Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral

 

INQUÉRITO ADMINISTRATIVO 0600371-71.2021.6.00.0000 – CLASSE 12466 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

INTERESSADO: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

DECISÃO

 

1. Junte-se o Ofício nº 3732234/2021 – SR/PF/DF e anexos.

Cuida-se de expediente, por meio do qual a Delegada de Polícia Federal Denisse Dias Rosas Ribeiro – autoridade que auxilia a Corregedoria-Geral Eleitoral nestas investigações –, pleiteia a aplicação de medidas cautelares destinadas ao enfrentamento das questões sob análise no presente Inquérito Administrativo, instaurado por determinação do Plenário do Tribunal Superior Eleitoral.

Aduz, de início, a nobre Delegada que as investigações nos Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF, em curso no Supremo Tribunal Federal, indicam a articulação de rede de pessoas, com tarefas distribuídas por aderência entre idealizadores, produtores, difusores e financiadores, voltada à disseminação de notícias falsas ou propositalmente apresentadas de forma parcial, com o intuito de influenciar a população quanto a determinado tema (também incidindo na prática dos tipos penais previstos na legislação), objetivando, ao fim, obter vantagens político-partidárias e/ou financeiras.

Após explicar a forma de atuação desse grupo e o modelo de influência por ele adotado, a autoridade policial informa haver estudos demonstrando que a disseminação, nas redes sociais, de notícias falsas ou sem lastro, quanto a fraude nos sistemas de votação, corrói a confiança da população no processo eleitoral, que consubstancia uma das bases do Estado Democrático de Direito.

Em contrapartida, argumenta que as medidas esclarecedoras adotadas pelas instituições revelam pouca eficácia na reversão desse processo de desinformação. Às instituições restariam, assim, condutas que desestimulem as práticas danosas e que foquem nos objetivos buscados pelos promotores de desinformação, e não na desinformação em si.

A representante da Polícia Federal pondera, ainda, que o modelo brasileiro de financiamento público de campanhas, quando aliado à monetização online por meio das redes sociais, torna difícil a fiscalização eficaz e abre espaço para possível abuso de poder político e econômico.

Arremata informando que

[C]onforme os relatórios de polícia judiciária nº 01/21 (anexo I) e nº 02/2021 (anexo II), elaborados com base em fontes abertas, identificou-se referida prática, convergente com o modo de agir aqui descrito, em relação à difusão de supostas fraudes no processo eleitoral com o emprego de urnas eletrônicas, tendo como figura central, neste caso específico, o Exmo. Sr. Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO.

No evento citado, identifica-se um processo de dupla sustentação: os canais que repercutem as insinuações ganham com o número de visualizações geradoras da monetização; de outro lado, fortalece-se a narrativa do emissor pela multiplicidade de canais que reiteram a mensagem. Além disso, há os canais que se realimentam mutuamente com difusões de outros canais (ex. lives), ampliando o lucro com a monetização. Quanto mais polêmica e afrontosa às instituições for a mensagem, maior o impacto no número de visualizações e doações, reverberando na quantidade de canais e no alcance do maior número de pessoas, aumentando a polarização e gerando instabilidade por alimentar a suspeição do processo eleitoral, ao mesmo tempo que promove a antecipação da campanha de 2022 por meio das redes sociais.

Defende que uma das formas de desestimular essa prática seria a retirada de subsídios financeiros recebidos pelos produtores/difusores via plataformas de redes sociais.

