a íntegra dos vídeos impugnados, limitando-se a apresentar, na petição inicial, capturas de telas obtidas a partir dos mencionados canal e sítio de internet.

De todo modo, por ocasião da análise do pedido de tutela de urgência e da submissão da respectiva decisão individual ao referendo do Colegiado deste Tribunal Superior, verificou-se que o vídeo identificado pela chamada “19.5 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4” trazia como conteúdo “matéria jornalística veiculada por emissora de televisão em 19/05/2011, envolvendo o então Ministro da Educação Fernando Haddad e o debate então travado sobre o combate à homofobia” (ID 158213750).

Como anotado pelo Ministro Ricardo Lewandowski no referido julgamento, “a chamada utilizada pelo canal, ao se valer da expressão ‘Kit Gay’, sugere confirmar a narrativa sabidamente falsa – e há muito tempo difundida no ambiente virtual –, acerca da existência de uma política pública imprópria supostamente voltada para crianças e adolescentes”, e essa temática “foi uma das fake news mais polêmicas da eleição passada, e, segundo os especialistas, teria influído decisivamente no resultado das eleições” (ID 158264214).

Com efeito, em relação à temática alusiva ao “kit gay”, este Tribunal Superior decidiu recentemente o seguinte: “Divulgação, em plataforma de rede social, de vídeo relacionado à suposta distribuição do chamado "kit gay" nas escolas, pelos governos do Partido dos Trabalhadores. Conteúdo antigo, expressa e judicialmente reconhecido como desinformativo e ofensivo por esta Casa tanto no pleito de 2018 como nestas eleições, a justificar o deferimento de medida cautelar de imediata remoção. Precedentes” (Ref-Rp 0601358-73, rel. Min. Maria Cláudia Bucchianeri, PSESS em 25.10.2022, grifo nosso).

Dessa forma, cumpre reafirmar a conclusão do Colegiado de que, ao se valer da expressão “kit gay”, a chamada do vídeo “19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4”, publicado no canal Lula Flix no YouTube, configura desinformação, traduzindo-se em fato sabidamente inverídico, com o intuito de promover propaganda eleitoral negativa ao então candidato da representante.

Como é consabido, tal prática é coibida pelo art. 9º-A da Res.-TSE 23.610, em vigor à época dos fatos, cujo teor é o seguinte:

Art. 9º-A. É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Conquanto tal dispositivo regulamentar tenha sido revogado pela Res.-TSE 23.714, de 20.10.2022, a novel resolução contém preceito de teor semelhante:

Art. 2º É vedada, nos termos do Código Eleitoral, a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos.

Ademais, a chamada do vídeo referente ao denominado “kit gay” infringe também o art. 27, § 1º, da Res.-TSE 23.610, segundo o qual “a livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.

No que se refere ao vídeo com a chamada “Lula era comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato, diz MPF", ressalto novamente que a autora não trouxe aos autos a íntegra da gravação e, demais disso, os endereços eletrônicos indicados na petição inicial não mais dão acesso ao canal, sítio e material audiovisual referidos, o que igualmente ocorre em relação ao link apontado pela representante para embasar a alegação de que os demandados “salientam, minusculamente, que a montagem difundida corresponde a longínquo 14.09.2016” (ID 158201949, p. 12), o qual remete a uma página que apresenta a mensagem de se tratar de vídeo privado, situação em que o material audiovisual não aparece na página inicial do canal e apenas pode ser visto por pessoas que tenham sido convidadas, de acordo com informação contida na ajuda da plataforma YouTube.

Diante do contexto verificado, cumpre anotar o que foi registrado na decisão individual proferida nos autos – a qual não foi alterada nesse ponto pelo acórdão que lhe negou referendo –, segundo a qual o vídeo em questão traz, nos dizeres da petição inicial, o recorte de uma vetusta reportagem sobre as condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva, temática que é de conhecimento público e, embora ao depois tais condenações tenham sido judicialmente desconstituídas, relata posicionamento exarado por membros do MPF e reposta afirmação objetivamente feita, razão pela qual não configura propaganda irregular, nos termos de decisões já tomadas por esta Corte para as Eleições de 2022 "(Referendo na RP nº 0601178-57, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, PSESS em 30.9.2022 e DRs nº 0600906-63, 0600922-17, 0601035-68, de minha relatoria, Mural eletrônico de 26.9.2022)” (ID 158264214).

