index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601756-20.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601756-20.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA

Advogados do(a) REPRESENTANTE: VICTOR LUGAN RIZZON CHEN - SP448673, VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS - SP153720, SERGIO LUIS DE OLIVEIRA - SP157720, ROBERTA NAYARA PEREIRA ALEXANDRE - DF59906, MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - DF57469-A, MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA - DF48704, MARIA DE LOURDES LOPES - SP77513, MARCELO WINCH SCHMIDT - DF53599-A, GUILHERME QUEIROZ GONCALVES - DF37961, GEAN CARLOS FERREIRA DE MOURA AGUIAR - DF61174-A, FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - PR105327-A, EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO - DF4935-A, EDUARDA PORTELLA QUEVEDO - SP464676, CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730, ANGELO LONGO FERRARO - DF37922-S, MATHEUS HENRIQUE DOMINGUES LIMA - DF70190
REPRESENTADA: CARLA ZAMBELLI SALGADO
REPRESENTADO: FLAVIO NANTES BOLSONARO

Advogados do(a) REPRESENTADA: THIAGO ROCHA DOMINGUES - RJ199596, PAULA ZANI DE LEMOS CORDEIRO - RJ236778, KARINA DE PAULA KUFA - SP245404-A
Advogados do(a) REPRESENTADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - SP256786-A

 

DECISÃO
 

Trata-se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Flávio Nantes Bolsonaro e Carla Zambelli Salgado, em virtude da veiculação de publicações, em suas redes sociais, com teor sabidamente inverídico.

 

Na inicial, a autora narra, em síntese, que os Representados atribuem a prática de atos de corrupção e crimes financeiros ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva e ao partido pelo qual filiado, afirmando que o prejuízo decorrente dos ilícitos seria ressarcido "por meio de descontos em contracheques de aposentadoria". Eis o teor do conteúdo impugnado:

Narrador: Um dos maiores esquemas de corrupção da história, não poupou ninguém. Lula e o PT destruíram as estatais, causando um prejuízo de bilhões, e quem está pagando essa conta, são os aposentados.

Aposentado: Em noventa e seis, eu aposentei e recebi integralmente aposentadoria. E depois que descobriram esse desfalque na empresa pelo governo do PT, começaram a vir os desconto, nos salários nos contracheque. É uma perda de renda né, uma perda muito grande. Alguns chegam a trinta por cento do salário, quarenta por cento do salário, faz falta. Estamos todos os aposentados pagando, pelo um desvio que não fizemos, essa é a revolta de todos, eu acho um absurdo um governo que promete mudar a vida das pessoas, e faz justamente o contrário, piora a vida das pessoas.

Interlocutor: É isso mesmo que você viu, o trabalhador passa a vida inteira contribuindo para poder se aposentar, e esse dinheiro arrecadado é mais do que suficiente para pagar uma aposentadoria justa. Acontece que no governo do PT a má gestão e a corrupção deram prejuízo, até nisso, no dinheiro sagrado do aposentado, eles conseguiram mexer e hoje o aposentado perde trinta por cento do seu salário para pagar o rombo causado pelo PT. Você que é aposentado do campo ou da cidade, você que é trabalhador e está contribuindo hoje para ter a sua aposentadoria digna, não pode correr o risco de perder o seu dinheiro, não pode deixar o PT voltar. Romeu Zema: Todos os meses esses aposentados tem um desconto como quinhentos reais, e isso vai durar por dezoito anos para poder cobrir um rombo que o PT causou no passado. então dia trinta ta claro que não podemos ter PT. Interlocutora: Não podemos mesmo. O PT é um atraso. Na época deles, o trabalhador demorava anos para começar a receber o benefício.

Narrador: Com Bolsonaro é diferente, o nosso presidente triplicou a estrutura do INSS, investiu em equipamentos, em tecnologia para conferência mais rápida dos documentos necessários. Treinou e qualificou o pessoal para poder atender melhor o povo brasileiro. E hoje em menos de cem dias, o aposentado já começa a receber o seu benefício. E ó, sem nenhum dia de atraso.

Entrevistados: Sempre Bolsonaro depositou no dia certo. Conheço pessoas que ficaram mais de 1 ano sem receber o benefício, nesse governo isso não tem acontecido, são pagos em dia. Jair

Bolsonaro: Quero me dirigir a você idoso no Brasil, você que trabalhou tanto e agora merece um descanso. Está garantido para você o teu salário. Vamos garantir uma valoração do saláriomínimo, você não precisa mais fazer a prova de vida. No meu governo, nós mudamos isso. Em nosso governo, o respeito com o idoso. O idoso é o jovem que deu certo.

