index: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549)-0600171-56.2022.6.17.0000-[Cargo - Vereador, Perda de Cargo Eletivo por Desfiliação Partidária]-PERNAMBUCO-GARANHUNS
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600171-56.2022.6.17.0000 (PJe) – GUARANHUNS – PERNAMBUCO
RELATOR: MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
RECORRENTE: BRUNO RAFAEL FERREIRA DOS SANTOS
ADVOGADOS: PAULO JESUS DE MELO MARROS (OAB/PE 55672) E OUTROS
RECORRIDO: UNIÃO BRASIL – UNIÃO (ESTADUAL)
ADVOGADOS: DELMIRO DANSTAS CAMPOS NETO (OAB/PE 23101-A)
DECISÃO
Trata-se de recurso especial eleitoral interposto por Bruno Rafael Ferreira dos Santos contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Pernambuco – TRE/PE que julgou procedente a ação de perda de mandato eletivo proposta pelo União Brasil – Estadual, ao considerar ausente a justa causa para a desfiliação do recorrente ao partido. O acórdão regional foi assim ementado:
“AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. DESFILIAÇÃO SEM JUSTA CAUSA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. LEGITIMIDADE ATIVA. FUSÃO ENTRE O PSL E O DEM, GERANDO UNIÃO BRASIL. ART. 22-A DA LEI Nº 9.096/95. ROL TAXATIVO DE JUSTAS CAUSAS. MUDANÇA SUBSTANCIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO. GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA. INEXISTÊNCIA. PERDA DO MANDATO POR INFIDELIDADE. PROCEDÊNCIA.
1. O mandato político não constitui projeção de um direito pessoal ou potestativo titularizado pelo eleito. A contrario sensu é de se admitir pertencer tal representação ao partido político, o qual serve como intermediário entre a vontade popular soberana e o parlamentar que se legitima mediante o mandato. Caso ele deseje abandonar esse mister, deve devolvê-lo para outro em seu lugar, conforme a ideologia partidária prevalente.
2. Com a advento da chamada minirreforma eleitoral oito anos depois, empreendida pela Lei n.º 13.165/2015, houve a inclusão do art. 22-A na Lei n.º 9.096/95, positivando totalmente a matéria de infidelidade partidária por desfiliação. A fusão, de per si, não constitui justa causa para a desfiliação partidária.
3. A fusão ocorrida entre o Partido Social Liberal (PSL) e o Democratas (DEM) gerou o Partido União Brasil (UNIÃO). Não se constata mudança substancial entre os programas partidários do PSL e do UNIÃO BRASIL.
4. Mero descontentamento do mandatário quanto ao rumo que do partido extinto e o resultado da fusão não dá azo ao abandono da legenda, sem a consequente perda do mandato partidário.
5. Para a caracterização da hipótese como justa causa, é necessário que se demonstre, especificamente, qual o reflexo da mudança apontada no Estatuto do novo partido sobre o mandato eletivo exercido por aquele que tenciona migrar de legenda sem a perda do cargo. Impende que restem evidenciadas, de forma concreta e casuística, quais as ações políticas desenvolvidas com base no programa até então seguido pelo partido, e que se refletiam na atuação parlamentar, serão obstadas ou prejudicadas em virtude de uma nova orientação partidária resultante da fusão.
6. A mudança pontualmente indicada no Estatuto da nova agremiação, sem amparo em fatos concretos, não se apresenta vultosa, significativa ou substancial o suficiente, pois não foi demonstrado em que a fusão afetou a relação eleitor-representante até então existente. Assim, o parlamentar não logrou comprovar de modo personalizado quais prejuízos concretos adviriam à sua representatividade no plano ideológico. Ausência de provas de que as alterações da linha ideológica da nova agremiação colidam com os valores até então sustentados pelo representante político perante o seu eleitorado e que serviram de base para a sua eleição ao cargo.
7. Os fatos alegados – ainda que estivessem comprovados – não configurariam a hipótese do inciso II do art. 22-A da LPP, de grave discriminação política pessoal, mas mera dissidência em relação à condução de decisões político-partidárias.
8. Pedido julgado procedente para decretar a perda de mandato do parlamentar e determinar a posse do suplente. Cumprimento na forma do art. 257, §1º, do Código Eleitoral e do art. 10, da Resolução TSE n.º 22.610/2007 (Precedente: TSE AI no MS n.º 060011769, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso).” (ID 158251087).
Os embargos opostos (ID 158251095) foram rejeitados (ID 158251108).
Nas razões do recurso especial (ID 158251113), fundado no art. 276, I, a e b, do Código Eleitoral, o recorrente aponta violação do art. 22-A da Lei 9.096/1995, além de divergência entre o entendimento do TRE pernambucano e a jurisprudência de outros tribunais regionais eleitorais.
Aduz, inicialmente, que não pretende o reexame de provas, mas, “a partir das premissas fáticas assentadas pela Corte de origem, o devido reenquadramento jurídico dos fatos pela Corte Superior” (pág. 6 do ID 158251113).
Afirma ser evidente a existência de justa causa para a sua desfiliação, tendo em vista a fusão partidária entre o Democratas – DEM e o Partido Social Liberal – PSL na formação de um novo partido, o União Brasil – UNIÃO.
Destaca que, embora a fusão partidária não se encontre expressamente prevista na legislação vigente, o art. 22-A da Lei 9.096/1995 indica como pressuposto necessário para a perda do mandato a desfiliação do candidato do “partido pelo qual foi eleito”.
Infere, desse modo, que, não mais existindo o partido pelo qual foi eleito, não haveria que se falar em infidelidade partidária.
No ponto, assinala que
“o surgimento de uma nova grei, mesmo fruto de fusão, vislumbra-se a existência de valores, objetivos, crenças e princípios políticos próprios de cada ideologia política formando-se um novo estatuto comum a partir dos partidos que resolveram se fundir, e com ele também verificam-se novos projetos que podem sim afetar diretamente as posições ideológicas defendidas anteriormente pelo requerente na antiga agremiação, que não mais existe.” (pág. 15 do ID 158251113).
Pondera que a eventual convergência entre os estatutos dos partidos fundidos não parece ser o meio essencial para afirmar se há ou não incompatibilidade de orientação política.
Acrescenta que, com a elaboração de novo estatuto e, principalmente, com o surgimento de nova liderança para a condução do novel partido, constata-se a mudança substancial do programa partidário, caracterizando a hipótese prevista no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei dos Partidos Políticos.
Para demonstrar a alegada divergência jurisprudencial, colaciona ementas de acórdãos dos Tribunais Regionais de São Paulo (TRE/SP), de Goiás (TRE/GO) e de Santa Catarina (TRE/SC).
Ao final, requer o conhecimento e o provimento do apelo, para que, reformando-se o acórdão regional, seja julgada improcedente a ação de perda de mandato eletivo.
O recurso especial foi admitido pela Presidência do TRE/PE por entender configurada a hipótese da alínea b do inciso I do art. 276 do Código Eleitoral (ID 158251118).
As contrarrazões foram apresentadas (ID 158251121).
A Procuradoria-Geral Eleitoral manifestou-se pela negativa de seguimento do recurso especial (ID 158298966).
Na sequência, o recorrente apresenta petição na qual informa o deferimento do pedido liminar nos autos da tutela cautelar antecedente 0601943-28.2022.6.00.0000 para conceder o efeito suspensivo ao recurso especial e determinar seu imediato retorno ao cargo de vereador do Município de Guaranhuns/PE.