Desse modo, a meu sentir, a descrição do conteúdo do vídeo impugnado, acima reproduzida, e a chamada a ele referente no canal Lula Flix, apresentada nas capturas de tela que constam na petição inicial, são insuficientes para se chegar a juízo diverso a respeito da ausência de propaganda eleitoral irregular nesse particular.

Assim, reconhecida a violação à regra eleitoral apenas no que se refere à chamada do vídeo “19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4”, é impositivo tornar definitiva a ordem de remoção do conteúdo em tela, com base no § 1º do art. 38 da Res.-TSE 23.610.

Todavia, a esse respeito, vale novamente observar que o canal Lula Flix do YouTube e o sítio lulaflix.com.br não mais estão ativos, conforme se observa em consulta aos endereços eletrônicos indicados na petição inicial e já mencionado alhures.

No que diz respeito à multa diária cominada para eventual descumprimento das ordens judiciais de remoção de conteúdo e de identificação da propaganda eleitoral (acórdão de ID 158264214), os representados afirmam ter cumprido tempestivamente tais determinações (ID 158237180, itens 5, 18 e 23, e ID 158683393), apresentando capturas de tela dos referidos sites para demonstração do quanto alegado, e, por outro prisma, observo que inexiste nos autos manifestação em sentido contrário da parte autora, de modo que nada há a prover quanto ao ponto.

Por fim, quanto ao pedido de aplicação de multa por propaganda eleitoral irregular, assinalo que, no julgamento do Recurso na Representação 0601754-50, da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, concluído em 28.3.2023, cujo acórdão ainda não foi publicado, este Tribunal Superior, por maioria, fixou o entendimento de que “o art. 57-D da Lei 9.504/97 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet – incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral”.

Desse modo, é possível a aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei 9.50497 também às hipóteses de abuso na liberdade de expressão ocorrido na propaganda eleitoral veiculada por meio da internet, notadamente na hipótese de disseminação de conteúdo desinformativo, tal como ocorre na espécie em relação ao vídeo com a chamada “19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4”.

Assim, embora a autora da representação tenha pedido a aplicação de multa sem a indicação do respectivo fundamento legal – invocando o art. 57-D, § 2º, da Lei das Eleições pela primeira vez apenas posteriormente, por meio da petição de ID 158687445 – e os demandados defendam a tese de que não existiria preceito sancionador da conduta impugnada, é certo que os representados exerceram o direito de defesa, de forma que não há óbice a que se proceda à adequada capitulação legal dos fatos, pois, nos termos do verbete sumular 62 deste Tribunal Superior, “os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Ademais, considerada a sua chamada desinformativa, o vídeo alusivo ao denominado “kit gay” registrava 90.906 visualizações desde a sua estreia no dia 17.9.2022 (ID 158201949, p. 14), até pelo menos a data da propositura da representação (6.10.2022), o que denota o grande alcance do conteúdo audiovisual impugnado e, a meu sentir, justifica a fixação da multa em patamar acima do mínimo previsto em lei.

Ainda para fins de fixação do valor da multa a ser aplicada, observo que a chamada do vídeo alusivo ao denominado “kit gay” se reveste de maior gravidade porque reinsere, no debate eleitoral, conteúdo antigo e já reconhecido como desinformação em decisões anteriores deste Tribunal Superior, configurando “hipótese de ‘desinformação circular’, ou seja, que ganha novo impulso após intervalos de tempo, com a reinserção do conteúdo inverídico em novas narrativas, que são reconstruídas a partir de contextos distintos” (Ref-Rp 0601492-03, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri, PSESS em 25.10.2022).