Interlocutora: Agora a casa está arrumada, a pandemia ficou para trás e o povo brasileiro escolheu um congresso que apoia o nosso presidente, por isso não acredite em fake News. Só Bolsonaro tem forças para cuidar da nossa economia e reajustar o seu salário de verdade.

Narrador: Bolsonaro vai aumentar o salário-mínimo e o salário dos servidores públicos acima da inflação, as pensões e aposentadorias também serão reajustadas da mesma maneira. O nosso presidente vai zerar o Imposto de Renda para quem ganha até seis mil reais. O Auxílio Brasil vai continuar e quem começa a trabalhar, além de manter o benefício de seiscentos reais, já recebe mais duzentos. São oitocentos reais, mais o salário do trabalhador.

Entrevistados: O Bolsonaro fala a verdade. Ele é um presidente bem honesto. É um homem sério. Tem caráter. Ele tem um coração bom, o Bolsonaro tem um coração bom. É por isso que eu dou o meu voto para ele.

Narrador: E no último final de semana, a Live da liberdade com o presidente Bolsonaro bateu todos os recordes, foram vinte e duas horas ao vivo, com diversos convidados declarando apoio ao nosso presidente

Apoiadores cantando: É o capitão do povo, que vai vencer de novo.

Neymar Júnior: Dia trinta, o nosso presidente seja reeleito.

Bárbara do “Te Atualizei”: Nós somos brasileiros e nós queremos continuar tendo um país Livre.

Karina Bacchi: a gente está falando de valores morais, a gente está falando do futuro dos nossos filhos.

Marcelinho Carioca: Esse futuro digno está nas mãos de Jair Messias Bolsonaro.

Gusttavo Lima: o Bolsonaro é nosso presidente, eu estou com você, presidente.

Apoiadores em coro: É o capitão do povo.

Soma-se a isso, as seguintes imagens:

Requereu, liminarmente, a retirada das publicações assim individualizadas: 

 

41.1.1.1. https://www.instagram.com/reel/CkJ4HT1gI4V/

41.1.1.2. https://www.instagram.com/reel/CkLKPHTAGeh/

41.1.1.3. https://twitter.com/zambelli2210/status/1585045397898395648?s=24&t=nPAKD0LamqyRKufWVV0icw

 

Tendo em vista que a postagem no Twitter, relativa à URL https://twitter.com/zambelli2210/status/1585045397898395648?s=24&t=nPAKD0LamqyRKufWVV0icw , não mais subsistia, a liminar foi PARCIALMENTE deferida, determinando-se que:  i) a Plataforma Digital Instagram proceda à remoção do conteúdo impugnado relacionado a desconto salarial e corrupção da Representante (https://www.instagram.com/reel/CkJ4HT1gI4V/; https://www.instagram.com/reel/CkLKPHTAGeh/), sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a contar de 2 horas da ciência da presente decisão; e ii) os Representados se abstenham de realizar novas publicações sobre os dados considerados inverídicos, tanto em concessionárias do serviço público como nas redes sociais, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada um, por reiteração.

 

O Facebook Serviços online do Brasil Ltda. (Facebook Brasil)  noticiou que o conteúdo de URL https://www.instagram.com/reel/CkLKPHTAGeh/ foi removido pelo próprio usuário e, no tocante à postagem de URL https://www.instagram.com/reel/CkJ4HT1gI4V/, informou haver procedido à sua retirada. Requereu, dessa forma, "seja reconhecido o tempestivo e integral cumprimento à decisão". (ID 158305799)

 

Em contestação, a Representada Carla Zambelli Salgado alega, em suma: i) nulidade processual, uma vez que, "a despeito da regular distribuição para a Excelentíssima Ministra preventa, a liminar foi analisada, sem qualquer fundamentação, por quem não exerce a função de Juiz Auxiliar nesta E. Corte"; ii) nos termos do art. 9º-A da Res.-TSE 23.610/2019, "revogado em meio às eleições em absoluta ofensa ao art. 16 da Constituição, não há legitimidade ativa da coligação para propor representação contra conteúdo postado na internet"; iii) "considerando-se o encerramento das eleições, há perda de objeto, pelo que se requer a extinção do processo, sem julgamento do mérito, considerando-se não existir previsão legal para aplicação de multa no caso concreto"; iv) "o vídeo divulgado pela candidata só se presta a divulgar as condenações do candidato da Representante. Não há que se falar em fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado"; v) "a não condenação do Partido dos Trabalhadores ou a "descondenação" do candidato Luiz Inácio Lula da Silva não pode, em hipótese alguma, sob pena de grave ameaça ao estado democrático de Direito, representar proibição para que opositores políticos e eleitores e manifestem sobre os infindáveis indícios de envolvimento das partes em ilícitos variados, tanto mais quando a matéria é de relevância, inclusive, contemporânea, como aqui se comprovou".