É o relatório. Decido.
O recurso especial eleitoral é tempestivo. O acórdão que rejeitou os embargos declaratórios foi publicado no dia 20/9/2022, terça-feira, e o apelo já havia sido interposto no dia 18/9/2022, domingo (ID 158251112). A petição está subscrita por advogados constituídos nos autos (Procuração no ID 158251062 e Substabelecimentos no ID 158251093 e ID 158461207), bem como estão presentes o interesse e a legitimidade.
Bem examinados os autos, verifico que o recurso especial merece prosperar.
No caso, o TRE/PE, por maioria, julgou procedente a ação de perda de mandato eletivo ao compreender que a fusão ocorrida entre o PSL e o DEM não configurou justa causa para a desfiliação partidária, porquanto entendeu que não houve mudança substancial do programa partidário, tampouco grave discriminação política pessoal, previstos no art. 22-A, I e II, respectivamente, da Lei 9.096/1995. Para melhor compreensão da controvérsia, extraio os seguintes trechos do voto vencido e do voto-vista (vencedor), que compõem o acórdão regional:
"VOTO-VISTA (VENCEDOR)
[...]
Trata-se de Ação de Perda de Mandato Eletivo, em Razão de Desfiliação Partidária Sem Justa Causa, ajuizada pelo UNIÃO BRASIL PERNAMBUCO (UNIÃO PE) em face de BRUNO RAFAEL FERREIRA DOS SANTOS, vereador eleito pelo Partido Social Liberal (PSL), no Município de Garanhuns/PE no ano de 2020.
Arguiu o Requerente, na inicial (id. 29201516), buscando, ao final, a decretação da perda do mandato eletivo do Requerido, por ter se desfiliado, sem justa causa, os seguintes fatos e fundamentos jurídicos:
De forma prefacial, fundamentando a legitimidade ativa do UNIÃO PE, informa a fusão ocorrida entre o Partido Social Liberal (PSL) e o Democratas (DEM), gerando o Partido União Brasil (UNIÃO). Esse evento foi aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 08 de fevereiro de 2022. Em 15 de março de 2022, constituiu-se o seu órgão estadual em Pernambuco, passando então a representar-se regionalmente. Após, ressaltou a tempestividade da ação;
O PSL elegeu apenas o Requerido como vereador, no município de Garanhuns/PE, com 496 votos. Conforme Certidão (id. 29201515), expedida em 28 de abril de 2022, ele não está filiado a partido político. Tal situação não fora comunicada ao UNIÃO, nem sequer foram apresentadas quaisquer justificações para tal desintegração, malferindo a obrigação disposta no art. 19, parágrafo 1º, da Lei n.º 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos (LPP), bem como no incorrendo no caput do art. 22-A. Diante disso, requereu tutela de urgência.
Por sua vez, na Defesa, em busca da total improcedência do pedido, o Requerido informou ter encaminhado pedido de desfiliação à Justiça Eleitoral (doc. 29206019), asseverando ter havido mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. Além disso, alegou ter havido grave discriminação política pessoal, pois, como presidente do órgão partidário municipal, não foi consultado, sobre o lançamento de candidaturas no pleito vindouro de 2022.
Conforme Certidão (doc. 29201515), o vereador, ora requerido, não está filiado a Partido Político.
É incontroverso o fato de ter havido fusão entre o PSL e o DEM, fazendo nascer o UNIÃO BRASIL, a partir do registro do estatuto partidário (fl. 43, doc. 29201514), formalizado no 1º Ofício de Brasília/DF, em 16/11/2021 e aprovado pelo TSE, em sessão administrativa no dia 08/02/2022.
No meu ponto de vista, o deslinde da controvérsia passa pelo exame das seguintes questões: i) a fusão é de per si causa justificadora de desfiliação partidária? ii) houve alteração substancial do programa partidário? iii) o motivo para desfiliação é coerente com as hipóteses legais invocadas?
1. DO DEVER DE FIDELIDADE PARTIDÁRIA: MANDATO MAJORITÁRIO QUE PERTENCE AO PARTIDO. FUSÃO E INCORPORAÇÃO QUE DEIXARAM DE SER JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO COM O ADVENTO DO ART. 22-A DA LEI Nº 9.096/95.
Entende o STF que ‘conquanto tenham sido feitas modificações no art. 17, § 1º, da Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional (EC) n. 97/2017, manteve-se a plena eficácia da essência do parâmetro constitucional invocado (autonomia partidária)’. Assim, a autonomia partidária, manteve-se após a alteração perpetrada pela EC 97/2017, in verbis:
[...]
Ainda nessa linha, a EC n.º 111/2021, inseriu o parágrafo 6º, no art. 17 acima citado tratando sobre o tema de fidelidade partidária, fortalecendo ainda mais a autonomia dos partidos, nos seguintes termos:
[...]
Antes disso, em 2007, mesmo não havendo previsão expressa sobre fidelidade partidária na Lei 9.096/95, conhecida como a Lei dos Partidos Políticos (LPP), tampouco na CF/88, o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que a infidelidade partidária era causa de perda do mandato eletivo.
Na Consulta formulada pelo Partido da Frente Liberal (PFL) ao TSE n.º 1.398, em 27/03/2007, publicado em 08/05/2007, o TSE, em voto da relatoria do Ministro Cesar Peluzo responde a seguinte indagação: ‘Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?’.
Abaixo, destaque-se os seguintes excertos, pertinentes:
[...]
Ao final da mencionada Consulta, o Ministro César Peluzo resume e conclui:
‘Resumindo as considerações, tem-se que:
(i) a dinâmica da arquitetura político-eleitoral desenhada na Constituição da República é caracterizada pela adoção, para certos cargos, de eleições ‘pelo sistema proporcional’, cujo mecanismo importa a primazia radical dos partidos políticos sobre a pessoa dos candidatos;
(ii) dessa caracterização de proporcionalidade brota, como princípio, a pertinência das vagas obtidas segundo a lógica do sistema, mediante uso de quocientes eleitoral e partidário, ao partido ou coligação, e não, à pessoa que sob sua bandeira tenha concorrido e sido eleita;
(iii) sua previsão constitucional encontra eco na legislação subalterna;
(iv) a doutrina, assim nacional, como estrangeira, não hesita em reconhecer, dentre os modelos teóricos, a superioridade do sistema proporcional, que, apesar das imperfeições, é o que mais bem respeita as exigências de justiça, eqüidade e representatividade, sem comprometer a estabilidade do governo.
E, sob tais fundamentos, respondo à consulta, afirmando que os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando, sem justificação nos termos já expostos, ocorra cancelamento de filiação ou de transferência de candidato eleito para outra legenda.’
O STF, após a Consulta TSE n.º 1.398, no Mandado de Segurança n.º 26.604-0, DF, julgado em 04/10/2007, publicado no Dje n.º 187, 02/10/2008, Rel. Min. Carmen Lúcia, impetrado pelo Democratas, semelhantemente se posicionou sob seguintes fundamentos;
O eleito vincula-se, necessariamente, a determinado partido político e tem seu programa e ideário como norte de sua atuação, a ele se subordinando por força de lei (art. 24, da Lei n. 9.906/95). Não pode, então, o eleito afastar-se do que é suposto pelo mandante - o eleitor-, com base na legislação vigente que determina ser exclusivamente partidária a escolha por ele feita. Injurídico é o descompromisso do eleito com o partido - o que se estende ao eleitor - pela ruptura da equação político-jurídica estabelecida.