Portanto, considerando que, a despeito da multiplicidade de vídeos impugnados de forma genérica pela representante, apenas a chamada do vídeo alusivo ao denominado “kit gay” ensejou o reconhecimento da divulgação de propaganda eleitoral irregular na internet, e, de outro lado, reputados o grande alcance do referido material audiovisual no período em que ficou disponível no canal Lula Flix no YouTube e a reinserção, no debate eleitoral, de conteúdo antigo e já reconhecido como desinformação em pleito anterior, entendo que é razoável e proporcional a aplicação, aos representados, de multa individual na quantia de R$ 20.000,00, com base no § 2º do art. 57-D da Lei 9.504/97.

Pelo exposto, voto no sentido de julgar procedente, em parte, a representação proposta pela Coligação Brasil da Esperança para, confirmando a liminar parcialmente deferida, tornar definitivas a ordem de remoção do vídeo “19 5 2011 Kit Gay Causa Polêmica mp4” do canal Lula Flix no YouTube e a decisão de obrigatoriedade de identificação de tratar-se de propaganda eleitoral, bem como para condenar Jair Messias Bolsonaro, Coligação Pelo Bem do Brasil e Lucas Allex Pedro dos Santos ao pagamento de multa individual na quantia R$ 20.000,00, em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular, com base no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97.

_____________________________

Consulta realizada em 23.5.2023 aos seguintes endereços eletrônicos:

https://www.youtube.com/channel/UCXpMGKvk0fgVvP37_AvjAdA/featured

https://www.youtube.com/channel/UCXpMGKvk0fgVvP37_AvjAdA/about

https://lulaflix.com.br/

https://www.youtube.com/watch?v=DNZ77CYantU&list=PL_IMiGh46aPXfBJWmRTw_JfEAc9ydXkAw&index=7

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhor Presidente, trata-se representação, aparelhada com pedido liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança contra a Coligação Pelo Bem do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, Lucas Allex Pedro dos Santos e Luiz Silva por suposta divulgação de desinformação na internet, por meio do canal Lulaflix no YouTube.

Requer a remoção de todo o canal Lulaflix do YouTube (e não de alguma mídia específica ali postada, individualmente questionada), sob a alegação de que todos os vídeos do canal, indistintamente, representariam um “buffet de fake News”, além de revelarem conteúdos antigos e descontextualizados, em ofensa aos arts. 9º-A e 27 da Res.-TSE nº 23.610/2019.

Este Tribunal, por maioria, ao examinar o pedido liminar, deferiu parcialmente o pedido, determinando a remoção de conteúdo desinformativo alusivo ao “KIT GAY” e, por unanimidade, à identificação inequívoca de que o conteúdo divulgado naquele espaço era de propaganda eleitoral.

Assentou-se que o referido canal do YouTube reunia, em sua grande maioria, matérias e reportagens jornalísticas sobre fatos pretéritos considerados desfavoráveis ao candidato da coligação ora representante, sem indícios de descontextualização. Todavia, consignou-se que um vídeo nomeado de “19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA mp4”, objetivava confirmar a narrativa sabidamente falsa – e há muito tempo difundida no ambiente virtual –, acerca da existência de uma política pública imprópria supostamente voltada para crianças e adolescentes.

O e. Relator confirmando a decisão liminar em todos os seus fundamentos, julga parcialmente procedente o pedido veiculado na representação, para aplicar multa individual aos representados no valor de R$ 20.000,00, ante a irregularidade da propaganda contida no denominado “kit gay”.

Cumprimentando o e. Relator, MINISTRO FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES, pelo percuciente voto, ao qual adiro parcialmente por ter chegado à mesma conclusão quanto à irregularidade da propaganda alusiva ao KIT GAY, divergindo relativamente à aplicação da multa.