Nesse contexto, requer:

a) que se determine às plataformas de redes sociais YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook a suspensão do repasse de valores oriundos de (a.1) monetização quanto aos serviços utilizados para doações (YouTube: Superchats e SuperSticker; Twitch.TV: Bits; Instagram: Selos), (a.2) pagamento de publicidades e (a.3) inscrição de apoiadores (YouTube: membros e Twitch.TV: inscritos), destinados aos canais/perfis de conteúdo predominantemente político indicados às fls. 5-8 da petição, direcionando-se tais valores a uma conta judicial a ser indicada por este juízo;

b) que se determine às plataformas de redes YouTube e Twitch.TV a suspensão do repasse de valores advindos da monetização oriunda de lives, inclusive as realizadas por meio de fornecimento de chaves de transmissão, de canais/perfis indicados no item “a”, direcionando-se tais valores a uma conta judicial a ser indicada por este juízo;

c) que se determine às plataformas a proibição de uso de algoritmos que venham a sugerir ou indicar outros canais e vídeos de conteúdo político – sem englobar, contudo, a pesquisa ativa de usuários em busca de determinado conteúdo por meio de palavras-chave;

d) que se determine às referidas plataformas a realização do caminho inverso das postagens a serem encaminhadas no anexo III do ofício, com o escopo de identificar a origem das publicações;

e) que se oficie ao Governo Federal a fim de que indique (e.1) o organizador/responsável, bem como os envolvidos no processo de produção e transmissão da live realizada em 29/7/2021 pelo Exmo. Sr. Presidente da República; (e.2) as fontes dos dados difundidos na live, além dos responsáveis por sua obtenção/interpretação e/ou produção dos textos; (e.3) as pessoas que compareceram ou estiveram presentes em algum momento da transmissão.

 

Outrossim, para implementação dos itens “a” a “d”, requer a convocação de representante legais das plataformas para reunião com o Tribunal Superior Eleitoral e a Polícia Federal, em razão das particularidades técnicas existentes nas proposições.

 

É o relatório. Decido.

 

2. A representação em apreço foi formulada pela Polícia Federal no bojo do Inquérito Administrativo nº 0600371-71.2021.6.00.0000, por sua vez inaugurado pela Portaria CGE nº 2, de 2/8/2021. O procedimento tem por escopo apurar fatos que possam configurar abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das Eleições 2022.

Conforme se relatou, a autoridade policial aduz a existência de canais, páginas e perfis de conteúdo eminentemente político nas plataformas YouTube, Instagram, Facebook, Twitter e Twitch.TV, por meio das quais os respectivos titulares disseminam notícias falsas ou apresentadas de forma parcial, com o intuito de induzir eleitores a erro quanto à segurança do sistema eletrônico de votação.  

Em contrapartida, com o grande número de visualizações do conteúdo veiculado, além de outras formas de interação, afirma-se que os titulares desses canais, páginas e perfis auferem ganhos financeiros a partir de algoritmos definidos por cada plataforma, o que se denomina monetização.

A título exemplificativo, a plataforma YouTube prevê as seguintes modalidades pelas quais os youtubers podem ganhar dinheiro com produção de conteúdo:

 

Receita de publicidade: receba dinheiro pela veiculação de anúncios de display, overlay e em vídeo.

Clubes dos canais: os membros do seu canal fazem pagamentos mensais em troca de benefícios especiais oferecidos por você.

Estante de produtos do canal: os fãs podem procurar e comprar produtos oficiais da sua marca divulgados nas suas páginas de exibição.

Super Chat e Super Stickers: os fãs pagam para que as mensagens deles apareçam em destaque no chat das transmissões ao vivo.

Receita do YouTube Premium: receba parte da taxa de assinatura de um usuário do YouTube Premium quando ele assistir seu conteúdo.

(https://support.google.com/youtube/answer/72857?hl=pt-BR. Acesso em 15/8/2021)

3. O exame aprofundado do relatório apresentado pela Polícia Federal permite apontar para a existência de duas categorias de canais, páginas e perfis nessas plataformas.

De um lado, os operados por pessoas físicas que, se autointitulando analistas políticos e de forma predominantemente não profissional, promovem seus conteúdos. De outra parte, há aqueles  que ostentam estrutura semelhante a órgãos de imprensa, o que se constata pelo nome e formato dos programas, além do modo de confecção das matérias.