6. A fidelidade partidária é corolário lógico-jurídico necessário do sistema constitucional vigente, sem necessidade de sua expressão literal. Sem ela não há atenção aos princípios obrigatórios que informam o ordenamento constitucional.
7. A desfiliação partidária como causa do afastamento do parlamentar do cargo no qual se investira não configura, expressamente, pela Constituição, hipótese de cassação de mandato. O desligamento do parlamentar do mandato, em razão de ruptura, imotivada e assumida no exercício de sua liberdade pessoal, do vínculo partidário que assumira, no sistema de representação política proporcional, provoca o desprovimento automático do cargo. A licitude da desfiliação não é juridicamente inconsequente, importando em sacrifício do direito pelo eleito, não sanção por ilícito, que não se dá na espécie.
Importa asseverar que o mandato político não constitui projeção de um direito pessoal ou potestativo titularizado pelo eleito. A contrario sensu é de se admitir pertencer tal representação ao partido político, o qual serve não só como intermediário entre a vontade popular soberana e o parlamentar, mas também é a fornecedora do meio de trabalho, que se legitima mediante o mandato. Caso ele deseje abandonar esse mister, deve devolvê-lo para outro em seu lugar, conforme a ideologia partidária prevalente.
A esse respeito esclarece o STF, na ADI 5.081, Rel. min. Roberto Barroso, j. 27-5-2015, P, DJE de 19-8-2015:
As características do sistema proporcional, com sua ênfase nos votos obtidos pelos partidos, tornam a fidelidade partidária importante para garantir que as opções políticas feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam minimamente preservadas. Daí a legitimidade de se decretar a perda do mandato do candidato que abandona a legenda pela qual se elegeu.
Neste estado da arte, o TSE, a fim de disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como a justificação de desfiliação partidária, editou, em 25 de outubro de 2007, a Resolução n.º 22.610, a qual, em seu art. 1º, parágrafo 1º, estabeleceu as causas de justa causa impeditivas para a decretação de perda de mandato eletivo, nos seguintes termos:
Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
§ 1º - Considera-se justa causa:
I) incorporação ou fusão do partido;
II) criação de novo partido;
III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
IV) grave discriminação pessoal.
Note-se que a fusão foi trazida, expressamente, como causa automática de justa causa, obstando a perda de mandato de eletivo, por parte do eleito o qual não aquiescesse o evento transformador do partido pelo qual fora eleito. Repise-se que neste momento, não havia legislação tratando do tema, previsto no §1º, acima trazido. Tais previsões foram regulamentadas pelo TSE, em vista da necessidade fática, até ulterior deliberação do poder legislativo competente produzir o deslinde.
Desta feita, sobre a fusão partidária, o art. 29, da LPP estabelece os requisitos necessários para que ocorra nos seguintes termos:
Art. 29. Por decisão de seus órgãos nacionais de deliberação, dois ou mais partidos poderão fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro.
§ 1º No primeiro caso, observar-se-ão as seguintes normas:
I - os órgãos de direção dos partidos elaborarão projetos comuns de estatuto e programa;
II - os órgãos nacionais de deliberação dos partidos em processo de fusão votarão em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos, e elegerão o órgão de direção nacional que promoverá o registro do novo partido.
[...]
Com a advento da chamada minirreforma eleitoral oito anos depois, empreendida pela Lei n.º 13.165/2015, houve a inclusão do art. 22-A na LPP, positivando totalmente a matéria de infidelidade partidária por desfiliação, trazendo ao cenário eleitoral, uma conformação diferente dos casos justificadores de desintegração partidária dos eleitos.
Da mesma forma, a EC 97/2017, acrescentou o parágrafo 5º ao art. 17, da CF/88, no qual há nova hipótese de justa causa, nos seguintes termos:
§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão.
Assim, valendo-se de processo hermenêutico, do art. 2º, §2º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), houve a derrogação do previsto, na Resolução do TSE n.º 22.610/2007, cedendo lugar tanto à disposição constitucional acima trazida, como ao comando legal, do art. 22-A, da LPP, cuja redação segue:
Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Tanto a Resolução n.º 22.610/2007 quanto a Resolução 22.733/2008, ambas do TSE, foram consideradas transitórias, enquanto o legislador competente, não resolvesse a matéria. Não poderia ser outro o posicionamento do STF nas ADI 3.999, ADI 4.086 rel. min. Joaquim Barbosa, j. 12-11-2008, P, DJE de 17-4-2009, já que estrearam no ordenamento jurídico, a partir de uma lacuna legal, resolvida pela Lei n.º 13.165/2015.
Nessa esteira, o STF, por meio da ADIN n.º 4582/DF, julgada em 23/11/2020, pelo Pleno, a Relatora Min. Rosa Weber deixou assente que a Lei n.º 13.165/2015 instalou rol taxativo, em revogação tácita das hipóteses de justa causa antes previstas na Resolução TSE n. 22.610/07:
‘[...] 4. A superveniência da Lei nº 13.165/2015, inserindo o art. 22-A na Lei nº 9.096/95, ao dispor de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogou tacitamente o § 1º do artigo 1º da Res.-TSE nº 22.610/2007.
[...]’
Seguindo o entendimento do pleno, por meio do voto do Min. Alexandre de Morais, Agravo Regimental, em Petição nº 060008904 - BRASÍLIA - DF, em 22/04/2021, o STF estabeleceu que as previsões do parágrafo único, do art. 22-A são estritas, taxativas, e; por oportuno, estabeleceu balizas sobre a mudança substancial ou desvio do programa partidário, assim, veja-se:
‘[...]
4. A fidelidade partidária constitui imposição legal que visa a preservar a vontade popular e assim a legitimar o próprio processo eleitoral, podendo ser excepcionada quando efetivamente demonstradas as estritas hipóteses de justa causa previstas no art. 22–A da Lei 9.096/1995, quais sejam: (i) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (ii) grave discriminação política pessoal; e (iii) migração de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
5. A mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário devem ser tais que subvertam o programa e a própria ideologia do partido, o que inequivocamente é algo ostensivo, devendo "ter caráter nacional, e não apenas regional ou local. Isso porque, por determinação constitucional, o partido deve ter caráter nacional, sendo, pois, necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político–social relevante'' (RO 263/PR – Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 31/3/2014).
[..]’
Sobre as hipóteses do art. 22 - A, parágrafo único, inciso I, José Jairo faz os seguintes esclarecimentos:
Art. 22 - A, inciso I - A mudança substancial do programa da entidade decorre de ato formal, pelo qual um novo programa é esposado, em detrimento do anterior, que é abandonado. A alteração deve ser substancial, e não meramente pontual.
[..]
Quanto ao desvio reiterado do programa partidário, tem-se que as ações e os compromissos concretos da agremiação destoam dos conceitos constantes de seu estatuto e dos documentos por ele firmados. Trata-se de conceito indeterminado, fluido, que só pode ser precisado ou concretizado, à luz da situação objetivamente apresentada.