Frise-se que a despeito da impugnação ter sido formulada de forma genérica, remoção de todos os vídeos divulgados canal Lula Flix, no YouTube, observa-se que, houve o dissentimento específico apenas do vídeo alusivo ao cognominado “kit gay”. Tal como assentado na decisão liminar, infere-se a irregularidade de seu conteúdo, uma vez que buscou divulgar uma narrativa sabidamente falsa – e há muito tempo difundida no ambiente virtual –, sobre a existência de uma política pública imprópria supostamente voltada para crianças e adolescentes.

Nessa quadra, acompanho o e. Relator, haja vista o conteúdo desinformativo da peça de propaganda eleitoral.

Relativamente valor da multa, impõe-se a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, uma vez que não se demonstrou circunstâncias aptas a autorizem a aplicação da multa em quatro vezes o seu valor mínimo, haja vista compreender que o número de visualizações (90.906 visualizações no período de 17.9.2022 a 6.10.2022), por si só, não se revela suficientemente grave para justificar o arbitramento da multa individual no valor de R$ 20.000,00. Desse modo, arbitro a multa individual em R$ 10.000,00 (dez mil reias), o dobro do mínimo legal, em razão do conteúdo da propaganda.

Ante o exposto, renovando as mais respeitosas vênias ao eminente relator e àqueles que o acompanham, divirjo parcialmente, para arbitrar a multa individual no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

É como voto.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ RAMOS TAVARES: Senhor Presidente, trata-se de representação proposta em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil, de Jair Messias Bolsonaro, de Lucas Allex Pedro dos Santos e de Luiz Silva em razão de propaganda eleitoral irregular na internet mediante divulgação de desinformação e ofensas no canal do YouTube denominado “Lula Flix”.

Na sessão de 13.10.2022, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, em julgamento do referendo à liminar, deferiu-a parcialmente em acórdão assim ementado:

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CANAL DO YOUTUBE VINCULADO À CAMPANHA. CONTEÚDO NEGATIVO. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA. IMPOSSIBILIDADE. REMOÇÃO APENAS DE PARTE DO QUE ESPECIFICAMENTE IMPUGNADO. INTERVENÇÃO MÍNIMA. DEFERIMENTO PARCIAL DA MEDIDA LIMINAR. IDENTIFICAÇÃO DEFICIENTE DO CANAL COMO VEÍCULO DE PROPAGANDA OFICIAL DE CAMPANHA. PODER DE POLÍCIA. DETERMINAÇÃO DE AJUSTES.

1. A impugnação de apenas uma parcela do conteúdo disponível em canal de campanha eleitoral do YouTube não autoriza a sua remoção integral.

2. O art. 38 da Res.-TSE 23.610/2019 cobra interferência mínima da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet.

3. O vídeo cujo título faz referência expressa a fato já reconhecido como falso pela Justiça Eleitoral constitui propaganda irregular.

4. Canal do YouTube patrocinado e administrado por candidato, partido ou coligação, deve exibir essa condição de modo inequívoco e permanente, tanto na sua página principal quanto nas secundárias, especialmente quando veicular propaganda negativa.

5. O Tribunal Superior Eleitoral, no exercício do poder de política, tem o dever de exigir a correta identificação do canal do YouTube que é utilizado para realizar propaganda eleitoral.

6. Liminar parcialmente deferida, apenas para suspender o conteúdo desinformativo.

7. Determinada, no exercício do poder de polícia, a promoção de ajustes na identificação do canal. (ID nº 158264214)

Consoante análise dos autos, verifico que os autores se insurgiram contra veiculação de desinformação e ofensas no canal do YouTube denominado “Lula Flix” e no sítio https://lulaflix.com.br. Expõem que o titular do domínio do referido sítio é Jair Messias Bolsonaro.

Como na petição inicial há menção apenas ao canal do YouTube e ao sítio inicial em que veiculados diversos conteúdos, sem indicação específica da URL em que postados os vídeos, a então relatora indeferiu o pleito liminar. Ao levar a referendo o pronunciamento, expôs que, “muito embora, insisto, os autores não tenham indicado a URL específica de nenhum vídeo, limitando-se a postular a derrubada de todo o canal no YouTube, sem analisar todos os conteúdos ali lançados, registro que, nesse exame perfunctório, o mencionado canal se limita a compilar matérias jornalísticas veiculadas nas principais emissoras de TV aberta (Globo, Record, Bandeirantes, TV Câmara), sem agregar a elas nenhum conteúdo criativo novo, nem mesmo no título, igualmente fazendo expressa referência às datas em que cada programa foi ao ar” (ID nº 158264214).