 

Por sua vez, Flavio Nantes Bolsonaro sustenta, em síntese: i) a perda de objeto da Representação, "em primeiro lugar, porque não mais subsiste o interesse processual do Representante, visto que a tutela postulada já foi atendida pela decisão que deu provimento ao pedido liminar e, em segundo, porque a realização das eleições prejudica a representação eleitoral por propaganda inverídica"; ii) "não há viabilidade do pedido contido na inicial, de aplicação da multa prevista no art. 36 da LE, concebida para infração ao disposto nas normas que proíbem a propaganda eleitoral antecipada"; iii) a petição inicial "trabalha, respeitosamente, em uma perspectiva de fatos públicos e notórios referentes aos conhecidos esquemas de corrupção das estatais, em especial, do Petrolão. Não há qualquer inverdade ou mácula a ofensa do candidato Representante no ponto, mas sim, conteúdo verídico amplamente noticiado"; iv) "Lula, efetivamente foi preso e chegou a ser condenado, em três instâncias, por corrupção e lavagem de dinheiro. São fatos! Não acusações"; v) "o rombo na Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e Postalis (Correios), fundos de pensão das estatais, superou 44 bilhões de reais e foi amplamente noticiado"; vi) "a Petros, (um dos fundos deficitários) tinha um dos maiores patrimônios do país, todavia, se tornou deficitário em razão da má-gestão dos dirigentes, nomeados pelo governo petista", de modo que, "claramente, os maiores prejudicados com a crise nos fundos da previdência das estatais são os pensionistas, que tiveram as pensões indevidamente ceifadas"; vii) não há "ofensa à honra ou fato sabidamente inverídico no vídeo compartilhado, mas constatação de fato amparado nas regras jurídicas"; viii) o conteúdo impugnado está inserido na livre manifestação de pensamento; ix) "importante registrar que o ora Representado ocupa -- como salientado pela própria exordial -- o cargo de Senador da República, o que reforça o seu direito e até mesmo o seu dever de tecer críticas ácidas sempre que assim reputar politicamente conveniente, razão exata da garantia conferida pelo art. 53, da CF/88, que afiança, a mais não poder, como era de se esperar, a imunidade parlamentar em sentido material".

 

A Procuradoria-Geral Eleitoral manifesta-se pela extinção do processo, sem resolução do mérito, sob os seguintes argumentos: i) "no tocante ao pedido de multa, não há previsão legal para sua incidência em casos como o dos autos"; ii) "quanto aos demais pedido, dado o atual momento do calendário eleitoral, o Ministério Público Eleitoral entende que a demanda se encontra sem objeto, considerando o limite temporal do art. 38, §§ 7º e 8º, da Res.-TSE 23.610/2019".

 

É o relatório. Decido. 

 

Inicialmente, depreende-se que presente Representação, inicialmente distribuída à Ministra CÁRMEN LÚCIA, foi redistribuída à minha relatoria por prevenção, em razão da DR 0601727-67.2022.6.00.0000, circunstância que desautoriza o reconhecimento da nulidade deduzida por Carla Zambelli, consistente na suposta ofensa ao princípio do juiz natural.

 

Além disso, nos termos do art. 1º da Portaria 1.007, de 15 de outubro de 2022, a Presidência desta CORTE investiu-se das funções de juiz auxiliar da propaganda eleitoral, de modo que a distribuição da Representação, em 27/10/2022, observou plenamente os critérios legais e regimentais, não se mostrando viável o acolhimento da preliminar suscitada. 

 

Em relação à legitimidade ativa da Coligação Representante, a orientação jurisprudencial desta CORTE é firme no sentido de que "são legitimados para propor representação por propaganda eleitoral irregular qualquer partido político, coligação, candidato e o Ministério Público, nos termos do art. 96, caput, da Lei 9.504/1997 e art. 3º, caput e parágrafo único, da Res.-TSE nº 23.608/2019" (REspe 0600124-57, Rel. Min. CARLOS HORBACH, DJe de 4/2/2022). 

 

O fato de a propaganda impugnada haver sido publicada na internet, por ausência de previsão legal,  não destitui a legitimidade ativa das Coligações, a qual decorre dos arts. 96 da Lei 9.504/1997 e 3º da Res.-TSE 23.608/2019, sendo irrelevante a revogação do art. 9º-A da Res.-TSE 23.610/2019.

 

No mérito, conforme enfatizei ao deferir a liminar, a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto.

 

Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva (Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3; S. 126/03, de 30 de junio, FJ 3; S. 20/02, de 28 de enero, FFJJ 5 y 6).

A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.

 

A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público.

 

Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar.

 

No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte-Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429).

 

A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429).

 

Os legisladores não têm, na advertência feita por DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 326), devendo-se, portanto, permitir aos candidatos a possibilidade de ampla discussão dos temas de relevância ao eleitor.