Entender que a mera discordância pessoal do eleito, sobre a fusão, ora analisada - a qual passou a ser um evento, em tese, indiferente, pois poderá ou não constituir uma causa legítima para desfiliação, conforme comprovada mudança substancial dos rumos nacionais da grei - significa atribuir ao mandatário a potestade de manobrar o seu mandato parlamentar, reduzindo ao seu íntimo alvedrio, conflitando cabalmente com o postulado da autonomia partidária, conferido pelo art. 17, §1º da CF/88.
Outrossim, a fidelização partidária encontra respaldo direto no postulado da autonomia partidária. É certo que, provisoriamente, a Resolução TSE n.º 22.610/2007 previu como hipótese liberatória de desfiliação, sem perda de mandato, a fusão. Entretanto, o fato de o legislador não ter repetido essa previsão não foi mera omissão, mas sim silêncio eloquente.
A meu sentir, o legislador quis suprimir a fusão e a incorporação do rol de justas causas e o fez privilegiando a autonomia partidária, insculpida no art. 17, § 1º, da Lei Fundamental de 1988, cujo comando é oponível, precipuamente, ao legislador, o qual não poderá, no exercício de mister constitucional, tolher o amplo espaço de conformação deliberativa, estruturante e normativa das agremiações, até porque o caput desse dispositivo é claro ao prever a liberdade do partido político em deliberar sobre sua fusão.
Comunga dessa posição o professor e Procurador da República José Jairo Gomes, segundo o qual, com o advento do art. 22-A do LPP, a fusão e incorporação deixaram de ser, in res ipsa, justa causa de desfiliação partidária, embora possam eventualmente configurar alteração substancial do programa partidário:
‘A fusão e incorporação de partidos eram previstas na Res. TSE nº 22.610/2007 como causas justificativas de desfiliação. Mas não foram contempladas expressamente na Lei 13.165/2015, que passou a regular a matéria no artigo 22-A introduzido na LPP. No entanto, essas duas causas podem ser consideradas no âmbito do artigo 22-A, I, pois é induvidoso que a ocorrência delas podem implicar ‘mudança substancial do programa da entidade’.
Na mesma linha, posiciona-se o ex-Ministro do TSE, Dr. Henrique Neves: ‘A criação de um novo partido deixou de ser considerada como justa causa para a migração de legendas, e os eleitos por outros partidos somente podem deixar as siglas pelas quais concorreram dentro da janela partidária’.
}Isto decorre porque, com a fusão há a extinção formal de dois ou mais partidos, entretanto, no plano material o partido fruto da fusão sucede os fundidos em direitos e deveres, tais como o acesso a recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial para Financiamento de Campanha (FEFC) e tempo na propaganda política em rádio e televisão; o mesmo se dá, por exemplo, no que tange às obrigações de prestação de contas, que são atribuídas ao partido sucessor; todos os filiados dos partidos fundidos são transferidos automaticamente para a legenda recém criada; e contratos dos partidos extintos são absorvidos imediatamente, inclusive contratos de trabalho, sem qualquer alteração.
Por que haveria de ser diferente em relação aos mandatos adquiridos pelo partido e que o STF já reconheceu pertencer ao partido?
Não teria como ser distinto, porque os institutos da fusão e da incorporação geram uma continuação; juridicamente, a sucessão de todos os deveres e obrigações, sem solução de continuidade de sequer um dia. Há uma soma dos patrimônios econômicos e políticos dos partidos fundidos, que resulta em uma nova legenda.
É de se ressaltar a principal causa que tem gerado – e ainda gerará – fusões e incorporações partidárias foi a instituição da cláusula de barreira no nosso sistema eleitoral pela EC 97/2017, pelo qual, os partidos, gradativamente, de 2018 a 2030, terão que atingir determinados desempenhos de eleição de representantes na Câmara dos Deputados para terem direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão.
Essa regra constitucional de conteúdo programático pretende reduzir o elevado número de partidos existentes no país e naturalmente leva à consolidação de partidos por meio de fusões e incorporações. A expectativa natural é o fortalecimento dos partidos e suas respectivas ideologias, na intenção de extinguir partidos nanicos e ‘de aluguel’ que são regidos ao sabor da conveniência de seu dirigente.
Como os entendimentos do STF e do TSE são no sentido de que o mandato pertence ao partido, a sua perda por conta de desfiliação por iniciativa do eleito deve ser interpretada da forma mais restritiva, uma vez que o rol legal das causas justificadoras é taxativo.
Assim, tanto a interpretação lógica, como as sistemática e teleológica levam este magistrado a compreender que a fusão e a incorporação não são causas, de per si, justificadoras de desfiliação pelo mandatário.
2. DOS MOTIVOS APRESENTADOS COMO CAUSAS JUSTITICADORAS DA DESFILIAÇÃO
Questão que merece investigação é se o motivo – e respectivas provas - que o eleito apresenta como causa para desfiliação está demonstrado não somente no plano teórico, como se se confirma no plano prático.
Isto porque não se pode ignorar eventuais comportamentos contraditórios por parte de parlamentares, que buscam a desfiliação por razões pragmáticas e pessoais fora do período da ‘janela partidária’ e usam as causas dos incisos I e II do art. 22-A da LPP como subterfúgio.
É corriqueiro o surgimento de interesse de mudança de legenda pelo eleito, por conveniências pessoais ou políticas, todavia o sistema eleitoral brasileiro, como visto, somente autoriza tal mudança durante a janela partidária (inciso III, do art. 22-A da LPP).
É preciso analisar não somente as provas colacionadas, mas igualmente verificar se não está a ocorrer eventual abuso do direito de desfiliação por meio de atos e argumentos que dissimulam motivação não autorizadoras a mudança de legenda.
A fidelidade partidária é uma via de mão dupla. É dever do partido e do eleito manterem o status quo da relação que a ambos favoreceu por ocasião da eleição. Para isso inexorável que os sujeitos dessa relação guardem os princípios da boa-fé e da lealdade.
Sobre o tema, no AJDesCargEle n.º 0600340-51.2021.6.00.0000, Dje. 36, 07/03/2022, o Ministro do TSE Edson Fachin se posiciona sobre o alcance das justificadoras aqui tratadas da seguinte forma:
ELEIÇÕES 2018. AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DEPUTADA FEDERAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. POSSIBILIDADE. MUDANÇA SUBSTANCIAL NO PROGRAMA PARTIDÁRIO. GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA PESSOAL. AUSÊNCIA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.
[...]
2. A mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário para fins de configuração da justa causa para desfiliação partidária não devem ser pontuais, mas, sim, capazes de alterar a própria ideologia do partido.
3. A discriminação pessoal que caracteriza justa causa para a desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de impossibilitar a atuação livre e o convívio na agremiação.
4. Na espécie, das provas carreadas aos autos não constam elementos capazes de atestar a mudança substancial de programa partidário ou a grave discriminação política.
5. Pedido julgado improcedente.
(negritos acrescidos)
No caso em testilha, alega o Requerido que a sua desfiliação estaria autorizada tanto pela mudança substancial do programa partidário como por grave discriminação política pessoal.