Em relação aos primeiros, cumpre salientar, de início, que a liberdade de manifestação do pensamento, prevista no art. 5º, IV, da Constituição Federal, representa garantia fundamental inerente ao Estado Democrático de Direito e que, nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos, “ressoa em todos os quadrantes da ordem jurídica” (Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 568).

Essa prerrogativa, contudo, não se reveste de caráter absoluto – como é sabido, não existem direitos absolutos em nosso ordenamento jurídico.

Com efeito, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “[o] direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo-se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição”. Isso porque, como não poderia deixar de ser, “[a] liberdade de expressão não traduz franquia constitucional que autorize o exercício abusivo desse direito fundamental” (STF, ARE ED 891.647, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJE de 21/9/2015).

Em outras palavras, é dizer: o direito de crítica, de protesto, de discordância e de livre circulação de ideias, embora inseparável do regime democrático, encontra limitações, por exemplo, na divulgação de informações e dados enviesados ou falsos, ou, ainda, no que se convencionou denominar como desinformação.

Quanto à segunda modalidade de canais, perfis e páginas (que ostentam estrutura semelhante a órgãos de imprensa), soma-se à livre manifestação do pensamento outra relevante garantia disciplinada em capítulo específico da Constituição, envolvendo a liberdade de imprensa. Com efeito, dispõe o art. 220 do texto constitucional que “[a] manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

A expressão contida na parte final do dispositivo em apreço – “observado o disposto nesta Constituição” – está mais uma vez a indicar que, assim como no primeiro caso, a liberdade conferida aos meios de comunicação não possui natureza absoluta.

Essa conclusão vale, inclusive, a título demonstrativo, para a imprensa escrita, que, à semelhança dos canais, páginas e perfis ora referidos, não depende de autorização de funcionamento por parte do poder público. Confira-se, no particular, a remansosa jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

[...]

Uso indevido dos meios de comunicação social

15. A liberdade de manifestação conferida à imprensa escrita (art. 220, caput e § 6º, da CF) não é absoluta na esfera eleitoral, cujo transbordamento – de modo a privilegiar-se em excesso determinado candidato – deve ser rigorosamente punido. Precedentes.

[...]

(REspe 413-95/SP, redator para acórdão Min. Rosa Weber, DJE de 27/6/2019)

Ainda como ponto de partida, cabe mais uma vez deixar claro que esta Justiça Especializada, como instância garantidora de eleições transparentes e legítimas, está sempre aberta ao diálogo para implementar soluções que permitam aperfeiçoar, de modo efetivo, a segurança e a auditagem do sistema de votação. 

4. Aprofundando o exame com relação ao pleito formulado pela autoridade policial, mas levando em conta as premissas antes fixadas, observo que, consoante se extrai do anexo I do relatório da Polícia Federal, é possível constatar a percepção de valores pecuniários – monetização – com base na veiculação de conteúdo político por inúmeros canais, perfis e páginas nas plataformas YouTube, Instagram, Facebook, Twitter e Twitch.TV.

A autoridade policial descreve, com riqueza de detalhes, a forma de funcionamento voltada a disseminar notícias falsas ou apresentadas de forma parcial, com o intuito de influenciar o eleitor quanto ao tema da higidez do sistema eleitoral brasileiro, visando obter, ao fim e ao cabo, vantagens político-partidárias ou financeiras.

A investigação da Polícia Federal revelou que

“[c]onforme os relatórios de polícia judiciária nº 01/21 (anexo I) e nº 02/2021 (anexo II), elaborados com base em fontes abertas, identificou-se referida prática, convergente com o modo de agir aqui descrito, em relação à difusão de supostas fraudes no processo eleitoral com o emprego de urnas eletrônicas, tendo como figura central, neste caso específico, o Exmo. Sr. Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO.