 

Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitor e também sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais.

 

No caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630-1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”.

 

RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que:

“a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 324).

No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435).

 

As opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271-72).

 

O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959).

 

 A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão:

“constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10.º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009)

A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.

 

Lembremo-nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção do multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia.

 

Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que:

“o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81).

No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.

 

 O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística; bem como a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.

 

A liberdade de expressão permite que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral.

 

 Note-se que, em relação à liberdade de expressão exercida inclusive por meio de sátiras, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que:

“sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009)

A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público.

 

Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos. Ou seja, a atuação da Justiça Eleitoral deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger o regime democrático, a integridade das Instituições e a honra dos candidatos, garantindo o livre exercício do voto (TSE, REspe 0600025-25.2020 e AgR no Arespe 0600417-69, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES).

 

A Constituição Federal não permite aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio.

 

A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas.

 

Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão!

Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias!

Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!

 

A lisura do pleito deve ser resguardada, sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (TSE, Representação 0601530-54/DF Rel. Min, LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe DE 18.3.2021), e, portanto, as competências constitucionais dessa CORTE ELEITORAL, inclusive no tocante à fiscalização, são instrumentos necessários para garantir a obrigação constitucional de se resguardar eleições livres e legítima (TSE, RO-EL 2247-73 e 1251-75, redator para Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES).

 

A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito (STF, Pleno, AP 1044, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES), inclusive pelos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores antes e durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no processo eleitoral (TSE, RO-EL 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021).

 

Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.

 

A Constituição Federal não autoriza, portanto, a partir de mentiras, ofensas e de ideias contrárias à ordem constitucional, a Democracia e ao Estado de Direito, que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições.

 

No caso, o conteúdo impugnado consiste em narrativa sobre temas econômicos de grande relevância à população de forma geral, com especial repercussão quanto aos idosos, considerado o alto custo para manutenção da vida e padrão desta faixa etária.

 

Nesse contexto, a propaganda, na forma em que veiculada, faz incutir no eleitor a ideia de que os aposentados estariam arcando com suposto rombo financeiro advindo de corrupção atribuída ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que não condiz com a realidade.

 

Impõe-se enfatizar, ao contrário do que sustentado pelos Representados, que o cerne da controvérsia não consiste na existência, ou não, de ilícitos praticados no âmbito de estatais ou no fato de Luiz Inácio Lula da Silva haver sido denunciado pelo Ministério Público, mas, sim, na indevida associação, desprovida de substrato fático, de atos supostamente praticados pelo ex-Presidente e seu Partido com os alegados prejuízos sofridos pelos aposentados, uma vez que não ficou minimamente demonstrada, pelo teor da propaganda, qualquer relação de causa e efeito entre os desvios de recursos públicos e descontos promovidos na aposentadoria.

 

Dessa forma, verifica-se a utilização de dados inverídicos a respeito de tema revestido de extrema relevância social, divulgados com a finalidade de, sem base fática, exaltar os feitos da gestão de Jair Bolsonaro e ofender à honra e imagem do candidato adversário, atribuindo-lhe a responsabilidade por atos de corrupção e por descontos nos contracheques de aposentados, o que apresenta aptidão para repercutir na formação da convicção do eleitor e, por extrapolar os limites alusivos à livre manifestação de pensamento, justifica a intervenção desta JUSTIÇA ELEITORAL.

 

Ressalte-se, ainda, que a controvérsia a respeito da subsistência do estado de inocência de Luiz Inácio Lula da Silva já foi objeto de exame por este TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL em diversas oportunidades.

 

Nesse sentido, esta CORTE, no Direito de Resposta 06000906-63, Red. p/ acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 17/10/2022, ao analisar o aspecto referente apenas à situação jurídica do candidato em razão da desconstituição de suas condenações por decisões do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ressaltou haver “veiculação de informação inverídica tendente a desinformar a população acerca do desfecho dos processos criminais envolvendo o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, de modo que “o argumento de que infirmar a inocência do representante não seria sabidamente inverídico, já que o Poder Judiciário apenas anulou seus processos, mas não julgou o mérito das acusações contra ele, contrária a própria leitura da Constituição Federal e dos Tratados dos quais o Brasil é signatário”.

 

Assim, reafirmada a conclusão quanto à ilicitude do conteúdo impugnado, passa-se a aferir a viabilidade jurídica da imposição de multa e de remoção definitiva e, consequentemente, da suposta perda de objeto da Representação.

 

Na hipótese, o vídeo impugnado foi publicado nas redes sociais em 25/10/2022 e 26/10/2022, ou seja, no período crítico do segundo turno das Eleições para o cargo de Presidente da República.