2.1. Da Inexistência de Mudança Substancial do Programa Partidário
O Requerente informou que o vereador eleito BRUNO RAFAEL FERREIRA DOS SANTOS não comunicou ao UNIÃO sua intenção de se desfiliar. Tal fato não foi adequadamente combatido, pois o documento (id. 29206019) demonstra apenas ter havido o pedido de desfiliação à Justiça Eleitoral, sem, contudo, instruir se houve ou não comunicação por escrito ao partido do seu intento. Tome-se a previsão da Resolução TSE n.º 23.596/2019, em seu art. 24:
Art. 24. Para desligar-se do partido, o filiado fará comunicação escrita ao órgão de direção municipal ou zonal e ao juiz eleitoral da zona em que for inscrito.
§ 1º-A O representante do órgão partidário municipal ou zonal deve lançar recibo na comunicação realizada pelo eleitor. (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)
§ 1º-B O eleitor comunicará a desfiliação ao juízo eleitoral por meio de requerimento acompanhado da comunicação com recibo direcionada ao órgão partidário. (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)
§ 1º-C Comunicada a desfiliação ao juízo eleitoral, o Cartório Eleitoral providenciará o imediato registro no sistema FILIA. (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)
§ 2º Decorridos dois dias da data da entrega da comunicação no cartório eleitoral, o vínculo torna-se extinto para todos os efeitos.
Inobstante o alegado descontentamento do Requerido quanto ao rumo que o seu extinto partido PSL tomou, isso, por si só não dá azo ao abandono perpetrado, sem a consequente perda do mandato partidário.
Nessa linha, bem se posicionou o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), em 21/06/2022, na Ação de Justificação de Desfiliação n.º 0600120-34.2022.6.21.0000, na qual foi analisado caso semelhante, referente a fusão entre o PSL e o DEM, asseverando o que segue:
[...]
Dessa forma, pelas provas dos autos não há notícia que o UNIÃO BRASIL foi comunicado da desfiliação e para qual agremiação tenha ido, ou se não incluído em nenhuma. Tal comportamento não deixa margem de dúvida quanto à saída injustificada do Requerido.
Assim, não é possível analisar concretamente as causas que levaram o Requerente a crer que houve mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, após a fusão do DEM e do PSL, pois ele não as pormenorizou analiticamente em sua defesa. Arrimou-se em levantar apenas questões internas as quais supostamente o magoou, porém tais fatos não se amoldam ao preconizado pela melhor jurisprudência e abalizada doutrina quando afirma a necessidade de serem apontados desvios ou mudanças partidárias sobre questões de relevo nacional.
Tentar adivinhar, através de ilações estatutárias, ou valendo-se de exercício axiológico abstrato seria desincumbir o autor do ônus da prova que lhe compete no presente caso. Assim posicionou-se o Ministro do TSE Carlos Horbach na seguinte passagem: ‘o mero cotejo de estatutos não é elemento suficientemente idôneo para verificar se há ou não incompatibilidade de orientação política entre as agremiações’ (ED, na Pet. Civil n.º 0600027-90, RJ). Nessa mesma sessão, ocorrida em 25/11/2021, disposta no Informativo do TSE n.º 16/2021, em voto vista, o Ministro Edson Fachin, acompanhado pelo Min. Sérgio Banhos entenderam que:
[...] para que seja reconhecida a justa causa prevista no inciso I do parágrafo único do art. 22-A da Lei nº 9.096/1995, exige-se a demonstração concreta de que a incorporação ocasionou mudança substancial do programa da agremiação, tornando incompatível a permanência da pessoa filiada nos quadros do novo partido.
Ainda assim, ao se confrontar os programas dos partidos não há que se falar em mudança substancial entre os programas do PSL e do UNIÃO. Pelo contrário, ainda que com redação diferente, revela-se a preservação pelo UNIÃO da ideologia do PSL, partido com posição política de direita, auto-declarados sociais liberalista.
Mediante consulta aos estatutos do PSL e União Brasil disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, devidamente submetidos a registro público, constata-se, inclusive uma repetição dos fundamentos dos partidos, conforme redações abaixo:
Assim, claro está que não houve mudança substancial do programa partidário até mesmo porque, na linha da jurisprudência do TSE, a ‘mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário para fins de configuração da justa causa para desfiliação partidária não devem ser pontuais, mas, sim, capazes de alterar a própria ideologia do partido’ (AJDesCargEle n.º 0600340-51.2021.6.00.0000, Dje. 36, 07/03/2022, o Ministro do TSE Edson Fachin).
2.3. Da Inexistência de Grave Discriminação Política Pessoal
O Requerido também justifica sua desfiliação por ter havido grave discriminação política pessoal, consoante contestação:
No âmbito municipal, o PSL não queria mais o requerido na presidência e iniciou conversas com outros vereadores da cidade para que estes fossem candidatos pelo futuro ‘União Brasil’, que inclusive conseguiu cooptar um deles, que foi o vereador José Gerson de Carvalho Filho (Gersinho Filho), antes do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, hoje pré-candidato a Deputado Federal pelo União Brasil, sem sequer comunicar ao até então presidente municipal do partido, o requerido.
Desta forma, este se sentiu humilhado e discriminado, não vendo mais espaço para ele no partido. Portanto, diante da fusão dos partidos, a discordância com alguns posicionamentos do PSL e toda a discriminação que sofreu, o requerido informou ao Dirigente Estadual, Frederico França, que sairia do partido, enviando inclusive um ofício solicitando a retirada de todo o material de propriedade deste, que estava sob sua posse e, no mês de março, solicitou sua desfiliação do PSL (que não mais existia), justificadamente (conforme ofício anexo), à Justiça Eleitoral, tendo sido aprovada pela mesma.
Os fatos alegados – ainda que estivessem comprovados – não configurariam a hipótese do inciso II do art. 22-A da LPP, de grave discriminação política pessoal, mas mera dissidência em relação à condução de decisões político-partidárias.
Preclara é a lição do Professor José Jairo Gomes:
‘Art. 22-A, inciso II grave discriminação política pessoal. O que se deve entender por essa cláusula? Não se pode negar o alto grau de subjetivismo que lhe é subjacente. De todo modo a discriminação deve ser grave, de natureza política e pessoal. Quanto à gravidade tem-se que o que é grave para uns pode não ser para outros; o padrão de normalidade (assim como o de moralidade) varia entre as pessoas, no tempo e no espaço [...]. Quanto à natureza, a discriminação deve ser política (e não moral, por exemplo), e de ordem pessoal pelo que deve referir-se à pessoa do mandatário e não a terceiros. O órgão judicial não pode afastar-se desses parâmetros ao apreciar o conflito que lhe foi submetido. Na concretização da presente cláusula, há que se encarecer os princípios da tolerância e da convivência harmônica, de sorte que meras idiossincrasias não poderão ser havidas como grave discriminação política pessoal. Somente fatos objetivos, sérios, repudiados severamente pela consciência jurídico-política-moral poderão ser assim considerados’.
Sobre semelhante situação fática se posicionou o TSE, no RO-El n.º 0600034-94.2020.6.08.0000, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, em 13/12/2021:
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL. ART. 22–A, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI 9.096/95. INEXISTÊNCIA. PROVIMENTO.
1. Recurso ordinário interposto pelo Diretório Estadual do Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra aresto do TRE/ES, que, por maioria de votos, declarou justa causa para a desfiliação do recorrido, Deputado Estadual eleito em 2018. Segundo a Corte de origem, configurou–se grave discriminação pessoal ao fundamento de que o parlamentar fora destituído da presidência de comissão provisória municipal sem observância do devido processo legal disposto no estatuto partidário, e, ainda, pela suposta falta de apoio à sua candidatura nas Eleições 2020.