Em referendo daquele pronunciamento, o Ministro Ricardo Lewandowski registrou sua “anuência ao entendimento exposto pela Ministra Relatora, no sentido de que a remoção ad cautelam de todo o canal da internet não pode, a rigor, se basear em um exame meramente amostral de seu conteúdo” (ID nº 158264214).

Como firmado naquele julgamento, ademais, é possível verificar que o canal do YouTube reúne matérias e reportagens jornalísticas que reanimam fatos pretéritos considerados desfavoráveis ao candidato da coligação representante, sem elementos probatórios de que seus conteúdos tenham sido submetidos a edição.

Em análise específica das mídias contidas no referido canal de comunicação, o TSE expôs que o vídeo intitulado “19 05 2011 KIT GAY CAUSA POLÊMICA” sugeriu narrativa sabidamente falsa e há muito tempo difundida no ambiente virtual consistente na alegada existência de determinada política pública voltada para crianças e adolescentes.

Baseando-se no Ref-Rp nº 0600851-15/DF, em que foi designado como redator para o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes, também afeto à desinformação atinente ao denominado “kit gay”, entendeu esta Corte que o vídeo consubstanciou propaganda irregular, sendo necessária sua remoção.

Além disso, a legislação eleitoral exige que toda propaganda eleitoral seja claramente identificada como tal, como se extrai dos arts. 242 do Código Eleitoral, 6º, § 2º, e 36, § 4º, da Lei nº 9.504/97. Trata-se, em suma, de medida que tem por objetivo munir o eleitor da informação necessária para que se possa identificar o beneficiário de determinado conteúdo que, por se tratar de propaganda eleitoral, naturalmente, não será propriamente neutro, mas voltado a promoção de candidatura.

Com base nisso, no julgamento do referendo da liminar, este Tribunal Superior determinou que os representados fizessem os ajustes necessários a fim de constar, de modo inequívoco e ininterrupto, na página principal e na página secundária, a identificação de que o conteúdo divulgado consiste em propaganda eleitoral.

Entendo, nesse contexto, que as medidas levadas a efeito na análise do pleito liminar demandam confirmação em juízo de mérito definitivo, sobretudo diante da precariedade daquele pronunciamento, raciocínio que afasta qualquer tese atinente à superveniente perda de objeto do feito.

Faço uma observação adicional tão somente no sentido de que o referido canal do YouTube e o sítio eletrônico indicados na inicial não mais se encontram disponíveis, sem que haja, nos autos, cópia do conteúdo veiculado, o que permitira sua melhor análise. Ainda assim, o pronunciamento precário necessita ser confirmado em juízo final, mesmo porque é possível que haja a reativação dos referidos canais de comunicação.

Em análise da inicial, verifiquei que a parte autora impugnou apenas uma parcela do conteúdo disponível no referido canal, de modo que não é possível a remoção integral do sítio tão somente pela análise por amostragem, sobretudo diante do disposto no art. 38 da Res.-TSE 23.610/2019.

Quanto ao conteúdo alusivo ao “kit gay”, registro que a liberdade de manifestação do pensamento, inclusive por meio da rede mundial de computadores, é prevista no art. 57-D da Lei nº 9.504/97. Não obstante, a violação aos parâmetros legais e regulamentares para sua veiculação é sancionada tanto pela retirada da publicação quanto pela aplicação de multa em valor que varia entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Idêntica previsão é encontrada também no art. 30 da Res.-TSE nº 23.610/2019.