 

Por essa razão, não se revela viável a incidência, tal como requerido pela autora da Representação, do artigo 36 da Lei 9.504/97, uma vez que o dispositivo concerne à tutela de propaganda eleitoral antecipada, não possuindo pertinência temática com o caso concreto.

 

Porém, nada obstante a ausência de enquadramento no dispositivo indicado na petição inicial, mostra-se plenamente viável ao TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL proceder à adequada qualificação jurídica dos fatos, uma vez que, conforme a orientação jurisprudencial desta CORTE, "os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça"  (Ag. 3.066, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 17/5/2002).

 

Desse modo, por se tratar de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada pela internet, melhor se ajusta ao caso o art. 57-D da Lei 9.504/1997:

Art. 57-D.  É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas ab e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.                

§ 2o  A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).               

§ 3o  Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.            

Não se ignora que, ao interpretar o dispositivo, a jurisprudência desta CORTE, para eleições anteriores, firmou o entendimento no sentido de que a multa nele prevista é restrita à hipótese em que a propaganda for divulgada por pessoa não identificada, ou seja, “não sendo anônima a postagem de vídeo em página da rede social Facebook (na qual se veiculou vídeo em tese ofensivo a candidato), descabe sancionar o agravante com base no referido dispositivo” (AgR-REspe 76-38, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 2/4/2018). No mesmo sentido: Rp. 0601697-71, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 10/11/2020; AREspe 0600604-22, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 9/9/2022; AgR-REspe 0600603-37, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 4/4/2022.

 

Nada obstante, tendo em vista o grave contexto de propagação reiterada de desinformação, com inegável impacto na legitimidade das eleições, deve-se proceder à reinterpretação do dispositivo, de forma a melhor ajustar-se à finalidade da JUSTIÇA ELEITORAL, especialmente deste TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no combate às fake news na propaganda eleitoral. 

 

Realmente, a partir da leitura do dispositivo, não se mostra viável depreender que o ilícito se restringe à hipótese de anonimato, tornando insuscetíveis de punição outros abusos na livre manifestação de pensamento.

 

O teor da norma, na verdade, embora especialmente relacionado a atos ocorridos por meio da internet, apresenta teor extremamente semelhante ao disposto no art. 5º, IV, da Constituição Federal – “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” --, que, como se sabe, não consagra a liberdade de expressão como direito absoluto e nem permite a interpretação no sentido de que os excessos se restringem às hipóteses de anonimato, razão pela qual abusos no exercício desse direito fundamental não se mostram imunes a sanções impostas pelo ordenamento jurídico. 

 

Nesse sentido, é firme a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que "o direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo-se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando-se, entre essas, aquela que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal" (ED-ARE 891.647, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 21/9/2015). Nessa linha: HC 82.424, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Red. p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno, DJ de 19/3/2004; ADPF 496, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, DJe de 24/9/2020; HC 141.949, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 23/4/2018.

 

Assim,  não é possível conferir ao art. 57-D a interpretação segundo a qual, tão somente pelo fato de haverem sido publicadas na internet, os autores pelos excessos na liberdade expressão ocorridos na propaganda eleitoral, ressalvados os casos de anonimato, não se sujeitam à sanção pecuniária, uma vez que se trata de compreensão restritiva, destituída de respaldo expresso no enunciado normativo, e que conflita, como visto, com a interpretação a respeito do alcance do direito à livre manifestação de pensamento.

 

Além disso, tal diferenciação quanto à possibilidade de impor sanção pecuniária não encontra justificativa concreta, pois a disseminação de fake news, ainda que realizada por responsável identificado, produz os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das Eleições, considerando-se a higidez das informações acessíveis ao eleitor, do que àquela propagada por usuário apócrifo, razão pela qual a ratio da norma proibitiva em questão não pode se restringir aos casos de anonimato.

 

No mais, essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de notícias falsas na internet, revela-se mais consentânea com a crescente preocupação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática, tendo em vista seu caráter repreensivo aos autores que, até então, não se acham alcançadas pela punição.

 

Nesse sentido, conforme já assentou esta CORTE, “a proliferação de mensagens falsas na internet tem alcançado grande repercussão na esfera eleitoral e consiste em tema que tem gerado acirradas discussões, diante da dificuldade de controle desses conteúdos, haja vista a facilidade de acesso a qualquer tipo de informação na rede mundial de computadores e em aplicativos de transmissão de mensagens eletrônicas, o que foi notoriamente potencializado pela proliferação do uso de smartphones, por meio dos quais é possível o compartilhamento imediato de conteúdo, geralmente sem nenhum tipo de averiguação prévia quanto à origem e à veracidade da informação" (REspe 0600024-33, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 7/3/2022). 