2. Meras divergências partidárias, incluindo eventual falta de apoio político para candidatura em pleito vindouro, não evidenciam por si só grave discriminação pessoal, sendo necessária efetiva prova de claro desprestígio ou de afastamento do mandatário do convívio interno da grei. Precedentes.
7. Conclui–se, assim, pela inexistência de grave discriminação pessoal apta a configurar justa causa para se desfiliar do PDT. Por sua vez, a suposta falta de apoio para o lançamento de candidatura não desborda dos acontecimentos afetos à vida política partidária.
Assim, não se afigura caracterizada a grave discriminação política, mas mero exercício de direito do partido de se organizar e dirigir as ações partidárias no município de Garanhuns.
3. CONCLUSÃO
O caso em análise ilustra como nas eleições proporcionais é justo que o mandato se vincule, em regra, ao partido: o requerido foi eleito com 496 votos, o 17º vereador das 17 cadeiras conferidas à Câmara Municipal de Garanhuns. O único do Partido. Houve 21 candidatos com votação superior ao requerido que não foram eleitos, o primeiro desses não eleitos com 1.256 votos. Ou seja, se não fosse o quociente eleitoral atingido pela soma de todos os votos no partido, seja em seus candidatos seja exclusivamente na legenda, o Requerido não teria sido eleito.
Também ilustra a justiça da regra de fidelidade partidária a contribuição que o partido deu na campanha do Requerido. Percebe-se de sua prestação de contas que da receita total de R$ 23.319,95, o partido contribuiu com R$ 22.497,60, ou seja, com 96,47% da receita do vereador.
Assim, para que se justificasse sua desfiliação sem perda de mandato, dever-se-ia estar devidamente comprovada umas das hipóteses taxativas autorizadoras dos incisos do art. 22-A da Lei 9.690/95 (Lei dos Partidos Políticos). Portanto, ausente justa causa a excepcionar a regra de fidelidade, impõe-se a perda do mandato do parlamentar infiel.
Ante o exposto, com fundamento no art. 17, §6º, da Constituição Federal c/c o art. 22-A da Lei nº 9.096/95, reconhecendo a desfiliação sem justa causa, VOTO no sentido de JULGAR PROCEDENTE o pedido para DECRETAR a PERDA DO MANDATO do Requerido, vereador de Garanhuns/PE eleito em 2020, comunicando-se ao Presidente da Câmara Municipal de Garanhuns/PE, para que emposse o suplente, no prazo de 10 (dez) dias, na forma do art. 257, §1º, do Código Eleitoral e do art. 10, da Resolução TSE n.º 22.610/2007, (TSE AI no MS n.º 060011769, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso).
É como voto.” (ID 158251086; grifei)
VOTO VENCIDO
“Inexistindo a necessidade de produção probatória, passo ao julgamento da lide, nos termos do art. 6º da Resolução TSE nº 22.610/2007.
O pedido de registro do estatuto e do programa partidário do União Brasil (União), agremiação política resultante da fusão do Democratas (DEM) com o Partido Social Liberal (PSL), foi aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral em 08 de fevereiro de 2022. Na sequência, todos os eleitos e filiados das extintas agremiações foram migrados para o novo partido.
À vista dos fatos, o requerido, eleito pelo PSL, decidiu se desfiliar do partido UNIÃO BRASIL, arguindo o partido demandante, nesta ocasião, ausência de justa causa para tanto, razão pela qual requer a perda do mandato do parlamentar face a suposta infidelidade partidária.
O artigo 2º da Resolução TSE nº 22.610/2007, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo, estabelece que é competente para processar e julgar o pedido de justificação de desfiliação partidária, o Tribunal Superior Eleitoral, no que tange a mandato federal e o tribunal eleitoral do respectivo estado, nos demais casos.
O artigo 17, XXXI, ‘i’, do Regimento Interno deste Regional (Resolução TRE/PE n.º 292/2017), de seu turno, inclui dentre as atribuições do Tribunal, processar e julgar originariamente as ações de justificação de desfiliação partidária, relativas aos cargos de Deputado Estadual e Vereador.
Conforme leciona José Jairo Gomes, ‘a desfiliação traduz-se no ato pelo qual o mandatário rompe com o partido pelo qual foi eleito, migrando ou não para outro.
O artigo 17, §6º, da Constituição Federal preceitua, in verbis:
‘Art. 17. (...)
§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão’. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021)
A carta Magna delega, pois, à legislação ordinária a fixação das hipóteses de justa causa.
À míngua de qualquer previsão na Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 9.096/95), que, na redação original do art. 22, tratava tão somente do cancelamento da filiação, o TSE editou a Resolução nº 22.610/2007. O normativo possibilita a justificação de desfiliação partidária, sem perda do mandato, quando houvesse, entre outras hipóteses, a incorporação e/ou fusão de partidos. Confira-se:
[...]
A minirreforma eleitoral de 2015 (Lei n.º 13.165 de 26/09/2015) incluiu na Lei dos Partidos Políticos o artigo 22-A, estabelecendo novo elenco para as hipóteses de justa causa, do qual não consta a fusão e a incorporação de partidos, razão pela qual a previsão do inciso I, art. 1º da Resolução foi reconhecida pelo STF como derrogada pelo novel dispositivo.
A atual regulamentação possui o seguinte teor:
[...]
Destaque-se que ao tempo em que o legislador optou por não incluir as hipóteses insculpidas nos incisos I e II da Resolução TSE nº 22.610/2007, derrogando-as, escolheu acrescentar ao dispositivo expressão antes omissa na Resolução, qual seja, ‘do partido pelo qual foi eleito’.
Penso, em consonância com o opinativo da Procuradoria Regional Eleitoral, que os termos do próprio caput do artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos indicam que a fidelidade a ser preservada é com relação ao partido pelo qual o parlamentar foi eleito, e não em relação ao novo partido, criado a partir da fusão.
De certo, com a fusão, deixaram de existir os partidos que constituíram o União Brasil, havendo a partir de então, para todos os fins legais, somente esta nova agremiação partidária. Nesse contexto, é possível afirmar que os candidatos eleitos, pelo PSL, assentiram em integrar o PSL, e que os candidatos eleitos pelo DEM, consentiram em integrar o DEM, mas nem uns, nem outros, consentiram em participar do União Brasil.
Como bem enfatizou o Procurador Regional Eleitoral:
‘11. Ora, não se pode falar em fidelidade partidária de mandatário que sequer assentiu em fazer parte do novo partido político, isto é, ao filiado deve ser assegurado o direito de não concordar com a decisão tomada pelos órgãos de direção.’
O C. Tribunal Superior Eleitoral, recentemente, considerou justa causa para a desfiliação partidária a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, afirmando que seria inegável que a incorporação de um partido em outro arruína a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, sucumbirá.
Parece-me evidente que o mesmo raciocínio utilizado no que se refere à incorporação é aplicável à hipótese de fusão, em que os partidos fusionados desaparecem para que um novo partido surja.
Confira-se relevantes trechos da decisão monocrática de lavra do e. Ministro Alexandre de Moraes, reproduzida por ocasião do julgamento em questão:
‘A hipótese de justa causa efetivamente alegada pelo requerido encontra amparo no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95, que considera justa causa para a desfiliação partidária a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, verbis:
‘Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015).
Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
Inegável que a incorporação de um partido em outro fulmina toda ou, quando menos, substancialmente, a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, deixa de existir.
Nesse sentido, ‘na incorporação, o partido incorporado deixa de existir no mundo jurídico, pois é sucedido pelo incorporador’ (Cta 060187095/DF, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 12/8/2019).
Consta que o Partido Republicano Progressista (PRP) foi incorporado pelo partido Requerente (Patriota), conforme acórdão desta CORTE nos autos da Petição 0601953-14/DF, de relatoria do e. Min. JORGE MUSSI, julgado em 28/3/2019.
Além disso, verifica-se que o Requerido cancelou sua filiação ao Patriota (partido incorporador) em 26/4/2019, e se filiou ao PSC em 16/5/2019. Razoável, portanto, o prazo em que o parlamentar buscou se desligar do partido político após a ocorrência da incorporação.
Nesse passo, a alegada revogação tácita do art. 1º, § 1º da Res.-TSE 22.610/2007 – que previa de forma expressa no inciso I a hipótese de incorporação ou fusão de partido político como justa causa para a desfiliação partidária (ADI 4583) em razão de ter a matéria sido tratada n o art. 22-A na Lei 9.096/95, acrescentado pela Lei 13.165/2015, não ampara o autor, pois forçoso reconhecer que o parlamentar pertencente ao partido incorporado, ao fim e ao cabo, encontra-se em situação jurídica semelhante a hipótese normativa relacionada a ‘mudança substancial do programa partidário’.
Na mesma linha de raciocínio o judicioso parecer ministerial, no sentido de que ‘não há como escapar da conclusão de que o requerido fora submetido a uma mudança substancial de programa partidário, já que o programa e estatuto do PRP já não existiam mais, encontrando-se submetido às normas e ao ideário de outra agremiação’’ (TSE. PETIÇÃO CÍVEL nº 060002790, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 24, Data 17/02/2022)
Não há como negar que a fusão partidária, com a consequente extinção dos partidos que se fundiram, implica substancial modificação da ideologia e do programa partidário antes observado pelos partidos originários. De fato, se não fosse o caso de modificação dos programas partidários, não haveria sequer necessidade de fusão, bastando que um dos partidos fosse anexado pela estrutura e programações partidárias do outro.
Não se desconhece o entendimento já consolidado na jurisprudência e nos mais diversos dispositivos normativos de que, nas eleições proporcionais, o mandato pertence ao partido e não ao candidato eleito.
Ocorre que os agentes públicos eletivos dependem de identidade política que atraia seus eleitores, e uma mudança de rumo no partido ao qual o mandatário se encontra filiado pode afetar essa afinidade.
Ao apreciar a ADI 3999, em que se discutia a constitucionalidade da Resolução TSE nº 22.610/2007, o Ministro Joaquim Barbosa brilhantemente ponderou:
‘A infidelidade partidária implica instabilidade do sistema democrático em duas ordens diversas. Em primeiro lugar, como decidiu a Corte, o acesso ao candidato ao cargo eletivo pressupõe a força do partido político, nas eleições proporcionais. Em contraponto, contudo, não me parece possível ignorar a relação estabelecida diretamente entre o eleito e o eleitorado. Relembro a frase do eminente Ministro Victor Nunes Leal, já citada por ocasião do julgamento do MS 26.602, de que ‘embora escolhido pelo critério partidário, [o deputado] representa o povo’. Nos EUA, durante o julgamento do caso Reynold v. Sims, o juiz-presidente Warren bem anotou que os ‘legisladores representam pessoas, não árvores ou extensões de terra. Legisladores são eleitos por eleitores, não fazendas, cidades ou interesses econômicos’. Em outra passagem, o juiz Potter Stewart diz que ‘legisladores não representam números sem rosto. Eles representam pessoa, ou, com maior precisão, a maioria de eleitores em seus distritos – pessoas com necessidades e interesses identificáveis’.’
Por seu turno, pontuo que a legislação ao apontar como justa causa para desfiliação a mudança substancial o faz quanto ao programa partidário e não ao estatuto propriamente dito, indicando tratar-se de uma análise, de fato, mais principiológica.
Assim, a título de reforço da tese ora esposada, pontuo que o PSL sempre foi reconhecido com um partido mais próximo dos ideais da extrema direita, estando seu conservadorismo bem assentado nos seus valores.
No ponto, destaco alguns aspectos do programa partidário do PSL bastante incisivos e diretos do documento denominado ‘Nossos Ideais:
‘Nosso compromisso é o de priorizar as seguintes questões abaixo relacionadas, além de outras também abraçadas pelo partido:
d) políticas de esclarecimento à população, que visem a conscientização a respeito dos males provocados pelo comunismo e socialismo;
e) proteção à propriedade privada e garantia de que cada cidadão de bem tenha o direito de proteger seu principal patrimônio: sua vida. Para tanto, é necessária a revogação do Estatuto do Desarmamento e a criação de condições para que os cidadãos possam ter a posse de armas de fogo, se assim o desejarem;
l) combate à apologia da ideologia de gênero;
m) combate aos privilégios decorrentes de ‘quotas’ que resultem na divisão do povo, seja em função de gênero, opção sexual, cor, raça, credo.’
Ainda que em sua última manifestação o partido requerente tente apontar os pontos do extinto programa partidário do PSL que teriam sido abarcados pela nova agremiação, é certo que, ao menos os aspectos acima citados, não foram expressamente consignados, não havendo um compromisso oficial do partido com as temáticas apontadas.
Cuido que se exigir de um parlamentar, não eleito pelo partido, que acompanhe as novas diretrizes, às quais não aderiu, é temerário. A título de exemplo, pode o requerido, em última análise, discordar do posicionamento do novo partido quanto à política de desarmamento, que não está expressa e clara nos valores do União Brasil.
A questão reclama ainda mais prudência quando se constata do artigo 92 do Estatuto do atual União Brasil a possibilidade de aplicação de sanções àqueles parlamentares que se opuserem às diretrizes da nova agremiação, podendo culminar até mesmo em sua expulsão. Confira-se:
‘Art. 92. Os parlamentares do Partido nas Casas Legislativas deverão respeitar o Regimento Interno das bancadas e o modo como constituirão suas lideranças.
§1º Caberá à Comissão Executiva Nacional ratificar o regimento elaborado pelas bancadas.
§ 2º O integrante da bancada do Partido subordinará sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos deste Estatuto e às diretrizes legitimamente estabelecidas.
Art. 93. O parlamentar que, pela atitude ou pelo seu voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas no Regimento Interno da Bancada, neste Estatuto, nas leis vigentes, na Constituição e em outras que porventura possam ser fixadas, estará sujeito às seguintes sanções disciplinares:
I – advertência;
II – suspensão dos direitos de filiado;
III – desligamento temporário da bancada;
IV – suspensão do direito de voto nas reuniões internas;
V – perda das prerrogativas junto à Bancada e ao União Brasil;
VI – perda do cargo e função que esteja exercendo decorrência da representação e da proporcionalidade partidária nas respectivas casas legislativas;
VII – expulsão.’
Cumpre frisar, ainda, que a Lei dos Partidos Políticos (L. 9.096/95) dispõe o seguinte:
Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.
Nessa logicidade, percebe-se que os pontos, que não foram abrangidos pela nova agremiação, alteraram os valores do partido, e que, por isso, poderão causar impacto na atividade legislativa do demandante e nos seus direitos como filiado.