No evento citado, identifica-se um processo de dupla sustentação: os canais que repercutem as insinuações ganham com o número de visualizações geradoras da monetização; de outro lado, fortalece-se a narrativa do emissor pela multiplicidade de canais que reiteram a mensagem. Além disso, há os canais que se realimentam mutuamente com difusões de outros canais (ex. lives), ampliando o lucro com a monetização. Quanto mais polêmica e afrontosa às instituições for a mensagem, maior o impacto no número de visualizações e doações, reverberando na quantidade de canais e no alcance do maior número de pessoas, aumentando a polarização e gerando instabilidade por alimentar a suspeição do processo eleitoral, ao mesmo tempo que promove a antecipação da campanha de 2022 por meio das redes sociais.” (página 4)

De fato, na maior parte do conteúdo analisado, o que se constata não é a veiculação de críticas legítimas ou a proposição de soluções para aperfeiçoar o processo eleitoral – plenamente garantidas aos cidadãos e aos meios de comunicação –, mas sim o impulsionamento de denúncias e de notícias falsas acerca de fraudes no sistema eletrônico de votação, que, contudo, já foram exaustivamente refutadas diante de sua manifesta improcedência, inclusive pela própria Polícia Federal.

Essa prática, em juízo preliminar, é extremamente nociva ao Estado Democrático de Direito e, em larga escala, tem o potencial de comprometer a legitimidade das eleições, realizadas no Brasil desde 1996 em formato eletrônico com a mais absoluta segurança.

Destaco, a partir do relatório policial, algumas dessas manifestações:

Alberto Junio da Silva. “O Giro de Notícias”. 1,26 milhão de inscritos (YouTube).

“Urgente. PT teve acesso às urnas”.

“Eles [PT] foi o único que tiveram acesso permitido pelo TSE [em auditoria]. Não é estranho?”.

“Se eles não querem colocar o voto impresso é porque aí tem”.

(https://www.youtube.com/watch?v=XJ8HDwBpOoI&t=209s)

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Emerson Teixeira de Andrade. “O Professor Opressor”. 132 mil inscritos (YouTube).

“Nós estamos diante do maior escândalo da República do Brasil das últimas décadas. [...] O que o Bolsonaro fez ontem na live foi desmascarar toda essa corja que tem aí no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral”.

“A gente tem que brigar para que essas pessoas – Rosa Weber, Barroso e demais agentes do TSE sejam presos imediatamente”.

(https://www.youtube.com/watch?v=WfOGpofHi3Q)

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Folha Política. 2,5 milhões de inscritos (YouTube).

“Ministro Barroso, Barroso, foi desmascarado por João 32 ‘E conhecerei a verdade e ela vos libertará’. Quem viu hoje a live do Pingo nos Is, entrevistando o presidente Jair Bolsonaro, como nosso querido Deputado Felipe, que é o relator da Comissão Especial do voto impresso e auditável e ele requereu o inquérito de 2018. Eles esqueceram lá. Eles sofrem de amnésia também... que o TSE pediu uma investigação à Polícia Federal uma investigação (...) de suposta investigação de hackers, ao sistema, à nave mãe, o cérebro, o computador do TSE, que segundo o Barroso é inviolável (...)”.

(https://youtu.be/AGTwVx4Gp04)

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Roberto Boni. “Canal Universo”. 483 mil inscritos. (YouTube).

“[...] Várias fraudes que houve. Várias gente gravou no celular, jogou na internet, no YouTube. Muita gente votava no Bolsonaro, entrava a cara do Haddad. Entrava a cara do Haddad, o 13. Todo mundo sabe disso. Não deixa passar batido, presidente. Não deixa passar batido”.

(https://www.youtube.com/watch?v=j3VGXaKEVEM)

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Alan Lopes. Twitter. 24/7/2021.

“Quem controla a eleição no Brasil é o Supremo Tribunal Federal, através do seu anexo, que é o Tribunal Superior Eleitoral, dominado por membros do STF. O regime pelo qual nós somos governados, não se chama democracia, e sim oligarquia, que significa: poder de poucos; a saber 11”.