 

Mesmo nas Eleições 2016, ainda que sob a ótica de abuso de poder, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL já manifestava preocupação em relação a condutas abusivas praticadas por meio da internet, incluindo-se a propagação de fake news, registrando que “não cabe impor limites onde a lei não restringe, não merecendo respaldo a interpretação restritiva dada pelo Tribunal Regional no caso concreto, ainda mais em tempos hodiernos em que a Internet e suas múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais, sobretudo com o diminuto custo envolvido e o notório amplo alcance desses meio” (REspe 31-02, Red. p/ acórdão Min. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Voto. Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019). Ainda:

A evolução sucedida nos meios de comunicação social, associada à regulação da propaganda na Internet sucedida na Minirreforma Eleitoral de 2009 (Lei n° 12.034) e a consequente atualização desse regramento no ano 2017 (Lei no 13.488) evidenciam a imperiosa necessidade de que o julgador, atento ao comando do art. 14, § 9º, da Constituição Federal, proporcione nova concretude à norma que pune ilícitos que subvertam a lisura do pleito e a legitimidade popular, em face de novas situações fáticas vivenciadas. Não se trata de um exercício hermenêutico inovador, mas de ajustar a aplicação do direito à espécie, privilegiando o espírito da norma.

(REspe 31-02, voto Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019).

Mais recentemente, também referente a prática de abuso de poder, a propagação de fake news na internet, notadamente a desinformação tendente a atingir o sistema eletrônico de votação e a democracia, foi objeto de ampla discussão por esta CORTE no julgamento do RO 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021, ocasião em que o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL assentou que “o recorrido valeu-se das falsas denúncias para se promover como uma espécie de paladino da justiça, de modo a representar eleitores inadvertidamente ludibriados que nele encontram uma voz para ecoar incertezas sobre algo que, em verdade, jamais aconteceu” (RO 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021).

 

Ainda, relativamente às Eleições 2022, visando a combater a disseminação de fake news, esta CORTE editou a Resolução 23.714/2022, cujo art. 4º visa a tutelar a higidez, a integridade e a credibilidade das Eleições e do processo eleitoral, de modo a coibir práticas que, por meio de desinformação, representam substancial transgressão à própria democracia:

Art. 4º. A produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais, observados, quanto aos requisitos, prazos e consequências, o disposto no art. 2º.

Parágrafo único. A determinação a que se refere o caput compreenderá a suspensão de registro de novos perfis, contas ou canais pelos responsáveis ou sob seu controle, bem assim a utilização de perfis, contas ou canais contingenciais previamente registrados, sob pena de configuração do crime previsto no art. 347 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965-Código Eleitoral.

Impõe-se ressaltar que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ao indeferir a liminar requerida na ADI 7.261 com a finalidade de suspender a eficácia dos dispositivos da Resolução, reiterou a importância da norma para o combate da desinformação no processo eleitoral, conforme bem ressaltou o Relator, Ministro EDSON FACHIN:

Sendo, portanto, a liberdade valor normativo estruturante e vinculante, o seu respectivo exercício, no pleito eleitoral, deve servir à normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico (§ 9º do artigo 14 da Constituição da República).

Portanto, uma eleição com influência abusiva do poder econômico não é normal nem legítima, vale dizer, não é livre nem democrática. Quando essa abusividade se materializa no regime da informação, recalcando a verdade e compondo-se de falsos dados e de mentiras construídas para extorquir o consentimento eleitoral, a liberdade resta aprisionada em uma caverna digital, supondo-se estar em liberdade; porém, não é livre o agrilhoado na tela digital e esses novos prisioneiros da caverna platônica “estão inebriados pelas imagens mítico-narrativas”, conforme nos alerta o professor Byung-Chul Han, da Universidade de Berlim (HAN, Byung-Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Petrópolis, Vozes, 2022 , p. 106).

Nesse contexto de uma sociedade pós-factual, dissociada do compromisso com a facticidade, é a produção de fatos criados que produz dominação, vigilância e submissão; paradoxalmente, acresce o citado professor Byung-Chul Han, “é o sentimento de liberdade que assegura a dominação” (p. 13), aduzindo ainda:

“Desse modo, fake news, notícias falsas, geram mais atenção do que fatos. Um único tuíte que contenha fake news ou fragmentos de informação descontextualizadas é possivelmente mais efetivo do que um argumento fundamentado”.

O referido autor segue explicitando que quando “exércitos de trolls intervêm nas campanhas eleitorais ao propagarem fake news e teorias conspiratórias calculadas”, “bots sociais, contas-fake autônomas nas mídias sociais, se passa por pessoas de verdade e postam, tuítam, curtem e compartilham”, quando, ainda, propagam fake News, calúnias e comentários de ódio”, e também quando “os eleitores ficam expostos inconscientemente a essa influência”, a conclusão é a de que “a democracia está em perigo” (Ob. cit., p. 42-3).