Cabe, ainda, pontuar que o requerido era Presidente do Diretório Municipal do PSL em Garanhuns/PE, sendo indiscutivelmente afetado com a criação da nova agremiação.
A análise da jurisprudência indica uma tendência, nos demais Tribunais Regionais, em reconhecer justa causa para desfiliação quando da análise da situação resultante da criação do partido União Brasil. Nessa perspectiva, colaciono decisões colegiadas recentes de outros Tribunais Regionais:
[...]
Assim, deixo de reconhecer a infidelidade partidária no presente caso, ao tempo em que reconheço a justa causa para a desfiliação do Sr. Bruno Rafael do partido UNIÃO BRASIL.
Ante o exposto, em consonância com o parecer da PRE, a relatoria vota no sentido de JULGAR IMPROCEDENTE o pedido inaugural.” (158251088; grifei)
De saída, trago à colação o que decidido por esta Corte nos autos da AgR-PetCiv 0600027-90/RJ, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, em que foi reconhecida a justa causa para desfiliação quando se tratava de incorporação entre agremiações. O relator assentou ser “inegável que a incorporação de um partido em outro fulmina toda ou, quando menos, substancialmente, a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, deixa de existir” (AgR-PetCiv 0600027-90/RJ, Rel. Min. Alexandre de Moraes).
Na hipótese ora enfrentada, temos fusão entre partidos que, à míngua de precedente específico no âmbito do TSE, a meu sentir, compartilha com o caso de incorporação certa similaridade.
Isso porque, com a fusão entre as agremiações, tem-se o nascimento de um terceiro partido, cujo estatuto não necessariamente refletirá as ideias centrais das agremiações originárias.
Será possível a manutenção desta ou daquela bandeira, mas, dificilmente, elementos importantes de um ou de ambos os envolvidos serão prestigiados no novo ideário partidário.
Dessa forma, entendo que é papel da Justiça Eleitoral, a partir da análise dos estatutos, indicar se a novel agremiação passou a defender ou mesmo recusar ponto relevante para o parlamentar, de modo que fique inviável a permanência no partido.
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que, embora o voto vencedor tenha assentado que, a partir do cotejo entre os estatutos no caso em apreço, não houve alteração substancial entre os programas partidários, compulsando nossa jurisprudência, colaciono precedente da lavra do Ministro Sérgio Banhos, nos autos do AREspE 0600047-78/SC, em que Sua Excelência, calcada em análise percuciente do TRE/SC, assentou a mudança significativa do estatuto do União Brasil, com relação ao estatuto do Democratas.
Por relevante, passo a transcrever trecho do citado decisum:
“[...]
Inobstante tal empecilho, verifico que, na espécie, a Corte Regional pontuou que, embora se tenha verificado que a agremiação extinta declarava-se independente, não existindo uma oposição explícita ou implícita contra o governo, as manifestações de Luciano Bivar, atual presidente do União Brasil, denotam que há uma clara e objetiva oposição da atual agremiação ao governo federal.
Ademais, o Tribunal acrescentou que existe uma lacuna nos princípios programáticos do União Brasil quanto aos temas ‘ampla liberdade de organização sindical’ e ‘eliminação do foro privilegiado’ (ID 157614145), (preceitos e valores partidários defendidos pelo extinto Democratas), de modo que tal fato traz consequências ao autor, pois esse deve respeito às diretrizes estabelecidas pelo novo partido, podendo, com base no regulamento contido no estatuto do União Brasil, em última análise, ser penalizado pela defesa da eliminação do foro privilegiado.
No ponto, o acórdão regional acrescentou, com base no art. 24, caput, da Lei 9.096/95, que, na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto, de modo que os pontos que não foram abrangidos pela nova agremiação, alteraram os valores do partido, causando impacto na atividade legislativa do demandante e nos seus direitos como filiado.
Por último, comparando os estatutos do extinto Democratas e da nova agremiação, o Tribunal de origem, ao analisar o argumento do autor de que o União Brasil tem um menor potencial de política intrapartidária, consignou que, de fato, houve supressão de direitos e garantias, uma vez que as mudanças estatutárias advindas da criação do partido retiraram, efetivamente, da convenção nacional, a possibilidade de que os representantes no Congresso Nacional exerçam seu direito de voto, conforme se depreende do art. 46 e seguintes, do estatuto do extinto Democratas, e do art. 47 do novo estatuto.
Mediante tal compreensão, em que pese os argumentos dos agravantes, verifico, por influência de todo o contexto ora apresentado, e com base nas distinções estatutárias colhidas na espécie, que o entendimento alcançado pelo Tribunal a quo está alinhado à jurisprudência desta Corte Superior, que exige, para caracterização da mudança substancial ou desvio de programa partidário, ‘evidências de alteração relevante da ideologia da agremiação’ (AgR-AI 0600571-60, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 6.8.2020), de sorte que a hipótese dos autos encontra, de fato, arrimo no art. 22-A, parágrafo único, I, da Lei 9.096/95.
[...].”
(AREspE 0600047-78/SC, Rel. Min. Sérgio Banhos).
No mesmo sentido é o parecer ofertado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, que fez expressa remissão ao seu parecer ofertado naqueles autos, tendo assentado que:
“O acórdão recorrido, comparando os programas do Democratas e do União Brasil, concluiu que houve alteração significativa em razão da ausência de disposição contrária ao foro especial por prerrogativa de função e favorável à ampla liberdade de organização sindical. E afirma que ‘esse fato traz consequências ao autor, pois esse deve respeito às diretrizes estabelecidas pelo novo partido, podendo ser, em última análise, penalizado pela defesa da eliminação do foro privilegiado’.
Quanto à posição do partido em relação ao Governo Federal, relatou que o DEM, embora declarasse não o apoiar formalmente, tinha dois dos seus filiados como Ministros de Estado e reservava suas críticas a situações avulsas, enquanto que, ‘com as manifestações de Luciano Bivar, atual presidente do União Brasil, podemos verificar que há uma clara e objetiva oposição da agremiação contra o governo federal. Além do mais, se levarmos em conta as desavenças mantidas entre Luciano Bivar e Jair Messias Bolsonaro, tal circunstância ganha bastante relevo para aqueles filiados que sejam oriundos do Democratas.’
O acórdão regional acrescentou que o estatuto do União Brasil, ao retirar o direito de voto de seus Deputados Federais e Senadores nas convenções partidárias, promoveu uma alteração substancial em relação ao regramento do DEM, já que os parlamentares eleitos terão que se submeter às decisões da convenção nacional, sem possibilidade de influenciar no resultado, pois não têm direito a voto. Arrematou, dizendo que ‘houve uma clara diminuição da democracia intrapartidária, o que ao fim e ao cabo suprimiu os direitos e garantias do autor’.” (págs. 3-4 do ID 158442587).
Dessa forma, diante do contexto acima delineado e atento aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, entendo como caracterizada, na hipótese, a justa causa para desfiliação do partido de origem, sem que essa acarrete a perda de mandato eletivo.
Isso posto, nos termos do art. 36, § 7º, do RITSE, dou provimento ao recurso especial eleitoral, a fim de julgar improcedente a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária proposta pelo União Brasil – Estadual.
Publique-se.
Brasília, 18 de dezembro de 2022.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
Relator