Além disso, alguns dos canais indicados no relatório têm como prática a inserção de vídeos com reproduções de lives, declarações e entrevistas de autoridades públicas envolvendo questionamentos sobre o sistema de votação, que, repita-se, já foram mais de uma vez refutados pela Justiça Eleitoral ou pelos órgãos de investigação, não havendo quaisquer provas de fraude apresentadas.

A autoridade policial ainda apresenta indícios robustos de atuação concertada e sistemática, inclusive de autoridades, mediante desinformação para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, e não por meio de provas concretas e confiáveis ou argumentos factíveis – o que, repita-se, seria próprio da democracia e da liberdade de opinião e manifestação do pensamento.

Com efeito, é possível notar que os responsáveis pelas páginas contidas no documento produzido pela Polícia Federal, cujos nomes se repetem nas diversas redes sociais examinadas, não apenas se conhecem como também se apoiam mutuamente, pois não raras vezes mencionam-se uns aos outros ou replicam conteúdos de forma recíproca.

Todos esses elementos levam a crer, nesta primeira análise, que de fato existe uma rede vasta, organizada e complexa para contaminar negativamente o debate político e estimular a polarização, tendo como foco as urnas eletrônicas, e, em último grau, servir a interesses político-partidários a serem melhor elucidados.

Em suma, vislumbra-se: (a) a publicação de dados sem qualquer indicação de fonte, (b) acusações desprovidas de embasamento ou indícios e (c) inúmeras informações comprovadamente falsas acerca das urnas eletrônicas.

Também são constantes os vilipêndios ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal, atribuindo-se a esses órgãos práticas ilegais e conspiracionistas, sem nenhum respaldo fático, com acusações fantasiosas sem conexão com a realidade dos fatos.

5. Como agravante, o trabalho da Polícia Federal parece evidenciar que as condutas até aqui praticadas ocorrem de modo comprovadamente remunerado, num ciclo que se retroalimenta.

Quanto mais se atacam as instituições e o sistema eleitoral, mais proveito econômico os envolvidos obtêm.

Como já observado, isso ocorre pelo processo de monetização empreendido por esses usuários, a partir do número de visualizações das páginas, do recebimento de doações, do pagamento de publicidade, da inscrição de apoiadores e da realização de lives.

É inconteste, portanto, que as pessoas apontadas no relatório da Polícia Federal vêm obtendo vantagens financeiras mediante os já conhecidos e reiterados ataques infundados.

No ponto, chamo a atenção para a nocividade dessa prática: a receita auferida pelos criadores dos canais, páginas e perfis encontra-se diretamente relacionada ao alcance e à repercussão do material disponibilizado. Quanto mais views e audiência, maior o retorno financeiro. Isso acaba por estimular a continuidade dos ataques, os quais notadamente tornam-se cada vez mais fortes, virulentos e despropositados, a fim de não só manter engajada a base original de apoiadores como também trazer novos ouvintes e/ou leitores.

É dizer: questionar as instituições sem qualquer respaldo concreto, colocar em dúvida a segurança e a confiabilidade das urnas eletrônicas, atacar a imagem da Justiça Eleitoral – minando a confiança da população nas instituições – e, em última instância, atuar de modo a comprometer as bases da democracia, parecem constituir atos que se converteram em verdadeira forma de obter dinheiro. Os efeitos deletérios dessa prática são nítidos.

Esse modus operandi, em que os titulares/proprietários dos perfis, páginas e canais se beneficiam da monetização mediante quantidade maciça de conteúdo atacando a democracia, a princípio pode denotar nova modalidade de uso do poderio econômico para desequilibrar pleitos eleitorais, além do eventual e hipotético enquadramento em outros ilícitos similares que são objeto deste Inquérito.