Em suma, a normalidade das eleições está em questão quando a liberdade se converte em ausência de liberdade, porquanto desconectada da realidade, da verdade e dos fatos. Esse exercício abusivo coloca em risco a própria sociedade livre e o Estado de Direito democrático.

(ADI 7.621-MC, Rel. Min. EDSON FACHIN, Pleno, DJe de 23/11/2022).

De fato, “a desinformação - entendida como uma ação comunicativa fraudulenta, baseada na propagação de afirmações falsar ou descontextualizadas com objetivos destrutivos - conflita com valores básicos da normativa eleitoral, na medida em que impõe sérios obstáculos à liberdade de escolha dos eleitores e, adicionalmente, à tomada de decisões conscientes", comprometendo, "portanto, a normalidade do processo político, dada a intenção deliberada de suprimir a verdade, gerando desconfiança, com consequente perda da credibilidade e fé nas instituições da democracia representativa" (ADI 7.261-MC, Rel. Min. EDSON FACHIN, Voto Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 25/10/2022).

 

Por essa razão, a interpretação do art. 57-D, em relação à tutela da higidez das informações divulgadas em propaganda eleitoral na internet, não pode se afastar das preocupações há muito externadas por esta CORTE, bem como se mostrar alheia às diversas medidas adotadas pela Justiça Eleitoral com o intuito de combater a desinformação.

 

A atuação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve direcionar-se a fazer cessar manifestações revestidas de ilicitude não inseridas no âmbito da liberdade de expressão, a qual não pode ser utilizada como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tendo em vista a circunstância de que não há, no ordenamento jurídico, direito absoluto à manifestação de pensamento, ou seja, “não há direito no abuso de direito” (ADPF 572, Rel. Min. EDSON FACHIN, Pleno, DJe de 7/5/2021), de modo que os abusos praticados devem sujeitar-se às punições legalmente previstas.

 

Realmente, a “veiculação de factoides empobrece a deliberação e dificulta a busca por uma resposta ou por medida adequadas a determinado problema social, pois a deliberação passa a ser baseada na mentira ou em algo inexistente.” (LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Regulação é Censura? Igual Liberdade de Expressão e Democracia na Constituição de 1988. Revista Dados. 2023, v. 66, n. 3. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/dados.2023.66.3.298>. Outubro de 2022.p. 19).

 

Na mesma linha, a SUPREMA CORTE firmou a compreensão segundo a qual “não há liberdade de expressão, nem imunidade parlamentar, que ampare a disseminação de informações falsas por redes sociais e na internet” (TPA 39-MC, Red. p/ acórdão Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 13/9/2022):

TUTELA PROVISÓRIA ANTECEDENTE. MEDIDA CAUTELAR. NÃO REFERENDO. DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – TSE. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DA DEMORA. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DE PROVIMENTO DO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACERTO DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. PERIGO DA DEMORA INVERSO. PROCESSO ELEITORAL. NOTÍCIAS FALSAS. SEGURANÇA JURÍDICA. ELEIÇÕES.

1. Havendo perigo da demora em sentido inverso, decorrente da ausência de probabilidade de provimento do agravo em recurso extraordinário contra decisão do TSE, não há que se conceder a tutela provisória.

2. Não pode partido político, candidato ou agente político eleito invocar normas constitucionais e direitos fundamentais para erodir a democracia constitucional brasileira.

3. Não se deve confundir o livre debate público de ideias e a livre disputa eleitoral com a autorização para disseminar desinformação, preconceitos e ataques ao sistema eletrônico de votação, ao regular andamento do processo eleitoral, ao livre exercício da soberania popular e à democracia.

4. A jurisprudência reiterada do TSE e do Supremo Tribunal Federal reconhecem que não há liberdade de expressão, nem imunidade parlamentar, que ampare a disseminação de informações falsas por redes sociais e na internet. Ausência de inovação jurisprudencial a respeito dessas temáticas.

5. Tutela provisória não referendada.

(TPA 39-MC, Red. p/ acórdão Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 13/9/2022).

Assim, considerando que o texto legal do art. 57-D da Lei 9.504/1997 não estabelece, de forma expressa, qualquer restrição no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, impõe-se ajustar a interpretação do dispositivo à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet – incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral.

 

No que concerne à alegação do Representado Flávio Bolsonaro a respeito da incidência da imunidade parlamentar, o teor de sua manifestação, contendo críticas a um dos candidatos e exaltação de propostas de outro, apresenta nítida vinculação com contexto da campanha eleitoral para o cargo de Presidente da República, tratando-se de pronunciamento absolutamente alheio às funções inerentes ao exercício de seu mandato de Senador e que, por isso mesmo, não se mostra protegido pela inviolabilidade prevista no artigo 53 da Constituição Federal.