É importante destacar, ainda, o precedente estabelecido por esta Corte em 28.3.2023, no julgamento do REC-Rp nº 0601754-50/DF, relator o Ministro Alexandre de Moraes, ocasião em que se afirmou que o “art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet – incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral”.

Com efeito, entendo que se impõe a confirmação da decisão que determinou a remoção do aludido conteúdo, mesmo porque o referido material foi judicialmente reconhecido como desinformativo já no pleito de 2018, sendo novamente empregado nas Eleições 2022, configurando-se como verdadeira desinformação persistente no cenário eleitoral.

Por fim, é do entendimento deste Tribunal que a transparência, a adequada informação e a proteção do livre discernimento do eleitor e da eleitora devem ser os parâmetros a serem seguidos em tema de propaganda eleitoral.

Nesse sentido, de modo a evitar a confusão informacional apta a conferir aparência, ao referido sítio, de mero repositório de informações independente e neutro, o que não corresponde à realidade, é imperiosa sua identificação adequada como propaganda eleitoral, para garantir a necessária filtragem ideológica por parte de seus destinatários.

Anoto que a parte representante requereu a desistência da representação quanto ao demandado Luiz Silva ante a impossibilidade de localizar seu endereço para citação, o que já foi homologado pelo então relator, Ministro Sergio Banhos (ID nº 159010461).

Diante da impossibilidade de remoção integral dos referidos sítios tão somente em razão da análise por amostragem de seu conteúdo, impõe-se o indeferimento do pleito formulado, sem prejuízo da remoção do conteúdo que se mostra sabidamente, de maneira reiterada, inverídico. Some-se a tais conclusões a necessidade de respeito à legislação no que concerne à adequada veiculação da propaganda eleitoral, sobretudo com o intuito de proteger o livre discernimento informado do eleitor e da eleitora.

Ante o exposto, acompanho o relator, confirmo a liminar parcialmente deferida e julgo parcialmente procedentes os pedidos para tornar definitiva a ordem de remoção, em caráter permanente, do vídeo “19 5 2011 Kit Gay Causa Polêmica mp4” do canal Lula Flix no YouTube, bem como para condenar Jair Messias Bolsonaro, Coligação Pelo Bem do Brasil e Lucas Allex Pedro dos Santos ao pagamento de multa individual na quantia R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular, com base no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97.

É como voto.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Presidente, primeiramente, boa noite a todos. Cumprimento os Ministros e o membro do Ministério Público, na pessoa de Vossa Excelência. Quero cumprimentar também e dar as boas-vindas à Ministra Edilene Lôbo.

E dizer, rapidamente, que eu acompanho quase que integralmente o eminente relator, mas apenas aplicando o caminho, assim como fez o Ministro Raul Araújo.

 

EXTRATO DA ATA

 

Rp nº 0601373-42.2022.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Floriano de Azevedo Marques. Representante: Coligação Brasil da Esperança (Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão – OAB: 4935/DF e outros). Representados: Coligação Pelo Bem do Brasil e outro (Advogados: Tarcisio Vieira de Carvalho Neto – OAB: 11498/DF e outros). Representado: Lucas Allex Pedro dos Santos (Advogados: Tarcisio Vieira de Carvalho Neto – OAB: 11498/DF e outros).

Usaram da palavra, pela representante, Coligação Brasil da Esperança, o Dr. Miguel Filipi Pimentel Novaes e, pelos representados, Coligação Pelo Bem do Brasil e outros, a Dra. Marina Almeida Morais.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente, em parte, a representação proposta pela Coligação Brasil da Esperança para, confirmando a liminar parcialmente deferida, tornar definitivas a ordem de remoção, em caráter permanente, do vídeo irregular do canal Lula Flix no YouTube, bem como para condenar Jair Messias Bolsonaro, Coligação Pelo Bem do Brasil e Lucas Allex Pedro dos Santos ao pagamento de multa individual, fixada, por maioria, na quantia R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular, nos termos do voto do relator, vencidos parcialmente os Ministros Raul Araújo e Nunes Marques.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet. 

 

SESSÃO DE 8.8.2023.