6. No tocante às medidas requeridas pela autoridade policial, impende ressaltar que o clima de desconfiança, de conflagração e de sensação de insegurança constroem-se paulatinamente. À falta de ações eficazes de contenção, a tendência é que se avolumem e se agravem, podendo, no limite, levar a sérios conflitos e à não aceitação dos resultados das Eleições 2022, mesmo que, repita-se, não haja nada de concreto demonstrando eventual fraude, com severos prejuízos para o Estado Democrático de Direito.

Não pode o Judiciário ser leniente quando a desestabilização da democracia e das instituições vem sendo recorrentemente feita, valendo-se de práticas ilícitas.

Preenchidos, portanto, os pressupostos autorizadores, entendo ser o caso de deferir as medidas requeridas pela Polícia Federal, que se mostram proporcionais e adequadas aos fins pretendidos.  

A suspensão dos pagamentos das plataformas de redes sociais às pessoas e páginas indicadas (itens “a” e “b” do pedido), que comprovadamente vêm se dedicando a propagar desinformação, afigura-se razoável e efetiva porque, em tese, retira o principal instrumento utilizado para perpetuar as práticas sob investigação, qual seja, o estímulo financeiro.

Trata-se de medida que não implica ofensa à garantia constitucional de livre manifestação do pensamento, porquanto não se impede o livre trânsito das ideias, apenas se retira a possibilidade momentânea de aferição de lucro por meio de desinformação.

Cuida-se, na verdade, de evitar que pessoas imbuídas de propósitos questionáveis continuem a auferir renda por meio de ataques desprovidos de qualquer respaldo fático ao sistema eleitoral e às instituições. A desestabilização do regime democrático não pode jamais servir de fonte de renda a quem se beneficia desses atos.

Também cabe determinar às plataformas que implementem a vedação do uso de algoritmos que venham a sugerir ou indicar outros canais e vídeos de conteúdo político (item “c”), à exceção da pesquisa ativa pelos internautas por meio de palavras-chave. Pretende-se, com isso, evitar que os canais, perfis e páginas objeto da diligência continuem a se alimentar de modo recíproco, interrompendo a propagação de desinformação. A medida é necessária, pois – como já se explicitou – essa interdependência e retroalimentação são fulcrais para o método de atuação identificado.

De igual forma, determino que as plataformas de redes sociais promovam o caminho inverso das postagens visando identificar a origem das publicações, o que pode vir a ser determinante para o esclarecimento dos fatos e da autoria dos conteúdos (item “d”).

Por fim, ressalvo da concessão dessas medidas os canais, páginas e perfis mantidos por autoridades públicas que atuam justamente no cenário político (porque tais instrumentos são relacionados ao exercício de suas funções) e, ainda, parte residual do conteúdo em que não vislumbrei, ao menos neste primeiro exame, atos ofensivos à democracia e ao sistema eleitoral, cabendo à autoridade policial aprofundar a análise feita no relatório quanto a estes últimos.

7. Ante o exposto, defiro parcialmente as medidas pleiteadas pela Polícia Federal no Ofício nº 3732234/2021 – SR/PF/DF e determino:

(a) que as plataformas YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook procedam à imediata suspensão do repasse de valores oriundos da monetização, dos serviços usados para doações (YouTube: Super Chats e Super Stickers; Twitch.TV: Bits; Instagram: Selos), do pagamento de publicidades e da inscrição de apoiadores (YouTube: membros; Twitch.TV: inscritos) aos canais/perfis abaixo indicados, direcionando-se tais valores para conta judicial vinculada a este juízo:

(a.1) YouTube: Adilson Nelson Dini – RAVOX, Alberto Junio da Silva 1, Alberto Junio da Silva 2, Bárbara Zambaldi Destefani, Camila Abdo Leite do Amaral Calvo, Emerson Teixeira de Andrade, Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa1), Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa2), Folha Política, Jornal da Cidade On Line, Oswaldo Eustáquio, Roberto Boni – Canal Universo 1, Roberto Boni – Canal Universo 2, Terça Livre;

(a.2) Facebook: Adilson Nelson Dini – RAVOX, Alberto Junio da Silva, Allan dos Santos, Allan Lopes dos Santos, Bárbara Zambaldi Destefani, Camila Abdo Leite do Amaral Calvo 1, Camila Abdo Leite do Amaral Calvo 2, Emerson Teixeira de Andrade, Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa), Folha Política, Jornal da Cidade On Line, Marcelo Frazão de Almeida, Nas Ruas, Oswaldo Eustáquio 1, Oswaldo Eustáquio 2, Oswaldo Eustáquio 3, Terça Livre.