 

De fato, conforme a orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, "A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, "caput") - destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular - não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais" (Inq. 1.400-QO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, DJe 10/10/2003).

 

No mesmo sentido, bem enfatizou o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE que, "tratar-se de opinião política ou de opinião sobre políticos não me parece suficiente para expungir a criminalidade de eventuais ofensas à honra alheia perpetradas por membros do Congresso Nacional, quando não estejam no exercício do mandato nem haja conexão entre o discurso e a função parlamentar", sendo necessário "distinguir a ação do congressista e a ação do político" (Inq. 390-QO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, DJ de 27/10/1989):

Se não se quiser confundir a imunidade material com o privilégio de irresponsabilidade pessoal é preciso o cuidado de distinguir entre a ação do congressista e a ação do político.

A pregação de idéias, o apoio e a crítica a atos  dos governos, a qualificação positiva ou negativa de homens públicos são a matéria prima do aliciamento e da mobilização de  opiniões que constituem o empenho cotidiano dos políticos, sejam eles mandatários ou não: estender a inviolabilidade ao que, nesse trabalho essencialmente competitivo, diga o político, que seja parlamentar fora do exercício do mandato e sem conexão com ele, é dar-lhe uma situação privilegiada em relação aos concorrentes, que briga com princípios fundamentais da Constituição.

(Inq. 390-QO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, DJ de 27/10/1989).

Dessa forma, a manifestação do Representado, revestida de caráter nitidamente eleitoreiro e associada à disputa a cargo ao qual o Congressista nem sequer figurou como candidato, não se insere no âmbito da imunidade parlamentar.

 

Por fim, no tocante ao valor da multa, impõe-se considerar, conforme afirmado na petição inicial e nas capturas de tela apresentadas pela Autora (ID 158900956), que o conteúdo impugnado foi publicado no perfil da Representada Carla Zambelli no Instagram e Twitter, com mais de 3 milhões de seguidores. No instagram, consta que o vídeo teve 50 mil curtidas, e, no Twitter, além de 104 mil visualizações, 12 mil curtidas e 6 mil retweets.

 

A Representada, nas duas redes sociais, realizou pedido expresso para que seus seguidores divulgassem o conteúdo ("Divulguem este vídeo para todos que puderem. A VERDADE prevalecerá"), circunstância que traduz evidente incentivo à maior proliferação da desinformação. 

 

Por sua vez, no perfil do representado Flávio Bolsonaro no Instagram, o vídeo foi publicado para os seus mais de 3,8 milhões de seguidores, contando com 51 mil visualizações e 9,584 mil curtidas.

 

Nesse contexto, levando em consideração a situação individualizada dos Representados, no tocante a Carla Zambelli, a divulgação do conteúdo em duas redes sociais, o substancial alcance e o incentivo à sua disseminação potencializam o efeito nocivo da desinformação em relação à higidez e à integridade do debate eleitoral e evidenciam a maior gravidade da conduta, constituindo fundamentos aptos a justificar a fixação da multa no patamar máximo previsto no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/1997, de R$ 30.000,00.

 

Quanto ao Representado Flávio Bolsonaro, nada obstante o significativo alcance do vídeo, tratou-se de apenas uma publicação, cujo número de visualizações foi inferior em comparação à publicação da primeira Representada, razão pela qual a multa deve ser estabelecida acima do mínimo legal, mas em R$ 15.000,00

 

Ainda, firmada a compreensão quanto à viabilidade jurídica da aplicação de multa, persiste o interesse jurídico na determinação de remoção definitiva do conteúdo impugnado apenas no Instagram da Representada Carla Zambelli (https://www.instagram.com/reel/CkJ4HT1gI4V/), uma vez que as postagens  referentes às URL's https://twitter.com/zambelli2210/status/15850453978983956 48?s=24&t=nPAKD0LamqyRKufWVV0icw e https://www.instagram.com/reel/CkLKPHTAGeh/ já não subsistem, sendo removidas pelos próprios Representados.

 

É que, uma vez determinada a suspensão da postagem em sede liminar, cumpre à Justiça Eleitoral, como forma de preservar a autoridade de suas decisões, prosseguir no exame do mérito da ação, independentemente da superveniência das Eleições.

 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a Representação, para, confirmando a liminar, determinar a retirada definitiva do conteúdo impugnado https://www.instagram.com/reel/CkJ4HT1gI4V/ e condenar os Representados Carla Zambelli e Flávio Bolsonaro ao pagamento de multa, respectivamente, no valor de R$ 30.000,00 e de R$ 15.000,00, nos termos do art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97.

 

Publique-se. Intime-se.

 

Brasília, 13 de janeiro de 2023.
 
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Presidente