(a.3) Instagram: Adilson Nelson Dini – RAVOX, Alberto Junio da Silva, Allan dos Santos, Allan Lopes dos Santos, Bárbara Zambaldi Destefani, Camila Abdo Leite do Amaral Calvo, Emerson Teixeira de Andrade, Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa), Folha Política, Jornal da Cidade On Line, Marcelo Frazão de Almeida, Nas Ruas, Oswaldo Eustáquio 1, Oswaldo Eustáquio 2, Terça Livre;

(a.4) Twitter: Adilson Nelson Dini – RAVOX, Allan dos Santos, Allan Lopes dos Santos, Bárbara Zambaldi Destefani, Camila Abdo Leite do Amaral Calvo, Emerson Teixeira de Andrade, Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa), Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa2), Folha Política, Jornal da Cidade On Line, Marcelo Frazão de Almeida, Nas Ruas, Oswaldo Eustáquio, Roberto Boni – Canal Universo, Terça Livre.

(a.5) Twitch.TV: Terça livre e Vlog do Lisboa;

(b) que as plataformas YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook procedam à imediata suspensão do repasse de valores advindos de monetização oriunda de lives, inclusive as realizadas por meio de fornecimento de chaves de transmissão, aos canais/perfis indicados no item “a” (os links de acesso podem ser consultados no corpo do Ofício nº 3732234/2021 – SR/PF/DF), direcionando-se tais valores para conta judicial a ser indicada por este juízo. Deverão as plataformas, ainda, indicar de forma individualizada os ganhos auferidos pelos canais, perfis e páginas referidos no item “a”, com relatórios a serem apresentados em 20 (vinte) dias;

(c) que as plataformas YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook se abstenham, no tocante aos canais/perfis indicados no item “a”, de utilizar algoritmos que venham a sugerir ou indicar outros canais e vídeos de conteúdo político relacionados aos ataques ao sistema de votação e à legitimidade das eleições. Tal proibição não englobará pesquisa ativa de usuários em busca por conteúdo específico com utilização de palavras-chave;

(d) que as plataformas YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook realizem o caminho inverso das postagens indicadas no anexo III do Ofício nº 3732234/2021 – SR/PF/DF, visando a identificar a origem das publicações ali indicadas;

Para eventual ajuste na execução dos itens “a” a “d”, os representantes legais das plataformas YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook serão convocados a participar de reunião com as equipes técnicas do Tribunal Superior Eleitoral e da Polícia Federal, em data a ser definida.

Quanto ao requerimento contido na letra “e” do expediente, apreciarei oportunamente e em conjunto com as oitivas realizadas em relação à live já referida.

Expeçam-se os ofícios para cumprimento imediato.

Eventuais manifestações dos interessados envolvidos em função desta decisão deverão ser autuadas em separado, a fim de que as investigações possam ter adequado prosseguimento.

Dê-se imediata ciência da decisão ao Ministério Público Eleitoral e à autoridade policial (inclusive para prosseguir e aprofundar as investigações quanto às pessoas que, por ora, foram excluídas do alcance desta decisão).

Providencie a Secretaria junto à rede bancária a abertura de conta judicial vinculada a este juízo para a cautela dos valores, cuja destinação será objeto de deliberação do Plenário do Tribunal Superior Eleitoral.

Cumpra-se.

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

   Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral